quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Registros para minhas filhas

Na noite de ontem, meu amigo Ricardo Dib Taxi, outrora meu aluno na graduação e agora meu professor no doutorado, fez uma alusão a este blog e até recomendou a sua leitura às colegas, dizendo, com a gentileza de sempre, que assim poderiam conhecer "o Yúdice escritor".

Fiquei meio confuso na hora. Por muitas e muitas vezes, registrei por aqui meu desejo de prosseguir publicando neste blog, que rivaliza com o meu profundo desânimo em fazê-lo de fato. Agora, em 2021, ensaiei um retorno novamente, mas os meses de total silêncio demonstram que a inércia segue vencendo por larga vantagem. A esta altura, outros fatores se somam ao meu desejo, ou até necessidade, de recolhimento, que já dura mais de seis anos.

Acredito, e até já comentei por aqui, que o tempo dos blogs passou. Quando comecei, em 2006, todo mundo estava criando um blog, para tratar de qualquer coisa. Eu mesmo agi assim, para dar vazão a uma compulsão por emitir opiniões que ninguém pediu. Estava ancorado na classificação "blog de opinião", basicamente um modo simpático de descrever a nossa vaidade opiniosa. Mas era um tempo em que as pessoas ainda se preocupavam em checar fontes e em repassar informações minimamente confiáveis. Sempre foi uma preocupação minha. As redes sociais tragaram os blogs, que seguiram mais como uma ferramenta de trabalho, seja para comunicadores em geral, seja para aqueles que desejavam publicar sobre suas respectivas áreas de atuação.

Sempre dediquei este blog a textos sobre meu campo profissional, seja em relação às chamadas ciências criminais, seja em relação à docência. Contudo, o blog nunca teve perfil especificamente profissional, sendo permeado por uma miríade de outras questões, inclusive muita bobagem, que cai bem em ambientes descontraídos, não nos profissionais. Essa falta de identidade não ajuda a tornar o seu trabalho uma referência para o público.

Daí o tempo passou. As redes sociais fizeram os seus estragos, eu me tornei recluso e o mundo a nossa volta se fechou para debates racionais, preferindo a troca de baba hidrofóbica. Hoje, precisamos argumentar para tentar convencer as pessoas de coisas óbvias e outrora pacíficas, como a forma da Terra ou a importância da vacinação. Em um passado nem tão distante, coisas assim não seriam sequer cogitadas. E eu, realmente, não tenho paciência nem saúde para debater temas ou para me demorar em abordagens que, sinceramente, são lunáticas. Com todo o respeito à boa gente selenita.

Dito tudo isto (não consigo deixar de ser prolixo), a persistência deste blog e sua errática alimentação  passou a cumprir uma outra finalidade. Muitas vezes me peguei lendo textos antigos e sorrindo, porque eram registros de vivências cariciosas, mormente as familiares. O blog passou a ser, de fato, um diário, no sentido de relicário de memórias. Serve para mim mesmo, mas sobretudo para minhas filhas. Se eu morresse hoje, elas teriam este espaço como um modo de conhecer um pouco mais o pai que tiveram, por suas ideias - as boas, as ruins, as tolas. Sim, esta é minha principal motivação atual. Mesmo com a plena consciência de que os textos deste blog foram produzidos por uma pessoa muito, muito diferente. A maior diferença, sobretudo em relação às publicações mais antigas, reside no fato de que o Yúdice atual abandonou, há muito, as proclamações absolutas e a facilidade de ofender quem pensa diferente. Até sinto vergonha desses meus comportamentos pretéritos, mas para mim é uma questão de princípio não apagar nem alterar os textos. Eu era aquela pessoa e publiquei os textos. A cara foi dada a tapa. Acho justo arcar com as consequências.

Em suma, não concordo mais e nem me orgulho de boa parte do conteúdo do blog. Entendo-o, apenas, como expressão de um ser humano, em seu próprio tempo e de acordo com suas próprias circunstâncias.

Quanto ao "Yúdice escritor", isso entra na conta da extrema gentileza do Dib. Eu gostaria de ser um escritor, mas não sou. Poderia tornar-me, mas não me vejo com recursos para fazê-lo por enquanto. Objetivos, inclusive. Tempo. Nível de dedicação. Mas quem sabe ainda contarei uma boa história. Por ora, agradeço.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Os maiores ladrões de banco do Brasil

Há dois dias, o portal Uol publicou uma reportagem na qual três jornalistas se dispõem a apresentar, ao público leitor, "os maiores ladrões de banco do país", como está designado na manchete. Leia aqui. Naturalmente, sem nenhuma surpresa, eles escrevem sobre bandidos tradicionais, digamos assim. Sobre sujeitos marginais que escolheram uma vida de crimes e se tornaram bandidos perigosos, até porque esse ramo da criminalidade não é para qualquer um, eis que envolve necessidade elevada de planejamento, investimento e recursos.

Em minha humilde opinião, que ninguém pediu, os maiores ladrões de banco do país são aqueles que drenam os recursos das instituições financeiras ao ponto de colocá-las na iminência da bancarrota ou que as quebram, efetivamente. Com isso, em vez de usurpar o patrimônio de uma grande empresa, que tem seguro, usurpam dos correntistas e investidores, que muitas vezes perdem tudo que amealharam ao longo de suas vidas. Alegadamente para impedir prejuízos a essas vítimas inocentes, pode ocorrer de o governo federal aportar recursos, ou seja, usar o dinheiro do contribuinte para salvar o banco.

Eu gostaria que os grandes portais de notícias fizessem reportagens assim: colocando o bandidão fortemente armado exatamente no mesmo patamar do executivo de sobrenome estrangeiro, educação estrangeira e hábitos estrangeiros, que desfila nas colunas sociais, nos eventos mais badalados, nas reportagens que celebram seus grandes feitos como empresários; que é amigo de políticos influentes e abre sua mansão para os burocratas que deveriam fiscalizá-los ou processá-los. Gostaria que essas reportagens também contabilizassem os prejuízos, pois isso certamente demonstraria que os roubos milionários das catervas são menores do que aqueles que ocorrem nas salas das diretorias. Também gostaria que nos informassem quem foi parar na lista de mais procurados e quem não; quem foi preso e quem não; e o que ocorreu com eles passados alguns anos.

A história recente do Brasil ofereceria vários nomes para compor essa desejada e ilusória matéria. Nem daria trabalho procurar. Agora mãos à obra. Que tal dar nome aos bois?

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Onde estarão as pessoas decentes?

Eu sei, é claro, que existem pessoas capazes de legitimar a violência de muitas formas e que, por isso, transferem esse tipo de atitude para as gerações seguintes. Fazem-no pelo exemplo, usando agressões como forma de comunicação em âmbito familiar ou fora dele, ou como expressão didática, p. ex. ensinando os filhos a resolver suas desavenças no soco.

Mas eu acredito, suponho, tenho esperança de que também existem pessoas regidas pelo código da bondade. Não essa bondade condicionada a supostas valorações sobre "justiça", cujo efeito prático é criar distinções entre quem merece respeito e quem não; que merece viver, inclusive. Uma bondade em sentido mais originário, a tal regra de ouro já conhecida na filosofia grega antiga e amplamente difundida pelo cristianismo: não faças aos outros aquilo que não queres que seja feito contigo. Aliás, milhões de pessoas passaram longas horas dentro de igrejas, escutando seus sacerdotes falar sobre uma mensagem de amor, de perdão e até de dar a outra face, deixada por Jesus Cristo.

Assim matutando, não consigo parar de pensar nos familiares desses agentes de segurança pública que, com frequência crescente, têm sido mostrados nas redes sociais, às vezes na imprensa comum, agredindo, humilhando, torturando e até assassinando seres humanos, ainda que culpados de algum ilícito, porém francamente indefesos frente a seus algozes. Penso nesses pais, mães, cônjuges, filhos (sobretudo os mais crescidos) que se defrontam com a realidade de que alguém muito próximo deles, alguém amado por eles, seja capaz dessas atrocidades repugnantes. Eu não conseguiria conviver com alguém assim. Não poderia olhar seu rosto sem horror nem ficaria no mesmo espaço sem um desejo extremo de ir embora.

Violência e abuso de autoridade são práticas rotineiras na experiência brasileira, naturalizadas, banalizadas e aplaudidas. O sistema sempre protegeu seus malfeitores e está mais aparelhado do que nunca para fazê-lo, reagindo aos questionamentos que agora sofrem com mais frequência, com argumentos jurídicos, quando não com os sempre bem sucedidos discursos de nós contra eles. Mas não é no sistema que estou pensando: é nas pessoas. É, p. ex., na esposa que vê imagens de seu marido surrando com cassetete uma mulher caída no chão e consegue se deitar ao seu lado todas as noites. Ou na mãe amorosa que ensinou seu garotinho a tratar bem os outros. Ou no filho ou filha, que tem naquele homem uma figura de autoridade.

Raramente tomamos conhecimento das consequências legais dessa brutalidade. Vemos as agressões, mas dificilmente sabemos o destino dado aos agressores, levando à conclusão razoável de que foram perdoados ou sofreram penalidades para constar. Mas nunca ouvimos seus familiares e amigos falando. Pelo visto, ninguém até hoje se interessou em fazer uma reportagem sobre esse assunto. E eu realmente gostaria muito de assistir a algo assim. Se alguém conhecer matéria nesse nicho, por favor me indique.

Daqui, sigo fazendo minha parte. Não levanto a mão para ninguém e ensino minhas crianças que isso não se faz. Mas, naturalmente, temo todos os dias que nossos caminhos se cruzem com o time do outro lado.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Glossário

Autoestima tóxica.

Atributo de determinadas pessoas que, mesmo sendo completamente irrelevantes, talvez até em seu entorno imediato, acreditam poder sair das cloacas em que vivem para invadir prédios públicos, intimar autoridades a fazer o que elas querem, ao arrepio de qualquer legalidade, com prazo que elas mesmas estabeleceram, sob pena de paralisar o país inteiro ou de fazer destituições de função. Esta patologia se completa com uma profunda autopercepção de ser legítimo representante da nação inteira.

Não-dito.

Mensagem de extrema importância e gravidade que o comunicante omite propositalmente, para se esquivar das consequências de sua ilegalidade ou violência. Em alguns casos, pelo perfil do comunicante e pela frequência de manifestações no mesmo sentido, é possível saber exatamente o que ele quer dizer e a resposta que pretende obter, mas todo mundo se faz de desentendido e deixa a água bater na pedra até, quem sabe, furar. Exemplos hipotéticos: "Estou esperando um sinal do povo". Em resposta: "Eu autorizo".

