quarta-feira, 30 de maio de 2012

Disque 100

Deixa ver se eu entendi.
Uma fulana que participou do programa mais deletério da TV brasileira cumpre a sua função básica de posar nua e autografa as revistas para menores de idade. O Portal G1, que pertence ao grupo que promove o maldito programa e tem o dever de promover, por algum tempo, esses ilustres zés-ninguém acha isso bacana e dá destaque em sua home page. O moleque aí da foto está de lado, mas dá para perceber o sorriso sacana de quem vai se trancar no banheiro para analisar o autógrafo na primeira oportunidade.
Pensei que era dever do Estado, das famílias e de toda a sociedade evitar que crianças sejam expostas à sexualidade precoce. Mas, pelo visto, interpretei errado a regra. Eu é que devo estar enganado.

PS - Antes que algum puritano venha aqui me "esclarecer" que garotos dessa idade já pensam e até fazem alguma saliência independentemente do episódio aqui mencionado, devo ressaltar que não é essa a questão. O garoto pode ser sacana como for, mas os adultos não podem estimulá-lo a isso. Ou ao menos eu pensei que, nos termos da legislação vigente, não podiam.

Transmissão consciente de HIV: aspecto criminal

Transmissão de HIV configura lesão corporal grave

Ao praticar sexo sem segurança, o soropositivo assume o risco de contaminar a pessoa com quem se relaciona. O entendimento é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que a transmissão consciente do vírus HIV, causador da Aids, configura lesão corporal grave, delito previsto no artigo 129, parágrafo 2º, do Código Penal, ao julgar pedido de Habeas Corpus, relatado pela ministra Laurita Vaz.
O caso julgado diz respeito a um portador de HIV que manteve relacionamento amoroso com a "vítima". Inicialmente, o casal fazia o uso constante de preservativo, mas, depois, as relações passaram a ser consumadas sem proteção, quando, então, o vírus foi transmitido. O homem alegou que havia informado à parceira sobre sua condição de portador do HIV, mas ela negou.
Na decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal contra a qual foi impetrado o Habeas Corpus, ficou decidido que, ao manter relações sexuais sem segurança, o réu assumiu o risco de contaminar sua parceira. O tribunal também considerou que mesmo que a "vítima" estivesse ciente da condição do seu parceiro, a ilicitude da conduta não poderia ser excluída, pois o bem jurídico protegido é indisponível. O réu foi, então, condenado a dois anos de reclusão.
No STJ, a defesa foi clara: o crime não havia sido consumado, pois a vítima seria portadora assintomática do vírus HIV e, portanto, não estaria demonstrado o efetivo dano à incolumidade física. O argumento não foi aceito pela ministra Laurita Vaz, que entendeu não ter sido provado que a vítima tivesse conhecimento prévio da situação do réu, alegação que surgiu apenas em momento processual posterior, e lembrou que o STJ não pode reavaliar matéria probatória no exame de HC.
Para a ministra, a Aids é perfeitamente enquadrada como enfermidade incurável na previsão do artigo 129 do Código Penal, não sendo cabível a desclassificação da conduta para as sanções mais brandas no Capítulo III do mesmo código, que tratam da periclitação da vida e da saúde. Segundo ela, mesmo permanecendo assintomática, a pessoa contaminada pelo HIV necessita de acompanhamento médico e de remédios que aumentem sua expectativa de vida, pois ainda não há cura para a enfermidade.
Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.
HC 160982

Tenho ensinado a meus alunos que a transmissão do vírus HIV, por um agente que conhece a sua condição de soropositivo, mediante relações sexuais desprotegidas, configura em tese o crime de tentativa de homicídio, uma interpretação que o Direito norteamericano cunhou e que foi assimilada aqui no Brasil. Na bibliografia penal, vários autores seguem esse caminho, podendo-se citar Álvaro Mayrink da Costa e Rogério Greco. Este último leciona:
A doutrina, como já deixamos antever, tenta resolver o problema da transmissão do vírus HIV sob o enfoque do dolo do agente. Assim, se era a sua finalidade a contaminação da vítima, almejando a sua morte, deverá responder pela tentativa de homicídio (enquanto esta se mantiver viva), ou pelo delito de homicídio consumado (em ocorrendo a morte). (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Volume II, Niteroi: Impetus, 2005, p. 365)

Não se pode fazer maiores críticas ao julgado, porquanto a notícia não esclarece se o STJ analisou ter havido dolo de ferir ou de matar. Esta questão fica em suspenso até que se possa ter maiores informações, quando o acórdão for publicado e pudermos ter acesso a seus fundamentos. Em princípio, não se pode afirmar categoricamente que o STJ contrariou a doutrina predominante.
Enquanto isso, verificamos a afirmação de que o bem jurídico é indisponível, portanto eventual consentimento da vítima seria irrelevante, mantendo-se a incriminação. Doutrina e jurisprudência são bastante harmônicas nesse sentido.
No mais, a alegação defensória de inexistência de crime por ser a vítima portadora assintomática de HIV não procede. A notícia informa uma objeção factual da ministra Laurita Vaz, a qual acrescento esta: constitui crime de lesão corporal não apenas provocar doenças em uma pessoa saudável, mas também agravar as condições de saúde de uma pessoa já doente. No que tange ao homicídio, qualquer ação idônea a produzir o resultado morte permite a configuração do crime. Partindo dessas premissas, devemos nos preocupar com a questão da carga viral. Eis o motivo:
A infecção pelo HIV é uma doença crônica com graves consequências que requer tratamento clínico e monitorização contínuos. Com o passar do tempo, o vírus reduz a capacidade do sistema imunológico de combater infecções e doenças. A infecção pelo HIV não tratada frequentemente leva a infecções oportunistas e a certos tipos de câncer que podem ameaçar a qualidade e expectativa de vida. A infecção pelo HIV não pode ser curada, porém existem medicações que podem ajudar a retardar a progressão da doença.
O prognóstico da infecção pelo HIV depende da carga viral - a quantidade de partículas de HIV presentes no sangue em um determinado momento. As pessoas com uma carga viral mais elevada apresentam maior probabilidade de evoluir rapidamente para a AIDS do que as pessoas que apresentam uma carga viral mais baixa. Esse é o motivo pelo qual é muito importante que o indivíduo HIV-positivo seja submetido a tratamento com medicamentos antirretrovirais que limitem a propagação do vírus no organismo e que ajudem a reduzir o risco de desenvolvimento de infecções oportunistas.
(In: http://www.msdonline.com.br/pacientes/sua_saude/aidshiv/paginas/carga_viral.aspx, acesso em 30.5.2012, negritei)
Se entendermos que o agente, ao manter relações sexuais desprotegidas com outra já portadora do HIV, pode aumentar a sua carga viral, então ele está agravando as condições pré-existentes e, como tal, incidiria nas premissas acima. Logo, é correta a incriminação.
A identificação do dolo do agente, contudo, precisa ser racionalizada. Uma pessoa que se sabe soropositiva, sabe da transmissibilidade do vírus e que a AIDS é grave, incurável e potencialmente letal, age no mínimo com dolo eventual, permitindo a aplicação do raciocínio supra.

Estardalhaço jurídico (parte 4)

Para encerrar. Li a representação do procurador Pastana e creio que ela deve ser encarada sob duas perspectivas nitidamente distintas:
  • a primeira, ideológica, na qual se destaca o seu discurso ético, cidadão, questionando um país onde os mais pobres, que sustentam o Estado com seus impostos, ficam relegados a serviços públicos de péssima qualidade, enquanto os afortunados gozam de regalias sem fim. Nada de inédito nos argumentos. Mas também nada de equivocado. Sou forçado a concordar.
  • a outra, dogmática, pede que Márcio Thomaz Bastos seja também investigado, porque provavelmente cometeu crime. Duas seriam as opções: lavagem de dinheiro ou receptação.
A premissa do procurador é indiscutível: Carlos Cachoeira não tem como justificar rendimentos lícitos suficientes para suportar os honorários do defensor, que a grande imprensa diz serem da ordem de 15 milhões de reais. Não há confirmação acerca desse valor, mas também não há desmentido. E considerando a lógica do mercado, somos levados a crer que a coisa gira por aí, mesmo.
Obviamente, Cachoeira dispõe do dinheiro. Só não pode confirmar sua origem, o que concreta e objetivamente sugere a ilicitude dos recursos. Diante desta premissa, urge perguntar: receber honorários, nesta hipótese, constituiria crime?
O imbróglio criado por Manoel Pastana está longe de ser mero devaneio. A meu ver, o melhor argumento em favor de Márcio Thomaz Bastos é sustentar a atipicidade de eventual conduta criminosa, porquanto o advogado não está auxiliando a prática de crime, mas tão somente exercendo o seu munus de defender o acusado, que é a razão de ser da função advocatícia. Poderíamos alegar, assim, exercício regular de direito, que exclui a ilicitude, invocando até mesmo a Constituição como suporte. Em suma, se todo acusado deve ser defendido e se é vedado o trabalho gratuito (normas constitucionais), deve o defensor ser remunerado por seu trabalho, não lhe sendo exigível questionar a origem dos recursos. Fosse por isso, nenhum traficante poderia ter advogado particular.
Se aplicássemos a teoria da imputação objetiva, poderíamos acrescentar que o advogado que se limita a cumprir o seu papel de defender o acusado, mesmo ciente de seu patrimônio ilícito, não incorre em crime por ausência de tipicidade.
Em princípio, não concordo com a imputação de lavagem de dinheiro, porque não haveria interesse do criminoso em legalizar seu dinheiro ficando sem ele, até porque o pagamento dos honorários poderia ser feita de forma clandestina, sem registros. Mas a ideia de receptação não é tão extraordinária assim. Merece, ao menos, alguma consideração.
No final das contas, tudo isto é mais um exemplo de muito barulho por nada. Sabemos como as coisas terminam na República das Bananas. Se alguém for punido nessa história, pode ser Carlinhos Cachoeira. Mas não com uma pena criminal: talvez com um homicídio que o impeça de pronunciar nomes. Aguardemos os próximos capítulos.

