sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Sensação de racismo

Para quem ainda acredita que o vice-presidente da República é melhor do que o titular do cargo, hoje tivemos uma bela demonstração do erro (se é que se pode tratar como erro). Em pleno dia da consciência negra, e horas após o assassinato de mais um brasileiro preto, em uma rede de supermercados que já registra três outros casos em seu histórico, o tal fulano declarou:


A declaração foi pública e oficial. Não adianta dizer que estou compartilhando fake news. E ela bem demonstra como estão as coisas no Brasil, atualmente. Vocês se lembram do então ministro da Fazenda do Brasil, Rubens Ricúpero, em entrevista concedida no dia 1º.9.1994, dizendo: "Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde"? Sem saber que a conversa estava sendo gravada, o ministro mostrou como pensa um político padrão. A frase ganhou imensa repercussão nacional. Mas sabe o que é pior? É pensar que 1994 ainda era menos sórdido do que agora.

No Brasil de hoje, o que é ruim não é escondido: é eliminado. Todas as mazelas nacionais são resolvidas do mesmo e simplório modo: mediante uma singela negação por parte do governo. Não existe desmatamento, nem corrupção no governo, nem racismo neste país. Porque "para mim" não existe. É uma percepção minha. E as percepções dessa gente do governo prevalecem sobre qualquer realidade, mesmo a mais evidente.

Eu me pergunto como se sentiram os parentes de João Alberto Silveira Freitas, o assassinado de ontem, ao tomarem conhecimento da declaração. Como se sentiram os demais brasileiros pretos, que todos os dias experimentam o peso dessa coisa que não existe, que é apenas uma tentativa de importação ideológica, ao ponto de temerem pela própria vida. Exceto, é claro, aquele vereador de São Paulo (e olha que até ele tuitou em protesto contra o crime!) e aquele sujeito que preside atualmente a Fundação Palmares. Eu, que sou pardo, segundo a minha certidão de nascimento, e que nunca fui prejudicado por minha cor, me senti extremamente mal. Imagine os pretos.

O vice só é melhor do que o titular em capacidade intelectual, nível de instrução e educação no trato com terceiros. Mas naquilo que importa para a gestão de um país diverso e sofrido como o Brasil, eles são como escolher entre morrer de câncer no pulmão ou de câncer no cérebro. Você tem preferência?

Mas esse é o projeto eleito em 2018. Não basta defender tudo aquilo que limita, humilha, degrada e, por fim, mata as pessoas comuns, aquelas que não pertencem às elites. Porque isso muitos outros também fizeram, mas fingindo que se importavam. Negando seus reais sentimentos. Mostrando em público uma solidariedade que na verdade não existe, como o governador de São Paulo, p. ex. Essa turma aí não consegue calar a boca; não se furta de dizer coisas que tornam tudo ainda mais horrendo e inaceitável. São os piores representantes daquilo que há de pior entre os representados.

Meus pêsames às pessoas enlutadas hoje, pelo crime noticiado. Veremos qual será o nosso motivo amanhã.

PS  Sim, como você percebeu, eu não escrevo os nomes dessa canalha. Eu escrevo os nomes de seres humanos, daqueles que merecem ser lembrados. Quem extrapola o limite da indignidade não deve ser nominado em hipótese alguma, exatamente como se deve fazer em relação a terroristas e psicopatas em busca de fama. Se ninguém desse espaço a eles, não seriam eleitos.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Semiótica de painel e parabrisa

Gostaria de oferecer-lhes uma breve especulação semiótica acerca de um tema recorrente nas redes sociais. Digo especulação porque não sou especialista neste campo, então estas mal traçadas linhas não vão além de umas poucas leituras e algumas experiências de observação comportamental ao longo da vida.