Tempo seguindo

Faz dois meses e meio que publiquei pela última vez aqui no blog, em 24 de junho. De lá para cá, umas tantas coisas aconteceram, entre boas e más. Em suma, o óbvio: o mundo seguiu seu curso, como sempre, indiferente às nossas preferências.

Dentre as ocorrências que para mim são relevantes, fiz aniversário, concluí minhas duas primeiras disciplinas no doutorado, tomei a segunda dose da vacina contra covid-19 e vi minha filhinha se desenvolver. Tudo sem publicidade, exceto a vacinação, porque a compreendo como uma questão de motivação de terceiros, pois a imunização não é apenas interesse individual: toda a sociedade se beneficia.

Quanto aos problemas, podem ser enormes, mas não merecem menção. Você cuida deles, mas ao mesmo tempo lhes dá o desprezo a que fazem jus. E segue adiante.

Ainda estamos vivos, por mais que haja muita gente, Brasil afora, querendo acabar com tudo, só porque sim. Eles também passarão.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

O privilégio de ser vacinado

Minha mãe se preocupava demais com a nossa saúde. Ela providenciou que meu irmão e eu, quando crianças, tomássemos todas as vacinas disponíveis na rede pública (em uma época anterior ao SUS). Somos muito gratos por isso. Eu nasci em 1975 e, na segunda metade daquela década, certas doenças ainda não estavam erradicadas no Brasil. Portanto, não é demais dizer que o zelo materno nos protegeu do risco de sofrer danos diversos. Valeu, mãe.

Eu me recordo de estar na quadra da escola junto a um mundaréu de crianças. Os vacinadores nos colocavam em fila e usavam a assustadora pistola que inoculava o imunizante ao estilo linha de produção, a mesma agulha sendo utilizada incontáveis vezes. Algo impensável, hoje!

Por toda a minha vida, vi pessoas reclamando de vacinas apenas devido ao fato de serem injetadas e muita gente tem horror a injeção. O que não existe em minha memória são pessoas dizendo que vacinas matam, que são estratégias de uma conspiração comunista ou questionando nível de eficácia, muito menos país de procedência. Campanha contra vacina, para mim, só existia em livros de História (a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, entre 10 e 16 de novembro de 1904).

Com amarga ironia, ponho-me a pensar (isto é apenas uma elucubração; posso estar constrangedoramente equivocado!) que, nos tempos de minha infância, a população em geral era mais pobre, porém menos afetada por doenças infectocontagiosas; mais desprovida de acesso à educação, porém menos anticiência; menos guarnecida de políticas públicas, porém mais consciente da importância delas.

Quatro décadas se passaram e vacina se tornou o desejo mais profundo de milhões de pessoas, mundo afora. A ciência aplicou conhecimento acumulado e, em tempo recorde, surgiram os imunizantes contra o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, que tem amaldiçoado o planeta há mais de um ano e meio. Era para ser um capítulo trágico da História humana, com um desfecho esperançoso, se não estivéssemos vivendo no Brasil da pós-verdade, na República das Milícias ou outro nome que lhes apeteça.



Há cinco dias, em 19 de junho, recebi a primeira dose da AstraZeneca (que não me provocou nenhuma reação). Foi um momento de grande alívio para mim e para as pessoas que se importam comigo, várias delas já vacinadas também. Usei o cronograma normal: pessoas nascidas até 1976 (depois estendido para 1978), sem comorbidades. Levei menos de 50 minutos para resolver tudo e voltar para casa. 

Como mostra a segunda foto, fiz meu protesto, obviamente. Postei em meu perfil no Instagram para não perder a piada segundo a qual sem postagem a vacina não funciona. E posto agora no blog, pois ele é meu diário eventual, realmente, e vou gostar de ver este registro daqui a alguns anos. Ou minhas filhas, talvez.

Mas como na República das Milícias não há um só instante de paz, no mesmo dia em que me vacinei, o país alcançou a marca, esperada e anunciada, de meio milhão de mortos, segundo os números oficiais. É sempre importante recordar isto, porque, como não tivemos testagem massiva da população, a covid-19 sempre esteve subnotificada entre nós. Os óbitos também, em consequência. Por isso, minha postagem foi, acima de tudo, uma declaração de solidariedade às vítimas, seus familiares e amigos. É um horror indizível ver tantas vidas desperdiçadas, um caos que ainda sequer foi dimensionado, inclusive porque os números seguem avançando.

No futuro, veremos estudos sobre os impactos econômicos, que tanto interessam aos políticos pilantras e aos brasileiros desviados à direita, mesmo quando pobres. Veremos, também, estudos sobre orfandade, um tema que me interessa, já que conheço casos muito tristes de crianças que perderam o pai, a mãe, ambos ou outros responsáveis. Terrível. Uma dor sem precedentes.

Com um abraço fraterno renovado em quem chora vidas por causa da pandemia, desejo tempos melhores à frente. Mas, para isso, precisaremos remover obstáculos, baixar a guarda e recobrar a lucidez.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Xô, Satanás!

Tomei conhecimento de que, em uma republiqueta por aí, não sei onde, o presidente entrou em um avião comercial, sem nenhuma razão específica além de sua diuturna campanha à reeleição. Ele esperava alimentar o culto à personalidade que tanto lhe apraz, mas foi hostilizado com gritos de "fora, #%$2*&<$!" Claro que também havia lá algumas almas perdidas, apoiadoras do homem-mito, mas a recepção foi predominante raivosa.

Como sempre, o tal político reagiu como um homem adulto, ponderado e lúcido: disse que quem o rechaçava devia viajar de jegue. Ah, como eu queria estar naquele avião! Se lá estivesse, gritaria: "Jamais viajarei no teu lombo!"

E não viajaria, mesmo. O nojo desse sujeito é tanto que por nada neste mundo encostaria em tão repugnante criatura.

Peço desculpas ao jegue, que é um animal adorável em todos os sentidos.

quarta-feira, 9 de junho de 2021

DIGA SEUS NOMES!


O impostômetro é uma ferramenta estatística que contabiliza os impostos pagos por um país em determinado período de tempo. Por meio dele, pode-se estimar quanto você, pessoa física, perde de dinheiro para o governo. Em muitas cidades, inclusive aqui em Belém, ele fica(va) exposto em uma avenida movimentada, para alertar diuturnamente todos os cidadãos produtivos acerca do quanto são espoliados pelo malvado Estado.

Há outro medidor que também nunca para de girar. Seus números nunca param de crescer. Infelizmente, como ele não é de interesse das elites financeiras, não está exposto publicamente e sua divulgação depende do interesse daqueles que se importam. Refiro-me ao medidor de vidas negras interrompidas brutalmente. No dia de ontem, a contagem aumentou com Kathlen Romeu (24) e com o bebê que esperava. Novamente no Rio de Janeiro, obviamente em uma comunidade da periferia, como sempre na conta da vagabundíssima política de guerra às drogas, aquela mesma tão útil aos políticos populistas, aos milicianos, aos empresários morais, à imprensa de última categoria e a outras odiosas categorias.

Como falamos de uma rotina macabra, a indignação dos que se indignaram repete argumentos que escutamos o tempo inteiro porque, mesmo reiterados à exaustão, nunca são ouvidos. Eu me somo a eles, mas me permito não os renovar, já que amplamente conhecidos. Além disso, é trágico dizer, nós os ouviremos de novo a qualquer momento.

Como o horror não tem limites, o atual governador do Rio de Janeiro comemorou no Twitter diversas ações da Polícia Militar daquele Estado, que provariam, em seu entendimento, o sucesso do "combate ao crime". Não importa se inocentes morrem: a política é um sucesso. Convenhamos, não dá para duvidar, porque a política é essa, mesmo. 

Como se fosse pouco, a canalhice ganhou outros matizes. Kathlen trabalhava em uma loja da marca Farm, de roupas. A empresa decidiu "homenagear" a garota criando um código promocional em seu nome, dispondo-se a repassar à família enlutada apenas uma comissão das vendas realizadas no dito código. Claro que a repercussão foi péssima e a empresa já se desculpou, mudou o tom e prometeu apoio. Como está na moda dizer: "o golpe está aí: cai quem quer". Permanecerei desconfiando da bondade. Veja: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/06/09/marca-promove-codigo-de-venda-em-nome-de-kathlen-e-gera-debate-no-instagram.htm

Mas o que me motivou a redigir esta postagem foi o meu cansaço, desalento, adoecimento moral e outros sentimentos negativos, diante da percepção de que a morte de Kathlen, e outros tantos como ela, gera uma onda de indignação apenas entre os mesmos de sempre. Aquelas pessoas com certos valores e inclinações políticas, que já protestam em favor dos negros, dos LGBTQIA+, dos índios, dos refugiados, do meio ambiente, etc. Sempre os mesmos cidadãos comuns, os mesmos artistas, os mesmos políticos, os mesmos ativistas. Porque esses protestos ecoam em um nicho da sociedade, sem transbordar, como deveria ser. A maior parte dos brasileiros não compartilha do sentimento e, em vários sentidos, aprova e aplaude a barbárie. Além da violência, o deboche. Afinal, não são coveiros.

Cadê os liberais de todos os matizes, que não protestaram contra o Estado roubando, de uma cidadã, o direito de caminhar na rua?

Cadê os feministos de última hora  outro dia protestando contra os "maus-tratos" supostamente praticados na CPI da covid-19 contra duas médicas cloroquiners, usurpando a fala do movimento feminista que eles cotidianamente menosprezam ―, para bradar contra a morte violenta de uma mulher?

Cadê os pró-vida, inclusive os moleques imberbes cheios de bíblia no discurso, que não apareceram para anatematizar a destruição de uma vida intrauterina que era muito amada e desejada pela mãe e demais familiares?

Cadê vocês, gente de bem, tão ávida a querer salvar o Brasil da ameaça comunista que só existe na terra plana, quando tragédias reais acontecem? Por que o silêncio? Por quê? Se vocês não responderem, nós seremos forçados a tirar nossas conclusões com base em nossas próprias percepções. E em séculos de História.

Diga seus nomes: Kathlen Romeu! Maya ou Zayon!


"Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel
Sempre mais do mesmo
Não era isso que você queria ouvir?"
"Mais do mesmo", Legião Urbana

terça-feira, 1 de junho de 2021

Já é junho?

A coisa está decididamente péssima quando o mês de junho começa e eu nem me dou conta disso. E mesmo observando algumas pessoas fazendo publicações a respeito, não me animo.

Santos de junho, valei-me!



segunda-feira, 24 de maio de 2021

Você pode ir

Li matéria sobre o adolescente Tomás Covas (15 anos), filho do recentemente falecido prefeito de São Paulo, Bruno Covas, vitimado por câncer. A reportagem (que pode ser lida aqui) enfatiza o fato de o jovem ter dito ao pai que ele poderia ir tranquilo. Que poderia descansar.

Inevitável pensar que, um dia, também precisei fazer algo semelhante. E eu posso dizer a data com precisão: 28 de setembro de 2015. Abracei minha mãe (segundo o prontuário, consciente, porém totalmente não comunicativa) e disse a ela as coisas que me haviam sido sugeridas por meu irmão ― ele, por sua vez, auxiliado por uma linda rede de apoio que tínhamos à época. A diferença é que ele acreditava naquelas ideias e eu, claro, não. Estava revoltado demais para acreditar em alguma coisa. E duvido que meu discurso tenha enganado minha mãe. Espero que, ao menos, tenha ajudado de algum modo o seu processo de desligamento, que durou quase seis dias.

Eu disse que ela precisava descansar e que podia fazê-lo, pois nós ficaríamos aqui e cuidaríamos de tudo. Dando a entender que cuidaríamos bem. Isso se revelou uma mentira de variadas formas, porém, naquele momento, nem eu mesmo possuía essa compreensão. Concentrei-me, em especial, em prometer a única coisa que eu acho que cumpri minimamente: cuidar de Júlia, a netinha por quem minha mãe queria tanto viver. Não acho que tenha falhado. Um dia, perguntada, Júlia me disse que se considerava feliz. As coisas andam complicadas no mundo, mas espero que ainda seja.

Enquanto as pessoas morrem a rodo por causa da pandemia do novo coronavírus, o planeta segue girando, o que significa que pessoas seguem morrendo de outras coisas. Os dramas antigos continuam todos aí, provocando-nos essa sensação pesada de perdas que se amontoam, pressionando nossas mentes, esgotando nossos sentimentos. Alivio-me na autopercepção de conservar a capacidade de empatia, de ainda me importar com o que é simplesmente humano. E, por razões que me parecem óbvias, separações familiares me tocam muito diretamente.

Curioso que, desta vez, senti vontade de escrever, pois a quase totalidade dos meus impulsos emotivos, que considerei compartilhar, foram engavetados. Como diria a canção, "confesso entretanto que sou incapaz/ de exibir assim minhas marcas nos jornais". Hoje, fiz diferente. Talvez como uma forma de dizer aos que estão se separando de seus amores que alguém por aí se importa com eles, mesmo que não nos conheçamos. E que eu realmente desejo que os tempos vindouros possam ser mais leves. Do resto, não sei.

domingo, 9 de maio de 2021

Um homem, não um peru

O exemplo mais famoso dos livros de direito penal, usualmente recebido com certa ironia pelos alunos, sai das páginas para a realidade: um caçador atirou em um ser humano após confundi-lo com um animal. Para ficar mais pitoresco, o caçador confundiu um trilheiro com um peru. Leia a reportagem aqui.

Infelizmente, a matéria não fornece maiores detalhes. Sabemos apenas que a vítima está viva. Vamos torcer para que se recupere.

Mas agora os professores de direito penal, quando estiverem falando sobre erro de tipo, terão a vantagem de enfrentar a incredulidade dos estudantes com o melhor dos argumentos: a realidade.


sábado, 8 de maio de 2021

Leitura profunda, empatia e humanidade

Vi este vídeo agorinha (clique na imagem para assistir) e gostei tanto que senti necessidade de compartilhá-lo. Afinal, não apenas sou um sujeito que ama ler desde a infância, mas que entende absolutamente necessário defender certas práticas que hoje estão atropeladas pela sociedade do desempenho (Byung-Chul Han) e acabam por nos comprometer, enquanto pessoas, enquanto sociedade, enquanto espécie.


Não se trata de menosprezar, e muito menos demonizar, as tecnologias de comunicação que aceleraram o mundo mais do que podemos suportar. Cuida-se, isto sim, de mostrar que ser um incluído digital não é incompatível com a leitura; que ser ativo e proativo não é incompatível com momentos de desaceleração e recolhimento. Aliás, cuida-se, sobretudo, de recordar que um pouco de tédio, um pouco de ócio e um pouco de fantasia sempre foram ingredientes importantes para o nosso desenvolvimento pleno como pessoas.

Algumas pessoas estão impedidas, por circunstâncias da vida, de usufruir do tédio, do ócio e da fantasia. Mas se você é um dos privilegiados que pode se permitir isso, não abdique dessas dádivas, ainda mais por conta própria. A vida é mais do que as urgências que ninguém disse serem obrigatórias, mas que assumimos como tal mesmo assim.

Leia. Os bons e velhos livros de papel. Com capa, projeto gráfico, textura, cheiro, lombada, volume, barulhinho de página sendo virada. E cuide-se. Estamos todos precisando.


quarta-feira, 5 de maio de 2021

Saudades - Nunca mais como antes

Desde ontem, o país comenta, com estupefação, o caso do atentado em uma creche no Município de Saudades (SC). Sabe-se que um jovem de 18 anos invadiu o estabelecimento, munido de um facão, e lesionou de modo fatal cinco pessoas, sendo uma professora, uma auxiliar de educação e três crianças, todas com menos de dois anos.

Os fatos estão aí, na imprensa, amplamente divulgados, inclusive os nomes dos envolvidos.

O objetivo desta postagem não é repetir o que a mídia já divulgou, ainda mais porque pouco se avançou nas investigações, em tão pouco tempo. De ontem para hoje, as únicas informações novas que vi foram quanto ao fato de que não se conhece nenhuma ligação do agressor com a creche (o que pode sugerir um ataque aleatório ou com vítimas anonimizadas) e que o rapaz rondou o local antes de iniciar o ataque, o que foi entendido como premeditação, em algum nível. 

Meu objetivo com esta postagem, antes de mais nada, é manifestar profunda solidariedade às famílias de todas as vítimas. Somos pais e, inclusive, temos um bebê, de modo que a notícia foi recebida com muita tristeza nesta casa. A solidariedade se estende aos pais do agressor, que não conseguem compreender o ocorrido e se encontram, neste momento, no olho de um furacão de perplexidade, certamente recebendo muitas emanações negativas, sem que tenham contribuído para tanto. Outrossim, o rapaz atentou contra a própria vida, o que reforça a hipótese de um surto psicótico. Se for esta a situação, de nada adianta esbravejar ódios: quem está fora de si não pode ser responsabilizado por seus atos, por mais terríveis que sejam as consequências.

Contudo, o que de fato me motivou a escrever foi uma ponderação que julgo realmente oportuna, em uma sociedade convictamente punitivista e racista como a nossa. Fabiano, o agressor, está totalmente fora do perfil de suspeito que as pessoas comuns e policiais costumam apresentar:

1) ele é branco, do tipo que não parece suspeito à primeira vista, nem induz atitudes suspeitas apenas por estar andando na rua;

2) ele tem pai e mãe dentro de casa, contrariando o vice-presidente militar de uma certa república miliciana aí, que em setembro de 2018 declarou publicamente que indivíduos desajustados surgem em famílias desestruturadas, pela ausência de pai ou avô, ou seja, famílias comandadas por mulheres não conseguem manter os valores da família e impedir que seus jovens se tornem criminosos;

3) ele possuía um emprego e, portanto, cumpria a exigência de ser trabalhador, condição de moralidade imposta em sociedades nas quais o cidadão comum precisa ser um corpo obediente às relações de exploração, por mais iníquas que sejam;

4) ele não possui nenhum registro de crime ou ato infracional pregresso, condição que, somada a sua branquitude, elimina a pecha de periculosidade atribuída a muitos jovens brasileiros por estereotipização, primeiro fundamento da criminalização secundária, como nos ensina Zaffaroni.

Em suma, a realidade não cabe nas molduras que o preconceito geral repete acriticamente sem parar.

Um último comentário: Fabiano armou-se de um facão. Você pode imaginar o que teria acontecido se ele dispusesse de uma arma de fogo? A quem interessa armar a população civil?

Temos muito em que pensar  nós, que seguimos vivendo.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Vivendo como um brasileiro

Começo reconhecendo que se trata de um white people problem. Reconheço e assumo, mas é fato que um white people problem ainda é um problem. E considerando que ele se some a outros, a vida, na parte que poderia ser simples, torna-se desnecessariamente complicada. Quem é que aguenta uma vida inteira de tribulações?

Minha carteira nacional de habilitação venceu. Por lei, posso conduzir veículos por 30 dias após o vencimento. Naturalmente, tratei de providenciar logo a renovação. Acessei o site do DETRAN, emiti o boleto e fiz o pagamento. O serviço está reorganizado por causa da pandemia, então busquei as instruções oficiais, disponibilizadas ao público. De acordo com elas, preciso fazer meu agendamento por meio do call center (número 154). Você já deve saber ou, no mínimo, pode imaginar o que significa telefonar para um órgão público.

Na sexta-feira, escutei toda a mensagem pré-gravada, digitei meu CPF, acessei todas as opções e somente lá no final a gravação me informou que, devido à pandemia, o horário de atendimento está reduzido. Podiam ter informado isso logo de cara, não? Mas porque alguém se importaria com isso? Resignado, voltei a ligar hoje. Foram mais de 26 minutos de espera, ouvindo um curto trecho musical que se repete à exaustão. 26 minutos, em um momento em que preciso preparar duas apresentações acadêmicas, uma sustentação oral e uma petição, além de responder duas consultas. Estas são as demandas deste momento, não as do dia inteiro. Sim, eu sei que deveria estar fazendo isso em vez de escrevendo no blog, mas um ser humano, às vezes, precisa por para fora.

Enfim, consegui meu atendimento e até recebi uma boa notícia: devido à pandemia, não haverá coleta de dados biométricos. Eles reutilizarão a minha foto horrorosa da CNH atual. Com isso, pulamos uma etapa e passamos logo ao agendamento do exame médico. Quando faltava apenas confirmar isso, adivinha? O sistema ficou inoperante! É isso mesmo! Aquela coisa que sempre acontece em serviço público ou em bancos, aconteceu de novo! Ou seja, a minha meia hora de atendimento serviu para nada, pois preciso fazer tudo de novo. Supostamente, posso agendar pelo site, assim que o sistema retornar.

