terça-feira, 31 de outubro de 2006

Impedido de ver o filho por rejeitar tratamento psiquiátrico

Texto extraído da página de notícias do Superior Tribunal de Justiça:

Pai que se recusa a fazer tratamento psiquiátrico tem guarda de filho suspensaA Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) que suspendeu o poder familiar de R.V.B em relação ao seu filho. O Tribunal determinou, ainda, a suspensão de visitas paternas devido ao fato de o pai se recusar a fazer um tratamento psiquiátrico.
O Ministério Público ajuizou ação de suspensão de poder familiar contra os pais do menor A. T. B. Os dois se separaram judicialmente em outubro de 1998. A guarda do filho, que na época tinha apenas um ano e oito meses, ficou com a mãe, que passou a ser a responsável pelos dias e horários de visita do pai. Em virtude da discussão a respeito da guarda da criança e das visitas paternas, que foram suspensas no decorrer do processo, os autos da separação foram remetidos para o Juizado da Infância e da Juventude.
O Ministério Público, em pedido de liminar, opinou para que os pais passassem por uma avaliação psicológica e psiquiátrica, devido à violação dos direitos do filho. Opinou, ainda, para que a suspensão da visitação paterna fosse mantida, pois a criança encontrava-se em grave situação de risco, sofrendo abusos emocionais, em razão da conduta de seus pais, em especial à do pai , o qual, de acordo com o laudo pericial, apresenta “transtorno paranóide de personalidade”.
Em primeira instância, o pedido foi parcialmente provido para decretar a suspensão do poder familiar do pai sobre o filho. Determinou também que ele fosse encaminhado para um tratamento psiquiátrico e requisitou a criança um tratamento psicológico, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O pai apelou da decisão. O recurso foi negado ao entendimento de que o convívio paterno não se mostrava positivo para o equilíbrio e desenvolvimento psíquico da criança. Inconformado, ele recorreu ao STJ. Para tanto alegou que a decisão de suspensão do poder familiar a ele imposta, sem direito a visitar o filho, ante a sua negativa de se submeter a tratamento psiquiátrico, foi tomada com base em instrução probatória insuficiente e desigual, sem o devido contraditório.
Em sua decisão, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, sustentou que ao menor, hoje com nove anos de idade, pela perspectiva de proteção integral conferida pelo ECA, assiste o direito à convivência familiar, incluindo a presença do pai, desde que tal convívio não provoque na criança perturbações de ordem emocional, que foram comprovadas nas instâncias anteriores, após as visitas paternas. A ministra destacou, ainda, que, para minimizar tal efeito nocivo, sempre pensando no bem-estar da criança, impõe-se apenas uma condição para que as visitas do pai sejam restabelecidas: ele se submeter ao tratamento psiquiátrico conforme determinado pelo TJ/RS.

Seja como for, pai e filho estiveram separados por todo esse tempo. Foi necessário, eu sei, mas quantos danos emocionais isso poderá custar à criança? Todo mundo quer conhecer seu pai e ela não pode chegar perto do seu.
Quem arcará com os efeitos da inoperância do Judiciário?
Não disponho sequer de informações que me permitam avaliar mais a fundo essa decisão do STJ. Em princípio, parece-me correta, mas destaco que o processo se arrasta há mais de sete anos, sem decisão definitiva, o que certamente contribui para aumentar o sentimento de inconformismo das partes.

O corvo e o olhar dos malditos

Edgar Allan Poe entrou para a história como um dos precursores da literatura de mistério e suspense. Seus méritos são indesmentíveis. Seria difícil indicar, da sua obra, o que é melhor, mas recomendo a leitura do conto "O poço e o pêndulo". Quanto aos poemas, o meu favorito é, de longe, "O corvo", provavelmente seu maior sucesso em versos.
Obviamente, o original está em inglês. O texto abaixo — uma versão para a Língua Portuguesa — constitui outro triunfo: saiu da pena de Fernando Pessoa, igualmente instalado entre minhas predileções. O bardo português conseguiu versar o poema respeitando sua métrica, mantendo as rimas. Enfim, uma perfeição.
O poema é longo, mas merece ser lido na íntegra. Aliás, por que isso seria um problema? Fica como uma resposta, belíssima, às críticas que meus olhos receberam. Recebam todos meus calorosos abraços, nesta terça-feira agradável.

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."



Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".


E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.


A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."


Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.


E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".


Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".


Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".


A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".


Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".


Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!


Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".


"Profeta", disse eu, "profeta — ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta — ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse.
"Parte! Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".


E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Chinês fracassa em sua 100ª tentativa de suicídio

Esta foi publicada pela Globo, hoje. Pelo visto, para esse pobre homem, definitivamente a vida não presta. Mas o que ele tem de desgostoso, tem de incompetente. Ou de mentiroso, se estiver apenas querendo chamar a atenção. Ou de sortudo, se a sua equipe de anjos da guarda estiver dando conta do recado, mesmo contra tantas adversidades.
E que mulher é essa que faz isso com um homem?
Um homem de meia idade na cidade chinesa de Ningbo tentou suicídio cem vezes nos últimos três anos, mas todas as suas tentativas acabaram frustradas, informou a imprensa estatal.
Com uma forte depressão desde que se divorciou de sua esposa, em 2003, o homem, apelidado de Shi, tentou suicidar-se de todas as maneiras possíveis.
Na última semana, a polícia o resgatou quando ele tentava se enforcar em uma árvore, na cidade oriental de Nankin.
Embora não existam estudos completos sobre o fenômeno do suicídio na China, o Ministério da Saúde calcula que cerca de 350 mil chineses se matem a cada ano, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) coloca o país no 26º lugar em relação à taxa de suicídios.
A China é praticamente o único país do mundo onde a taxa de suicídios é maior entre as mulheres do que entre os homens, de acordo com a OMS.

Deu a louca nas jovens mães

Semana passada, uma jovem mãe de 25 anos deixou sua filha no carro para ir a um show de pagode. Escrevi sobre isso, na oportunidade. Agora, outra jovem mãe, ainda mais nova, foi acusada de colocar cocaína na mamadeira de sua filha. Eis a matéria da Folha:


Uma mulher de 21 anos foi presa ontem em Taubaté (130 km de SP) acusada de matar a filha de 1 ano e 3 meses por overdose de cocaína. Ela forçava a criança a ingerir a droga misturada ao leite da mamadeira. À polícia, a mulher afirmou que não se lembrava de ter cometido o crime. Ela admitiu que já foi dependente de cocaína, mas diz ter superado o vício.
Há 15 dias, ela acusou um médico residente do Hospital Universitário, onde a filha morreu, de tê-la estuprado enquanto a menina recebia atendimento. A pequena Victória vinha sendo internada por causa de convulsões há cerca de quatro meses. Médicos de diversas especialidades examinaram a criança, mas a causa das convulsões só foi descoberta com sua morte.
Na noite de anteontem, ela foi levada ao hospital com parada cardíaca. Victória chegou a ser reanimada, mas morreu por volta das 10h30 de ontem. Os médicos notaram que havia cocaína na garganta e na língua da criança. A polícia foi avisada, e a mãe, presa no hospital. Na casa dela, foi encontrada uma mamadeira com a mistura de leite e cocaína.
Segundo o delegado que investiga a morte de Victória, Paulo Roberto Rodrigues, a mulher afirmou ter "lampejos de memória". "Disse que, conscientemente, não obrigou a filha a consumir cocaína, mas que não tem controle do que acontece quando o inconsciente aflora", contou o delegado.
A mulher tem outro filho, de cerca de 5 anos. Ele deve ficar sob a guarda dos avós maternos. Rodrigues afirma que não pode relacionar a morte da criança com a queixa de estupro. "São investigações diferentes", diz. A polícia recolheu sêmen do médico e agora aguarda laudo que ateste se ele cometeu ou não o abuso.

Se é verdade o que diz o delegado, quanto ao depoimento da acusada, se ela disse que "não tem controle do que acontece quando o inconsciente aflora", é possível que esteja, conscientemente, criando as condições para que seu advogado sustente, mais à frente, a tese da inimputabilidade, o que a deixaria completamente impune. 

Faz sentido: a dependência de entorpecentes é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como doença e seus efeitos podem, de fato, suprimir a sanidade mental de uma pessoa, permanente ou provisoriamente. Bastaria que a acusada estivesse alheia de si no momento da conduta (no momento em que deu mingau de cocaína para a criança), para escapar da prisão. Seu caso seria de tratamento de saúde, não de prisão.

Mas essa versão é verdadeira ou está sendo muito bem costurada? A moça, vitimada pelas drogas, perdeu mesmo o juízo ou seu juízo é até bom demais? E, afinal, tendo recobrado a lucidez, ela ao menos está sofrendo a morte da filha?