Semiótica, em apertadíssima menção, é o estudo da construção de significados no processo de comunicação. Tem interesse direto para a Linguística e para a Filosofia, sendo o termo atribuído ao filósofo inglês John Locke (1632-1704), originado na raiz grega semeion (signo). Um signo é uma ideia que contém uma mensagem ou fragmento dela, composto por um significante (seu elemento material, como uma palavra, um gesto, etc.) e um significado, que varia conforme o contexto. É algo lindo e instigante, mas fiquemos por aqui. 

Painel é um termo associado à arte pictórica, mas aqui me refiro ao componente dos veículos automotores, que se situa dentro do habitáculo, à frente dos assentos dianteiros, contendo diversos equipamentos essenciais à dirigibilidade do veículo e ao conforto e à segurança dos passageiros.

Parabrisa é a peça de vidro que, instalada à frente do veículo, permite a visão do meio exterior, porém protegendo do vento (daí o nome) e da chuva, que dificultariam ou até impediriam o ato de dirigir.

Pronto: acabei de colocá-los sentados no interior de um automóvel, olhando para a frente. Agora vamos à semiótica. Vocês já devem ter visto, pelas redes sociais, imagens como esta abaixo:


Assumo a premissa, tão decantada, de que as redes sociais são a válvula de escape de pessoas cuja percepção de autovalor depende da aprovação alheia. Isto pode explicar porque elas são ilhas da fantasia, repletas de registros de felicidade, beleza, riqueza, sucesso e autorrealização. Nesse sentido, uma imagem como esta, embora quase sempre publicada como se fosse um registro espontâneo e despretensioso de um momento absolutamente corriqueiro da vida, segundo compreendo, destina-se a transmitir ao menos uma, senão mais de uma, dentre as perspectivas abaixo:

A marca do veículo, que se encontra no volante. É a intenção velada de ostentar riqueza, a depender, naturalmente, de qual seja essa marca. Não impressionamos com um Volkswagen, mas Audi, Mercedes, BMW, Land Rover e Jaguar já enchem os olhos. Cito marcas que vejo nesta cidade.

A tela da central multimídia, que exibe a música que supostamente está sendo ouvida pelo condutor. É a deixa da ostentação cultural, que pode conduzir a dois caminhos diametralmente opostos: 

  • Se colocar estilos musicais havidos por sofisticados, de acordo com os padrões hegemônicos, o sujeito quer exibir sua pretensa superioridade intelectual, seu refinamento e erudição. Quem não gosta do estilo é menosprezado por sua indigência cultural. (PS - Quem nunca viu um pseudointelectual dizer que gosta de jazz?)
  • Se colocar estilos musicais popularescos, o indivíduo quer vangloriar-se de ser descolado, livre, de não se importar com a opinião alheia, de não ceder a pressões e de privilegiar a alegria e o bem-estar. Quem não gosta do estilo é menosprezado por sua arrogância. (PS - Sabe aquela canção cuja letra parece ter sido escrita por um bebê, com música dançante e intensa exploração comercial? Pois é.)

Duvido bastante que o autor de publicações de painel de carro exponha uma música escolhida simplesmente porque gosta dela. Foi o que tentei fazer. Eu realmente escuto habitualmente heavy metal e gosto das bandas alemães, porque estudei alemão e isso me ajuda a manter contato com o idioma. Em minha tela você vê "Sie tantz allein" ("ela dança sozinha"), da banda de metal medieval Saltatio Mortis, que escuto com frequência (por sinal, sempre me lembrando de minha bailarina favorita, Ana Luiza Crispino).

O local por onde o sujeito está passando. E finalmente, porém não menos importante, o mundo exterior ao veículo, embora seja o elemento que menos conote ostentação, nas publicações que costumo ver, também pode ser usado com essa finalidade, pois o ambiente pode ser requintado, exclusivo ou exuberante. O sujeito escreve "mais um dia de trabalho", para se vender como profissional batalhador em um dia perfeitamente comum, mas quer mesmo ostentar sucesso, por exemplo exibindo um ambiente que cause admiração, por seu luxo ou tecnologia. Ou então o sujeito quer mostrar a sua profunda simplicidade e amor à natureza, mas posta aquela praia estonteante que por acaso denuncia que fez uma viagem cara.