Então tá. Agora resta esperar que, com diversas clínicas na cidade, uma delas bem aqui pertinho de casa, eles me agendem para uma do outro lado da cidade, pois a distribuição dos usuários é feita aleatoriamente pelo sistema. Sei como é. Anos atrás, a distribuição aleatória do ENEM colocou uma pessoa de minha família, que mora na Marambaia, a 5 minutos a pé de uma escola e menos de 10 de outra, para fazer prova no Jurunas, em uma escola a poucos metros da Av. Bernardo Sayão. Mas é desse jeito. Não adianta buscar motivos. Podemos reduzir a um motivo só: ninguém se importa.

Se bem que, sobretudo em se tratando de DETRAN, uma outra explicação nunca pode ser desconsiderada: criam-se dificuldades para se vender facilidades. Basta um contatinho e uma ética frouxa para a tampa fechar a panela.

Cansativo.

sábado, 27 de março de 2021

Hipóteses místicas

Eu não sou místico. A esta altura, já não sou sequer religioso. Acreditar em horóscopo, para mim, é o mesmo que acreditar em Terra plana. Simpatia só vale a pena quando envolve comer alguma coisa saborosa. Diante disso, não tenho a inclinação de pensar que os acontecimentos da vida são mensagens que Deus, ou os deuses, ou o universo, ou Gaia, ou sei lá que outro elemento transcendental está mandando. Obviamente, isto não se aplica à causalidade, que pode ser cientificamente demonstrada. As mudanças climáticas estão aí para nos mostrar as consequências das devastações que a espécie humana insiste em perpetrar,

Mesmo ante esta premissa, vendo há pouco um vídeo na internet, não reprimi umas especulações sobrenaturais. Afinal, no creo en las brujas, pero...

A primeira questão diz respeito a um dos efeitos da pandemia de coronavírus sobre o mundo do trabalho: caiu bastante a produção de semicondutores (chips) utilizados na indústria automobilística. Por conta disso, muitas fábricas, inclusive no Brasil, estão parando suas linhas de montagem por ausência desses insumos, hoje indispensáveis, eis que os veículos automotores estão cada vez mais dependentes desse tipo de tecnologia. Daí quando se pensa em esforços para, talvez, aumentar a produção e suprir a demanda reprimida, a fábrica Renesas Eletronics, no Japão, é completamente destruída por um incêndio.


A fábrica em questão responde por 30% do mercado global de chips de unidade de microcontrolador, um componente que monitora o desempenho do motor e interfere sobre funções elétricas e os sensores dos veículos. Ou seja, ele é simplesmente vital. De acordo com a Renesas, a expectativa positiva é que demore um mês para eles retomarem a produção (esses japoneses!). Mas um mês é tempo demais, no cenário que já estava ruim.

A segunda questão tem a ver os preços dos combustíveis no Brasil, em disparada desde o começo de 2021. À medida que a situação vai extrapolando o limite do insuportável, chega a notícia da redução do preço dos combustíveis, nas refinarias, em cerca de 11 centavos de real. Já não adianta comemorar porque, quando o preço aumenta na refinaria, aumenta no posto; mas quando cai na refinaria, não necessariamente cai no posto. Mas se você é otimista e pensou em comemorar sua economia de R$ 5,50 em um tanque de 50 litros, pode esquecer. Um imenso navio chamado Ever Given fez o favor de encalhar em pleno Canal de Suez, por onde passam 9,5 bilhões de dólares todos os dias. Sim, são esses os números.


Tendo bloqueado completamente o canal, pode provocar, segundo especialistas, graves consequências para a economia global se não for logo retirado. É isso mesmo: vai ajudar a ferrar ainda mais a economia em todo o planeta. E, como não poderia deixar de ser, impactar... o preço dos combustíveis aqui no Brasil.

E é assim que, pelo fato de os dois sinistros terem consequências diretas sobre o setor automobilístico, nesta manhã me ocorreu esse estranho e incomum pensamento místico: é como se o universo estivesse mandando um recado para todos nós. Lembrando que carros são um dos mais badalados itens de consumo, estão relacionados a uma indústria bilionária, comparecem nos sonhos de crianças e adultos, são símbolos de ostentação e impactam gravemente o meio ambiente e a mobilidade nas cidades, dentre outros fatores, é como se alguém dissesse: já que a pandemia "só" não bastou, vamos dar mais algumas dicas do tipo de vida que não consideramos sustentável.

É um pensamento maluco? Decerto. Acredito nisso? Não. Mas, como disse antes, não pude reprimir essa esquisita especulação, porque, afinal de contas, não acredito no acaso. Nem em bruxas. Pero.

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Fontes: 

https://autopapo.uol.com.br/curta/producao-de-carros-afetada-incendio/

https://tecnoblog.net/423602/fabrica-de-chips-pega-fogo-e-pode-afetar-producao-global-de-carros/

https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/26/meganavio-encalhado-no-canal-de-suez-entenda-as-consequencias-para-a-economia.ghtml

terça-feira, 23 de março de 2021

Lockdown de verdade

Enquanto, por estas bandas, pessoas seriamente preocupadas com o sustento próprio e familiar precisam ir às ruas lutar pela sobrevivência; pessoas permanecem nas ruas porque ali já estavam, mesmo; muitos trabalhadores se expõem diariamente porque não lhes deram alternativa; e uma raça especial de felasdiputa de classe média reclama de não poder socializar por aí ou malhar a bundinha nas academias e vivem na internet bradando contra a violação de seus direitos fundamentais, em outros países do mundo as populações foram submetidas a restrições de locomoção realmente pesadas. Não esse lockdown de meia pataca praticado aqui, ainda por cima quase sem fiscalização.

Nesta reportagem aqui, é possível ver como outros países lidaram com a pandemia do novo coronavírus. Entre eles não há nenhuma nação considerada ditadura. Todos são países proclamados democráticos e a maioria países centrais, idolatrados pelo viralatismo tupiniquim. Multas severas, fechamento generalizado de serviços, limitação de saída a apenas 1 hora por dia e com limitação territorial, mesmo para fins relevantes (como ir ao médico), há várias providências impensáveis para os brasileiros. Com o detalhe de que, por lá, as restrições já duram meses.

Uma coisa me chamou a atenção: a proibição de ir mais longe do que um raio de 10 quilômetros. Compreendo a lógica. Se houver um doente nesse setor, a possibilidade de contágio de terceiros fica limitada no espaço, não apenas prevenindo maior disseminação do vírus, mas também ajudando a identificar a região onde o vírus circula. Se as pessoas podem transitar por qualquer lugar, como saber onde os esforços sanitários devem ser incrementados?

Enfim, eu tinha curiosidade de saber como países que possuem governantes de verdade estão enfrentando a situação. Com sofrimento, com perdas, mas com bom senso e humanidade. Um detalhe: os países desenvolvidos concederam auxílio financeiro aos cidadãos retidos em casa. Então você, cidadão verde-e-amarelo, que "luta" tanto pela liberdade e pela economia do Brasil, com suas mensagens de WhatsApp, pensa o que disso? Está todo mundo errado, né? Certo, mesmo, só o presidente do Brasil, o infalível. Deve ser por isso que ele é um mito.

terça-feira, 16 de março de 2021

Vamos debater racismo que encarcera?

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) foi fundado em 1992 para realizar estudos aprofundados, claro, em ciências criminais, tanto as jurídico-dogmáticas quanto as sociais. Em seus 29 anos de existência, construiu uma reputação respeitadíssima, pela qualidade dos juristas de todo o país envolvidos, dos eventos realizados, das publicações que oferecem à comunidade. Sua preocupação com o Estado democrático de Direito e com a defesa das humanidades é absoluta.

Dentre as suas muitas iniciativas estão os grupos de estudos avançados, organizados em cada Estado. Aqui no Pará o GEA tem por coordenadora a Profa. Dra. Luanna Tomaz de Souza, da Universidade Federal do Pará. São coordenadores adjuntos, além deste que vos escreve, os colegas Alexandre Julião, Antonio Fernandes, Emy Mafra, Laís Maia, Lucas Morgado, Rafael Fecury e Samara Siqueira.

Este ano, o tema do estudo não podia ser mais oportuno: Sistema penal e racismo no Brasil. As inscrições estão abertas, conforme as instruções abaixo.


Estão abertas as inscrições para o grupo de estudos avançados do IBCCrim no Pará. Com o tema “Sistema penal e racismo no Brasil”, o GEA é voltado para graduandos(as) e graduados(as) do Direito e demais áreas das ciências humanas.

Os encontros ocorrerão on-line e terão duração de 9 meses.  As vagas são limitadas!

Informações em: https://www.ibccrim.org.br/cursos-e-eventos/exibir/gea-para-pa-sistema-penal-e-racismo-no-brasil

Se você está cursando ou já possui graduação em Direito ou em áreas afins, venha enriquecer a sua formação pessoal e o seu currículo com essa experiência.

sábado, 13 de março de 2021

Segundo lockdown

Há pouco mais de duas horas, saí de casa para comprar pão. Um trajeto pequeno, de cerca de 200 metros. Mesmo assim, precisei me aborrecer com a obstrução de uma calçada pelos frequentadores de um point descolado que inaugurou recentemente. Coisas de Belém: as calçadas são extensão do comércio de um fulano qualquer e todo mundo acha isso perfeitamente natural e desejável. Quem reclama é que está errado. 

Eu poderia passar, mas de modo algum me sujeitaria a chegar tão perto daquele aglomerado de pilantras sem máscara, que não podem abrir mão da cerveja com pagodinho por nada nesse mundo. Em consequência, caminhei pela pista, mesmo, exposto ao trânsito de veículos. Esta é a sina do belenense.

Pela incapacidade do brasileiro, e aqui falando do belenense, em mostrar algum senso de responsabilidade em meio a uma pandemia, estamos do jeito que estamos: acima de duas mil mortes diárias, colapso nos sistemas de saúde em diversos Estados, mais e mais sofrimento. Chegamos, assim, ao resultado óbvio de tanta incúria: o governador do Estado anunciou um novo lockdown em Belém e Região Metropolitana, a partir da meia-noite de amanhã. Postergaram tudo que puderam, mas finalmente aconteceu o inevitável, impelido pela ocupação de 100% dos leitos de UTI.

