sábado, 13 de junho de 2015

Apenas duas de amor

Terminar um relacionamento nunca é algo simples. E se ele envolveu muito tempo, muita intimidade e, em especial, convivência conjugal, torna-se ainda pior. Afinal, todo relacionamento constitui parte de nossa história e, consequentemente, parte daquilo que somos, para o bem e para o mal. Estando correta a conhecida máxima do filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955), de que todos somos nós e nossas circunstâncias, a vivência de um amor provavelmente é das circunstâncias que mais ajudam a moldar quem somos.

A arte, por seu turno, é a principal expressão daquilo que vai na alma de cada ser humano, por isso a expressão artística, com suas metáforas, símbolos e provocações, tem a capacidade de nos inspirar reflexões profundas sobre as experiências do mundo, sejam pessoais ou não.

Esta manhã, enquanto dirigia meu carro a caminho da clínica onde minha mãe faz hemodiálise, circunstância que sempre me põe reflexivo e sentimental, escutei duas canções estrangeiras que descrevem a mesma situação: o término de um relacionamento amoroso. Então me pus a matutar sobre como experiências em tese semelhantes dispararam reações tão diferentes por parte de seus protagonistas. E, com isso, podemos tentar algumas inferências sobre a personalidade de cada qual.

[Os links para os videoclips estão nos títulos das canções. Vale muito a pena conferir.]

A primeira canção se chama "I'm gonna be strong" e foi composta por uma conhecida (na época) dupla de autores: Barry Mann e Cynthia Weil. Foi originalmente gravada por Frankie Laine (1963) e, no ano seguinte, por Gene Pitney (1964), em ambos os casos como singles. Mas somente se tornou um grande sucesso em 1980, quando gravada no único álbum (auto-intitulado) da banda de rockabilly e new wave Blue Angel, da qual era vocalista Cyndi Lauper (1953- ). Tornou-se o maior sucesso da mal-sucedida banda, da qual Lauper se desligou em 1982. Ela regravou a canção em 1994, incluindo-a em sua coletânea de sucessos Twelve deadly cyns... and then some. Esta é a versão que conheço e é simplesmente arrebatadora1.

I can see
You're slipping away from me
And you're so afraid
That I'll plead with you to stay
But I'm gonna be strong
I'll let you go your way

Love is gone
There's no sense in holding on
And your pity now
Would be more than I could bare
So I'm gonna be strong
I'll pretend I don't care

I'm gonna be strong
And stand as tall as I can
I'm gonna be strong
And let you go along
And take it like a man

When you say it's the end
I'll hand you a line
I'll smile and say
"Don't you worry, it's fine"
But you'll never know, darling
After you kiss me goodbye
How I'll break down and cry

Cry
Cry
Cry

Eu posso ver
Que você está escapando de mim
E você tem tanto medo
De que eu lhe implore para ficar
Mas eu serei forte
Eu deixarei você seguir seu caminho

O amor se foi
Não há sentido em continuar
E a sua piedade agora
Seria mais do que eu poderia suportar
Então eu serei forte
Eu fingirei não me importar

Eu serei forte
E ficarei o mais altivo que puder
Eu serei forte
E deixarei você ir adiante
E encarar isso como um homem

Quando você disser que é o fim
Eu lhe darei corda
Eu sorrirei e direi
“Não se preocupe, está tudo bem”
Mas você jamais saberá, querida
Como depois de seu beijo de despedida
Eu vou me quebrar e chorar

Chorar
Chorar
Chorar

A composição data da década de 1960. Os tempos eram outros: mais sentimentais, mais melosos, em que o amor romântico era bastante enfatizado explorando a relação com a dor, com a perda. Àquela altura, perder um romance era quase um fim do mundo, mesmo para homens (a canção, escrita em primeira pessoa, relata os sentimentos de um homem), treinados desde cedo para ser fortes e inabaláveis. Quando criança, ouvi várias vezes a frase "homem não chora; só quando a mulher vai embora". E, criança, nunca entendi o significado dessa afirmação.

