Responda com sinceridade: existe alguma razão para que não se aprove, no Congresso Nacional, uma medida destinada a coibir o trabalho escravo que não possa ser encarada como desejo de manter essa ignomínia como está?
Nao há meio termo: ou você combate a exploração ou é um canalha que tem interesse nela, mesmo que não seja pessoal. Simples assim.
Quando soube que a PEC 438/2001 entrara na pauta da Câmara dos Deputados, obviamente desconfiei. Nada mais óbvio: os famosos ruralistas, que em certa ocasião prometeram as pragas do inferno para alguém que fez o trocadilho "bancada vigarista", deram um jeito de impedir a votação. E como não podem simplesmente admitir que estão a serviço (ou são, eles mesmos) dos latifundiários que não dão a mínima para a dignidade humana, inventam uma desculpa republicana. A desculpa da vez é condicionar a aprovação da PEC a um projeto de lei que defina claramente o que é trabalho escravo e sob que condições será feita a expropriação das terras onde o crime seja perpetrado.
A intenção é clara e única: aprovar a PEC para inglês ver, simulando preocupação com a cidadania, paera angariar dividendos políticos, porém deixando a norma inexequível, à espera de uma lei complementar que não será feita nunca. Os 11 anos de emperramento só da PEC 438 dão uma prova inequívoca disso. Além, é claro, da presença de parlamentares pessoalmente acusados de explorar trabalho em condições análogas à escravidão.
Nos Estados Unidos, parlamentares nessa condição teriam suas carreiras políticas aniquiladas. No Japão, eles se suicidariam. Neste ponto, gosto muito mais dos americanos. E amo os japoneses.
Vou começar a propor que, se os ruralistas amam tanto a terra, que se enfiem nela de uma vez. A sete palmos, no mínimo.
2 comentários:
Caro Yúdice, em parte os deputados têm razão. Até onde sei, os requisitos quem devem ser atnedidos para que o trabalho rural não seja considerado análogo à escravidão constam na NR-31 do Min. do Trabalho. Ou seja: se o MTE quiser, altera a norma e o produtor rural se ferra. Por aí já se vê a abertura que haverá para possíveis pressões e manipulações políticas.
Não acredito que haja alguém a favor da escravidão e exigir que os critérios para aferir se as condições são dignas ou não é sim necessário para evitar arbitrariedades.
Caríssimo Victor, lamento discordar, mas esses deputados não têm razão alguma. Têm, isto sim, interesses espúrios.
De fato, existe uma crítica contundente no Direito Penal quanto às chamadas normas penais em branco, sobretudo as complementadas por normas infralegais, exatamente a hipótese que citas. Contudo, neste caso específico, não se dá o que sugeres. Veja-se que o art. 149 do Código Penal não é uma norma em branco. Assim, pouco importa o que o Ministério do Trabalho considera como trabalho análogo à escravidão: a responsabilidade penal se resolve pela análise da conduta do agente à luz da norma penal.
Compreendo que te refiras a outro aspecto: a caracterização do trabalho escravo para fins de desapropriação. Mas aí preciso dizer que se trata de um conceito já tão disseminado, estabelecido inclusive em normas internacionais, que não me parece razoável que o MTE vai mudar as regras levianamente e, se o fizer, não seria difícil aos interessados se defenderem.
O que não podemos mais é tolerar que nenhuma medida eficiente seja tomada contra essa perversidade suprema, enquanto os próprios malfeitores fingem deliberar sem jamais chegar a um resultado. O fato em si, e o modo como agem, deixam clara a brutalidade desse segmento econômico enraizado no Congresso Nacional.
No mais, podemos apenas inverter a questão: que tal, então, aprovar a PEC e depois empenhar esforços para fazer as devidas regulamentações? Para eles, isso não serve. Tem que regulamentar primeiro, para que nada mude, por tempo indeterminado.
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