Atualização em 31.10.2006, às 10h33

A Globo divulgou que Daniele Toledo do Prado, mãe de Victória, foi espancada na cadeia em que se encontrava, no Município de Pindamonhangaba. Foram as companheiras de cela que a espancaram, provocando vários hematomas na cabeça e fratura do maxilar. Pela sede das lesões, parece que a intenção era matar.

Atualização em 18.12.2014:

Relendo a postagem hoje, repudio o meu açodamento de noticiar o fato desta maneira, considerando que o presente caso se tornou muito emblemático do que é a repressão penal no país, particulamente no que tange ao comportamento da polícia e da mídia. Isto porque, como se provou depois, Daniele do Prado era inocente. Exames toxicológicos comprovaram que não havia qualquer droga na mamadeira da criança. Não se sabe do que a menina morreu, mas a acusação era falsa.

Saiba mais lendo aqui.

Oligarquias — que delícia!!

As oligarquias, que por definição são velhas no sentido ruim da palavra, no pior sentido da palavra, estão morrendo pelo Brasil afora. Finalmente! Delicie-se comigo lendo a respeito aqui.

Que bicho que deu?

Com o resultado da eleição ao governo estadual, quem se deu bem foram o impoluto ex-contraventor Mário Couto, eleito senador com um apoio que ainda valia de alguma coisa, e Manoel Pistoleiro, cuja votação individual revela o seu poder de fogo, seja lá qual for a origem desses votos. Se os bichos do jogo tinham pretensões ao Executivo de Belém, agora devem estar crescendo os olhos para o estadual, à míngua de outros nomes do próprio PSDB com densidade eleitoral suficiente para enfrentar uma campanha na oposição.
É por essas e outras que digo: com esses prognósticos, que será de nós?

domingo, 29 de outubro de 2006

Governo estadual petista

Honestamente, não espero que o PT faça um governo marcante. Edmilson decepcionou na prefeitura e Lula, ainda mais na presidência. Edmilson não tinha apoio de ninguém, mas Lula navega em mares que só lhe são desfavoráveis por culpa própria e de sua turma.
Ana Júlia enfrentará o que Edmilson teve em âmbito municipal: será implacavelmente perseguida pela imprensa maiorânica, já que os débitos com Jader Barbalho não permitirão uma aproximação com esse grupo. Sendo a composição da Assembleia Legislativa quase toda de oposição, farão de tudo para atrapalhar seu governo e de fato conseguirão, naquilo que o Executivo depender do Legislativo. Suas contas estarão sempre na mira do Tribunal de Contas. Haverá algozes por todos os lados.
Mas quer saber? Isso pode ser muito bom. Indecente é um governo blindado, capaz de fazer as piores atrocidades com a certeza da impunidade, como tivemos ao longo de 12 anos. Agora, perseguida por incontáveis inimigos, ou Ana Júlia mostra serviço ou enterra de vez o PT no Pará. Está mais do que na hora desse povo crescer e aparecer — fazendo coisas boas.
E para Ana Júlia mostrar que mereceu o meu voto, eis a exigência que lhe faço: chame Ministério Público e Poder Judiciário às falas. Mande desengavetar tudo que está engavetado. Mande apurar todas as acusações de corrupção, crime eleitoral e abuso de poder econômico-político que foram jogadas para baixo do tapete todos esses anos. Pode ser a sua chance de repor um pouco da verdade dos fatos.
Todo o Pará sairá ganhando.

Ana Júlia eleita governadora

Não adiantou o uso inclemente da máquina pública, a blindagem imoral feita pelo Legislativo, a conivência criminosa de outros poderes públicos, que deveriam ser imparciais, os conchavos com o empresariado, a defesa histérica feita por aquele grupo de comunicação, o abuso de poder econômico e o derrame de material amarelo despejado nas ruas, financiado com os 430 mil reais de dinheiro público. O PSDB, depois de doze anos, está derrotado no Pará!!
Com que delícia minha boca se abre para pronunciar estas palavras! Que deleite meus dedos experimentam ao escrevê-las!
Agora, teremos os Maiorana só no sapatinho. Não teremos mais Paulo Chaves com sua arrogância descomunal e sua pseudopolítica cultural elitista, nem Santino e sua incompetência para a segurança pública. Acabaram também Fernando Dourado e Sérgio Leão.
Mas o melhor de tudo, o melhor de tudo mesmo, é pensar que Jatene, o nosso Macaco Ensopado, era um candidato com menor índice de rejeição, por conta do seu jeito mais diplomático. O Canceroso, com sua convicção de superioridade sobre todos, despertou antipatias suficientes para ser derrotado agora — ele, que impôs sua candidatura sobre o outro, na certeza de ser o melhor candidato. Ou seja, se a tucanalha tivesse apostado na re-eleição do cantor, teria levado, talvez. Mas com o fumante, levou farelo.
Almir Gabriel — só agora consigo dizer seu odioso nome —, em sua egolatria insana, acreditou que nenhum candidato seria melhor do que ele, mas o partido perdeu justamente por causa dele. Sem dúvida, esse é o seu maior e mais merecido castigo. Estou de alma lavada. Agora ele pode botar seu pijama e voltar para suas orquídeas, pois nada mais lhe resta. Duvido que o partido lhe esteja grato.
Almir Gabriel é passado. Página virada. Gragas a Deus.
Quanto a Jatene, nem ministro de Alckmin, nem secretário estadual que ia revolucionar a educação no Pará e no universo. A ele, um banquinho e um violão. É muito mais do que merece.

A tal biografia (parte 2)

Ok, a votação ainda nem terminou, mas ninguém pode esperar, a sério, uma surpresa diante dos prognósticos trazidos por todas as pesquisas divulgadas desde o primeiro turno. Dentro de algumas horas, Lula será declarado re-eleito e, com isso, dá novo alento a sua biografia, sobre a qual elucubrei em postagem de 15 de outubro passado.
Como eu dizia, perder este pleito implicaria em arruiná-lo no cenário político nacional, já que sua imagem ficaria associada a escândalos de corrupção, à incapacidade de assumir responsabilidades, à falta de aptidões intelectuais dada sua insistência em nunca saber de nada, além de outros problemas. Acima de tudo, seria a maior decepção política da história brasileira e uma das maiores do mundo. Lech Walesa, famoso líder sindical que acabou presidente da Polônia em 1990 (além de ter recebido o Prêmio Nobel da Paz em 1983), também não fez um bom governo, não sendo re-eleito em 1995. Com isso, teríamos dois ex-líderes sindicais fazendo governos pífios e sendo rejeitados pelo povo, em contextos sócio-político-geográficos diferentes, em períodos diferentes. Creio que isso acirraria as dificuldades de sucesso de outro político com perfil semelhante.
Ocorre que Lula é um fenômeno. Cercado de lama por todos os lados e abandonando seus amigos e aliados um a um, quando preciso, gera para si uma firme imagem de inconfiabilidade: nem o povo nem seus tradicionais companheiros podem esperar muito dele. Sem demonstrar nenhum interesse por estudar e insistindo em seu jeitão de aprendi-com-a-vida-e-isso-basta, falando bobagens em seus improvisos, cometendo gafes atrás de gafes, fazendo gastos duvidosos (o "Aerolula") ou indecentes (os cartões de crédito corporativos), tomando decisões polêmicas e inúteis (como no caso do jornalista Larry Rotter), metendo-se em alianças sórdidas (com o PMDB e seu Sarney), há incontáveis motivos para se falar mal de seu governo e dele mesmo, como pessoa.
Lula, porém, segue vitorioso. Sua re-eleição lhe dá força para persistir como está. As primeiras análises que li sugerem que a oposição será obrigada a baixar o tom nesse segundo mandato, pois não adianta fustigá-lo: o povo o aprova. Bater nele representa prejuízos graves — que o diga Antônio Carlos Magalhães. Então o jeito vai ser fazer oposição mas, na hora de dizer não, terão que dizer "não, obrigado".
A única explicação que encontro para esse sucesso, contra tudo e todos, é que Lula tem mesmo a cara do povo. De algum modo, é isso. Quem escolhe é a maioria e a maioria, neste país, tem necessidades básicas, como comer e arrumar um trabalho. Quem transita nesse estágio não tem condições de se preocupar com ideologias e nem mesmo com ética. Não se esqueçam que este é o país do rouba, mas faz.
Desaprovo o governo Lula, mas votei nele. Incoerência? Não. Meu ódio imarcescível pelo PSDB e por qualquer partido de tradicional direita nesta país me parece coerente. Faço o que for preciso para impedir que retomem o poder. Para mim, ruim com Lula, pior sem ele. Se não posso impedir que oligarquias mandem neste país, tentarei derrotar as que sempre se locupletaram dele. Quero ver os poderosos humilhados. "Os reis caminhando nus com a ira das potestades", como canta Zé Ramalho.
O duro é pensar que o PT se resume a Lula. Em 2010, não haverá nome para a presidência que sobrepuje todas as mazelas em que o partido se envolveu. Então os nomes mais fortes serão novamente do PSDB: Serra, Aécio Neves e o próprio Alckmin. Agora é esperar que eles se engalfinhem pela candidatura e se implodam. Mas muita água ainda vai correr...

