sábado, 28 de julho de 2012

O trovador solitário

Nunca fui de ídolos. Há artistas de todo tipo de arte e cientistas dos quais gosto bastante e por cujas vidas e obras me interesso com particular atenção, mas nunca tive esses impulsos de tremer, vibrar, sofrer por causa deles. E confesso um olhar algo reprovador sobre tais atitudes mas, enfim, cada um é que sabe onde a emoção aperta.

Foi somente depois de vários anos após sua morte é que comecei a me interessar por Renato Russo. Sempre gostei da Legião Urbana, mas por incrível que pareça não possuía nenhum disco dela. Em algum momento comprei Equilíbrio distante, o solo com canções em italiano, de onde você provavelmente conhece a versão de "La solitudine" (do repertório de Laura Pausini). Há mais ou menos 5 anos, contudo, o "Circuito Cultural Banco do Brasil" trouxe a Belém a peça biográfica do ator Bruce Gomlewski, que vi no Theatro da Paz. Foi uma catarse para o público presente. E uma emoção singular para mim. Depois um grande amigo me deu um presente: copiou todos os CD da Legião Urbana em formato .mp3. Gravei num CD que, depois do motor e do ar condicionado, é o item mais essencial do meu carro.

Naquele CD, conheci letras das quais nunca ouvira falar e Renato Russo se tornou o maior nome da música brasileira para mim. De todos os tempos e todos os estilos. Esta assertiva não é ideológica e muito menos proselitista: é estritamente pessoal. Não quero convencer ninguém; apenas dou minha opinião. Um dia, comprei uma miniatura do cara, daquelas de chumbo. Talvez você já tenha me visto escrever, aqui no blog, algo como "eu e Renato pensamos que..." Trata-se de uma alusão ao fato de que ele fica em cima da minha mesa de trabalho, aqui em casa.

Naquele CD, conheci letras das quais nunca ouvira falar e que se somaram a tantas outras que falavam como se eu mesmo as tivesse redigido (se tivesse talento para isso). Tenho um fraco por letras de canções, como no cinema pelos roteiros. É por esses caminhos que os artistas me conquistam. Não é o mise-en-scéne em cima do palco, mas a alma profunda por trás de toda concepção artística. Renato, assim, tornou-se o meu compositor favorito e, de certa forma, o meu porta-voz, como tantos antes já o disseram, pelos mais variados motivos.

Neste mês de julho, deparei-me casualmente (em geral é assim que encontro livros que me trazem grandes alegrias) com a biografia Renato Russo: o trovador solitário, do jornalista Arthur Dapieve, publicada pela Ediouro. O livro foi lançado em 2006 e de certo modo marcava o primeiro decênio da morte do cantor. A edição que adquiri (a 9ª) é praticamente idêntica à original. O próprio autor destaca mínimas alterações ("uma correção em prol da palavra justa aqui, uma atualização em prol da informação ali e uma seleção de fotos diferente"). A culminância da obra, porém, que é o seu epílogo,  permaneceu intocado, por razões emocionais.

Dapieve escreveu equilibrando o profissional e o admirador. Fez um trabalho primoroso, sem a secura do trabalho meramente jornalístico. Há envolvimento pessoal em suas palavras, que seguem uma ordem nem sempre cronológica, disposta mais pelo sentido dos acontecimentos do que pelo calendário, sem que, no entanto, o leitor se perca jamais.

Chamou-me a atenção, contudo, o destaque dado aos méritos de Renato como cantor; afinal, em minha modesta opinião, ele sempre cantou mal; era desafinado que dava dó. Mas agora entendo que isso atendia a proposta: um punk jamais faria um trabalho perfeitinho e virtuose. No começo da carreira, ao menos, a ordem era fazer a coisa intencionalmente defeituosa.

É provável que o brasileiro médio veja Renato Manfredini Jr. como mais um porra-louca talentoso, de que a história da arte está abarrotada por toda parte. Um jovem que fez enormes besteiras e estragou a própria vida, mas nesse meio tempo produziu uma obra fecunda e aclamada por fãs imorredouros e atemporais. Eu mesmo pensei assim. Já não pensava, mas precisei desta biografia para entender melhor em que medida Renato era um ser humano mais rico e valioso, num patamar que o preconceito contra o rock e os roqueiros não consegue cogitar.

Penso que Renato tinha o espírito dos poetas do Romantismo: repleto de amor, mas concentrando esse sentimento em musas inalcançáveis; dominado por uma solidão que o oprimia e fascinava ao mesmo tempo. Autodestrutivo. E com uma aguda visão política sobre o mundo que o cercava. Poeta romântico e crítico de seu tempo: nada mais óbvio eu me encantar por ele.

Senti falta, apenas, de o livro não abordar em momento algum um capítulo importante da vida de Renato: as circunstâncias em que ele se tornou pai. A peça de Gomlevski tratava disso, mas foi posterior. Pergunto-me se não teria havido uma restrição da família do cantor, quando procurada pelo jornalista. O fato é que a mãe de Giuliano nunca é mencionada e o fato de Renato ser pai é citado quando ele faz tratamento para se desintoxicar do álcool, pensando na família e particularmente no filho.

Não adianta falar sobre o livro, porque me perderia em tergiversações. Se é do seu interesse, leia. Porque lhe dará uma dimensão humana sobre Renato que as pessoas não possuem.

Como já disse mais de uma vez, eu gostaria de ser escritor, se tivesse talento. Gostaria de escrever um belo romance, cujo título talvez fosse Sagrado coração. Seu protagonista se chamaria Renato e os personagens seriam Eduardo, namorado da Mônica; João, apaixonado pela Maria Lúcia; Pablo, Jeremias (o vilão), uma professora Adélia, uma Leila, uma Mariane, um Dado, que seria viciado. Se eu conseguisse me inspirar um pouco no trovador, talvez criasse uma estória digna de ser lida.

2 comentários:

Ana Miranda disse...

Renato, Renato, mil vezes Renato!!!

Fui, sou e sei que sempre serei fã!!!

Yúdice Andrade disse...

Sempre!
Força sempre.