Estardalhaço jurídico (parte 3)

Como não poderia deixar de ser, a Ordem dos Advogados do Brasil e criminalistas famosos já se manifestaram acerca da representação de Manoel Pastana contra Márcio Thomaz Bastos. Veementemente contrários. Em nota oficial,
O Conselho Federal da OAB se põe ao lado do advogado Márcio Thomaz Bastos, que simboliza neste caso o direito de defesa constitucional conferido a qualquer cidadão brasileiro e manifesta o seu repúdio à atitude de um membro do Ministério Público que tenta denegrir a imagem da advocacia brasileira, tentando confundir o exercício profissional com os atos que são imputados ao seu constituinte.
Honestamente, também sou advogado e me sinto constrangido com esse dar-se as mãos. Talvez não devesse, mas me sinto. Talvez o direito de defesa seja mesmo tão sagrado e indispensável ao Estado Democrático de Direito que nos obrigue a fechar os olhos a todo o resto, mas conservo as minhas dúvidas. Explico-me.
Márcio Thomaz Bastos, 76, é essencialmente um criminalista, de indiscutíveis méritos intelectuais. Fez uma trajetória com orientação política à esquerda, atuando em causas como a dos assassinos de Chico Mendes, atuando pela assistência da acusação e não na defesa dos latifundiários assassinos. Também participou da redação da petição de impeachment do então presidente Collor. Mas como nenhum criminalista enriquece defendendo inocentes, atuou também em algumas causas bastante antipáticas.
Em 2003, deixou o seu poderoso escritório para ser ministro da Justiça, onde, tecnicamente, ganharia muito menos. Tal decisão não se explica em termos financeiros oficiais. Um ideal, talvez, para auxiliar o amigo Lula, finalmente eleito à presidência da República? O fato é que ele construiu uma gigantesca teia de relações no círculo mais interno dos maiores poderes da República e voltou a sua banca advocatícia, atuando no mesmo círculo, porém do outro lado do balcão. Estranho, do ponto de vista ético. Dizem as más línguas que as indicações de Lula para ministros do Supremo Tribunal Federal passavam por suas mãos. Ex-ministro e advogado particular indicando ministros do STF, onde tramitam causas suas? Entendeu melhor a estranheza?

Estardalhaço jurídico (parte 2)

O autor da representação contra Márcio Thomaz Bastos, publicada na postagem anterior, é o procurador da República Manoel do Socorro Tavares Pastana, 50, da 4ª Região do Ministério Público Federal (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná). Pastana é paraense, nascido na Ilha do Marajó e teve uma vida de grande pobreza, até dar a guinada através da educação que tanto comove as pessoas em geral, inclusive eu, claro, posto que sou um educador. A tal superação, que lhe rendeu até um prêmio televisivo em 2009.
Ele é elogiado nesta postagem da querida Franssinete Florenzano, que sintetiza o livro autobiográfico do procurador, De faxineiro a Procurador da República.
Pesa contra Pastana, porém, um certo estrelismo que já custou caro, p. ex., ao ex-delegado de Polícia Federal e hoje deputado federal Protógenes Queiroz. Com o tempo, a autoridade, por mais certa que esteja, começa a perder a credibilidade, acusada de agir movida pelo desejo de autopromoção ou, como se convencionou chamar, de holofotes. Em matéria do Consultor Jurídico, ele é citado como alguém que "interpela personalidades de processos sob holofotes", aludindo-se expressamente ao seu esforço por incluir o então presidente Lula como réu no processo do "mensalão".
Estou aqui matutando e uma dúvida me roi: atuando no Rio Grande do Sul, Pastana tem competência funcional para intervir nos dois casos aqui mencionados, que correm no Distrito Federal? Do contrário, qual o seu objetivo fazendo tais manifestações, que obviamente ganham enorme repercussão?
Ao pesquisar na Internet, deparei-me com um blog mencionando haver acusações criminais contra Pastana, a quem se refere como "mais um daqueles que não têm cabaço, mas posa de vestal". Um Demóstenes Torres, portanto. Sei que é complicado verificar a autenticidade dessas informações, mas o blog O Terror do Nordeste, de perfil declaradamente esquerdista, louva-se em uma reportagem do jornal O Liberal de 2003, segundo a qual os servidores da Procuradoria da República do Amapá teriam representado formalmente contra Pastana perante a Procuradoria Geral da República, Tribunal de Contas da União, Corregedoria e Auditoria do Ministério Público da União. Segundo os queixosos, ao tempo em que chefiou aquela unidade, o procurador teria se locupletado do cargo, auferindo benefícios indevidos para si, familiares e amigos.
Convém conhecer bem os personagens dessa trama tão rocambolesca quanto vergonhosa, para não sairmos por aí cheios de razão (para acusar ou defender) quando, na verdade, não sabemos exatamente o que há por baixo dos panos.

Estardalhaço jurídico (parte 1)

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-CHEFE DA PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM GOIÁS.

MANOEL PASTANA, Procurador Regional da República, lotado na Procuradoria Regional da República da 4ª Região, localizada em Porto Alegre/RS, Rua Sete de Setembro, 1133, Centro, com supedâneo no artigo 236, inciso VII, da Lei Complementar 75/1993, artigo 27 do Código de Processo Penal e artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal, vem
R E P R E S E N T A R
Em face do advogado MÁRCIO THOMAZ BASTOS, ex-ministro da Justiça, que patrocina a defesa do Sr. CARLOS AUGUSTO DE ALMEIDA RAMOS, empresário de jogos ilegais, conhecido como Carlos ou Carlinhos Cachoeira. A qualificação e endereço do representado podem ser encontrados na procuração, presente nos procedimentos criminais defendidos por ele, que estão sob a atribuição funcional dessa Procuradoria da República.


DOS FATOS E DO DIREITO
Consoante investigação amplamente divulgada na imprensa, o contraventor Carlinhos Cachoeira é apontado como líder de uma gigantesca organização criminosa, com tentáculos na estrutura político-administrativa do Estado brasileiro. Cachoeira é suspeito da prática de diversos tipos de ilícitos penais, com envolvimento, segundo divulgado na mídia, de políticos, agentes públicos e empresários, todos unidos com o propósito de saquear os recursos públicos.
Não é ético nem moral alguém com potencial e alcance criminal desse jaez ser assistido por defensor que teve, pelo menos em tese, a missão de, como ministro da Justiça, defender o Estado brasileiro da ação deletéria de infratores perniciosos para a democracia, porquanto se tem notícia de que, além do saque a recursos do erário e corrupção de agentes públicos, Cachoeira teria influenciado processo político-eleitoral, assim como a indicação de agentes para cargos no serviço público, incluindo setores da polícia e do Ministério Público; daí, não é razoável que alguém como o representado, que, na titularidade da Pasta da Justiça, participou de indicações de autoridades para ocupar posições de destaque no combate e no julgamento de indivíduos com perfil do seu atual cliente, venha agora defendê-los. Isso fere de morte a ética e a moral.
Esta representação, contudo, embora enfatize o acutilo à ética e à moral, não tem por fundamento tais aspectos, mas o lado criminal. É que o cliente do representado não ostenta renda lícita, que justifique o pagamento de honorários de um advogado em início de carreira, a fortiori de um causídico do nível do ex-ministro da Justiça, que, segundo divulgado na imprensa, teria cobrado 15 milhões de reais a títulos de honorários advocatícios (doc. anexo). Aliás, quando políticos brasileiros adoecem, eles não procuram hospitais públicos, tampouco colocam seus filhos nas escolas públicas. Da mesma forma, pessoas acusadas de corrupção, embora sem renda lícita declarada, não procuram os serviços da Defensoria Pública, que padece com falta de pessoal e de estrutura. Assim, os serviços públicos deficitários ficam para o cidadão que paga os impostos, que, pela elevadíssima carga tributária, deveriam ser de Primeiro Mundo. Daí concluir-se, sem muito esforço, que as montanhas de recursos, produto de cinco meses de trabalho por ano do contribuinte brasileiro, não vão para onde deveriam ir; pois, se o fossem, os serviços públicos seriam ótimos. Certamente esses recursos, produto do suor do extorquido contribuinte, vão para outros bolsos. É por isso que os titulares desses bolsos não usam os serviços públicos deficitários.
Embora haja informação de que os bens e recursos de Cachoeira estejam bloqueados, a medida restritiva parece não ter sido suficiente, porquanto, se o fosse, ele não teria condições de custear o contrato advocatício em epígrafe. Destarte, faz-se necessário aprofundar a investigação, incluindo o próprio advogado, ora representado. É que, conquanto o patrocínio do ex-ministro da Justiça não seja ilegal (embora ofenda a moral e a ética), o recebimento dos honorários em tais circunstâncias é ilegal, por configurar, em tese, ilícito penal, conforme se verá a seguir.
Cachoeira não tem renda lícita para justificar legalmente pagamento de honorários de advogado famoso. Ademais, ele está sendo investigado por vários ilícitos, tais como crimes contra a administração pública, o que enseja o delito de lavagem de dinheiro, nos termos do artigo 1º, inciso V, da Lei 9.613/1998. Além disso, como as atividades ilícitas em questão foram praticadas, segundo as investigações divulgadas, por organização criminosa, nos termos do inciso VII, do referido dispositivo legal, também são consideradas lavagem de dinheiro.
Assim, ao receber recursos provenientes de condutas insculpidas na referida Lei como lavagem de capitais, o Dr. Márcio Thomaz Bastos, em tese, pratica o ilícito previsto no artigo 1º, parágrafo 1º, inciso II, da Lei 9.613/1998, que assim dispõe:

“Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
(…)
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
(…)
VII – praticado por organização criminosa.
(…)
§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
(…)

II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;”
Ora, um dos objetivos do combate a crimes de lavagem de dinheiro é justamente impedir que o infrator tire proveito da prática criminosa. Aliás, enquanto nos crimes violentos como estupro, latrocínio, roubo e outros análogos dizem que “bandido bom é bandido preso” (há quem diga outra coisa), em crimes que envolvem manejo de recursos, que são utilizados para corromper agentes públicos, como no caso do famoso bicheiro, “bandido bom é bandido pobre”, pois, uma vez pobre, o infrator fica sem sua arma principal de atuação: o dinheiro. Prendê-lo é importante, mas o principal é fazê-lo ficar sem recursos, porquanto, mesmo preso, mas com recursos, ele continua forte. No entanto, sem recursos, ele não terá como pagar advogados caros, para encontrar brechas na lei e subterfúgios defensivos, a fim de livrá-lo impunemente, tampouco teria a fidelidade de amigos e colaboradores influentes, que o ajudam na esperança de serem contemplados com o dinheiro sujo que o suposto criminoso movimenta.
Nessa senda, deixar o Dr. Bastos receber os recursos de alguém que está sendo investigado por vários ilícitos, que dão ensejo ao crime de lavagem de dinheiro, sem que nada seja feito, estar-se-á permitindo, em tese, que Cachoeira tire proveito do produto do crime, e os recursos sujos ingressem no patrimônio do representado e passem a circular como capitais limpos, ganhos em atividade regular de advocacia, o que, a toda evidência, não é, porquanto salta aos olhos que o seu cliente não tem condições financeiras de pagar honorários, ainda que pequenos, com recursos legais. A propósito, permitir que o Dr. Márcio Thomaz Bastos usufrua de tais recursos, seria o mesmo que, mutatis mutandis, entender lícito que o advogado receba honorários de assassino, que paga sua defesa com o dinheiro recebido para matar a vítima.
De mais a mais, ainda que não se cogite de enquadramento na Lei de Lavagem de Dinheiro, a conduta do representado, Dr. Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, enquadra-se no tipo incriminador do delito de receptação culposa, prevista no parágrafo 3º do artigo 180 do Código Penal:

“Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)
(…)
§ 3º Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso.” Grifo nosso.

Ora, ora, o Dr. Bastos, assim como toda a sociedade brasileira, sabe que Cachoeira não tem condições de pagar honorários elevados com renda lícita; logo, é de se presumir que os recursos foram obtidos por meio criminoso, o que atrai a aplicação do tipo que pune a receptação culposa. Ressalta-se que, no crime de receptação, o delito antecedente pode ser qualquer um, tal como peculato, corrupção, estelionato, sequestro, latrocínio, furto, roubo etc., bem como o objeto material do delito pode ser dinheiro, joias, veículos, imóveis etc. (há divergência doutrinária em relação ao bem imóvel, mas não há quanto ao dinheiro e outros recursos, uma vez que ativos financeiros são considerados “coisa”, para fins penais, aptos, portanto, a configurar a elementar do tipo).
De outro giro, verificou-se, na oitiva de Cachoeira, ou melhor, na ausência de oitiva perante a CPMI, que o seu advogado o orientou a permanecer calado, louvando-se do artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal e artigo 8º, item 2, alínea g, da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica.
Nesse diapasão, em respeito à sociedade brasileira, que não entendeu por que Cachoeira tem o direito de não falar, sob o princípio nemo tenetur se detegere, previsto nos referidos dispositivos legais, o Ministério Público Federal, na condição de fiscal do cumprimento da ordem jurídica e defensor da sociedade, assustada com a impunidade, deve promover a responsabilidade do representado. Para isso, pode empregar o mesmo ordenamento jurídico que o representado utilizou para orientar a defesa do seu cliente;
afinal, dispositivos legais e princípios jurídicos não devem ser aplicados somente quando favorecem a defesa, mas também reclamam tomadas de responsabilidades.
O mister de promovê-las, in casu, cabe ao Ministério Público Federal, uma vez que a infração penal a ser apurada é da competência federal, seja em decorrência do disposto na Lei de Lavagem de Capitais, seja porque, em se tratando de receptação culposa, vislumbrasse a ocorrência da conexão prevista no artigo 76, inciso II, do Código de Processo Penal.
Para que nenhuma dúvida reste, enfatizo que o objeto desta delatio criminis postulatória não é questionar o aspecto ético do mencionado patrocínio, até porque a ética em questão está relacionada a razões de foro íntimo. Também não se pretende instar o Ministério Público a interferir, de alguma forma, na relação do advogado com seu cliente, e muito menos embaraçar o direito de defesa. O objetivo é provocar o titular da
ação penal a agir no sentido de aferir se os honorários pagos, que, segundo divulgado na imprensa, estariam cifrados em milhões de reais, são oriundos de fontes lícitas. Isso porque as condições do cliente indicam às escâncaras que provêm de fontes ilegais.
Sendo de fontes ilícitas, o representado estaria, em tese, incurso, ou no tipo incriminador que penaliza o delito de lavagem de dinheiro, ou no tipo penal da receptação culposa. Em qualquer das hipóteses, o crime é de ação penal pública incondicionada, reclamando a atuação do Ministério Público.
Em face do exposto, conforme demonstrado nesta representação, há indícios de que o representado já cometeu, ou está prestes a cometer o delito de lavagem de dinheiro, ou, no mínimo, receptação culposa, em decorrência da percepção de honorários advocatícios oriundos de atividades criminosas. Em tais situações, a prisão em flagrante é possível, caso o advogado seja pego recebendo os recursos oriundos de condutas
ilícitas perpetradas por Cachoeira.
Não sendo possível o flagrante, a infração criminal pode ser apurada pelos meios normais de investigação, inclusive com a quebra dos sigilos bancário e fiscal do representado. Além disso, outros meios de apuração podem ser empregados, como prestação de informações pelo COAF, que deve ser perquirido sobre movimentação financeira ingressa na(s) conta(s) bancárias do ora requerido, consoante o disposto no artigo 14, parágrafo 2º e artigo 15, da Lei 9.613/1998.
Porto Alegre, 28 de maio de 2012.

MANOEL PASTANA
Procurador Regional da República

terça-feira, 29 de maio de 2012

Outra lei penal

E enquanto segue o trabalho da comissão de reforma do Código Penal, novas mudanças pontuais vão colorindo a já exagerada colcha de retalhos. Mas, desta feita, a iniciativa foi muito positiva: a Lei n. 12.653, de 28.5.2012, publicada hoje e imediatamente em vigor, tornou crime a conduta de "exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial". A prática, ainda hoje comum, já fez muitas vítimas.
Recordo-me de que, há algumas semanas, quando precisei levar minha mãe às pressas ao hospital, ela só pode ser atendida depois que eu concluí alguns procedimentos de admissão, o que nos impôs uma boa meia hora de aflição.
A pena prevista é de 3 meses a 1 ano de detenção, e multa, passível de aumento se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave (dobro) ou morte (triplo). Pela localização do dispositivo (art. 135-A), verifica-se que, para o legislador, o novo delito constitui modalidade à parte do crime de omissão de socorro.