Ainda não consegui encontrar a informação de quanto tempo a medida perdurará. O lockdown de maio demorou duas semanas. Ainda me recordo bem do desconforto de trafegar por uma cidade militarizada, e ser parado, claro. Eu havia ido fazer compras no supermercado. Fui liberado pelo justo motivo da saída, mas a abordagem em si é extremamente desagradável para mim. Uma cidade sitiada me causa aflição.

Fazer o quê? Vivo em uma sociedade e pago pelas minhas ações tanto quanto pelas dos outros. E com o material humano que temos, é possível que essa restrição de liberdade não seja a última. Nem a penúltima. Nem...

O falso é mais realista

Embora o resultado tenha sido publicado em 22 de fevereiro último, somente ontem, 19 dias depois, a Universidade Federal do Pará, por sua Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, formalizou e divulgou a inclusão dos novos acadêmicos em nível de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Direito. Sou, oficialmente e mais uma vez, calouro daquela instituição.

O que sou, também: um grande privilegiado. Tenho o privilégio de integrar um grupo de apenas 19 pessoas, que foram habilitadas a galgar o último estágio da formação acadêmica e, ainda por cima, em uma universidade pública, onde estão os melhores índices de qualidade e as maiores oportunidades de realizar pesquisa de verdade. Mas como cheguei a isso? Sozinho? Esforçando-me muito, individualmente? Acreditando com toda a força do meu coração? Lógico que não. Na vida real, não há espaço para as tolices de coaches, os romantismos a la Disney e, em especial, para a mentirosa e nefanda ideologia da meritocracia.

Sou privilegiado por dispor de uma fonte de renda que me permitiu concentrar os meus esforços no processo seletivo, que teve como maior exigência a elaboração de um projeto de pesquisa que, no meu caso, alcançou a nota 9,7 (no intervalo de 0 a 10). Para elaborá-lo, apliquei uma década de estudos em criminologia (privilégio), consultei um monte de livros que já possuo (privilégio), comprei livros em caráter emergencial (privilégio), usei equipamentos e outros recursos de boa qualidade, que tenho diuturnamente à disposição (privilégio), e em especial debati minhas ideias e fui orientado por pessoas de alta qualificação, inclusive no que tange à metodologia (privilégio de fazer parte do círculo dessas pessoas e de dispor do tempo delas).

Acha que acabou? Sou privilegiado por morar em uma casa própria, em região não sujeita a riscos significativos (por aqui não há sequer os alagamentos generalizados de Belém), dispor de carros para resolver tarefas que exigem deslocamento (como comprar remédios às duas horas da madrugada, há poucos dias), ter comidinha boa e nova todos os dias, que não preparo pessoalmente, além de outras comodidades domésticas. Acima de tudo, ter uma família que apoiou abertamente o meu projeto de vida e me favoreceu tempo e condições para me dedicar a ele.

Estes são os privilégios mais evidentes. Procurando, decerto eu encontraria vários outros. E, com certeza absoluta, meus 18 colegas estão em situação semelhante. A turma do mestrado também. Sim, também há os que precisam da bolsa, mas essa já é uma necessidade altamente privilegiada. Ou você acha que necessitar de bolsa para cursar pós-graduação está no mesmo nível das necessidades prementes e diárias de uma legião de brasileiros crescentemente empobrecidos (sem nenhum demérito, claro)?

Em suma, não existe o mérito dos meritocratas. Há, no máximo, merecimento em um sentido metafísico, se você for daqueles que acreditam em certas religiosidades. E tudo isso para levar adiante um projeto que não é exatamente uma unanimidade. Afinal, para que serve, realmente, um doutorado? Sei o que eu espero dele, em particular. Mas o que será que esperam as demais pessoas que trilham essa senda? E o que elas encontram?

Segundo reportagem de maio de 2019, baseada em dados oficiais, o Brasil possuía 7,6 doutores para cada 100 mil habitantes e precisava dobrar esse número para chegar ao nível mais baixo dentre os países desenvolvidos. Trata-se do Japão, no qual havia quase 13 doutores para cada 100 mil habitantes (mas no Japão não há necessidade de escolarização como estratégia de sobrevivência). A Itália era o país com o pior cenário na Europa, mas mesmo assim eram 17,5 doutores por 100 mil habitantes. E se você compreende a importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento de um país, fica fácil concluir porque o índice de doutores é relevante.

Em setembro de 2019, outra reportagem informa o lançamento de um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apontando que, entre 35 países com dados disponíveis sobre o tema, o Brasil estava entre as três nações com menor número de doutores no mundo: uma proporção de 0,2% de sua população, contra 1,1% dos países integrantes da OCDE. O dado positivo foi o aumento do número de docentes com mestrado ou doutorado, conforme dados de janeiro último, divulgados pelo Instituto Nacionais de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Mas antes de comemorar qualquer coisa, saiba que, no Brasil, em março de 2019, o desemprego entre mestres e doutores chegava a 25%, contra 2% em nível mundial. Além da indignidade contraintuitiva que isso representa ― pois somos levados a supor, ingenuamente, que a maior qualificação importa acesso a melhores condições no mercado ―, essa conjuntura leva à evasão desse grupo especializado para outros países, quando conseguem, além de que se perde a oportunidade de viabilizar pesquisas que busquem soluções para muitos problemas da realidade brasileira. Uma universidade dos Estados Unidos não há de priorizar as necessidades do semiárido brasileiro, p. ex. É triste ver que quando reportagens, com um tom frequentemente ufanista, celebram um brasileiro participando ou até comandando uma pesquisa ultraimportante, na maioria dos casos tal pesquisa está sendo realizada em outro país.

O prognóstico não é de melhora. Desde 2016, o orçamento federal para a educação tem despencado, confirmando o que os setores progressistas da sociedade sempre repetem: isso é um projeto. Os decisores têm envidado esforços para que os brasileiros tenham cada vez menos acesso a educação, notadamente de qualidade. Mas se estamos todos de acordo ― inclusive aquele gênio do WhatsApp, que adora dizer que os pobres não quiseram estudar ou não se esforçaram o suficiente para isso ―, que a educação desenvolve pessoas e países, qual pode ser, então, o resultado esperado dos investimentos e das escolhas aqui na outrora República das Bananas, hoje República das Milícias?

Ao fim e ao cabo, como se costuma dizer, somos um país de autoproclamados doutores. Basta uma graduação ―ou às vezes nem isso, bastando algum sinal de riqueza material , e o sujeito já vira doutor. É chamado assim pela imensa legião de trabalhadores em postos subalternos e em especial pelos excluídos do mundo do emprego, os quais reproduzem, a cada vez que doutorificam um espertalhão sem essa qualificação, um ciclo de distinção entre indivíduos menos distintos do que se reconhecem. Renovam a massagem no ego de uma classe média que se entende e percebe como aristocracia e quer ser tratada com mesuras e floreios. Não à toa, muitos deles se ofendem de verdade se o título não lhes é dado. Sem olvidar, claro, os casos clássicos e patológicos dos profissionais de Medicina e Direito.

Do jeito que as coisas vão, ser um desses doutores de coisa nenhuma tem dado mais certo do que dedicar muitos anos de sacrifícios pela titulação acadêmica. Resulta daí que um protesto como este visa repor um pouco as coisas aos lugares que elas deveriam ter e isso significa, inclusive, não glorificar doutor nenhum. Ele é só mais um sujeito que estudou e, talvez, esteja fazendo umas coisas bacanas e úteis de sua vida. Não é isso que o inscreve entre os bons seres humanos. Caráter e empatia deveriam ser os requisitos.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Bora voar?

Ao tomar conhecimento, hoje, de que o governo federal autorizou o sexto aumento no preço dos combustíveis de 2021 (isto significa 67 dias), um acumulado superior a 50%, não consegui reprimir uma ironia amarga: guardadas as devidas proporções, vale mais a pena ter um avião do que um automóvel.

Procurei aqui pelo Google e encontrei umas matérias de 2018, informando que o querosene de aviação havia atingido o maior preço histórico no Brasil: em média R$ 3,30, com impostos. Parece que o preço, em fevereiro último, era de US$ 1,60, que importaria hoje em R$ 9,40, no câmbio de 1 dólar igual a 5,88 reais.

Some-se a isso que dá para conseguir uma ajudinha do BNDES para adquirir a aeronave e que não existe imposto sobre a propriedade desse tipo de bem de altíssimo valor, então quem tem bala na agulha para comprar um avião gasta menos com ele do que um mero mortal com o seu carrinho. Sim, eu sei que há muitas variáveis a ponderar. Esta postagem tem viés de crítica, não de estudo econômico. Economistas e puristas, deem um tempo. Só estou lamentando os absurdos da vida.

O maravilhoso Embraer Praetor 600. Quero.

É que sou apaixonado por aviação e, ainda por cima, para aguentar a vida no Brasil de hoje, só mesmo fazendo um esforço de mandar o pensamento para as alturas. Aterrissar é que tem sido exaustivo.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Pessoas que precisam ser conhecidas #3

Parte de minha mente se recusa a acreditar que pessoas que tiveram a oportunidade de frequentar escolas desconheçam o cientista de múltiplas áreas Carl Sagan, inclusive por ter sido (que eu saiba) o primeiro e ainda hoje o mais famoso divulgador de ciência em mídias de massa. Mas, em tempos de embrutecimento (quis ser elegante e por isso não escrevi "emburrecimento"), pode-se esperar o pior.

Eu era muito criança para me concentrar nos episódios da famosa série Cosmos, exibida na década de 1980, a que meu irmão Hudson assistia com vivo interesse. Mas eu me recordo de uma cena em que o apresentador viajava pelo universo, ao som do maravilhoso tema composto pelo músico grego Vangelis, que ainda hoje me emociona. Ali eu aprendi que havia um Carl Sagan no mundo e que ele era muito importante.

O tempo passou e aprendi um pouco mais sobre ele. Vi o filme Contato (1997) e depois li o livro que o inspirou. Excelentes. Comprei outros títulos do autor, que ainda preciso ler. E confesso que não sabia tudo o que Sagan foi: sua história, seu amor pela educação e seu ativismo social. O vídeo abaixo me surpreendeu com essas nuanças e me fez respeitar muito mais esse grande ser humano.