É isso. Símbolos.

Convido você, eventual leitor, a opinar sobre meus juízos de valor nesta postagem que, como tudo mais, também possui suas intencionalidades ocultas. Mas não, não possui nenhum destinatário específico. 

domingo, 15 de novembro de 2020

E as eleições em Belém, hein?

Algum choque e muita indignação: é como me sinto após o resultado das eleições municipais de hoje. Um sujeito que, até um dia desses, eu e milhares de pessoas não sabiam sequer que existia, e que aparecia em quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto, vai ao segundo turno com 23,05% dos votos válidos. Um sujeito cujo nome de campanha privilegia o seu cargo na segurança pública, desvelando uma modinha dos últimos anos, para angariar a simpatia da turma que acredita na violência como estratégia de coexistência social. Um fulano cujo material publicitário copiava o utilizado pelo atual presidente da República, o excrementíssimo. Dize-me com quem andas.

O sentimento é de nojo. Ficou claro que a direita em Belém, além de canalha como sempre, especializou-se na covardia: diz que vai votar nos candidatos da direita limpinha, mas vota mesmo no projeto que se apresenta alinhado à proposta fascista nacional.

Edmilson Rodrigues confirmou as pesquisas. Ficou em primeiro, com 34,26% dos votos válidos, portanto dentro da margem de erro. Com uma diferença de pouco mais de 11%, precisará trabalhar duro para se eleger, já que a máquina bolsonarista e o aparato evangélico vão tocar o terror nas próximas duas semanas. Há muito o que temer.

Priante ficou no lugar de sempre: segundo, terceiro colocado. Nunca passa disso. Não sei até quando esse inexpressivo deputado federal de carreira vai insistir em governar Belém. Ele perdeu o seu melhor momento, com o primo no governo do Estado e dispondo de ótima avaliação quanto ao seu mandato. Mas não transferiu voto. O resultado também confirmou as pesquisas... e o currículo do moço.

Os playba que se tornaram deputados estaduais catapultados pelo capital político e financeiro dos pais também malograram. Mas isso era sabido. A função desse tipo de candidatura não é se eleger, mas promover os nomes das figuras para eleições futuras. Aguarde 2022: vão tentar a Câmara Federal. A prefeitura de Belém e o governo do Estado devem estar nos planos, ou ao menos nos sonhos, mas de verdade apenas depois que derem um balão pelas esquinas de Brasília.

E os demais estavam ali cientes de que o resultado era isso mesmo. Exceto, talvez, Vavá Martins, que sempre pode contar com o rebanho para fazê-lo subir em seus projetos de poder. Se fosse um bom pastor, devia ficar na igreja, né?

Tenho ao menos a alegria de ver eleita a minha vereadora, Bia Caminha. Vai para a tenebrosa Câmara Municipal de Belém levando a voz das periferias. Espero que dê muito trabalho aos homens brancos endinheirados e aos lambaios do capital que andam por lá. 

Estamos longe da tranquilidade. Belém parece gostar de roleta russa.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Breve análise sobre um caso gravíssimo

 A pedido do grupo de pesquisa Rosas Aprisionadas, coordenado pela querida Profa. Juliana Freitas, gravei um vídeo tecendo algumas considerações sobre o assustador caso Mariana Ferrer. Pode ser assistido no seguinte link:

https://www.instagram.com/tv/CHRN4tOh8h1/?igshid=sjb2flfwhfho


Minha abordagem tem natureza penal e processual penal, por isso é apenas uma pequena fração de tudo que pode ser pensado sobre esse caso que, compreensivelmente, mexeu com os brios de todos aqueles que têm decência.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Aquela das felizes ideias

"Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada."

Henry Louis Mencken (1880-1956), jornalista estadunidense