Banco de DNA

Com muitos anos de atraso, finalmente o Brasil passa a dispor de uma lei autorizando a criação de um banco de dados nacional sobre DNA, para fins de identificação criminal. A medida é disciplinada pela Lei n. 12.654, de 28.5.2012, publicada hoje mas em vigor somente daqui a 180 dias.
O novo diploma promove mudanças na Lei de Execução Penal e na Lei n. 12.037, de 2009, que dispõe sobre identificação criminal do civilmente identificado.
Já critiquei outras vezes o arcaísmo da legislação brasileira em vários aspectos, que no âmbito processual nos coloca numa terrível dependência de testemunhas, a mais frágil e inconfiável forma de apuração dos fatos. Com o DNA, pode-se obter a comprovação cabal de certos acontecimentos, esvaziando defesas procrastinatórias, simplificação a instrução, tornando mais segura e menos sujeita a reforma as sentenças condenatórias, dentre outros benefícios.
Pena que a realidade não seja tão glamourosa quanto a ficção. Esta reportagem desmistifica o jeitão CSI de investigar. Nada de descobrir o criminoso em poucos minutos: a amostra precisa descansar por um dia inteiro e o processo todo demora duas semanas, em média. Além disso, há uma limitação quanto ao tipo de crimes que podem passar por este procedimento.
Seja como for, já melhorou um pouco.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Não recebo cartas do DETRAN

Este ano, não recebi o boleto para pagar o licenciamento anual do meu carro. Imprimi pela Internet e fiz o pagamento. Como qualquer um faria, claro, marquei a opção receber o documento em casa, pelos correios. Isso faz incluir uma tarifa de R$ 9,20 na sua conta, já elevada, a título de serviços bancários. No entanto, o documento não chegou. Lembrei que, em 2008, quando renovei minha habilitação, também não recebi o papel e precisei procurá-lo no DETRAN.
Antes que alguém me pare numa blitz e me ponha em apuros, decidi fazer procuração naquele órgão estadual, que dispensa apresentações. Meu documento estava lá, devolvido ao remetente pelos correios devido à incorreção de um único item no meu endereço: no número da casa, onde deveria haver um 6, alguém pôs um 8. Resultado: "Não existe o número indicado."
O engraçado é que, por incontáveis vezes, meu endereço foi escrito errado. Consumidores que somos de produtos adquiridos através de comércio eletrônico, já passamos por isso um sem número de vezes. E o carteiro ou entregador sempre dá um jeito de nos achar. Toca a campainha, pergunta se é ali que mora o fulano e... encontra o que procurava! Isto acontece sempre, menos em se tratando de DETRAN. Parece que existe um carteiro exclusivo para as correspondências do órgão de trânsito e que trabalha com o mesmo padrão de eficiência.
Na imensa fila onde cidadãos pagadores de taxas de serviços bancários esperam quase uma hora de pé, sem qualquer conforto, um homem esbravejava sobre o DETRAN ser uma fábrica de dinheiro: você paga para receber seus documentos em casa, mas precisa ir buscá-los lá mesmo assim. Não sei se o problema dele também é um dígito incorreto.
Enquanto isso, o prédio feio e sujo exala o suor das centenas de pessoas que se amontoam por lá, enquanto servidores brincam de simular o clichê da repartição pública onde todos se esforçam por ser o mais lentos e irritantes possíveis. Um único servidor atende a fila imensa, em substituição à moça que saiu e voltou muito mais tarde. Há uma segunda moça na sala, mas ela apenas se levanta de vez em quando para procurar um ou outro documento nos arquivos; dá informações com ar de desleixo e indica a fila vergonhosa. Uma simples senha e cadeiras fariam muita diferença. E a efetiva prioridade aos idosos, que só são atendidos se tomarem a iniciativa de pedir atenção.
Um terceiro servidor adentra a sala, mas fica apenas olhando. Homens que aguardam atendimento perguntam se ele foi ajudar ou atrapalhar, quando o veem conversando com o colega. Este acha que é brincadeira e ri, animadão. Curiosamente, as mulheres não riem: ao menos lá, são sempre as servidoras mais antipáticas.
Deus te livre de precisar daquela bodega.

81 anos

Mesmo para quem é do ramo e já se acostumou a assimilar a ideia de processos que tramitaram por mais de 20 anos, é difícil acreditar que um possa alcançar os 81. Mas no Brasil isso é possível. E se você quiser saber se, afinal, os bisnetos ou trinetos do autor da ação vão ver ou não a cor do dinheiro reivindicado, saiba que não vão. O motivo? Prescrição.
Parabéns ao Judiciário do Município paulista de Bauru por essa marca que, provavelmente, não será batida. Aliás, se Deus quiser não será!

sábado, 26 de maio de 2012

Novas salas de cinema em Belém (2)

Promessa cumprida: de fato, as salas de cinema do Cinépolis no Parque Shopping realmente começaram a funcionar ontem. Mas não todas: por alguma razão, as salas 1 e 7 não aparecem na programação do próprio Cinépolis. Sem condições operacionais?
Que diabo! Até quando o empreendimento funciona, alguma coisa fica faltando...

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Outra hora

Eu até tenho umas coisas para dizer, mas esta sexta-feira não está fácil. Então vejo vocês qualquer hora dessas. Um abraço e bom final de semana.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Novas salas de cinema em Belém

A informação está na página do próprio Cinépolis:


Amanhã, 25 de maio, exatamente um mês após a ridícula inauguração sem o devido funcionamento do Parque Shopping, devem entrar em operação as sete salas de cinema do novo shopping da cidade. Gato escaldado, só acredito vendo.
Mas espero que as novas salas comecem a operar de fato. Além do prometido maior nível de conforto, é uma forma de distribuir melhor o público das habitualmente lotadas salas de Belém.

A saga de Batista Campos

Quinta-feira novamente. É dia de apresentação do espetáculo "Batista", mais uma obra a mostrar como nesta nossa terra existe teatro de verdade.
Reproduzo a matéria publicada no Diário do Pará, no site hoje:

Foto: Brends Nunes (divulgação)
O número de espectadores se aglomerando para conferir o espetáculo “Batista”, no Sesc Boulevard, na última sexta-feira, 18, impressionava. Uma fila se dispersava por dois rumos opostos, e era imensa. Uma parte tomava conta do vão em frente à sala de apresentações, subia a escadaria em espiral que leva aos andares superiores do centro cultural e chegava ao terceiro andar; a outra, descia a escadaria e ultrapassava a porta de saída da casa. O comparecimento do público foi tão grande que se fez necessária a realização de uma segunda apresentação. O mesmo havia se repetido no dia anterior, quinta-feira. O mais significativo de tudo isso é que, nos dois dias, a maioria dos espectadores era de estudantes da rede pública.
Escrito pelo dramaturgo Carlos Correia Santos e montado pela Companhia Teatral Nós Outros, trazendo em cena Cacau Novais e Hudson Andrade, que também dirige a montagem, “Batista” estreou no dia 10, já com grande sucesso de público. A produção realiza as duas últimas apresentações de sua primeira temporada nesta quinta e sexta, sempre às 20h30, e comemora uma especial vitória: o empreendimento acabou se tornando ferramenta pedagógica para algumas escolas da cidade. A oportunidade de colocar alunos em contato com traços da biografia do cônego Batista Campos e, portanto, com referências à Cabanagem, assunto cobrado no vestibular, está chamando a atenção de docentes.
É o caso do professor Helder Bentes que, na quinta, dia 17, organizou um grupo com mais de 60 estudantes da Escola Cândido Horácio Evelin e, aliado aos também professores Sidney Sidom e Anderson Moraes, conduziu os jovens à plateia.
“O interesse de ter levado os alunos ao teatro surgiu da temática da peça. Muitos estudantes, ao ouvirem o nome Batista Campos, associavam-no ao bairro ou à praça. Ao ouvirem falar em Cabanagem, pensavam só no bairro ou na linha de ônibus. Decidimos então aproveitar o conteúdo da peça para instrui-los sobre a personagem e o fato histórico a que nos remetem esses nomes, iniciá-los na apreciação do gênero dramático, aproveitando a transversalidade temática da obra em três disciplinas: Artes, História e Língua Portuguesa”, explica Helder.

SERVIÇO
Duas últimas apresentações da primeira temporada de “Batista”. Nesta quinta e sexta, dias 24 e 25, às 20h30, no Sesc Boulevard. Entrada franca. Informações: 8822-4453 e 8199-1322.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O improvável aconteceu

O lado do bem comemora.
Foto: Renato Araújo
E não é que a Câmara dos Deputados votou mesmo, e ainda por cima aprovou, ontem, a PEC 438/2001, a famosa "PEC do trabalho escravo"? Fiquei passado, mas é verdade.

Tratando-se de proposta de emenda constitucional, há necessidade de duas votações em cada casa legislativo. O Senado já tinha aprovado e a própria Câmara, em primeiro turno, esta ocorrida em agosto de 2004 (e mesmo assim à custa de uma chacina, do contrário não teria passado). Foram necessários quase oito anos de malandragens para que a tchurma da criminalidade no campo, aboletada em mandatos políticos conseguidos graças a dinheiro e não por mérito ou interesse público, perdesse a quebra de braço intensificada nas últimas semanas.

A guerra, contudo, ainda não terminou, porque o texto da PEC foi alterado e isso exige nova tramitação perante o Senado, onde as forças do mal certamente farão as suas ofertas. Mas como devemos viver um dia de cada vez, pelo menos hoje temos o que comemorar. Inclusive porque ninguém precisou ser assassinado, desta vez.

A par disso, as declarações dos ruralistas deixam claro o que eles são e que interesses representam. Quando um deles diz que apenas 29 comparsas tiveram "coragem de assumir seu voto" em vez de ceder à pressão pública, mostra de uma só vez que a bancada ruralista conhece os anseios sociais mas não se importa com eles, e que se acovarda diante das consequências político-partidárias, ainda mais em se tratando de um ano eleitoral. Quando outro sentencia com um "perdemos", deixa claro qual é o jogo que jogam. Uma vergonha.

O que eu acho mais engraçado é que, no meio dessa cambada, há gente que abre a boca para dizer que não existe trabalho escravo no Brasil. Que tudo quanto se diz a esse respeito é deturpação das esquerdas e irresponsabilidade de certos setores da imprensa. Mas se eles estiverem certos, então não há motivos para preocupação, porque nesse caso a PEC nunca será aplicada! Simples assim. Se todos os agroempresários são honestos, bonzinhos e humanitários, nenhum explora seres humanos e nenhum perderá suas terras.
Lindo, não?