Acréscimo em 8.9.2011
Os principais nomes do PT foram caindo... envolvidos em escândalos de corrupção. Mas o fenômeno Lula fez sua sucessora. Era um fenômeno maior do que se pensava.

sábado, 28 de outubro de 2006

Policiamento ostensivo na cidade

Dirijo meu carro pelas ruas de Belém e vejo, com satisfação, viaturas policiais por toda parte. Lá estão nossos briosos combatentes do crime, à disposição da população.
O problema é que amanhã, às 17 horas, acabam as eleições. A essa altura, não haverá mais na rua nenhuma viatura que não esteja associada aos trabalhos eleitorais. A partir daí, nunca mais veremos uma viatura à disposição do cidadão.
Estaremos entregues, de novo, à boa e velha e habitual sensação de insegurança. Valha-nos quem?

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Cirurgias

Meu irmão se submeteu à cirurgia de gastroplastia no dia 31 de março último. Nunca se recuperou a contento. Recentemente, soubemos que o motivo eram pequenas e perigosas pedras na vesícula (o tamanho facilita a migração das mesmas), que poderiam ter sido identificadas há mais tempo, por meio de uma ultrassonografia, solicitada por uma médica que atendeu meu irmão numa emergência hospitalar. No entanto, o cirurgião que faz o acompanhamento se recusou a pedir tal exame. Excesso de confiança ou sei lá o quê. Seja o que for, como leigo, desaprovo sua conduta. Tivesse agido diferente, teríamos sido poupados de meses e meses de mal estar interminável, ainda que fosse impossível escapar da cirurgia propriamente dita.
Meu irmão está sendo operado neste exato momento. Meus pensamentos estão concentrados nisso. Não consigo pensar em nada profundo ou espirituoso sobre que escrever. Amanhã retornarei, se Deus quiser, com boas notícias.

Atualizado 28.10.2006, às 16h42
Graças a Deus, a cirurgia por videolaparoscopia, muito menos agressiva, foi realizada com sucesso. Foi extraído menos que um dedal de uma areiazinha fatal. Impressionante, não? Meu irmão passa bem e esté em casa desde hoje de manhã.
Agradecemos as manifestações de carinho, virtuais e pessoais. Muitos abraços a todos.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Para quem não passou no Exame da Ordem

Em 2003, um desses apresentadores de programas sensacionalistas de rádio ofendeu a honra de certa pessoa, em situação que caracterizava, em tese, os crimes de difamação e injúria. O ofendido, um advogado, pediu judicialmente direito de resposta e foi atendido. Quando a emissora recorreu, um de seus argumentos foi de que o requerente perdera o prazo de 60 dias para requerer a resposta. Pediu, assim, que fosse declarada a prescrição do direito, escrito em caixa alta e negrito. As palavras "prescrição" e "prescrito" aparecem cinco vezes nas razões da apelação, sendo a primeira novamente usada numa petição posterior.

Ocorre que o prazo aludido está previsto no art. 29, § 2º, da Lei n. 5.250, de 1967 — Lei de Imprensa, in verbis: "A resposta, ou retificação, deve ser formulada por escrito, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da data da publicação ou transmissão, sob pena de decadência do direito" (negritei).

Quem transita pelo mundo do direito sabe a diferença entre prescrição e decadência. Bastaria ler o dispositivo acima transcrito para perceber que se trata de um prazo decadencial e não prescricional, mesmo que não estivesse escrito ostensivamente, como de fato está. Ou seja, a peça recursal incorreu num erro elementar, a par de uma inacreditável incapacidade de leitura.

Quem acompanha o Exame de Ordem, em especial as provas subjetivas, sabe que ele tem sido feito para derrubar o candidato. Assim, os professores corregedores se prendem a detalhes, por vezes secundários, para fazer descontos imensos ou até zerar as respostas, provocando as reprovações maciças que temos visto. Um candidato que trocasse decadência por prescrição seria fulminado na prova. Se recorresse, alegando que apenas usara um vocábulo incorreto, mas o conteúdo estava certo, receberia de volta aquelas respostas, que já vi tantas, nas quais o corregedor trata o recorrente como idiota. Em jargão jurídico, mas idiota. A tônica seria: não merece ser advogado quem não sabe, sequer, a diferença entre prescrição e decadência.

Pois bem, jamais direi — nem mesmo sob tortura — o nome do colega advogado que cometeu esse erro crasso, mas posso assegurar que se trata de pessoa umbilicalmente vinculada ao Exame de Ordem no Pará há anos — e cuja fama de professor inclemente não perdoaria um deslize dessa magnitude.

Sempre defendo o Exame de Ordem em si mesmo, por entender importante aferir a qualificação dos egressos das faculdades, ao mesmo tempo em que condeno o caráter pouco ou nada pedagógico que tem demonstrado até aqui. Justamente por isso, sabendo que todo dia os advogados cometem os seus pecadinhos, inclusive aqueles apresentados como luminares, não posso aceitar que um recém-formado, naturalmente inexperiente, e muitas vezes tenso por saber que, reprovado, não poderá advogar, seja submetido a rigores excessivos e desvinculados de uma finalidade pedagógica devidamente refletida e demonstrada.

Em suma, está mais do que na hora de o Exame da Ordem virar assunto de professores-educadores, e não daqueles que não têm vergonha de declarar que "são advogados e estão professores". Enquanto o foco for este, não pode dar certo.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Precisamos de mais iniciativas assim


Leia e assista. Depois... dá cá um abraço?

Privatização de florestas?

Profligar significa debater com uma pessoa, tentando desdizê-la com os seus próprios argumentos. É o que tenta, desesperadamente, fazer o jornal oficial do governo estadual, numa atitude vergonhosa, que mereceria repulsa e punição, se o Brasil tivesse alguma seriedade.
Tendo em vista que Lula e Ana Júlia insistem no tema da privatização, tão querido à tucanalha, para atacar seus adversários, O Liberal hoje dá destaque a uma ridícula matéria sobre "uma das maiores privatizações da História", mediante a qual o Governo Federal estaria fazendo com as florestas brasileiras o mesmo que FHC fez com a Vale do Rio Doce e o Canceroso com a Celpa.
Na matéria, irresponsável a ponto de ser criminosa, o escrevinhador (não direi jornalista, em respeito a esses profissionais), distorce a Lei n. 11.284, de 2.3.2006, que ganhou o nome de "Lei de Gestão de Florestas Públicas". Quem tiver interesse, leia a íntegra aqui.
Ainda não estudei a lei com a atenção que ela exige — já que seu conteúdo é complexo mesmo para alguém que lida com as letras jurídicas há alguns anos, como eu —, por isso terei a decência de não falar do que não sei — exemplo que deveria ser seguido. Só quero destacar que a aludida lei prevê a exploração racional dos recursos florestais, seja diretamente pelo poder público, seja através de contratos de concessão florestal, que deverão ser licitados. Os mecanismos legais para implementar a medida são rigorosos e não prescindem do óbvio: o licenciamento ambiental.
Por conseguinte, a iniciativa privada poderá, sim, explorar os recursos florestais, desde que de forma sustentável. E a concessão não é definitiva, ao contrário da Vale e da Celpa.
Ora, direis, a lei pode ser burlada e os concessionários podem lesar seriamente o meio ambiente. E eu respondo: lógico! Os brasileiros têm um talento enorme para conspurcar as boas ideias. Mas não há meios legais, técnicos ou morais de impedir que isso ocorra, ainda mais num país em que a corrupção é endêmica.
O fato é que os agentes públicos e principalmente os empresários sempre lutaram contra as teorias edênicas, aquelas que preveem a preservação absoluta do meio ambiente. Sempre se defendeu a exploração racional, em benefício de todo o país e, em especial, das comunidades diretamente influenciadas pela exploração. Agora que se achou um meio legal para fazer isso, o governo federal receberá predadas? E justamente dos grupos que só têm o lucro como meta, mandando às favas a segurança ambiental e a justiça social?
Lembro, por fim, que a Lei de Gestão de Florestas Públicas, como lei que é, não constitui expressão da vontade do presidente, apenas, mas do Poder Legislativo, que aprovou o texto. E, na teoria, os parlamentares representam a sociedade. Por isso, devemos discutir se essa medida é mesmo boa e pode ser implementada. Mas não jogar nas costas largas do governo uma responsabilidade que é muito mais ampla.
Com a palavra, os estudiosos do Direito Ambiental e congêneres (categoria na qual não se incluem os ecochatos).