Nossos agradecimentos, Sagan.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Um dia para os humilhados serem exaltados

Não se trata de meme de internet, tampouco de piada. Apesar da aparência lúdica, o título da postagem tem a sua razão de ser.

No dia de hoje, foi divulgado o resultado do processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. É imensa a minha alegria em comentar que fui aprovado para o doutorado, um antigo projeto de vida que, por inúmeras razões, somente será implementado agora. Sem mágoas, eu mesmo acredito que é agora que tenho condições de fazê-lo. Talvez seja verdade que as coisas vêm no tempo certo.

Hoje é dia de comemoração e, a partir de amanhã, de trabalho. Os próximos anos serão muito exigentes, mas tudo faz parte do jogo. Estamos todos cientes disso. Não penso em sacrifícios, mas em todo o aprendizado que este processo traz. Penso na autorrealização, nas oportunidades que hão de surgir, em sair da rotina, da caixinha e do passado. Tudo isso é por mim e por minhas garotas.

Meus agradecimentos por todo o apoio recebido de muitas fontes, desde novembro, quando começou a movimentação em torno desta seleção. 

Recomeçamos daqui. Que venha o futuro.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Fim de carnaval (?)

Depois de, no ano passado, ser anunciado que o São João seria em casa, o que implica dizer que comidinhas maravilhosas só se você mesmo as cozinhasse, e que haveria clima festivo somente se você se dispusesse a isso, o recado estava dado: enquanto perdurasse a pandemia de SARS-CoV-2, nada de folguedos populares.

É certo que, em junho passado, já havíamos enfrentado uma vez o terror do colapso do sistema de saúde e alguns imaginavam, com otimismo habitual ou com leviana esperança, que as coisas entrariam nos eixos nos meses subsequentes. Ledo engano, claro. Exceto em lugares específicos, como Nova Zelândia, Cuba e até mesmo na China, que colocaram a pandemia mais ou menos sob controle, o mundo segue aterrorizado, com as pujantes economias europeias vivendo em lockdown, com previsão de continuidade até março.

Um enorme alívio surgiu com o advento das vacinas, mas as coisas não andam fáceis mesmo assim. E por aqui, na República Miliciana do Brasil, tudo vai às avessas. No mundo, leve tendência de queda na curva de contágio; no Brasil, tendência de alta ou, no mínimo, de estabilidade dos números, que têm mantido média superior a mil mortes diárias. No mundo, vacinação intensa; no Brasil, vacinação sendo interrompida, por falta de vacinas, e uma sucessão de notícias sobre irregularidades. No mundo, governos com discursos de união e medidas de proteção, ao menos, dos próprios cidadãos; no Brasil, o permanente discurso de ódio, desprezo e negação da ciência, além de reiteradas medidas para destruir o país.

Não surpreende que a grande festa do povo, o carnaval, tenha sido cancelada. Aliás, adiada para junho. Rendeu até uma piada inteligente: se o ano só começa depois do carnaval, então estaremos em 2020 até junho?! Chiste ainda na pegada de que 2020 foi o pior ano já vivido. Pode até ter sido, mas isso não fornece garantia alguma de que 2021 não será ainda pior.

Em suma, não houve os desfiles, praias e outros pontos turísticos foram fechados e a polícia andou embaçando festinhas domésticas clandestinas. De habitual, por estas bandas, só o clima chuvoso desta época. Ontem, por sinal, um dia inteiro de chuva fraca (que eu espero não haver causado muitos transtornos aos moradores de baixadas) e uma temperatura simplesmente deliciosa, que eu queria para a minha vida inteira. Mas hoje, quarta-feira de cinzas, carnaval acabando, o dia está algo nublado, mas o sol já deu as caras e o ar abafado, também. Se festa houve, parece que está mesmo no fim.

De novo e como sempre, realidade voltando.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Achei que devia dizê-lo

O dia de hoje foi marcado pela celeuma em torno de uma manifestação em rede social (sempre elas!), emitida por um gerente do Grupo Líder, manifestando um absurdo desprezo por professores. À boca miúda se diz que é um dos adoradores do excrementíssimo presidente da República e, nessa toada, não se furta de destilar ódio e contrariar qualquer realidade. Para ele, professores não trabalham há mais de um ano. Logo, em perfeita demonstração da lógica bolsonarista, sugeriu que fossem retirados recursos da educação para custear o novo auxílio emergencial.

São tantos os erros (para dizer o mínimo) na manifestação que nem sei por onde começaria a explicar. Tampouco tenho forças para isso. Mas vendo o barulho na grande rede, decidi que deveria fazer alguma coisa. Então acessei o site do Grupo Líder e mandei a seguinte mensagem:

Deplorável a manifestação do sr. Orimar Rodrigues (que, por sinal, já disse que mantém tudo) e deplorável o escapismo da empresa, limitando-se a dizer que o indivíduo não fala pela empresa. As pessoas não são tolas: sabem que o ofensor é da família; fosse apenas um empregado, o tratamento seria outro. Em tempos de ódio, não se posicionar é SE POSICIONAR A FAVOR DO QUE FOI CRITICADO. O mundo está mudando, a duras penas. Empresas que não assumirem posição em prol de valores serão tragadas. A balela da isenção não vai ajudar. E o negacionismo muito menos. Respeitem os profissionais da educação.

Nada de rede social: mandei a mensagem para o empregador (para a família, né?). Sem barulho nem sensacionalismo. E me identifiquei com nome, telefone e e-mail. Não escondo a cara, como os canalhas. Disse o que achei necessário dizer, no lídimo exercício da minha liberdade de expressão. Critiquei as atitudes e não a pessoa, física ou jurídica. Meu posicionamento até pode ser considerado como um conselho, um toque do bem para a empresa. Infelizmente, parece que brasileiros ainda são muito primitivos para isso, mas uma hora as pessoas, de um modo geral, começarão a repudiar empresas sem responsabilidade social. O processo já começou. Não me refiro a esse boicotismo internético, pouco mais do que uma modinha de cancelamento. Falo de ser ético na vida e de se relacionar apenas com quem for ético também.

Quando as pessoas finalmente assimilarem essa filosofia de vida, as empresas verão que não dá mais para calar.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Uma tarde e tanto

Agora que encontrei um tempo para comentar sobre a experiência inédita que vivi nesta sexta-feira, dia 12. Pela primeira vez tentando ingressar em um programa de doutorado, cheguei à fase final, a entrevista, realizada de modo remoto com quatro outros candidatos. Na imagem abaixo, uma captura de tela, mostrando um momento da atividade, que durou três horas e meia.


Sim, eu sou aquele pontinho no canto superior direito...

Fiquei feliz de ver que todos os projetos apresentados possuíam real vinculação com o projeto de promoção dos direitos humanos, que é uma exigência formal do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD-UFPA). Afinal, precisamos nos precaver de pesquisas fundadas em preconceitos pessoais e no possível objetivo de usar a academia para legitimar subjetividades excludentes e violentas. Falando em abstrato, naturalmente. Assim, foi sem surpresa que vi propostas realmente comprometidas com o aprimoramento das relações humanas, cada uma em uma seara importante: adolescentes submetidos a medidas socioeducativas, violência contra a mulher, ensino do Direito, racismo institucional no júri e, claro, sistema penitenciário (este, por sinal, o meu projeto). Dos cinco projetos, quatro estavam centrados no tema do racismo.

A banca avaliadora foi composta pelos professores Luanna Tomaz de Souza (orientadora pretendida), Ana Cláudia Bastos de Pinho e Raimundo Wilson Gama Raiol (que se lembrou de eu ter sido orador na minha formatura, lá se vão quase 24 anos!). Ao final da sessão, fiz questão de parabenizar os colegas e de agradecer à banca pela arguição extremamente justa, porque baseada no objetivo de nos proporcionar a oportunidade de defender os projetos de pesquisa, exatamente como deve ser. Todas as perguntas, a todos os concorrentes, eram esclarecimentos sobre as propostas apresentadas (além do óbvio questionamento sobre disponibilidade). Não houve nada que nos surpreendesse ou afligisse, o que também não surpreende, dada a lisura e a competência dos nossos avaliadores. 

O resultado disso é que... eu simplesmente me senti feliz com o debate travado! Claro que não sei qual será o desfecho do processo seletivo. Em tese, tenho 20% de chances de aprovação, como os demais, embora a régua varie um pouco, devido às notas atribuídas nas fases precedentes. O fato é que eu posso ser aprovado ou não. Mas, sem clichê algum, valeu demais a experiência de ter tentado. Trabalhei por um antigo anelo que, por variadas razões, nunca levei adiante e agora o fiz. 

Estou feliz porque trabalhei muito e ofereci um projeto de pesquisa que me agradou de verdade, a ponto de romper a tradição de jamais me sentir satisfeito com nada do que faço. Posso não ter chegado ao suficiente, mas sinto que fiz o melhor que podia neste momento, chegando a convencer a mim mesmo de que estou pronto para assumir essa responsabilidade. Enfim, a missão está cumprida. Ao menos, sinto assim.

No próximo dia 22, vamos ver o resultado.

sábado, 23 de janeiro de 2021

Manoel de Barros em gotas

Manoel de Barros (1916-2014) foi um poeta modernista matogrossense, tardiamente reconhecido como um dos maiores poetas brasileiros, festejado entre escritores e críticos, porém ainda desconhecido do grande público. Não que poesia tenha um grande público no Brasil (se bem que a internet está aqui me contando que ele foi o poeta que mais vendeu livros neste país), mas eu, por exemplo, que sou apaixonado por essa expressão artística, tenho o constrangimento de admitir que ainda desconheço sua obra. Ainda. Mas fui sensibilizado por uma filósofa, que o tem como poeta predileto, e assim declarou durante uma aula muito esclarecedora (não sobre poesia, e sim sobre a filosofia em nossas vidas), já me alertando para o rico subtexto que se pode encontrar nesses poemas, aliás especialmente recomendado para iluminar, nas crianças, o pensamento filosófico.


A obra de Barros é delicada, radicada na gente simples do interior, na infância, na natureza. Em meio a causos e ao sentimento idílico da vida no campo, esconde uma profundidade desconcertante, que está me conquistando sem qualquer demora.

Este blog já publicou diversos poemas que me cativaram e até possui um marcador "poesia". Hoje, compartilharei com vocês não um poema, mas um único verso de Barros. Uma das gotas de sabedoria reunidas em seu Livro sobre nada (1996), que me causou profunda impressão só de lê-la. Honestamente, assim que li, veio a minha mente mais de uma lembrança que me convenceu de que o poeta está certo.