Fonte: http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/418078-CAMARA-APROVA-PEC-DO-TRABALHO-ESCRAVO.html

***

Para que você tenha uma ideia do meu interesse sobre o tema, existem atualmente 66 postagens neste blog classificadas sob o marcador "trabalho". Destas, nada menos do que 12 versam sobre trabalho escravo (agora, claro, 67 e 13):
 Dá para perceber minha indignação com esse delito nefando e minha satisfação de hoje.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Reforma do Código Penal XVI: corrupção privada e informática

Nos últimos dias, a comissão de reforma do Código Penal aprovou novidades em dois campos distintos.
No primeiro caso, poderemos ver o nascimento de um conceito inédito no Direito brasileiro: o de corrupção ativa e passiva entre particulares. Até hoje, a corrupção só é criminalizada no país como prática que envolva agentes públicos, mas a proposta alcança situações como a de "funcionário ou executivo encarregado das compras numa empresa, por exemplo, [que] só admite determinado fornecedor porque recebe propina". O fundamento da proposição é a Convenção da ONU sobre o Combate à Corrupção e a legislação de países como Itália, Espanha, França, Alemanha e Inglaterra. O texto seria este:

Exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, como representante de empresa ou instituição privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida para favorecer a si ou a terceiro, a fim de realizar ou omitir ato inerente a suas atribuições.
Pena 1 a 4 anos de prisão, e multa.


***

A segunda novidade é a criação de um título sobre crimes contra a inviolabilidade do sistema informático, considerado "mais abrangente do que o projeto de lei que recentemente passou pela Câmara dos Deputados", que introduz os conceitos de dados de tráfico, provedor de serviços, sistema informativo, dentre outros. Para a felicidade da Carolina Dieckmann, o simples acesso não autorizado a um sistema informático já constituirá delito, mesmo que sem prejuízo efetivo à vítima. A pena sugerida é de 6 meses a 1 ano de prisão, ou multa, aumentada de sexto a um terço, em caso de prejuízo econômico. E eu pergunto: e os prejuízos morais?

E os falsos perfis (modinha em redes sociais) virarão modalidade de falsidade ideológica, porém com uma pena inferior a do atual art. 299 do Código Penal: de 6 meses a 2 anos de prisão, com aumento de um terço a metade se cometida por sistema informático ou rede social.

Reforma do Código Penal XV: crimes contra direitos humanos

Quanto mais eu leio sobre esses caras, mais gosto deles. A comissão de reforma do Código Penal aprovou, ontem, o texto de um capítulo que criminaliza ações contra os direitos humanos, para colocar a legislação brasileira em conformidade aos tratados internacionais e a teorias que já existem há décadas. Tais crimes envolvem as figuras de genocídio, tortura, desaparecimento, extermínio e escravidão. À exceção do desaparecimento e do extermínio, já existe tipificação penal para as demais práticas, seja no próprio Código Penal (redução à condição análoga à de escravo), seja em leis especiais.

Contudo, as inovações têm características peculiares, explicadas pelos juristas nestes termos: “são crimes contra a humanidade os praticados no contexto de ataque sistemático, dirigido contra população civil, num ambiente de hostilidade ou de conflito generalizado, que corresponda a uma política de Estado ou de uma organização, tipificados neste capítulo”.

Assim, o crime de desaparecimento não se equipara ao sequestro. O extermínio não se confunde com o homicídio. E mesmo a tortura, cuja nomenclatura se repete, tem contornos distintos. A babá que tortura a criança ou o traficante que tortura um desafeto não estariam no mesmo patamar de quem perpetrasse ações congêneres em nome da ordem constituída ou de facções.

Ainda na condição de crimes contra os direitos humanos, foi concebido um capítulo versando sobre delitos de preconceito contra deficientes físicos e outras minorias.

Adaptação

Uma poltrona, música tocando (de preferência relaxante), um bom livro e, se for possível, uma Coca-Cola e um tira-gosto. Não, esta não é a minha descrição de um dia desocupado e relaxante em casa. Esta é a minha sugestão para os dias normais de trabalho, aqui em Belém, dentro do carro.

Praticamente imobilizados como nos encontramos (e não me refiro especificamente às obras sem planejamento do prefeito-desastre, mas à situação da cidade como um todo), o jeito é buscar uma forma de suportar a realidade, sob pena de morrermos de apoplexia.

Passamos cada vez menos tempo em nossas casas e mais no trabalho e no trânsito. E no trânsito estamos especialmente limitados, espremidos num habitáculo e sujeitos a aborrecimentos e riscos. Então o melhor é relaxar e ganhar tempo. Pessoas como eu, que precisam estudar ao menos um pouquinho a cada dia, perderão menos tempo sacando um livro durante os intermináveis minutos de engarrafamento ou as longas esperas para que o sinal abra de novo, para que o depravado que fechou o cruzamento dê passagem e por aí vai.

Por favor, não se esqueça de puxar o freio de mão. E não se esqueça: mesmo no engarrafamento, a atenção difusa do condutor é essencial. Você não está em casa, muito menos deitado numa rede. Então preste atenção!

Maurício politizado

Nunca soube que Maurício de Souza fosse dado a se envolver com a política do país, mas o famoso desenhista decidiu ser coerente com o discurso desenvolvido em suas publicações e escolheu o mais carismático de todos os seus personagens para mandar um recado direto:




As duas charges foram publicadas ontem no Twitter. Enquanto isso, a novela triste que se tornou este novo Código Florestal não termina, mas como existe um prazo, especula-se que amanhã será anunciada a decisão da presidência da República.

Aparentemente, o mais provável é que o projeto seja parcialmente vetado, o que decerto deixará ambos os lados insatisfeitos. A habitual política dos panos quentes, que não ajuda em nada o país, nem ajudará neste caso específico.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Direito aplicado ao ensino superior

Clicando neste link, você verá uma síntese de interessantes decisões tomadas pelo Superior Tribunal de Justiça em ações movidas por instituições de ensino superior, nos últimos anos. A maioria dos julgamentos versa sobre indenizações, a títulos de danos morais e materiais, decorrentes de acidentes em aulas práticas; ausência de informação sobre não reconhecimento de curso e postergação do diploma. Há também uma decisão sobre a obrigatória legitimidade processual dos centros acadêmicos.

Chamou minha atenção que duas universidades foram condenadas a indenizar estudantes por crimes praticados por terceiros, em contextos em nada relacionados às atividades da própria instituição. Num deles, bala perdida disparada por narcotraficantes; noutro, estupro de jovem que saía de uma festa na universidade. Em ambos os casos, a corte entendeu ter havido falha em procedimentos elementares de segurança da comunidade.

Vale a pena ler. Os julgados são muito instigantes quanto à compreensão do tribunal sobre a responsabilidade das universidades.

Nova regra de prescrição em vigor

Uma semana e meia após a sua aprovação pela Câmara dos Deputados, entrou em vigor a Lei n. 12.650, de 17.5.2012, que institui uma nova regra para a contagem da prescrição, especificamente em relação a crimes sexuais contra crianças e adolescentes.

Mudanças nas aulas desta semana a caminho.

Uma velha questão



Embora registrando alguma melhora nos últimos anos, o salários dos professores segue sofrível no Brasil, em que pese todos os demais profissionais só tenham chegado onde chegaram graças a eles. São as típicas injustiças deste mundinho invertido, onde quem estuda ano após ano, sem parar, e compartilha com suas experiências com as novas gerações vive no sufoco e quem nada faz, desde que sacuda a bunda ou chute uma bola, fica milionário.

Sempre mais do mesmo.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Siga as pistas

Foto: Daniel Pinto
Sucesso inesperado no Facebook, Twitter e até numa fanpage, foi apelidado de "Obama do BRT Belém" o horroroso display que simula um agente da CTBel e cuja finalidade seria auxiliar os motoristas que, hoje, vivem o apocalipse quando precisam trafegar pela Av. Almirante Barroso. Alguns mondrongos desses foram instalados ao longo da via, mas desapareceram misteriosamente ontem.

A CTBel informa que já instaurou investigação para saber quem subtraiu os bonecos, aparentemente sem cogitar da possibilidade de os coitados terem fugido por conta própria, desesperados ante a visão do inferno em que se transformou a principal via da cidade. Dominada agora por motoristas à beira de uma apoplexia, o clima por lá anda tão ruim que não há quem aguente as más vibrações daquela psicosfera. Eu entenderia, se eles fugissem.

E fica a questão: para que alguém iria querer os equipamentos?

Sou de opinião que, se houve um furto, este pode ter sido praticado pelos mesmos indivíduos que andam levando tudo o que Belém possui ou poderia possuir, nem que seja só para não perder o hábito. Uma espécie de cleptomania elevada à última potência.

Vai saber...

Os "efeitos"

Inspirado por um comentário feito pelo André Coelho, recordo alguns crimes de larga repercussão no país, que se tornaram emblemáticos (adoro esta palavra!) para o ensino do Direito (ou mais particularmente do Direito Penal), dadas algumas características que, a despeito do horror que podem provocar, são terrivelmente didáticas. Às vezes, tais casos indicam ou pelo menos sugerem inclusive mudanças atitudinais no poder público, na mídia ou nas pessoas em geral.