Assassinatos de meninos

Nesta madrugada, o mecânico Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, 41, foi condenado a 19 anos de reclusão, por homicídio qualificado, e um ano e oito meses, por ocultação de cadáver. A vítima foi Jonatham Silva Vieira, então com 15 anos (2003). O crime ocorreu no Município maranhense de São José de Ribamar. O réu ainda pode ser julgado por outras 30 mortes no Estado vizinho e 12, aqui no Pará.
A condenação pode mexer com os brios de pessoas por estas bandas, já que o mecânico psicopata é acusado de matar e emascular crianças paraenses, na região de Altamira, por volta do ano de 1993. Isso repercute sobre um dos capítulos mais tumultuados da história judiciária paraense.
Por aqui, foi a vidente Valentina de Andrade — maluquete e farsante até a raiz dos cabelos —, líder de uma seita argentina de alucinados, quem foi julgada, juntamente com dois médicos (Césio Brandão e Anísio Ferreira) e com um sedizente comerciante (Amailton Ferreira), que na época era metido a playboy e aventureiro cosmopolita.
Conheço o caso porque trabalhei nele durante meses, preparando o voto dos recursos de apelação, julgados pela 1ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará em 28.4.2005. Nesse julgamento, foram mantidas as condenações dos três últimos réus e anulado apenas o julgamento de Valentina de Andrade que, para surpresa geral, fora absolvida pelo tribunal do júri. Ela deverá ser submetida a novo julgamento, assim que os tribunais superiores concluírem a etapa de recursos especial e extraordinário. Sabe-se lá quando...
Seja como for, duvido que algum dia vejamos Valentina por estas paragens de novo. Ela se diz pobre, mas é sustentada pelos lunáticos argentinos para os quais é uma espécie de criatura divina. Vai rodar o mundo, esbanjando excentricidades. E como tem mais de 70 anos, logo estará livre, beneficiada pela prescrição, que fica reduzida pela metade (no caso, 10 anos).
Enquanto isso, os supostos comandados permanecem condenados. Conseguiram, ao menos, voltar às ruas.
Depois de enfrentar os 67 volumes desse processo e ler à exaustão depoimentos e perícias, tenho a convicção pessoal de que a verdade sobre esse caso jamais será descoberta. As famílias não terão a paz que merecem.
Fica a prova de que uma polícia ineficiente e despreparada, negligente com vítimas pobres e influenciável por acusados socialmente destacados fulmina a chance de se punir criminosos bárbaros. No caso dos emasculados de Altamira, as investigações só começaram para valer anos mais tarde, com a interferência da Polícia Federal. Aí já era tarde. Temos muito a lamentar.

Acréscimo em 8.9.2011
Valentina de Andrade se aproveitou da prescrição do crime para representar contra o Brasil perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que se baseia no Pacto de São José da Costa Rica. Só falta, um dia, nosso país ser condenados por violar direitos dessa senhora. Mas insisto: o desfecho dessa história foi culpa das autoridades locais.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Abandono não; irresponsabilidade, mesmo

Notícia publicada no site da Globo hoje:


Uma mulher de 25 anos foi detida na madrugada desta terça-feira (24) após abandonar a filha no carro para ir assistir a um show de pagode. Por volta das 23h, Kátia de Paula Torres deixou seu carro em um estacionamento na Rua Tagipuru, na Barra Funda, Zona Oeste, e seguiu em direção a uma casa noturna da região onde o grupo "Exaltasamba" se apresentava.
Cerca de duas horas o manobrista do estacionamento estranhou o som que vinha de dentro do veículo deixado por Kátia, que parecia ser o choro de uma criança. E era. Kátia havia deixado a filha, Maria Fernanda Torres, de apenas um ano e um mês, dormindo no carro.
O manobrista chamou a polícia, que levou a menina para o Hospital das Clínicas. Depois de algum tempo, os policiais encontraram Kátia. Ela foi detida e pode ser indiciada por abandono de incapaz.
O crime de abandono de incapaz, mencionado na matéria, está previsto no art. 133 do Código Penal e consiste em "abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono". A pena é de 6 meses a 3 anos de detenção, se não sobrevierem danos graves à vítima.


Ocorre que, como crime que é, a conduta de abandonar exige dolo: no contexto, é a vontade de, mediante o abandono, expor a vítima a perigos físicos. Talvez a reação social ao caso provoque algum exagero sobre a conduta de Kátia, embora não se possa ignorar a possibilidade de dolo eventual. Ela queria se divertir no show e depois pegar a filha de volta. Logicamente, isso não é abandono, no sentido leigo da palavra. Mas pode configurar o crime, pois o sentido penal de abandono é diferente, correspondendo a um afastamento físico que seja capaz de colocar o incapaz, no caso a criança, em perigo concreto.

Kátia é uma jovem de 25 anos, provavelmente ainda imbuída dessa mentalidade de que ser jovem é curtir-curtir-curtir, cuja ficha para a maternidade talvez ainda não tenha caído, mesmo já se tendo passado quase dois anos desde que descobriu a gestação. Pode ser, quem sabe, um espelho do descompromisso com que a juventude tem encarado a vida, depois que os nossos herois morreram de overdose e os nossos inimigos chegaram ao poder.

Normalmente, esquecimentos de bebês em carros ocorrem devido ao estresse provocado por uma rotina estafante. A menor alteração nela e o indivíduo pode não dar conta das peculiaridades do dia. Não é o caso. Kátia esqueceu a filha — ou deliberadamente a deixou no carro "só um instantinho", o tempo do show — para se divertir um pouco, para se premiar pelo muito que ela pensa estar se esforçando. Não houve dolo de machucar a criança; não tenho razões para supor isso. Mas houve uma colossal irresponsabilidade. A sorte da pequena Maria Fernanda foi ter sido largada durante a noite, escapando de morrer asfixiada sob o sol de um dia quente.

Embora haja o que questionar do ponto de vista social, Kátia cometeu um crime em tese. Não é correto condená-la moralmente só para dar vazão à nossa raiva pelo que fez. Mas é bem provável que receba uma pena e alguma coisa precisa ser feita para que ela compreenda a gravidade de seu gesto. Não pelo pecado de gostar de pagode, mas pelo desleixo que, em última análise poderia custar uma vida.

Antes de julgá-la, porém, devemos nos perguntar: Será que ela está sofrendo com o que aconteceu? Será que pediu perdão à filha? Terá finalmente entendido e merecerá uma segunda chance? A exposição que agora sofre não será castigo suficiente?

Adendo em 26.10.2006, às 8h59

Kátia prestou depoimento na polícia, alegando haver deixado a criança dormindo por volta de 23h30 da segunda-feira, 23. Quem encontrou a menina foi um manobrista, que escutou seu choro à 1h45 e acionou a polícia. Maria Fernanda foi levada a um hospital e passa bem. Permanecerá ali até que a Justiça decida o seu destino.

Kátia deveria prestar um segundo depoimento ontem, mas faltou.