"Tem mais presença em mim o que me falta."

Manoel de Barros, poeta, está vivo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Estadistas e vermes

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe que não vale a pena esperar muito dos Estados Unidos, seja quem for seu presidente, pois a noção de "America first" está longe de ser exclusividade da gestão finda nesta data. A começar pela mania deplorável de achar que os Estados Unidos são "a América". Outrossim, Joe Biden tampouco é o cara bacana que muita gente pensa, mas, devido ao fato de ter concorrido com um sujeito tão repulsivo quanto Trump, acabou se saindo bem em uma perspectiva de disputa civilizatória. O oposto do que houve no Brasil, em 2018.

Foto de Olivier Douliery/AFP

A par disso, as propostas de Biden têm um colorido realmente reconfortante, no que tange à promoção da saúde de seu povo, não apenas em relação à pandemia de coronavírus; à geração de empregos; à política ambiental; às relações internacionais. Ao menos, aquele país deixará o império das fake news e do ódio como única expressão comunicacional. Acima de tudo, é um freio importante no avanço da extrema-direita pelo mundo afora e passa uma mensagem importante para os grupos extremistas internos. Mesmo que hoje não seja um dia para empolgar, sem dúvida foi um dia ruim para a terra plana, para o negacionismo científico, para a ditadura do WhatsApp e coisas do gênero. E se esse pessoal está mal, então eu comemoro.

No mais, os símbolos têm poder. A eleição de um presidente com discurso conciliador e propostas que, para os histéricos estadunidenses, são quase socialistas, tais como a expansão do sistema de saúde (e nem de perto se pensando em algo universal, como o nosso SUS), é muito bom. A eleição de uma vice-presidente mulher, negra e descendente de imigrantes é muito bom. A nomeação de uma mulher transexual para cargo de alto nível no campo da saúde é muito bom. A meu ver, passa a sensação de que os últimos quatro anos foram uma aventura autoritária que não deu certo e, por isso, acabou reprovada do melhor modo: pela vontade do eleitorado.

Além disso, o comportamento alucinado do derrotado-fracassado-humilhado Trump, em todas as fases do processo eleitoral, mas sobretudo após a divulgação do resultado, acabou sendo benéfico, pois mostrou ao mundo que não adianta vociferar sobre fraudes, ameaçar autoridades, conclamar atos de violência contra as instituições e outras patuscadas. No final, o pilantra enfiou o rabo entre as pernas e saiu para a famosa lata de lixo da História, de uma maneira verdadeiramente vergonhosa. Se tivesse reconhecido a derrota e feito uma transição republicana, poderia até sofrer em sua imensa vaidade, mas seria elogiado pelo mundo afora, ao menos em relação ao gesto derradeiro. No entanto, preferiu aumentar sua desonra. Bem feito.

Os líderes mundiais, claro, parabenizaram o novo presidente. Como o Brasil não possui nenhum líder no exercício do cargo, não houve qualquer pronunciamento oficial. Houve, sim, uma manifestação do vice-presidente, que em seu ridículo vira-latismo declarou que os Estados Unidos continuarão sendo "um farol para o ocidente". Haja o que houver, essa gente medíocre continua se curvando até o chão, com o traseiro oferecido ao Tio Sam. Farol coisa nenhuma! O que a América Latina precisa fazer é se unir e entender que o povo lá de cima nunca será um parceiro sincero. Aliás, com uma ressalva para a Inglaterra, nem os países europeus demonstram essa subserviência toda.

Exemplo de manifestação foi a do Papa Francisco, que segundo reportagem do Uol, pronunciou-se nestes termos: "Ofereço-lhe meus cordiais votos e a garantia de minhas orações para que Deus Todo-Poderoso lhe conceda sabedoria e força no exercício de seu alto cargo. Sob sua liderança, que o povo americano continue a se nutrir dos altos valores políticos, éticos e religiosos que inspiraram a nação desde sua fundação". Viram? Biden é líder do povo de seu país e não do ocidente, menos ainda do mundo inteiro. Francisco acertou de novo.

Quanto a nós outros, a prudência manda vigiar e torcer pelo melhor. Boa sorte para nós.

Vacinômetro

Segundo o vacinômetro que calcula, inclusive, quantas pessoas já viraram jacaré após serem vacinadas contra o coronavírus, em todo o mundo (clique aqui), neste momento o Brasil possui 11.470 pessoas vacinadas (lembrando que a primeira brasileira foi vacinada na tarde do último domingo, 17). Contudo, nas últimas 24 horas, o Brasil perdeu mais 1.183 vidas. Nos últimos 5 dias, o número de mortes diárias foi superior a mil, chegando a um total de 5.713. E há tendência de alta em 13 Estados.

Dado o total desinteresse do governo federal em vacinar, a perda da compra de vacinas fabricadas na Índia e o atraso de insumos originários da China, por aqui continuaremos matando muito mais do que imunizando. Inclusive porque o gado bolsonarista está incansável na internet, notadamente no WhatsApp, fazendo o que mais sabe: divulgando mentiras, conclamando o uso de medicamentos inócuos para covid-19 e nocivos porque desnecessários, maldizendo a vacinação e acirrando o clima de ódio no país.

Para o caso de alguém ter ficado curioso, não dei a informação antes porque achei desnecessário, mas aqui vai: até o momento, nenhuma das 49.501.540 pessoas vacinadas no planeta inteiro (a contagem sobe sem parar, mas não graças a nós) virou jacaré.

Atendente obstinado

Ontem, não tive escolha senão fazer uma das tarefas domésticas que mais me irritam: ir ao supermercado. Lá pelas tantas, pedi a um atendente dois potes de meio quilo de manteiga. E os minutos começaram a passar, a fila foi aumentando, a preocupação com aglomeração aumentou junto e nada do cara voltar. Naturalmente, isso me exasperou.

Olhei na direção e o sujeito estava diante da balança, pesando os meus potes de manteiga. Ele olhava, ia e voltava, ia e voltava, ia e voltava. Nessas idas e vindas, ele colocava um pouquinho de manteiga no pote ou tirava um pouquinho de manteiga do pote. Sim, meus amigos, por alguma razão que nem o úbere da vaca explica, o sujeito resolveu que ele precisava me entregar dois potes de manteiga com exatamente 500 gramas cada! Nem um grama a mais, nem um a menos. O preço, igualzinho.

Como eu precisava de outros itens, e também pelo fato de eu ser um doce de pessoa, que raramente briga com as criaturas, mesmo que elas mereçam, nada disse, mas desde então não paro de pensar nessa estranha obstinação, que me custou tempo e paciência. 

Tinha que ser comigo, claro. Eu atraio todo tipo de comportamento aversivo. Ô sina!

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Belém, 405 anos: tempo de reconstruir

Puxe pela memória: como foi o aniversário de Belém em 2020?

Foi antes da pandemia. Ainda vivíamos o antigo normal ao qual estávamos acostumados. Podíamos aglomerar e celebrar, mas não houve celebrações além da claque. Houve, sim, muitas reclamações sobre as condições da cidade. Entre os maiores queixosos, os feirantes do Ver-o-Peso, que de algum modo protagonizam essa festa, até porque estão em nosso principal cartão postal. Houve alguns eventos, mas não a entrega de obras que pudessem melhorar nossas condições de vida.

Quanto mais o tempo passa desse jeito, mais fica minada a autoestima de um povo. Esse desalento era manifesto e crescente.

Mesmo que você não aprove a atual gestão municipal, dê uma olhada no que a imprensa publicou neste 12 de janeiro, inclusive os veículos não pertencentes à família Barbalho. Novamente, a parceria entre os Executivos municipal e estadual marcou presença, com ações concretas, capazes de gerar benefícios para a população. Havia algo a ser visto e isso, com certeza, animou um pouco o coração das pessoas. O meu, pelo menos. Duvido que eu seja o único.

Homenagem do partido do prefeito.

Quando o espírito está alquebrado, comemorações parecem deboche. Hoje, não. Hoje, assim me pareceu, as pessoas estavam movidas pela esperança própria das novidades. Não sabemos como as coisas ficarão à frente. São esperadas grandes dificuldades, seja pelos efeitos da pandemia, seja pela destruição econômica do país, seja pela previsão de chuvas intensas nas próximas semanas, etc. Há muito com que nos preocupar. Por isso mesmo, sem tirar os pés do chão, é importante destacar as escolhas que estão sendo feitas por nossos governantes. Não sabemos de tudo. O que está sendo mostrado parece bastante positivo. Adiante, saberemos melhor.

Enfim, minha cidade completou hoje 405 anos de fundação. E pela primeira vez em muito tempo eu me sinto minimamente satisfeito, pois ao menos demos um passo rumo à continuidade de nossa existência.

Boa sorte para nós.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Bora Belém!

Edmilson Rodrigues mostra que evoluiu. Em seu ótimo discurso de posse, ele anunciou a apresentação de um projeto de lei criando o programa de transferência de renda apelidado de "Bora Belém", uma das mais importantes promessas de sua campanha. Já naquele momento, ele disse que poderia instituir o programa por decreto, mas que, em respeito ao poder legislativo, preferia fazê-lo mediante um projeto de lei.

Obviamente, por trás do discurso conciliador, há muito mais a ser pensado. E é isso que me faz dizer que nosso alcaide evoluiu.

Realmente, Edmilson poderia ter editado um decreto criando o "Bora Belém". Em 1997, ao assumir seu primeiro mandato, seu primeiro ato foi, por decreto, instituir o Fundo Ver-o-Sol, à época um dos carros-chefes de seu programa de governo. Agora, estamos falando de um programa de transferência de renda, que pretende pagar 450 reais às famílias pobres da cidade, ou seja, vai impactar fortemente o orçamento municipal. Verbas precisarão ser realocadas e isso é um grande desafio, à luz da responsabilidade fiscal. Além disso, como a lei orçamentária é elaborada no ano anterior, todo chefe de executivo inicia seu mandato realizando um orçamento concebido por seu antecessor, que tinha políticas diferentes (ou nenhuma). O prefeito tem um teto apertado para fazer remanejamentos orçamentários e, acima desse teto, precisa pedir autorização da Câmara Municipal. Pois bem, Edmilson já resolveu tudo isso.