Tais casos são sempre mencionados em minhas aulas, justamente por serem exemplos bastante característicos para certos temas que preciso abordar. Acostumei-me a chamá-los de "efeitos". São eles:
  • Efeito "Escola Base": O caso da "Escola Base" foi abordado logo nos primórdios do blog, numa sequência de postagens sobre erros judiciários no Brasil (ou, como seria mais correto dizer, erros na persecução criminal), quando o classifiquei como "o maior crime da imprensa nacional". Graças a uma atuação escandalosamente irresponsável do delegado encarregado do inquérito policial sobre supostos abusos sexuais contra crianças, foi gerado um clamor público que levou à depredação da escola e ao risco real de linchamento dos suspeitos que, no final das contas, eram inocentes, mas tiveram suas vidas irremediavelmente arrasadas. A imprensa foi fundamental para que os acontecimentos chegassem onde chegaram e isso ficou tão patente que a lição foi aprendida. Basta lembrar a exaustiva cobertura sobre o caso Isabela Nardoni: os jornalistas (ignore os programas sensacionalistas) sempre se referiam aos acusados como suspeitos, não pré-julgavam, evitavam conclusões precipitadas e juízos de valor. Nem parecia Brasil.
  • Efeito "Eldorado dos Carajás": Não adianta haver um mandado judicial legítimo. Mande a Polícia Militar desocupar uma área cheia de posseiros e a ordem será postergada quanto possível. Faz-se de tudo para evitar que a corporação fique frente à frente com os ocupantes. Como efeito correlato, temos que hoje a polícia reforçou o hábito da negociação. Mesmo em crimes individuais (um assalto com refém, p. ex.), gasta-se um tempo enorme com negociação e se faz concessões demais ao delinquente. O uso da força é evitado, mesmo quando configure estrito cumprimento do dever legal, até porque sempre aparece a imprensa. Assim, a antiga prática de atirar primeiro e perguntar depois foi mitigada.
  • Efeito "Suzane von Richthofen": Este é mais para o cidadão comum. Segundo matérias que li, após o famoso parricídio, muitos pais ficaram com medo de seus filhos adolescentes e passaram a dormir com a porta do quarto trancada. Tristes tempos.

***

Existem, ainda, casos que não batizei de "efeitos", mas que são excelentes para explicar determinados temas:
  • Caso Daniella Perez: A mãe da atriz, Glória Perez, contando com irrestrito apoio da Rede Globo, conseguiu mobilizar a opinião pública e o Congresso Nacional, onde foi aprovado o primeiro projeto de lei de iniciativa popular em matéria criminal. A Lei n. 8.930, de 1994, incluiu o homicídio qualificado no elenco dos crimes hediondos. Mas em se tratando de norma prejudicial, é irretroativa e não pode ser aplicada no julgamento do crime que motivou a elaboração da própria lei, ocorrido em janeiro de 1997.
  • Caso do índio pataxó: Os inocentes garotos de Brasília que, entediados com a falta de lazer, queimaram vivo um índio, supondo tratar-se de um mendigo, permite um debate tão acalorado sobre a diferença entre dolo eventual e culpa consciente que, passados 15 anos, se você promove um debate em sala de aula, as opiniões continuam divididas. É impressionante.
No mais, é como sempre digo: a realidade é sempre mais surpreendente do que qualquer trama ficcional.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Movimentação do blog

Uma coisa é certa: se o ritmo do blog cai, os leitores se tornam incipientes e até desaparecem. Os leitores mais fieis podem ficar e comparecer de vez em quando, mas o número de comentários diminui. Tenho percebido isto claramente nas últimas semanas. Neste ano de 2012, mudanças, atividades e preocupações colocaram o Arbítrio num ritmo de atualização baixo como nunca antes, de um modo mais prolongado. Sempre houve aqueles momentos em que eu precisava pisar no freio, geralmente devido à correção das provas, mas depois tudo se normalizava. Este ano, contudo, já faz bastante tempo que fiquei irregular.

Basta olhar a lista de postagens, na qual o Blogger acrescenta informações como o número de acessos e comentários, para se perceber o quanto a visitação despencou. Normal. Isto aqui não é um blog profissional, portanto dependo inteiramente da boa vontade de quem me procura ou me encontra por acaso. O que sinto falta, mesmo, é dos meus comentaristas mais queridos.

Não farei promessas sobre postagens e atualizações em geral. Também não farei promoções premiando com ingressos para a cerimônia religiosa (não a festa) do meu casamento para quem se tornar meu seguidor, até porque já me casei faz tempo. Direi, apenas, que o blog continuará ativo e que procurarei equilibrar os temas do cotidiano, os jurídicos e os culturais, como forma de não cansar demais com as mesmas pautas.

Em suma, estamos aí. Quero dizer, aqui. Sempre agradecendo a essa gente generosa que prestigia este espaço.

Preconceito castigado

31 de outubro de 2010. Enquanto o país reagia à eleição de Dilma Rousseff para a presidência da República, a acadêmica de Direito Mayara Petruso publicava disparates em suas páginas no Twitter e Facebook contra nordestinos, a quem culpava pelo resultado do pleito. Mas os tempos já eram outros e as palavras não foram levadas pelo vento: eternizadas na Internet, provocaram uma onda de indignação que moveu o Ministério Público rumo a uma ação penal por crime de racismo praticado em veículo de comunicação, na forma do art. 20, § 2º, da Lei n. 7.716, de 1997.

Mayara Petruso e um pouco de sua ideologia, aquela de que precisamos para viver.

Pouco mais de um ano e meio depois, veio a condenação, imposta pela 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo: 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão, substituídos por multa e prestação de serviços à comunidade. Naturalmente, está aberto o prazo para a ré apelar da sentença.

Petruso não tentou negar o fato. Defendeu-se alegando que não tinha a intenção de ofender. Tese de quem já conhece um pouco dos meandros jurídicos (mas, a meu ver, a condição de estudante de Direito potencialmente aumentava a sua consciência da falta que cometia). Até posso acreditar nisso, porque uma representante-clichê da classe média paulista, que tenta espraiar seus valores diferenciados por todo o país, pode mesmo ter-se surpreendido com a repercussão de seu desabafo cidadão e pode realmente acreditar que não fez nada demais. Afinal, ela apenas sugeriu que nordestinos fossem afogados como um "favor a São Paulo". Note-se, aqui, como ela só estava preocupada com o seu entorno imediato. Bem classe média.

Aliás, a sentença (que li parcialmente porque não confiei em fazer o download, por isso também não ofereço o link) esclarece que, como defesa, o advogado alegou que a moça era "inexperiente, imatura, ingênua e infantil", mas não preconceituosa e que "não pode o juiz influenciar-se pelo discurso do politicamente correto". Em depoimento, a ré disse sentir vergonha e estar arrependida do que considera um erro. Pelo menos isso.

Se a tese defensória fosse aceita, amanhã mesmo eu sairia chamando qualquer um que me aborrecesse de filho da puta ou coisas do gênero, mas esclarecendo que, a despeito do tom furioso e da publicidade da ofensa, não havia em mim intenção de ofender. Seria bacana, não? Mas felizmente o Direito Penal mede a agressão a bens jurídicos por valores da sociedade e não do acusado, especificamente; até porque, se o fizesse, raramente haveria culpados.

Um aspecto que me chamou a atenção, na sentença, é que a juíza federal Mônica Aparecida Bonavina Camargo teria aplicado a pena-base abaixo do mínimo legal (a informação é da reportagem e, se verídica, contraria frontalmente a lei) alegando que a ré já foi parcialmente punida, na medida em que sofreu grave constrangimento moral, sentindo-se obrigada a abandonar a faculdade, recolher-se em casa por seis meses e, por fim, mudar de cidade, temendo represálias. A juíza aludiu a "situações extremamente difíceis e graves para uma jovem". Muito humana a magistrada. Pena que a preocupação com os danos provocados pela condenação sobre a vida dos réus não seja comum entre os magistrados, principalmente quando aqueles não são jovens da classe média paulista. [O pequeno e impertinente contestador que vive dentro de mim jamais deixaria de escrever esta última frase.]

Espero que a lição tenha sido aprendida e que, como se costuma dizer, sirva de exemplo para outros indivíduos com problemas de aceitação da alteridade.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Crimes informáticos?

O mundo não parou de girar. Por isso, enquanto a comissão de notáveis criada pelo Senado para conceber o anteprojeto de novo Código Penal continua seus trabalhos, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar um projeto de mudança pontual e numa área polêmica, que há tempos demanda regulamentação: a dos crimes informáticos.

Se o projeto aprovado ontem já fosse uma lei em vigor, a turma que hackeou (horrível, esta) o computador da atriz Carolina Dieckmann já teria crime específico pelo qual responder. A proposição institui novas figuras penais, como a invasão de dispositivos informáticos alheios, e atualiza alguns tipos já existentes, como a interrupção de serviços de comunicação, já que o Código Penal ainda é do tempo do telégrafo.

Olhei por alto, posto se tratar de uma proposta que ainda será encaminhada ao Senado, podendo ser aprovada, rejeitada ou modificada. Assim, prefiro postergar uma análise mais detida, embora o projeto, em princípio, não pareça ruim.

E, como já disse antes, já passou da hora de termos legislação para esta matéria.