"I'm gonna be strong" é o que classifico como canção de mimimi, ou seja, é o desabafo de uma pessoa mal resolvida, que adora se vitimizar e se faz de coitadinha para tentar manter o relacionamento. Como se a piedade fosse um modo razoável de conservar relações. O poema pinta um cenário tristonho, derrotista, em que o protagonista se esforça por fingir, à ex-amante, que está bem. Aparentemente, o romance acabou apenas porque, às vezes, as pessoas percebem que não amam mais. Não há menção a conflitos ou a uma nova paixão. E um indivíduo chorão nunca deixa de ressaltar o fato de ter sido trocado, se for esse o caso. A ausência de briga se percebe pelo fato de a mulher que vai embora se despedir carinhosamente, com um beijo.

Daí ela sai e o cara desmorona em sua imensa dor. E como qualquer chorão, ele chora. Com o detalhe de que, em inglês, o mesmo verbo também significa "gritar", permitindo uma interpretação ainda mais dramática.

Devo admitir que me identifico muito com esses coitados à deriva, na linha Álvares de Azevedo. Adoro esta canção. E a interpretação de Cyndi Lauper me deixa sem fôlego.

A segunda canção se chama "Everything" e foi composta pela roqueira canadense Alanis Morissette. Lançada primeiro em CD single, fez parte do repertório do álbum So-called chaos (2003) e também se tornou um grande sucesso2. Mas aí os tempos eram outros. Mesmo em se tratando de uma mulher deixada para trás (a canção, também em primeira pessoa, deixa claro que é uma mulher falando), o tempo das mulheres submissas, que dependiam dos homens para ser felizes, já ficou para trás. Nossa personagem quer insistir na relação e não está lá muito feliz, mas a linguagem é bastante diferente, mais ácida e me impressiona pela franqueza.

I can be an asshole of the grandest kind
I can withhold like it's going out of style
I can be the moodiest baby
And you've never met anyone as negative
As I am sometimes

I am the wisest woman you've ever met
I am the kindest soul with whom you've connected
I have the bravest heart that you've ever seen
And you've never met anyone who is as positive
As I am sometimes

You see everything, you see every part
You see all my light and you love my dark
You dig everything of which I'm ashamed
There's not anything to which you can't relate
And you're still here



I blame everyone else not my own partaking
My passive-aggressiveness can be devastating
I'm terrified and mistrusting
And you've never met anyone who is as closed down
As I am sometimes

(…)

What I resist persist and speaks
Louder than I know
What I resist you love no matter
How low or high
I go

I'm the funniest woman that you've ever known
I'm the dullest woman that you've ever known
I'm the most gorgeous woman you've ever known
And you've never met anyone as everything
As I am sometimes

Eu posso ser uma babaca do pior tipo
Posso resistir de um jeito fora de moda
Posso ser o bebê mais temperamental
E você jamais conheceu ninguém tão pessimista
Quanto eu sou algumas vezes

Sou a mulher mais sábia que você já conheceu
Sou a alma mais bondosa com que já teve contato
Tenho o coração mais valente que você já viu
E você jamais conheceu ninguém tão otimista
Quanto eu sou algumas vezes

Você enxerga tudo, cada detalhe
Você enxerga toda a minha luz e ama minha escuridão
Você vasculha todas as coisas das quais me envergonho
Não existe nada com que não consiga se relacionar
E você ainda está aqui

Eu culpo todo mundo e não assumo a minha parte
Minha passividade agressiva pode ser devastadora
Eu sou medrosa e desconfiada
E você nunca conheceu alguém tão fechada
Quanto eu sou algumas vezes

(...)