Foto: reprodução do Facebook da CMB

Com uma só tacada, ele realizou todo o pressuposto jurídico para cumprir sua tão importante promessa de campanha; mostrou grande espírito público ao marchar junto com os vereadores, que aprovaram o projeto por unanimidade (quem iria pagar o custo político de ser contrário?); obteve a autorização legislativa para o comprometimento orçamentário necessário à implementação do programa; e, claro, dividiu responsabilidades. "Bora Belém" não é obra do prefeito, apenas: é de ambos os poderes. E vale lembrar que ele conseguiu isso no oitavo dia de mandato. Gênio!

No momento em que o auxílio emergencial desaparece e deixa milhões de brasileiros à própria sorte, com a pandemia rolando sem previsão de alívio, em Belém haverá ao menos um socorro financeiro aos necessitados. É uma oportunidade de outro de mostrar, aos entusiastas da direita, e em última análise ao presidente da República, a importância das políticas de transferência de renda. Daqui a alguns meses poderemos ver como se saiu Belém, frente aos outros Municípios, carentes de política semelhante.

Vale lembrar que, quando uma pessoa pobre consegue dinheiro, ela compra comida, remédio, gás, roupa, transporte, etc. Todo esse dinheiro é consumido em suas necessidades básicas, em nível local. Por conseguinte, esse auxílio é reinjetado na economia local na forma de renda para os comerciantes e outros prestadores de serviço. Todo mundo sai ganhando. Menos o idiota útil, que continua bostejando asneiras sobre "assistencialismo", "vitimização" e coisas do gênero. O lambaio que se acha capitalista sem ser dono de nenhum meio de produção ou capital financeiro.

Até aqui, Edmilson vai acertando. Quanto ao mais, o tempo dirá. Estamos de olho e, por ora, satisfeitos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

VACINA CHEGANDO!

Apenas 3 dias após perder um grande amigo para essa maldita covid-19, vejo a emoção tomando conta da internet com o anúncio da eficácia da Coronavac, pelos pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo.

Existem outras vacinas, bem o sabemos. E pouco me importa qual será aplicada na população. Pode ser um pouco de cada, desde que haja a eficiência reconhecida pelas autoridades sanitárias. O importante é a vacinação massiva começar o mais rápido possível, apesar de todos os percalços dolosamente impostos pelo governo genocida.

A notícia conta com a emoção particular de ser uma pesquisa parcialmente realizada no Brasil, por uma instituição de pesquisa séria, relembrando a todos a importância da ciência. E essa instituição atua com recursos do SUS, lembrando a todos a imprescindibilidade desse nosso sistema, reconhecido mundialmente.

Que notícias boas! Pena que eu, por não ter prioridades, demorarei para ser vacinado. Mas o importante é ver essa esperança se materializar em realidade.

Saúde, meu povo!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Para Eduardo

Quando teus sintomas começaram, estavas certo de que não era covid-19, mas tiveste a prudência de te recolher em casa. Foi por isso que, no dia 18 de dezembro, quando fizemos nossa última reunião de trabalho do ano, e aproveitamos para fazer uma pequena confraternização interna, restrita por causa da necessidade de distanciamento social, tu compareceste de modo virtual. E todos percebemos o quanto isso te custou, pois na hora do encerramento estavas em lágrimas. E isso nos comoveu, também, claro. Não fui o único a querer te abraçar naquele momento.

Até então, tudo parecia apenas um contratempo. Não imaginávamos que, na terça-feira seguinte, estarias internado. Mas a máscara de oxigênio era mais uma cautela, porque estavas bem, no geral. Mandaste uma foto, de máscara, sorridente. Eu me sentia só um pouco chateado por estares no hospital em pleno natal. Realmente não me recordo em que hora o apartamento virou UTI. Talvez, àquela altura, tudo fosse uma necessidade contornável. Mas aí começaram a falar em possível intubação e minha inclinação pessimista acendeu todos os alertas.

Amigos queridos me lembraram da importância do pensamento positivo e eu me esforcei ― juro, meu amigo, eu me esforcei muito, porque para mim essas coisas exigem esforço ― para não pensar em nada sombrio. Eu me concentrava na tua saúde e em toda a bondade que espalhavas pelo mundo. E as notícias que chegavam eram de alguma melhora, principalmente de estabilidade. Aprendi contigo, em alguma de nossas inumeráveis conversas sobre questões médicas, que um paciente grave, porém estável, é melhor do que um não grave, porém instável.

Daí as notícias já não eram tão auspiciosas. Eu sabia que, ao teu redor, além de muitos médicos, e outros profissionais de saúde, fazendo todo o possível, havia também a rede de orações, impulsionada pelo bem que sempre fizeste a tantos, notadamente os mais necessitados, os mais pobres, os moradores de rua. Eu lutava contra um pensamento que insistia em retornar: aquela sensação angustiante que vivi em 2015, de tensão quando da atualização dos informes médicos e de eles serem sempre frustrantes. Como anos atrás, passei a ter receio de ligações telefônicas ou de mensagens de WhatsApp. E, como anos atrás, fui informado de que seria a qualquer momento.

Em 2015, o "a qualquer momento" durou uns quatro dias. Hoje, foi rápido. Sentado na beira da cama, repeti o meu velho lamento: "As coisas são como são". Era o meu exercício diário de resignação.


Essa doença atroz leva as pessoas que amamos e sequer permite que sejam cumpridos os ritos que nossa cultura desenvolveu para as despedidas. E fechamentos são indispensáveis! Felizmente, tivemos a oportunidade de fazer nosso cortejo. Fizemos a carreata do Eduardo! Um modo de obter o nosso fechamento, mostrando respeito ao teu corpo, cientes de que tua alma já está em paragens muito mais elevadas. Ninguém duvida de que ficarás muito bem. Não há outro destino para quem expressou tanto amor ao próximo e altruísmo como tu. Tomara que por aí haja umas manifestações, para poderes gritar palavras de ordem a plenos pulmões.

Vai com Deus, irmão. Se possível, não te esqueças do que te pedi na despedida. Os que vêm depois, como eu, sempre necessitam dos ensinamentos dos melhores, como tu.

E, claro, obrigado. Por absolutamente tudo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

"Quem teme o tapa não põe a cara na tela"

Na postagem "Pato Donald", de 10 de dezembro último, manifestei meu desagrado em relação a titulares de mandatos executivos que não comparecem à posse de seus sucessores, e portanto se negam ao ato simbólico de passar a faixa, com o que demonstram falta de espírito público e mesquinhez de caráter. Zenaldo Coutinho não quis carregar essa pecha e teve a dignidade de comparecer à posse de Edmilson Rodrigues e de praticar todos os atos previstos no protocolo. Mas ele sabia que haveria um custo e a fatura foi cobrada.

Na primeira sessão, destinada à posse dos vereadores e à eleição da nova mesa diretora da Câmara Municipal, todos estavam amiguinhos, gentis e prestativos. Coube a Fernando Carneiro (PSOL) lembrar, da tribuna, que o prefeito precisa atender os vereadores e não apenas seus apoiadores. Ele classificou a CMB, nos últimos anos, como "subsecretaria do poder executivo" (pense naquele meme do cavalo dando um coice). Ninguém protestou ou respondeu. O mais importante é que a mensagem foi dada. Zenaldo ― ironizado pelo povo como "Zeraldo" ou "Zé Nada" por sua absoluta nulidade como gestor ― pode passar oito anos fazendo nada porque tinha uma bancada de sustentação com 30 vereadores, de um total de 35. Não precisa explicar. Até onde sei, foram as piores legislaturas que Belém já teve.

No momento em que Carneiro discursava, contudo, Zenaldo ainda não estava no plenário. Ele entrou depois, já para a segunda sessão, destinada a dar posse ao prefeito e seu vice. Quando o presidente da casa, Zeca Pirão, decidiu conceder a palavra aos vereadores que não puderam falar na anterior, o clima pesou. O primeiro que assomou à tribuna foi logo dizendo que a periferia de Belém está abandonada. Também manifestou sua "frustração" porque, durante todo o seu mandato, não conseguiu ser atendido pelo prefeito uma vez sequer.

Foi o que bastou para Zenaldo se lembrar de que tinha "uns afazeres" (palavras de Zeca Pirão) e pedir para sair. A transmissão da faixa foi antecipada e se acabou a era Zenaldo Coutinho, com um discurso no qual ele apelou para as muitas crises que o teriam atrapalhado e para as muitas obras que ele afirma ter feito. Reclamou que, no calor das disputas políticas, as pessoas falam palavras que ferem. E assim ele contará a sua versão dos fatos doravante. Esse é o seu legado. Não me parece algo para se orgulhar.

Ainda que Zenaldo tenha saído pela porta da frente, saiu correndo (falo no sentido figurado, mas ainda assim é deselegante e sintomático). Fugir foi bom para ele, pois o vereador seguinte veio com mais força. Chegou classificando o vazante como o pior prefeito da história de Belém, incompetente e habituado a perseguir seus opositores. 

Sob nova direção, o tom dos discursos deixou as amenidades e passou ao enfrentamento da realidade. Isso muito embora Edmilson tenha feito um discurso bastante conciliador e amistoso. Todavia, ele desmentiu Zenaldo em dois aspectos da maior gravidade. Zenaldo disse que realizou plenamente a transição dos governos, apresentando todas as informações e documentos necessários (que supostamente estariam no sítio eletrônico). Edmilson disse que as informações, p. ex. sobre a situação financeira do Município, não foram repassadas. Antes dele, Ivanise Gasparim, que será Secretária de Saneamento, também se queixou de omissão de informações em sua pasta.

O segundo ponto é que Zenaldo afirmou ter deixado 24 milhões de reais de superávit no caixa da Prefeitura, porém Edmilson falou sobre dívidas que somam 200 milhões de reais, para desembolso iminente. Alegou ter ficado "um pouco aliviado" com as informações do antecessor. Está um doce, o rapaz. Mas quem estará com a verdade, afinal?

Infelizmente, a transmissão da CMB (de péssima qualidade, por sinal) foi interrompida. Não pude ver o final do discurso e o que mais ocorreu. Mas tudo bem. Vamos à vida. Em uma coisa todos concordam: Edmilson está lascado, pois tem que reconstruir uma terra arrasada. Boa sorte para ele e, claro, para todos nós.

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Os versos "Quem teme o tapa/ não põe a cara na tela" integram a canção "O hacker", de Zeca Baleiro.