(Texto revisado em 18.12.2014)

Os irmãos inimigos

Os irmãos inimigos é um romance do escritor grego Nikos Kazantzakis, que ficou mais famoso por obras como Zorba, o grego e A última tentação. Aqui, contudo, é apenas um chamariz poético para por em questão as dissensões internas verificadas no Brasil. O filósofo John Locke, em seu Segundo tratado sobre o governo, apontava a existência de facções, na sociedade, como uma das principais causas de sua ruína. A unidade era importante, portanto.
Gilberto Dimenstein, respeitável jornalista citado aqui mais de uma vez, escreveu que a atual campanha à presidência da República fomentou ódios contra os paulistas. Leia. Ele defende o muito que São Paulo fez por nordestinos e seus descendentes, como ele mesmo.
Meu mote é um pouco diferente. De fato, São Paulo fez e faz muito pelo Brasil, mas não é essa a questão. O problema seria um governo muito voltado para uma região de um país continental, em detrimento das demais, qualquer que fosse a privilegiada — como se sugere que um eventual governo Alckmin seria. Amazônida sou, mas nem por isso espero um governo que só olhe para a Amazônia. O que espero é um governo que, sim, invista nas muitas áreas geográficas que têm sido tradicionalmente abandonadas — a Amazônia, o sertão nordestino, o meio norte, etc.
É fato que São Paulo está muito mais desenvolvido e sua industrialização, turismo, negócios e outros ramos lhe dão fôlego para oferecer um pouco de solidariedade aos irmãos que não gozam das mesmas vantagens.
Também é fato que as diferenças no desenvolvimento das regiões cria as condições para bairrismos. Ou a história de que nordestino em São Paulo só serve para porteiro é lenda urbana? Não disseram os paulistas que carregavam o Brasil nas costas? Não existe, até hoje, um movimento separatista no sul, mais especificamente no Rio Grande do Sul, que numa corruptela farroupilha quis fundar, há menos de duas décadas, uma República dos Pampas? Elba Ramalho não foi censurada, nos anos oitenta, por gravar uma canção que a cada final de estrofe repetia "Imagine o Brasil ser dividido e o nordeste ficar independente"?
E o que dizer das rusgas entre paraenses e maranhenses, fundada na alegação de que havia (ou há) uma política dos governos maranhenses de mandar seus miseráveis fazer favela no Pará? Com efeito, as favelas locais são abarrotadas de maranhenses.
Mais incompreensível é o ódio entre paraenses e amazonenses, com estes nos mandando dardos frequentes, sem que haja muitas diferenças entre nós, quanto ao nível de abandono pelos governos federais.
Vivem dizendo que o brasileiro é um povo solidário. Será? Quem estaria disposto a esperar investimentos, para que os mais pobres do que nós tenham uma pequena primazia de alguns anos?

Acréscimo e fracionamento da postagem em 8.9.2011
O art. 3º da Constituição de 1988 dispõe que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (incisos I e III).

***

Para arrematar, música nordestina (cantada ao estilo repentista, só que mais lenta):

Nordeste independente (Ivanildo Vila Nova & Bráulio Tavares)
1
Já que existe no Sul este conceito
que o Nordeste é ruim, seco e ingrato,
já que existe a separação de fato
é preciso torná-la de direito.
Quando um dia qualquer isso for feito
todos dois vão lucrar imensamente
começando uma vida diferente
da que a gente até hoje tem vivido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

2
Dividindo a partir de Salvador
o Nordeste seria outro país:
vigoroso, leal, rico e feliz,
sem dever a ninguém no exterior.
Jangadeiro seria o senador
o cassaco de roça era o suplente
cantador de viola o presidente
e o vaqueiro era o líder do partido.
Imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

3
Em Recife o distrito industrial
o idioma ia ser "nordestinense"
a bandeira de renda cearense
"Asa Branca" era o hino nacional
o folheto era o símbolo oficial
a moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o Inconfidente
Lampião o herói inesquecido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

4
O Brasil ia ter de importar
do Nordeste algodão, cana, caju,
carnaúba, laranja, babaçu,
abacaxi e o sal de cozinhar.
O arroz e o agave do lugar
a cebola, o petróleo, o aguardente;
o Nordeste é auto-suficiente
nosso lucro seria garantido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

5
Se isso aí se tornar realidade
e alguém do Brasil nos visitar
neste nosso país vai encontrar
confiança, respeito e amizade
tem o pão repartido na metade
tem o prato na mesa, a cama quente:
brasileiro será irmão da gente
venha cá, que será bem recebido...
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

6
Eu não quero com isso que vocês
imaginem que eu tento ser grosseiro
pois se lembrem que o povo brasileiro
é amigo do povo português.
Se um dia a separação se fez
todos dois se respeitam no presente
se isso aí já deu certo antigamente
nesse exemplo concreto e conhecido,
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

PS — Como visto, neste mundo sonhado pelo cancioneiro popular nordestino, não existe Amazônia.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Última semana, graças a Deus!

Após me conscientizar que partidos de esquerda, às vezes, só prestam na oposição e que os de direita jamais prestaram em condição alguma, soube com antecedência que este ano eleitoral seria sofrido para mim, por não ter ideais a defender. Deus ajudou, porém, e a legislação eleitoral foi mudada, reduzindo o tamanho das campanhas e dos aborrecimentos delas decorrentes.
Agora só precisamos respirar fundo e pedir ao Pai forças para suportar a última semana, que promete todo tipo de emoção, mormente diante da possibilidade, finalmente concreta, de uma camarilha de doze anos ser escorraçada do poder. Como 430 mil reais rendem para ca...mpanha, a impressão que temos é que a chapa tucana é única, sem adversários, já que não vemos material vermelho e a cidade está pintada de amarelo, assim como os carros adesivados. Imagino quão espontâneas são essas manifestaçõe$$$...
Ontem, a Praça da República se tornou palco de um conflito aberto entre as facções, com gente ferida inclusive. Como não dava tempo de fazer as matérias, aguardem amanhã as versões inconciliáveis de nossos insuspeitos jornais.
O Canceroso, no melhor estilo moleque pimbudo, inventou que afanaram uma pasta sua após o debate na RBA. É preciso ter um cérebro do tamanho da sinceridade tucana para acreditar que isso é sério. Claro que ele enfiou a pasta... em algum lugar, só para criar alarde. Coisa de marqueteiro, aposto.
E será nesse nível que passaremos os próximos dias. Graças a Deus, quinta-feira acabam os programas no rádio e TV. Daí só mais dois dias de apurrinhação e... a "ressaca cívica".
O civismo acaba imediatamente em seguida. Já a ressaca, essa dura para sempre. O povo brasileiro parece estar sempre de porre. É por isso que boto o CD da Rita Lee e canto:

A gente explode se for campeão
Depois se fode na eleição...

domingo, 22 de outubro de 2006

Em favor do povo

Um em cada três deputados federais eleitos é milionário.

dos 513 parlamentares que assumem o cargo em 2007, 165 declararam ter patrimônio superior a R$ 1 milhão. São 49 milionários eleitos a mais do que em 2002 (quando foram eleitos 116 milionários).

O patrimônio médio do parlamentar eleito também aumentou: foi de R$ 2,2 milhões para R$ 2,5 milhões.

Para o cientista político Fernando Abrucio, da FGV-SP, é impossível saber se as declarações são realmente compatíveis com a realidade. Apesar dos números, segundo ele, muitos podem ter declarado menos do que têm.

A bancada que terá o maior número de milionários é a do PFL: 38. Depois, vem o PMDB, com 37. O PSDB terá 21.

O PT terá seis milionários e é, pela média, o 16º partido em patrimônio.

Excertos de matéria que a Folha publicou hoje. Com um perfil desses, é de se perguntar: a serviço de quem estarão esses parlamentares? Do povo, como juram de pés juntos?
É evidente que jamais terá uma oportunidade de justiça social um país comandado por gente treinada em somente olhar para o próprio umbigo. Isso me deixa com uma grande inquietação: se Lula é eleito, sobrevive às crises e provavelmente re-eleito porque o povo se identifica com ele e com sua cara de pobre que deu certo, porque raciocínio análogo não é aplicado ao Legislativo? Por que razão presidente deve ser povo, mas os parlamentares não?
Sempre soubemos que o Legislativo era incompreendido neste país. Mas me parece haver cada vez mais coisas erradas nessa falta de entendimento. Com a palavra, os cientistas políticos.

Vá rápido a Viena ver de perto seus... mictórios

O que há de mais sensacional em Viena? Ora, são seus mictórios! Veja o porquê.
Sinceramente, fico cansado de ver as pessoas tendo idéias tão estúpidas e despropositadas...

430 mil?

Então o Canceroso registrou, junto ao Tribunal Regional Eleitoral, que as despesas de sua campanha ao governo do Estado se resumem a 430 mil reais. Números absolutamente plausíveis, considerando o volume de material de campanha que sempre vimos nas ruas — e que tem aumentado em número considerável nos últimos dias, graças ao que aquele jornal chamaria de crescente engajamento do apoio pela candidatura e pessoas de melhor senso chamariam de desespero ante um risco concreto de derrota. Eu me pergunto quanto custam aquelas plotagens que vemos coladas aos vidros de automóveis, por toda parte.
Mas aviso aos maledicentes: fui informado, por fonte fidedigna, que a contabilidade da campanha tucana é absolutamente correta, verdadeira e precisa, como corretos, verdadeiros e precisos são os próprios tucanos. Quem assegura é uma comissão de contadores notáveis, que procedeu a uma auditoria isenta, cujos resultados serão publicados na grande imprensa esta semana. Eis os nomes dos peritos contadores:
Chapeleiro Louco, CFC País das Maravilhas 4545
Erik Magnus Lehnsherr, vulgo "Magneto", CFC Mundo X 2525
Coelhinho da Páscoa, CFC Ilha de Páscoa 4444
Mapinguari, CRC/PA 666
Nicolau Santa Claus, vulgo "Papai Noel" (dispensando de registro face a sua idade).