O que eu resisto, persiste e fala
Mais alto do que eu achava
O que eu resisto, você ama, não importa
Quão pra baixo ou pra cima
Eu esteja

Eu sou a mulher mais engraçada que você já conheceu
Eu sou a mulher mais enfadonha que você já conheceu
Eu sou a mulher mais maravilhosa que você já conheceu
E você nunca conheceu ninguém que seja tudo
Quanto eu sou algumas vezes



A protagonista desta separação faz questão de se desnudar: não sente medo de ressaltar suas virtudes e seus defeitos (e, pelo visto, os defeitos vêm em maior quantidade, mas provavelmente somos todos assim). Quer ser amada do jeito que realmente é, não dando sinais de que mudaria para "merecer" esse amor. E, no fundo, ela parece acreditar que o parceiro é que sairia perdendo com o afastamento. Por isso provoca: "Você ainda está aqui". Acabe logo com isso, antes que seja tarde. Porque você não encontrará outra mulher que seja tudo o que eu sou, por pior que eu seja, neste mundinho repleto de gente pior ainda. Quer arriscar?

Adoro esta canção e gosto da atitude da moça (cuja autoestima é reforçada pelo belo e festejado videoclip). Uma atitude mais século XXI, que nos pede mais autoconfiança, mais controle dos sentimentos, mais convicção de que a vida segue, apesar de tudo.

Não ouso dizer que alguma dessas canções descreva comportamentos melhores ou piores. Somos humanos: em geral, fazemos o que podemos, de acordo com o que acreditamos acerca de nossas capacidades. E erramos demais. Eventualmente, acertamos algumas. Os acertos nos engrandecem e os erros... também! Porque são uma oportunidade de aprendizado. E a zona de conforto nem sempre é uma boa conselheira.

Não recomendo procurar saber qual amor é melhor ou pior. Confiando na premissa aposte na simplicidade, minha recomendação é mais singela: apenas ame. Tentando acertar.

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1 Desculpem, mas copiei estas informações da Wikipedia, mesmo. Isto aqui não é um trabalho científico. Cf. https://en.wikipedia.org/wiki/I'm_Gonna_Be_Strong; http://pt.wikipedia.org/wiki/I'm_Gonna_Be_Strong; http://pt.wikipedia.org/wiki/Blue_Angel e http://pt.wikipedia.org/wiki/Cyndi_Lauper.

2 E novamente a Wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Everything_(Alanis_Morissette_song) e https://en.wikipedia.org/wiki/Alanis_Morissette.

* O título desta postagem alude à bela canção "Apenas mais uma de amor", de Lulu Santos.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

"Isso é muito bonito!"

O que torna um obra literária imortal? A beleza? Seu alcance? Talvez esta seja mais uma dessas questões difíceis de explicar, porém fáceis de identificar.

Todo mundo que chegue a ler esta postagem conhece, é claro, O pequeno príncipe, obra-prima do escritor, ilustrador e aviador (não necessariamente nesta ordem) Antoine de Saint-Exupéry. E desde que conheça em algum nível a novela classificada como infanto-juvenil, conhece e toma como síntese a frase "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Mas o esquecimento, a confusão ou mesmo o fato de jamais se ter lido o livro leva muitos a pensarem que a apoteótica sentença acima foi proferida pelo personagem-título. Ledo engano. O autor desse pensamento tão profundo, no texto, é a raposa.


Durante a jornada que empreendeu entre vários corpos celestes (o texto confunde o tempo inteiro planetas e asteroides), o principezinho conheceu uns tantos adultos esquisitos, mas foi na Terra que ele se deparou com essa figura solene e poética, que lhe ensinou a beleza de cativar alguém e, com isso, tornar-se singular entre tantos outros seres iguais a nós.

Há alguns dias, comprei O pequeno príncipe para Júlia, por se tratar de uma leitura obrigatória. Naturalmente, decidi ler para ela. Não que ela precise, mas quis que fosse algo nosso. Fui lendo um pouco, nas noites possíveis, até chegar no encantador trecho da conversa com a raposa. À medida que eu lia a explicação sobre cativar, a expressão de Júlia foi-se transformando. Séria, ela subitamente exclamou a frase que nomeia esta postagem. Na singeleza de seus menos de 7 anos, foi capaz de compreender a força daquele discurso. E compreendeu mesmo, porque ainda há pouco me explicou como sua amiga Alice, entre tantas meninas de 7 anos iguais a ela, tornou-se única para a minha pequena.