Posse na Academia Paraense de Música

Inspirada no modelo das Academias de Letras, em 30 de maio de 1981 foi fundada a Academia Paraense de Música, pelo maestro e compositor Waldemar Henrique. Com as conhecidas dificuldades para divulgação da cultura neste Estado, a instituição suspendeu suas atividades em 1988, mas voltou a se organizar a partir de 2010.

Em solenidade ontem à noite, tomaram posse na academia seis novos componentes, sendo quatro "imortais" e dois colaboradores. Entre os quatro novos acadêmicos estavam dois filhos do maestro e compositor Wilson Fonseca, o renomado Maestro Isoca, de Santarém (também ele um imortal): o primogênito, José Wilson Malheiros da Fonseca e José Agostinho da Fonseca Neto, este pai de minha esposa, que também é maestro e executou duas composições de seu pai. Os outros dois acadêmicos são a professora Hilda Valente Azulay e o maestro Luiz Pereira de Moraes Filho, conhecido como Pardal. Os colaboradores são Joel Costa e Urubatan de Castro.

A cerimônia, que obviamente foi marcada também por um pequeno concerto, aconteceu na Sala Ettore Bosio, da Fundação Carlos Gomes.

***

Como sempre acontece com questões locais, é difícil encontrar informações sobre a APM na Internet. Você pode ter alguma ideia aqui.

Proteção internacional de direitos humanos

Um ano depois da primeira vez, ontem à tarde participei novamente de uma simulação de julgamento perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), atividade que funciona como treinamento para os alunos membros da Clínica de Direitos Humanos do CESUPA, notadamente para os dois que representarão a instituição em Washington, na 17ª Competição de Julgamento Simulado do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, daqui a pouco mais de uma semana.

Para quem não sabe ou não lembra, os acadêmicos do CESUPA venceram as competições nacionais em 2011 e 2012 e se tornaram representantes do Brasil no evento internacional. Em 2011, foi a primeira vez que nossa instituição participou da disputa e, em 2012, tivemos uma emocionante final com os alunos da Universidade Federal do Pará, ou seja, um confronto genuinamente açaí com tapioca, para mostrar a todo o Brasil que há muita vida inteligente aqui para estes lados.

Na tarde de ontem, mais uma vez participei como juiz membro da CIDH, em companhia dos colegas Loiane Verbicaro, Bruno Brasil, Arthur Homci, Bianca Ormanes e do ex-integrante da clínica, hoje formado e já advogado Fernando Campos. O caso hipotético submetido à apreciação se passava no fictício Estado insular de La Atlantis e tinha como tema geral a construção de uma usina hidrelétrica em área habitada por povos indígenas, algo bastante próximo da realidade brasileira e que está em voga por causa de Belo Monte. Estavam em jogo a subsistência étnica desses grupos, a igualdade das mulheres, o direito de propriedade e a exploração do trabalho.

Foi muito bom. Como juízes, nós tínhamos instruções para dificultar a vida dos estudantes, que defendiam da tribuna os interesses dos peticionários e do Estado demandado. E atrapalhamos mesmo. Mas ainda assim é possível ver como nossos acadêmicos (Domingos Assunção, Valdenor Brito, Elden Barbosa e Yule Santos) estão empenhados e como têm talento para a tribuna. Estamos certos de que farão bonito novamente.

Parabéns aos estudantes e professores que fazem a clínica e aos acadêmicos que prestigiaram o evento.

Ótimos antecedentes:

terça-feira, 15 de maio de 2012

Reforma do Código Penal XIV: indígenas

O Código Penal não trata especificamente sobre a responsabilidade penal dos indígenas, o que pode explicar o desprestígio do assunto nos manuais mais recentes (talvez mais uma deletéria influência do concursismo). Mas boas obras já trataram do tema, esclarecendo que razões de política criminal explicam a diferença de tratamento, baseada no reconhecimento de que os índios vivem em uma sociedade diferenciada, segundo costumes e tradições próprios, os quais são supervalorizados pela tribo. Assim, não se pode pretender que um índio, educado sob padrões comportamentais completamente distintos, reja-se pelas mesmas regras, desde que não tenha sofrido processo de assimilação cultural.
Ocorre que o tempo passou e a assimilação cultural já foi uma política de governo. Hoje são raras e diminutas as tribos que ainda podem ser consideradas isoladas. Em outras tantas, os homens fazem a interação com a sociedade não-indígena, permanecendo as mulheres "aculturadas", a ponto de sequer conhecerem a Língua Portuguesa. Por isso, a questão da peculiar imputabilidade ou total inimputabilidade penal dos índios continua relevante. Ciente disso, a comissão de reforma que dispor expressamente a respeito: o objetivo é reconhecer as diferenças culturais e assegurar a possibilidade de afastar a responsabilidade penal nos casos em que o indivíduo aja movido por seus valores comunitários.
A proposta está longe de ser tranquila, mas a comissão avisou que nenhum assunto seria jogado para baixo do tapete. Então que venha a medida, para que seja resolvida como deve: politicamente.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Reforma do Código Penal XIII: pessoas jurídicas

Tudo começou com a redação algo dúbia do art. 225, § 3º, da Constituição de 1988. Aí veio a Lei n. 9.605, de 1998 ("Lei de Crimes Ambientais"), que introduziu expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito Penal brasileiro. E a celeuma se incendiou. De lá para cá, o Judiciário vem reconhecendo a validade da norma, exceto por uma ou outra decisão, perceptivelmente minoritária. Mas entre os doutrinadores a preferência vai em sentido oposto. A execração a essa norma é grande, baseada no dogma de que a responsabilidade penal, por depender da intenção do agente, é restrita a seres humanos, não podendo alcançar as pessoas morais.
Não vem ao caso, agora, discutir os argumentos de ambos os lados, até porque são abundantes os estudos de todo o gênero a respeito. Quero apenas destacar que a comissão de reforma do Código Penal decidiu estender essa previsão, hoje restrita aos delitos ambientais, também àqueles que afetem a Administração Pública, a ordem econômica e financeira e a economia popular. E avisa: o Brasil está atrasado por causa do apego a doutrinas retrógradas.
Muitos penalistas devem ficar aborrecidos, mas pessoalmente acredito que a legislação deve ser adequada aos novos meios de cometimento de crimes, trazidos por uma conjuntura econômica muito mais multifacetada e eficiente. Assim, aplicando-se as regras que, hoje, já são bastante conhecidas por causa dos delitos ambientais, acredito que a medida seja positiva. Vale a pena, ao menos, experimentá-la.

Reforma do Código Penal XII: assuntos da semana passada

Durante a semana que passou, ministrei aulas para minhas turmas de Direito Penal II tratando sobre concurso de crimes (dentre eles, o crime continuado) e o limite máximo de cumprimento das penas, em 30 anos. E mencionei que a comissão de reforma do Código Penal ainda não havia deliberado a respeito. Pois deliberou, na sexta-feira, e a notícia foi divulgada no site do Senado às 19h39, quando eu já estava em plena aula e, por isso, não pude tomar conhecimento das novidades. Mas eis as propostas:
  • Sobre o crime continuado, diz a matéria que, em casos de estupro ou delitos que provoquem morte de pessoas, o benefício não poderá mais ser aplicado, devendo-se somar as penas de cada crime. Eu ficaria mais à vontade se conhecesse o texto exato da proposta, pois a redação jornalística pode induzir a algum erro. Mas se a continuidade delitiva fosse eliminada dos crimes com violência contra a pessoa, seria justo.
  • Confirmou-se que a comissão não pretende elevar o máximo de prisão a cumprir, exceto em uma hipótese: a de o detento praticar novo delito, já no cumprimento de sua pena. Esta situação provoca, hoje, consequências importantes, reajustando o tempo máximo em que o indivíduo pode ficar preso (nova unificação da pena), mas ainda se baseando no limite de 30 anos. Pela nova regra, especificamente neste caso, o teto subiria para 40 anos. Também me parece justo. Vale lembrar, contudo, que neste caso as penas máximas cominadas aos delitos permaneceriam em 30 anos. E lembrar, mais ainda, que a deliberação dos juristas é meramente provisória: o martelo será batido, mesmo, no Congresso Nacional.
  • Outras deliberações dizem respeito à criminalização das milícias e à extinção do livramento condicional. O apenado dependerá tão somente da progressão de regime, notadamente da passagem para o regime aberto. Admito que esta última me pegou de surpresa, mas se o novo sistema for bem concebido, pode até ser melhor. Afinal, como digo aos meus alunos, o sistema progressivo se baseia na ideia de que o apenado deve recobrar sua liberdade aos poucos. Todavia, a legislação brasileira permite, hoje, ao menos em tese, que um preso que nunca progrediu possa obter livramento condicional, ou seja, passe de uma prisão fechada diretamente à liberdade, o que não deveria ocorrer.
Face ao uso do blog como ferramenta pedagógica, peço desculpas aos não iniciados em Direito Penal, que talvez não entendam lhufas do que escrevi acima.