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Odioso desprezo pelo semelhante

De minha janela avisto um cruzamento movimentadíssimo da cidade: avenidas Magalhães Barata e Castelo Branco, um dos principais acessos para o Pronto Socorro do Guamá. Por isso mesmo, diariamente, é grande o número de ambulâncias que passam por ali. Grande também é o tempo que levam para vencer o cruzamento, pois os motoristas ignoram sumariamente o som da sirene e as luzes piscando. Ignoram, no sentido de fazer pouco caso da vida humana.
Estarrece-me ver as ambulâncias tentando avançar no cruzamento, com todo o aparato luminoso-sonoro em funcionamento, mas impedidas de prosseguir, pois os carros e ônibus não param e o motivo é um só: não querem parar.
O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503, de 1997), em seu art. 29, VII, estabelece que "os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente", fixando prioridade de passagem em via ou cruzamento.
Outrossim, constitui infração gravíssima, punível com multa, "deixar de dar passagem aos veículos precedidos de batedores, de socorro de incêndio e salvamento, de polícia, de operação e fiscalização de trânsito e às ambulâncias, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentados de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitentes" (art. 189).
Todo ser humano deveria auxiliar o seu semelhante que sofre, independentemente de prescrições legais. Deveria fazê-lo por solidariedade, pura e simples, atendendo aos comandos de sua consciência. Detesto citar o falso intelectual Caetano Veloso, mas sou obrigado a reconhecer que foi genial ao dizer, em sua canção O estrangeiro, que "o certo é saber que o certo é certo".
Lanço não apenas o meu repto, mas também a minha maldição a cada motorista que dificulta a passagem de veículos de socorro, quando em atividade, torcendo para que um dia — que não tarde! — sejam eles, ou alguém que eles amem, dentro da ambulância imobilizada.
Para algumas pessoas, a educação basta. Outras exigem o exemplo. Muitas, contudo, só aprendem com o sofrimento.

Estado, algoz do cidadão

Esqueça aquelas famosas teorias de contrato social, segundo as quais os indivíduos se reúnem e, voluntariamente, cedem parcelas de seu poder natural para uma pessoa ou entidade — primeiro o príncipe, depois o Estado —, a fim de que esta lhes proteja e lhes garanta a vida, a liberdade, o patrimônio e outros direitos. Essas construções teóricas são tão arraigadas no imaginário universal que fica difícil escapar delas. Todavia, em países atrasados como o Brasil, não há como negar o óbvio: ninguém causa mais danos ao cidadão, inclusive dolosamente, do que o Estado.

Os exemplos fluem ao infinito, mas me concentrarei em um tema que é bem próprio de minha formação pessoal: o erro judiciário em matéria penal. Acabei de ler, com grande satisfação, matéria dando conta de que o Superior Tribunal de Justiça concedeu indenização de dois milhões de reais a Marcos Mariano da Silva, hoje com 58 anos, que passou 19 deles preso por um homicídio que não cometeu.

Leia a notícia, pois ela é emblemática acerca do descalabro que se vive neste país. Em síntese, Silva foi preso sem jamais ter sido julgado e sem lhe ter sido oportunizada defesa, por dois períodos distintos que, somados, chegam a 19 anos. Da segunda vez, a polícia alegou violação de liberdade condicional, coisa que ele jamais recebera.

Silva perdeu seu patrimônio e a família o abandonou. Durante um motim em 1992, a polícia invadiu a penitenciária detonando bombas de efeito moral, cujos estilhaços atingiram seus olhos. Ficou completamente cego.

A incapacidade do Estado de administrar a justiça penal arruinou a vida de (mais) um homem que, é bom que se ressalte, é negro e sempre foi pobre, trabalhador e honesto. É nisto que devem pensar os donos da verdade que, diariamente, defendem que as leis penais fiquem mais rigorosas e que as prerrogativas processuais dos acusados sejam reduzidas. O que o cidadão comum deseja, infelizmente, por estar pressionado pela escalada da criminalidade, é eliminar o próprio sentimento de medo que o acomete. Assim, à menor possibilidade de que alguém seja criminoso, espera-se que o castigo recaia sobre o mesmo, impiedosamente e sem qualquer raciocínio.

Estamos voltando ao homo hominis lupus. Deus nos acuda!

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Manifesto imprescindível

O amigo blogueiro Frederico Guerreiro — nome cada vez mais adequado a sua personalidade — escreveu um post intitulado "Manifesto aos homens", que tem como base um caso real de violência doméstica, a eterna violência do homem contra a mulher, muito grave, que acabou recentemente e sobre o qual me consultou, na relação professor-aluno.
Fica a indignação de um homem diante da covardia de um seu semelhante, posto que semelhante é, de fato, embora nossa repulsa preferisse ignorar esse detalhe.
Recomendo a leitura do texto, em O Intimorato. O link está aí ao lado.

A difícil arte de educar

Esta eu deveria ter postado no dia dos professores. Desencavei, de e-mails antigos, este que me foi enviado pelo grande Vilson Schuber.

Numa escola pública estava ocorrendo uma situação inusitada: Uma turma de meninas de 12 anos que usavam batom todos os dias removiam o excesso beijando o espelho do banheiro.
O diretor andava bastante aborrecido, porque o zelador tinha um trabalho enorme para limpar o espelho ao final do dia. Mas, como sempre, na tarde seguinte, lá estavam as mesmas marcas de batom...
Um dia, o diretor juntou o bando de meninas no banheiro, explicou pacientemente que era muito complicado limpar o espelho com todas aquelas marcas que elas faziam. Fez uma palestra de uma hora. No dia seguinte, as marcas de batom no banheiro reapareceram.
O diretor juntou o bando de meninas e o zelador no banheiro, e pediu a este para demonstrar a dificuldade do trabalho. O zelador imediatamente pegou um pano, molhou no vaso sanitário e passou no espelho. Nunca mais apareceram marcas no espelho!
Há professores e há educadores...

O exemplo prosaico acima mostra que todo professor deve encontrar um canal de comunicação com seus alunos, que realmente funcione. Esse é o primeiro passo para ele se tornar um verdadeiro educador, estágio que alcança quando consegue tocar a vida de seus pupilos.

Eleitor repele críticas a rival na televisão

Esse é o título de matéria publicada na Folha Online hoje. Não é de hoje que escuto essa teoria. Supostamente, teria sido essa a explicação para a surpreende vitória do petista Jacques Wagner ao governo da Bahia, logo no primeiro turno, derrotando o até então imbatível Toninho Malvadeza e seu PFL, quando em princípio ele aparecia como terceiro colocado nas pesquisas. ACM teria mandado bala em Lula, num Estado em que o presidente arrebanha votos.
Leiam a matéria e tirem suas conclusões. Depois me digam o que pode significar ou implicar o tom crescentemente agressivo da campanha tucana no Pará.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Eu choro!

Piercing na língua pode causar a neuralgia do trigêmeo em usuários

A adolescente italiana dizia que as pontadas de dor em seu rosto eram como choques elétricos que duravam de 10 a 30 segundos e atacavam de 20 a 30 vezes ao dia. Os médicos diagnosticaram neuralgia do trigêmeo, um distúrbio às vezes chamado de 'doença do suicídio', por conta do desespero que acompanha as dores intensas que causa. Os médicos tentaram analgésicos e depois remédios ainda mais fortes, mas no final a solução se mostrou mais simples: a jovem retirou o piercing metálico que trazia na língua. Dois dias depois, a dor sumiu.
O relato, que consta da edição de hoje do 'Journal of the American Medical Association', é apenas o mais recente caso documentado de complicações, algumas quase letais, trazidas pelo piercing de língua. Outros problemas incluem tétano, infecção cardíaca, abscesso cerebral, dentes lascados e retração das gengivas. Uma mulher desenvolveu tantas cicatrizes que ela passou a se referir ao tecido acumulado como 'uma segunda língua'.
No caso italiano, o adorno na boca da jovem aparentemente irritou um nervo que passa pela mandíbula, debaixo da língua. Esse nervo se liga ao nervo trigêmeo, um dos maiores da cabeça. 'Tem gente que caiu de joelhos' por causa de dor no trigêmeo, disse Alana Greca, diretora da Associação de Neuralgia do Trigêmeo. 'A dor pode ser intensa e horrível'. A jovem teve sorte de se curar, disse Greca. 'Certamente, foi um caso isolado, uma complicação extremamente rara desse tipo de piercing', disse o médico Marcelo Galarza, neurocirurgião do Hospital Villa Maria Cecilia, na Itália, que reportou o caso. A língua é 'um lugar perigoso de perfurar', porque é rica em vasos sanguíneos que podem disseminar infecções para órgãos importantes, além de estar perto de nervos importantes e das vias respiratórias, disse ele.
Conseqüências da ideia idiota de botar aquela nojeira na língua. Perguntem se eu fico com pena...