E assim eu concluí, por experiência própria, que O pequeno príncipe é muito mais do que a leitura favorita das candidatas a miss, que sempre querem a paz mundial. Trata-se de um livro verdadeiramente imortal, porque toca de imediato o coração, mesmo de uma criança, e produz um significado que pode ser levado para a vida real e se tornar parte do que somos. Isto é simplesmente maravilhoso.

Um abraço para os futuros advogados

Sempre lembro os mais afoitos que quem se forma em Direito torna-se bacharel em Direito e não advogado. Alguns, ainda mais apressados, escrevem #finalmenteadvogado quando aprovado na banca do trabalho de conclusão de curso. Então é sempre bom colocar as coisas em termos. Advogado é quem está inscrito nessa condição, junto à Ordem dos Advogados do Brasil. E, para chegar a isso, é preciso concluir o curso de Direito e, requisito cumulativo, ser aprovado no Exame de Ordem. Coisas completamente distintas.

Com isso em mente, aqui vai o meu abraço caloroso para esta equipe de ex-alunos e ainda alunos do nosso curso, que superaram a importante etapa do exame de proficiência. Alguns estão prontos para iniciar formalmente o exercício profissional e outros, no começo do próximo ano, quando formados, já estarão aptos a fazê-lo. Parabéns.

Amanda Eutrópio Oliveira Amaral
Ana Carolina Alves Coelho
Ana Paula Lima Monteiro
Ana Thalita Gomes Ferreira
Cristiane da Silva Fretes
Danielle Alves Guerra
Danilo Couto Marques
Gabriela Bessa Ferreira
Gabriela Figueira de Mello
Giovana Pimentel Farias da Silva
Isadora Tostes Lobato Silva
Jodelma Costa Salomão
Júlia Tótola Força
Juliana Coelho dos Santos
Juliana Salame de Lima Torres
Juliana Santos Marques
Kássya Lessa Bengtson
Kelly Cristina Moraes Cavalcante
Laís Vidigal Maia
Lissandro Tavares da Costa
Lizandra Takanashi Baseggio Bonna
Lucas Pereira Wanzeller Rodrigues
Manuel Albino Ribeiro de Azevedo Júnior
Marcella Fernandes Pingarilho
Mariana Costa da Silva
Marília do Valle Farias
Miguel Resque Santiago
Patricia Moreira Santos
Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto
Roberta Gonçalves Pereira Ikeda
Roberto Luiz Batista Serrão Filho
Sidnei Vogel
Stéphanie Renée Mery Giraud Galvão
Tainá Ferreira e Ferreira
Tamires Vasconcelos Tavares
Verena Matos Tandaya
Victor Augusto de Oliveira Meira
Victor Hugo Ramos Reis
Vinícius Muniz Vasco
Vítor Luiz Cardoso
Walmir Hugo Pontes dos Santos Neto

E para todos, cada um a seu modo: vamos trabalhar!

Sinais exteriores

Belém continua com seus problemas crônicos, decorrentes em boa medida do mais crônico de todos: falta de governo. O diagnóstico é objetivo e pode ser constatado mediante um simples passeio pela cidade. As ruas continuam engarrafadas por toda parte; os pontos de ônibus, quando possuem abrigos, estão em mau estado de conservação; o transporte público é cada vez mais caro e ao mesmo tempo ineficiente; a iluminação pública deficitária nos colocou em uma cidade escura e soturna; os serviços públicos municipais são ruins, etc.

Isso nos leva a pensar em um panorama de empobrecimento geral. Contudo, aquele colunista de negócios publicou em sua coluna de ontem algumas informações curiosas. Noticiou, p. ex., que enquanto as concessionárias nacionais amargam uma queda acentuada nas vendas, aqui em Belém, em maio foi incrementada a venda de veículos importados de alto valor. A rebote, a venda de carros usados aumentou 3,5%.