Presídio particular

Medida comum na América do Norte e, por estas bandas, defendida ardorosamente há décadas pelo jurista paraense Edmundo Oliveira, a privatização do sistema penal está prestes a se tornar uma realidade, guardadas as devidas proporções. Na verdade, não se trata de uma privatização, mas de uma parceria público-privada, esta curiosa figura que desperta muita desconfiança e que agora chegou ao universo prisional.
A primeira prisão neste modelo está sendo construída em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, e quando pronta, disponibilizará mais de 3 mil vagas. A previsão de inauguração é para agosto.
Se ajudar a conferir trabalho para os presos e, assim, fazer funcionar a complexa rede de sanções e recompensas próprias da execução penal, pode ser mesmo uma boa ideia. O cuidado a tomar é não fazer como os americanos, que primeiro privatizaram as prisões, depois começaram a prender cidadãos pelos mais variados e absurdos motivos, tais como ligar demais para a polícia ou tentar usar uma ambulância como táxi.
Afinal, se é privado, tem que gerar lucro. E não me parece uma boa ideia criminalizar para fazer dinheiro. Definitivamente, não é.

P.S. Uma curiosidade: a população da cidade não ficou muito feliz com a notícia da construção do complexo penitenciário.

O efeito Dieckmann

Quem diria: uma atriz bonita, mas chata e sem nenhum talento especial acabou de tornando a pedra no sapato dessa gente que, por deter conhecimentos especiais de computação, acha-se no direito de prejudicar os outros e acredita na impunidade. Nesta detalhada reportagem, o portal G1 explica como a polícia descobriu o que realmente aconteceu para que as fotos privadas de Carolina Dieckmann se tornassem públicas, identificasse os culpados e pusesse as mãos em alguns deles.
Parabéns à equipe policial pelo belo trabalho.
No entanto, estou perplexo com a notícia de que os criminosos serão indiciados, além da extorsão (no caso, exigência de dinheiro para a não divulgação das imagens), por furto e difamação.
Furto, nos precisos termos do art. 155 do Código Penal, significa subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Para admitirmos tal incriminação, precisaríamos elastecer um pouco a compreensão que temos de "subtrair", mas até aí tudo bem. Contudo, trata-se de um delito patrimonial, que somente se configura quando você retira a tal coisa alheia móvel da vítima e, especificamente por causa disso, esta sofre uma redução em seu patrimônio. Mas se os criminosos acessaram clandestinamente o e-mail da atriz e copiaram o arquivo, deixando o original onde estava, pode-se dizer que houve subtração? Entendo que não. E mais: um arquivo digital constitui coisa alheia móvel? E se responder afirmativamente às perguntas anteriores, tal conduta empobreceria a ofendida? Esta é fácil: evidentemente não.
Pelo amor de Deus, não me venham com o argumento para lá de tosco de que o empobrecimento adviria da chantagem. Isto é claro, mas configuraria outro delito. Estou tentando, mas não consigo pensar em furto sob qualquer ótica, que seja.
A difamação, por sua vez, com base no art. 139 do Código Penal, importa em divulgar fato ofensivo à reputação de certa pessoa. Fatos, faço questão de frisar. A exposição de imagens pessoais da atriz não implica em atribuição de fatos, muito menos ofensivos a sua honra. Qual o fato? Que ela tira fotos pelada? Até onde sei, direito dela, certo? Fotos pessoais, domésticas, solitárias, insuscetíveis de trazer danos a terceiros?
O ocorrido tanto não é ofensivo à honra que, segundo percebo, a principal reação das pessoas em geral, sobre o caso, tem sido de solidariedade à atriz. A maior crítica que escutei contra ela foi ter sido "burra" por tirar tais fotos. Mas, convenhamos, burro é esse comentário. Voltamos à questão da liberdade individual e da ausência de prejuízo a terceiros.
A menos que eu esteja precisando muito rever os meus conceitos dogmático-penais, confirmo a extorsão e só. E ressalto que o caso é importante para destacar como precisamos urgentemente de regulamentação para o mau uso da Internet e dos recursos da informática. Pensar que todos estão suscetíveis a perder sua liberdade por causa de patifes que fazem o mal simplesmente porque podem não é nada reconfortante. A maioria das pessoas não tem a beleza, a fama e o dinheiro de Carolina Dieckmann, mas pode ser alvo de uma exposição indecente ou humilhante por parte de um desafeto e isso não tem nada de justo ou tolerável.
É imperioso coibir tais condutas. E logo.

domingo, 13 de maio de 2012

Caixa de abusos

Tudo bem, já entendemos que a Caixa Econômica Federal, hoje apenas "Caixa" para fins de fixação da marca, está realmente disposta a conquistar mercado e, inclusive, captar clientes dos concorrentes.

Começou com uma agressiva política de redução de juros, que contou com a beleza de Camila Pitanga, para chamar mais atenção. Bastou um dia e outros bancos, públicos e privados, foram na corda, deixando bem claro que podem cobrar menos e não o fazem porque são, pura e simplesmente, os maiores descendentes de rameiras que existem no universo.

Não precisava, entretanto, chegar ao abuso de deliberar pela abertura de 500 agências pelo país afora, em pleno sábado (ontem, dia 12), só para oferecer crédito. Em primeiro lugar, questiono a demanda: será que há mesmo tantas pessoas desesperadas por conseguir crédito junto à Caixa, que precisassem desse dia adicional? Em segundo, questiono o abuso de escorchar ainda mais uma categoria profissional já tão sofrida como a dos bancários.

Coagidos pelo excesso de trabalho, pelas atividades impopulares, pelo elevado grau de responsabilidade, pelo péssimo atendimento ofertado aos clientes e (dá-lhe, capitalismo!) pela necessidade de cumprir metas, os bancários ainda se viram constrangidos a trabalhar num sábado, o tal dia em que até Deus descansou. E isso para quê? Só consigo pensar numa coisa: fechar contratos desviando clientes dos bancos concorrentes. Uma prática desleal com os pares e calhorda com os funcionários.

Em São Paulo, o sindicato conseguiu uma liminar para manter fechadas as 48 agências atingidas. O vai e vem judicial, contudo, gerou dúvidas e ainda maiores insatisfações. Tudo isso poderia ser evitado não fosse a ganância.

Os consumidores queremos uma melhor política creditícia, senhores bancos. Mas chega de penalizar o trabalhador. Se o banco não respeita nem os seus "colaboradores", que dirá nós, que somos apenas o gado utilizado para produzir grana!

sexta-feira, 11 de maio de 2012

O peixinho nosso de todo dia

No ano passado, quando Belém enfim foi incluída na competição "Comida di Buteco", que me conste havia um júri para escolher a melhor iguaria. Eu quis saber o que era preciso para entrar nesse júri. Este ano, contudo, a seleção foi feita de modo mais justo e verossímil: os próprios consumidores visitavam os estabelecimentos concorrentes e votavam numa ficha padronizada.
Segundo reportagem, foram 17 dias de consulta e 8.591 votantes que, dentre 17 opções sedutoras, selecionaram o petisco do Bar do Gugu. Provaram, assim, que paraense é fiel às tradições: quem venceu foi o bom e velho peixinho frito.


Só de olhar a foto a boca se me enche de água! E olha que se trata de uma iguaria sem frescuras. Justamente por isso, eu, que acredito e defendo a simplicidade, gosto tanto. Faz-me pensar nos pedaços de dourada ou gurijuba que minha mãe preparou por toda a minha vida, para os almoços de sábado. Além de ser gostoso mesmo, para mim ainda tem aquele gostinho de casa da mãe, de infância.
Parabéns a todos os participantes e notadamente ao vencedor. Este ano foi muito complicado e eu não estava com tempo para sair, mas no ano que vem, se Deus quiser, vou monitor o "Comida di Buteco 2013", vou visitar os estabelecimentos e votar.
O Bar do Gugu, onde irei qualquer hora dessas, fica na Rua dos Pariquis, 3184, entre 9 de Janeiro e Alcindo Cacela, Cremação. O telefone é 3269.6024.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Tudo pelo trabalho escravo

Responda com sinceridade: existe alguma razão para que não se aprove, no Congresso Nacional, uma medida destinada a coibir o trabalho escravo que não possa ser encarada como desejo de manter essa ignomínia como está?
Nao há meio termo: ou você combate a exploração ou é um canalha que tem interesse nela, mesmo que não seja pessoal. Simples assim.
Quando soube que a PEC 438/2001 entrara na pauta da Câmara dos Deputados, obviamente desconfiei. Nada mais óbvio: os famosos ruralistas, que em certa ocasião prometeram as pragas do inferno para alguém que fez o trocadilho "bancada vigarista", deram um jeito de impedir a votação. E como não podem simplesmente admitir que estão a serviço (ou são, eles mesmos) dos latifundiários que não dão a mínima para a dignidade humana, inventam uma desculpa republicana. A desculpa da vez é condicionar a aprovação da PEC a um projeto de lei que defina claramente o que é trabalho escravo e sob que condições será feita a expropriação das terras onde o crime seja perpetrado.
A intenção é clara e única: aprovar a PEC para inglês ver, simulando preocupação com a cidadania, paera angariar dividendos políticos, porém deixando a norma inexequível, à espera de uma lei complementar que não será feita nunca. Os 11 anos de emperramento só da PEC 438 dão uma prova inequívoca disso. Além, é claro, da presença de parlamentares pessoalmente acusados de explorar trabalho em condições análogas à escravidão.
Nos Estados Unidos, parlamentares nessa condição teriam suas carreiras políticas aniquiladas. No Japão, eles se suicidariam. Neste ponto, gosto muito mais dos americanos. E amo os japoneses.
Vou começar a propor que, se os ruralistas amam tanto a terra, que se enfiem nela de uma vez. A sete palmos, no mínimo.