Perguntar não ofende

Levar todo o secretariado para participar da inauguração do Hospital Regional do Sudoeste Dr. Geraldo Veloso, em Marabá — aquele mesmo prometido anos e anos atrás, mas só agora finalizado — constitui atividade de rotina do governo estadual ou é apenas um ato claramente eleitoral?

A presença de todos os secretários estaduais ao evento atende a alguma finalidade concreta de interesse público? Eles não seriam mais úteis ao povo permanecendo na capital, trabalhando?

Quanto custaram os enormes convites enviados pelo governo do Estado para Deus e o mundo? Tal despesa, mesmo correta do ponto de vista contábil, justifica-se no plano da necessidade-economicidade?

Transportar toda essa gente, claro que de avião, não implica em despesas desnecessárias e, em se tratando de Administração Pública, despesa desnecessária não é, somente por isso, ilegal?

Gastos públicos injustificados, apenas para dar maior densidade a um evento de autopromoção do governo, não constitui ato de improbidade administrativa e, portanto, crime?

Não está caracterizado crime eleitoral nesse aparato montado e divulgado pela imprensa?

O Ministério Público Eleitoral vai investigar isso ou está ocupado demais com outras coisas, quiçá mais importantes?

Ato falho?

A coluna Seventy, do maior jornal do mundo (viu, Juvêncio? usei de novo!), publicou hoje a seguinte notinha:

Ângela Salles, que disputará a presidência da OAB, licenciou-se do TRE. Volta, depois da eleição, para então renunciar na véspera de sua posse na Ordem.

Tudo bem, pode ter sido apenas má redação, mas o texto, como se encontra, dá a entender que a candidata situacionista voltará ao TRE após a eleição e nele permanecerá até a sua posse na presidência da OAB, dada como certa. Terá sido mera infelicidade ou ato falho, revelando as preferências do colunista, que nem sei se poderia ter alguma preferência na eleição classista?
Seja como for, a história da OAB mostra uma incapacidade de lidar com o novo. Os candidatos situacionistas sempre vencem. Não posso afirmar que a oposição ofereça nomes bons ou ruins, mas me parece muito inconveniente que a oposição nunca consiga emplacar ninguém. Para piorar, essa coisa de vice virar presidente torna o preenchimento de cargos em nossa briosa instituição uma espécie de sucessão natural, que pouco ou nada favorece o debate democrático.
Deixo claro que, este ano, não tenho preferência por nenhum candidato, eis que me encontro licenciado da advocacia, infelizmente, enquanto trabalho no Tribunal de Justiça. Assim, não me dei ao trabalho de apoiar ninguém, nem no plano do apoio moral. Mas me incomoda a falta de revesamento no poder, seja na Presidência da República, seja no clube de jogadores de porrinha do bairro.
Enfim, que classe acomodada é a dos advogados, que se vangloriam, justamente, de serem combativos na defesa de ideais! A praxe desmente o discurso. Nem tenho frequentado os corredores da Ordem, mas já estou cansado de ver sempre as mesmas caras.

A imprensa faz jornalismo ou elege governos?

Visitando o 5ª Emenda, conceituadíssimo blog de Juvêncio de Arruda, encontrei um comentário postado por um leitor anônimo (aliás, por que anônimos?), transcrevendo artigo atribuído ao jornalista Paulo Henrique Amorim. Por achá-lo no mínimo interessante, tomei a liberdade de surrupiá-lo para publicação aqui. Ei-lo:

Um golpe de Estado levou a eleição para o segundo turno. É o que demonstra de forma irrefutável a reportagem de capa da revista Carta Capital que está nas bancas (“A trama que levou ao segundo turno”), de Raimundo Rodrigues Pereira. E merecia um sub-título: “A radiografia da imprensa brasileira”. Fica ali demonstrado:
1) As equipes de campanha de Alckmin e de Serra (da empresa GW) chegaram ao prédio da Polícia Federal, em São Paulo, antes dos presos Valdebran Padilha e Gedimar Passos;
2) O delegado Edmilson Bruno tirou fotos do dinheiro de forma ilegal e a distribuiu a jornalistas da Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, do jornal O Globo e da rádio Jovem Pan;
3) O delegado Bruno contou com a cumplicidade dos jornalistas para fazer de conta que as fotos tinham sido roubadas dele;
4) O delegado Bruno procurou um repórter do Jornal Nacional para entregar as fotos: “Tem de sair à noite na tevê., Tem de sair no Jornal Nacional”;
5) Toda a conversa do delegado com os jornalistas foi gravada;
6) No dia 29, dois dias antes da eleição, dia em que caiu o avião da Gol e morreram 154 pessoas, o Jornal Nacional omitiu a informação e se dedicou à cobertura da foto do dinheiro;
7) Ali Kamel, “uma espécie de guardião da doutrina da fé” da Globo, segundo a reportagem, recebeu a fita de audio e disse: “Não nos interessa ter essa fita. Para todos os efeitos não a temos”, diz Kamel, segundo a reportagem;
8) A Globo omitiu a informação sobre a origem da questão: 70% das 891 ambulâncias comercializadas pelos Vedoin foram compradas por José Serra e seu homem de confiança, e sucessor no Ministério da Saúde, Barjas Negri.
9) A Globo jamais exibiu a foto ou o vídeo em que aparece José Serra, em Cuiabá, numa cerimônia de entrega das ambulâncias com a fina flor dos sanguessugas;
10) A imprensa omitiu a informação de que o procurador da República Mario Lucio Avelar é o mesmo do “caso Lunus”, que detonou a candidatura Roseana Sarney em 2002, para beneficiar José Serra. (A Justiça, depois, absolveu Roseana de qualquer crime eleitoral. Mas a campanha já tinha morrido.)
11) Que o procurador é o mesmo que mandou prender um diretor do Ibama que depois foi solto e ele, o procurador, admitiu que não deveria ter mandado prender;
12) Que o procurador Avelar mandou prender os suspeitos do caso do dossiê em plena vigência da lei eleitoral, que só deixa prender em flagrante de delito.
13) Que o Procurador Avelar declarou: “Veja bem, estamos falando de um partido político (o PT) que tem o comando do país. Não tem mais nada. Só o País. Pode sair de onde o dinheiro ?”
14) A reportagem de Raimundo Rodrigues Pereira conclui: “Os petistas já foram presos, agora trata-se de achar os crimes que possam ter cometido.”
Na mesma edição da revista Carta Capital, ao analisar uma pesquisa da Vox Populi, que Lula tem 55%, contra 45% de Alckmin, Mauricio Dias diz: “... dois fatos tiraram Lula do curso da vitória (no primeiro turno). O escândalo provocado por petistas envolvidos na compra do dossiê da familia Vedoin ... e secundariamente o debate promovido pela TV Globo ao qual o presidente não compareceu.”
Quer dizer: o golpe funcionou.

Assim que li, e tendo decidido republicar, visitei a coluna Conversa afiada, do PH Amorim, para confirmar a autoria. Não consegui localizar o texto, mas acabei achando outro, que me deixa, como estudioso do Direito, muito preocupado. Chama-se "Se der 'empate', o TSE elege Alckmin", cuja leitura recomendo.
Fiquei preocupado porque o teor do artigo indica que o TSE teria todo o interesse de eleger o candidato tucano, em flagrante oposição aos deveres de imparcialidade e idoneidade do Judiciário. Como é óbvio, não podemos acreditar cegamente no que se publica por aí, mas é importante conhecer e fazer juízos críticos.
Acima de tudo, porém, minha questão é outra. Ontem citei Cláudio Humberto, para quem destruir o PT parece ser uma missão de vida. Hoje, Paulo Henrique Amorim, que parece ter carteira assinada pelo PT, ou ao menos por Lula.
Eis meu questionamento: qual é o papel da imprensa brasileira em nossos dias? Jornalismo puro, sério, engajado que seja, mas isento de influências inconfessáveis de qualquer ordem, isso não parece mais existir — se é que existiu em algum lugar, em algum momento. A impressão que tenho é que o jornalismo deixou de ter existência própria para ser, única e exclusivamente, atividade meio para fins outros, especialmente os de natureza econômica e política. A imprensa elegeu e depôs Collor. Sua missão, agora, limita-se a decidir os rumos da Nação?
Naturalmente, minha intenção não é melindrar jornalistas. Prefiro irritar o Diabo — Satanás em pessoa e malvadeza — a irritar quem tenha veículos de comunicação a seu dispor. Mas gostaria muito que alguém me explicasse alguma coisa sobre a ética da imprensa.
Não há nada demais em estar de um lado e defendê-lo. Só acho que isso deveria ser declarado ostensivamente.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

Tenho inveja, sim

Notícia publicada no Repórter Diário hoje:

Espelho urbano
O arquiteto Euler Arruda, que esteve em Goiânia para receber o título de Arquiteto do Ano do Brasil - 2006/FNA, ficou surpreso com a cidade que viu. A capital goiana, comparou, tem o porte de Belém, mas é bem mais próspera, as ruas são limpas e há lixeiras em cada canto. Lá não existem camelôs atulhando calçadas e o cidadão paga no metrobus, transporte rápido que atravessa a cidade inteira, apenas R$ 0,45.
Nem tentarei disfarçar: morro de inveja dessas cidades que comprovam a possibilidade de ter um espaço urbano mais justo e saudável, inclusive com menores dispêndios financeiros para a população.
Em Belém, falta educação ao povo. Tanto para saber eleger seus representantes quanto para não jogar papel no chão (e cocos pelas janelas das Cherokees).

