quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Estadistas e vermes

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe que não vale a pena esperar muito dos Estados Unidos, seja quem for seu presidente, pois a noção de "America first" está longe de ser exclusividade da gestão finda nesta data. A começar pela mania deplorável de achar que os Estados Unidos são "a América". Outrossim, Joe Biden tampouco é o cara bacana que muita gente pensa, mas, devido ao fato de ter concorrido com um sujeito tão repulsivo quanto Trump, acabou se saindo bem em uma perspectiva de disputa civilizatória. O oposto do que houve no Brasil, em 2018.

Foto de Olivier Douliery/AFP

A par disso, as propostas de Biden têm um colorido realmente reconfortante, no que tange à promoção da saúde de seu povo, não apenas em relação à pandemia de coronavírus; à geração de empregos; à política ambiental; às relações internacionais. Ao menos, aquele país deixará o império das fake news e do ódio como única expressão comunicacional. Acima de tudo, é um freio importante no avanço da extrema-direita pelo mundo afora e passa uma mensagem importante para os grupos extremistas internos. Mesmo que hoje não seja um dia para empolgar, sem dúvida foi um dia ruim para a terra plana, para o negacionismo científico, para a ditadura do WhatsApp e coisas do gênero. E se esse pessoal está mal, então eu comemoro.

No mais, os símbolos têm poder. A eleição de um presidente com discurso conciliador e propostas que, para os histéricos estadunidenses, são quase socialistas, tais como a expansão do sistema de saúde (e nem de perto se pensando em algo universal, como o nosso SUS), é muito bom. A eleição de uma vice-presidente mulher, negra e descendente de imigrantes é muito bom. A nomeação de uma mulher transexual para cargo de alto nível no campo da saúde é muito bom. A meu ver, passa a sensação de que os últimos quatro anos foram uma aventura autoritária que não deu certo e, por isso, acabou reprovada do melhor modo: pela vontade do eleitorado.

Além disso, o comportamento alucinado do derrotado-fracassado-humilhado Trump, em todas as fases do processo eleitoral, mas sobretudo após a divulgação do resultado, acabou sendo benéfico, pois mostrou ao mundo que não adianta vociferar sobre fraudes, ameaçar autoridades, conclamar atos de violência contra as instituições e outras patuscadas. No final, o pilantra enfiou o rabo entre as pernas e saiu para a famosa lata de lixo da História, de uma maneira verdadeiramente vergonhosa. Se tivesse reconhecido a derrota e feito uma transição republicana, poderia até sofrer em sua imensa vaidade, mas seria elogiado pelo mundo afora, ao menos em relação ao gesto derradeiro. No entanto, preferiu aumentar sua desonra. Bem feito.

Os líderes mundiais, claro, parabenizaram o novo presidente. Como o Brasil não possui nenhum líder no exercício do cargo, não houve qualquer pronunciamento oficial. Houve, sim, uma manifestação do vice-presidente, que em seu ridículo vira-latismo declarou que os Estados Unidos continuarão sendo "um farol para o ocidente". Haja o que houver, essa gente medíocre continua se curvando até o chão, com o traseiro oferecido ao Tio Sam. Farol coisa nenhuma! O que a América Latina precisa fazer é se unir e entender que o povo lá de cima nunca será um parceiro sincero. Aliás, com uma ressalva para a Inglaterra, nem os países europeus demonstram essa subserviência toda.

Exemplo de manifestação foi a do Papa Francisco, que segundo reportagem do Uol, pronunciou-se nestes termos: "Ofereço-lhe meus cordiais votos e a garantia de minhas orações para que Deus Todo-Poderoso lhe conceda sabedoria e força no exercício de seu alto cargo. Sob sua liderança, que o povo americano continue a se nutrir dos altos valores políticos, éticos e religiosos que inspiraram a nação desde sua fundação". Viram? Biden é líder do povo de seu país e não do ocidente, menos ainda do mundo inteiro. Francisco acertou de novo.

Quanto a nós outros, a prudência manda vigiar e torcer pelo melhor. Boa sorte para nós.

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