sexta-feira, 18 de maio de 2012

Os "efeitos"

Inspirado por um comentário feito pelo André Coelho, recordo alguns crimes de larga repercussão no país, que se tornaram emblemáticos (adoro esta palavra!) para o ensino do Direito (ou mais particularmente do Direito Penal), dadas algumas características que, a despeito do horror que podem provocar, são terrivelmente didáticas. Às vezes, tais casos indicam ou pelo menos sugerem inclusive mudanças atitudinais no poder público, na mídia ou nas pessoas em geral.

Tais casos são sempre mencionados em minhas aulas, justamente por serem exemplos bastante característicos para certos temas que preciso abordar. Acostumei-me a chamá-los de "efeitos". São eles:
  • Efeito "Escola Base": O caso da "Escola Base" foi abordado logo nos primórdios do blog, numa sequência de postagens sobre erros judiciários no Brasil (ou, como seria mais correto dizer, erros na persecução criminal), quando o classifiquei como "o maior crime da imprensa nacional". Graças a uma atuação escandalosamente irresponsável do delegado encarregado do inquérito policial sobre supostos abusos sexuais contra crianças, foi gerado um clamor público que levou à depredação da escola e ao risco real de linchamento dos suspeitos que, no final das contas, eram inocentes, mas tiveram suas vidas irremediavelmente arrasadas. A imprensa foi fundamental para que os acontecimentos chegassem onde chegaram e isso ficou tão patente que a lição foi aprendida. Basta lembrar a exaustiva cobertura sobre o caso Isabela Nardoni: os jornalistas (ignore os programas sensacionalistas) sempre se referiam aos acusados como suspeitos, não pré-julgavam, evitavam conclusões precipitadas e juízos de valor. Nem parecia Brasil.
  • Efeito "Eldorado dos Carajás": Não adianta haver um mandado judicial legítimo. Mande a Polícia Militar desocupar uma área cheia de posseiros e a ordem será postergada quanto possível. Faz-se de tudo para evitar que a corporação fique frente à frente com os ocupantes. Como efeito correlato, temos que hoje a polícia reforçou o hábito da negociação. Mesmo em crimes individuais (um assalto com refém, p. ex.), gasta-se um tempo enorme com negociação e se faz concessões demais ao delinquente. O uso da força é evitado, mesmo quando configure estrito cumprimento do dever legal, até porque sempre aparece a imprensa. Assim, a antiga prática de atirar primeiro e perguntar depois foi mitigada.
  • Efeito "Suzane von Richthofen": Este é mais para o cidadão comum. Segundo matérias que li, após o famoso parricídio, muitos pais ficaram com medo de seus filhos adolescentes e passaram a dormir com a porta do quarto trancada. Tristes tempos.

***

Existem, ainda, casos que não batizei de "efeitos", mas que são excelentes para explicar determinados temas:
  • Caso Daniella Perez: A mãe da atriz, Glória Perez, contando com irrestrito apoio da Rede Globo, conseguiu mobilizar a opinião pública e o Congresso Nacional, onde foi aprovado o primeiro projeto de lei de iniciativa popular em matéria criminal. A Lei n. 8.930, de 1994, incluiu o homicídio qualificado no elenco dos crimes hediondos. Mas em se tratando de norma prejudicial, é irretroativa e não pode ser aplicada no julgamento do crime que motivou a elaboração da própria lei, ocorrido em janeiro de 1997.
  • Caso do índio pataxó: Os inocentes garotos de Brasília que, entediados com a falta de lazer, queimaram vivo um índio, supondo tratar-se de um mendigo, permite um debate tão acalorado sobre a diferença entre dolo eventual e culpa consciente que, passados 15 anos, se você promove um debate em sala de aula, as opiniões continuam divididas. É impressionante.
No mais, é como sempre digo: a realidade é sempre mais surpreendente do que qualquer trama ficcional.

3 comentários:

Anônimo disse...

Assim como quem enfrenta a polícia armado até os dentes continua sendo suspeito, certo? http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1093254-tentativa-de-assalto-em-posto-acaba-com-3-suspeitos-mortos-em-sp.shtml
Nem parece Brasil mesmo.

Yúdice Andrade disse...

Continua, sim. É uma tecnicalidade. O que as pessoas precisam entender é que essa regra não tem a ver com a realidade em si (o sujeito praticou ou não o ato?), mas com o modo como o Estado decide agir em relação aos infratores.
Chama-se a isso de política criminal, que tem um número imenso de implicações práticas, algumas meio estranhas para o leigo.

Anônimo disse...

E ainda há os efeitos "auto de resistência", em que todo policial é considerado culpado enquanto não prove o contrário e quem troca tiros com a polícia é suspeito enquanto não prove o contrário, como ocorreu em mais um caso: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1097259-policiais-da-rota-envolvidos-em-tiroteio-que-matou-6-sao-detidos.shtml
Sinal que estamos avançando...