A polêmica das aposentadorias especiais para anistiados políticos

O amigo Frederico Guerreiro, dono do blog O Intimorato e ferrenho opositor do PT e de todos os seus membros, encaminhou-me um e-mail ensinando procedimentos para acessar, na página da Previdência Social, o benefício concedido a Luís Inácio Lula da Silva. Trata-se de uma aposentadoria especial para anistiado político (cuja natureza jurídica é eminentemente indenizatória e não previdenciária), no valor de R$ 4.509,42.
Não entendi em que isso depõe contra Lula. Afinal, que me conste, tal anistia é perfeitamente legal e constitui um resgate histórico às vítimas do famigerado, malsinado e odioso período da ditadura militar, que os mais infelizes ainda gostam de defender. Veja-se o que dispõe o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

Art. 8º É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Dec.-lei 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.
(...)
§ 2º Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como as que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.

A "Lei de Anistia" (6.683, de 28.8.1979) já previa, em seu art. 7º:
É concedida anistia aos empregados das empresas privadas que, por motivo de participação em greve ou em quaisquer movimentos reivindicatórios ou de reclamação de direitos regidos pela legislação social, hajam sido despedidos do trabalho, ou destituídos de cargos administrativos ou de representação sindical.

Se o problema é estar aposentado, que dizer de Fernando Henrique Cardoso, que se aposentou na flor da idade e quase sem trabalhar, fato bastante comentado na época em que ele chamou os aposentados brasileiros de vagabundos — o que ele quis desmentir ou reinterpretar depois, mas sem se desculpar formalmente, coisa que não condiz com os tucanos?
Para meu espanto maior, enquanto navegava pela Internet para pegar informações para este ensaio, descobri que Geraldo Alckmin, o chuchuzinho, recebe a mesma aposentadoria. A informação é atribuída ao jornalista Cláudio Humberto, do Correio Brasiliense. Naveguei por seu site, mas não encontrei o texto original. Lembre-se que CH não faz outra coisa a não ser detonar o governo petista.
Segundo consta, Alckmin se aposentou aos 42 anos, como anistiado político. O benefício foi concedido em 1996 mas, como requerido um ano antes, retroagiu a 5.10.1988 (oito anos de pagamentos de uma só vez). Na época, ele contava 22 anos de serviço. Seus proventos, em 2005, totalizavam R$ 8.862,57, devidamente isento de imposto de renda. As aposentadorias de anistiados e de quem sofre de invalidez escapam da tributação.
Eu não veria mal nenhum nisto, se Alckmin fizesse jus ao benefício. Porém, ainda segundo consta, ele não é anistiado e nem poderia, porque jamais foi cassado. Esteve preso, sim, nada além disso, e em sala especial na Polícia Federal.
Peço àqueles que puderem, que confirmem ou neguem estas informações, com argumentos concretos, a fim de que eu possa ratificar o post ou suprimi-lo, a bem da verdade dos fatos.

Não quero crer que alguém dirá que Lula não foi uma das vítimas do regime de exceção vivido por este país. Seria negacionismo histórico — um acinte. Se como presidente ele foi um fiasco, na oposição sempre foi ótimo. Como combatente das causas trabalhistas e sindicais, seus méritos históricos não podem ser negados. Muito se deve ao sindicalismo paulista do início dos anos 1980. E o valor da aposentadoria não tem nada de imoral.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

O tempo passa, o tempo voa...

...e até a poupança Bamerindus se finou e caiu no esquecimento da noite dos tempos.
O que parece estar esquecido, também, é o antigo engajamento dos petistas na campanha política. Lembram como era? A cidade tingida de vermelho, milhares de bandeiras, adesivos para todo lado, a toada de boi "Vermelho" tocando... Os militantes davam o sangue pelo partido e seus candidatos, de graça, pela convicção de que defendiam os melhores ideais. Cidadãos comuns compravam material de campanha, pois não havia máquina pública para distribuir fartamente camisetas e afins.
Quatro anos se passaram (ou dois, se considerarmos a última eleição municipal) e, hoje, quantas bandeiras e adesivos vermelhos você vê pelas ruas? Só nos veículos de quem trabalha diretamente na campanha. O cidadão comum não usa mais. Acho que o carro que vi esta manhã, com duas bandeirolas, foi a única manifestação do tipo que eu vi desde o começo da campanha. Os únicos adesivos e bandeiras que vemos são... do PSDB.
Mudou o foco de quem se expõe por seu candidato. Sinal dos tempos...
Se a bandeirinha tucana é a única manifestação espontânea de participação política popular, que resta a este país?

domingo, 15 de outubro de 2006

Dia do professor, claro

Minha amiga Alana Barboza me mandou uma mensagem via Orkut, dizendo: "dia dos professores, dia de Santa Teresa D'ávila, dia da alegria, dia de quem se doa sem troca, dia do amor".
Procurava alguma coisa especial para escrever sobre o dia do professor, pela razão óbvia de que desejo encher a bola de nossa categoria. Mas vou dispensar as citações grandiloquentes, embasadas em nomes célebres. Vou-me embasar na Profa. Alana, que todos os dias entra num barco e se dirige à Ilha do Combu, onde ficam as escolas onde leciona. Escolinhas de madeira, em meio a muito verde, onde meninos de pé no chão passam se lambuzando em frutas colhidas por ali mesmo. O ritmo frenético da cidade substituído pela tranquilidade do mato e da beira do rio.
Pensam que vou descrever um cenário idílico? Na verdade, a Profa. Alana tem a obrigação de alfabetizar famílias que, de tão arraigadas àquele mundinho, muitas vezes nem sequer estão convencidas de que escola é importante. Essa coisa de desenvolver a plenitude das capacidades intelectuais e espirituais do ser humano não lhes diz nada, às vezes. A mera sobrevivência é sempre prioridade.
Contou-me Alana, certa vez, que precisou se esforçar para convencer uma família a permitir que uma criança, com suspeita de hidrocefalia, frequentasse a escola. Envergonhados, eles não queriam expor o garoto. Depois se descobriu que o menino não tinha aquela moléstia. Era subnutrição da braba, mesmo. Com cuidados especiais, ele melhorou bastante, mas tem os déficits previsíveis das crianças que não são corretamente estimuladas no momento adequado, seja quanto às necessidades biológicas, seja quanto às afetivas.
Alana é uma professora de verdade. Abnegada, sabe que seu ofício lhe exige muito mais do que cuspir informações. Sabe que ser professor exige um envolvimento ímpar com os seres humanos que estão ali para aprender. E, no seu caso, esse envolvimento vai a níveis inimagináveis para mim, que leciono numa faculdade particular, para jovens bem articulados que chegam, muitos, de carro e cujas preocupações cotidianas são as datas das provas — jamais o que comer.
Feliz dia, Profa. Alana! Em teu nome saúdo cada membro de nossa classe, em especial os professores das redes municipais e estadual de ensino, escorchados dia a dia em jornadas de trabalho impossíveis, sem a menor condição de estudar, de fazer uma pós-graduação, de comprar livros, de ter um computador, de viajar para um seminário, etc.
Felizes vós, seres humanos, que adotaram o magistério, em qualquer um de seus níveis, não como um bico ou como escape de sua vaidade pessoal. Que o adotaram como uma escolha de suas vidas, ao preço de se sacrificar as horas que deveriam ser de repouso, horas essas nunca verdadeiramente remuneradas pelos vencimentos abaixo do devido.
Ajudar na construção de ao menos um homem de bem já deve ser o pagamento maior de nossas vidas.