Fenômeno semelhante acontece no mercado imobiliário: imóveis populares encalham, mas a procura pelos de luxo só aumenta, a tal ponto que o metro quadrado nos bairros de Umarizal e de Batista Campos já chegou a 10 mil reais!

A coluna destaca, como se fosse novidade, a venda de bicicletas de 50 mil reais em lojas especializadas da cidade e a expansão de comodidades nas marinas, para quem curte a vida a bordo de lanchas ou jet skis. Eu mesmo, que tento ser observador, posso afiançar o surgimento, nos últimos anos, de concessionárias de marcas mais sofisticadas, como Mercedes, BMW, Mini e Jeep.

Inevitável pensar que as condições socioeconômicas da região metropolitana de Belém estão mudando a olhos vistos, mas isso não é necessariamente algo bom. Afinal, segundo penso, a concentração de renda pode ser pior do que a pobreza. Certamente, ela tende a ser mais aviltante, porque torna mais evidente a diferença  usemos o termo distinção, por ter um sentido mais contundente  entre os brasileiros dos tipos A/B e os demais, classificados por letrinhas menos valorizadas.

Mas não é uma simples questão de aparência. Longe disso. À medida que o abismo se aprofunda, as consequências éticas e morais igualmente se problematizam. Quanto mais os A/B se encastelam em condomínios exclusivos e carros blindados, mais necessidade sentem de somente interagir com aqueles que considerem seus iguais. Os extranei não podem sentar-se à mesma mesa e somente podem frequentar os mesmos ambientes na condição de serviçais. Daí os shopping centers cada vez mais elitizados, que ainda não existem por aqui; só temos as salas VIP. E outros estabelecimentos cujos serviços vão-se tornando mais restritos simplesmente por causa dos custos. É como se todo tipo de comércio fosse virando uma espécie de clube social, onde você ingressa se preencher certos pré-requisitos. Até os campinhos onde antes se jogava pelada agora "evoluíram" para arenas de futebol society.

Não à toa, a intolerância tem sido a marca mais ostensiva nas interações sociais involuntárias, notadamente via internet. É a falta de empatia, de reconhecimento do valor alheio, ditando os modos de viver em um mundo crescentemente individualista e mau. Porque maldade é falta de empatia. E daí advém muito sofrimento.

73 anos

Para a maioria das pessoas, fazer aniversário é uma questão de abrir os olhos na data certa e tentar aproveitar tudo que de melhor o dia possa oferecer. Para outras, entretanto, é o resultado de uma interminável sequência de lutas diárias, muitas delas extremas. Luta-se contra o próprio corpo e, às vezes, contra a própria alma. Luta-se contra o que parece não fazer qualquer sentido.

Hoje, minha mãe completa 73 anos de idade. A foto ao lado é do ano passado, porque hoje em dia ela está mais fraquinha e não gosta de se ver assim. De lá para cá, muita coisa aconteceu. Muita coisa mesmo. Contudo, entre inventariar esses episódios e me concentrar no fato de que estamos aqui, com nossa mãezinha, opto pela segunda alternativa. Em parte inspirado pelas belas palavras que meu irmão escreveu mais cedo.

Estamos juntos e continuaremos lutando um tanto a cada novo dia, venham eles como vierem. Porque estamos aprendendo que viver é persistir e ter coragem, mesmo quando nos falta uma coisa e outra. E precisamos seguir o exemplo desta mulher que todo dia acorda, pede forças a Deus e enfrenta o que houver para enfrentar. Vamos envelhecendo, mas ela segue nos ensinando como devemos ser, ensinando pelo exemplo, que é a melhor forma.

Feliz aniversário, mãe. Sei que as lutas do futuro serão travadas com mais convicção, porque aprendi que isso é possível. Por isso e por tudo o mais, te amo.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Até onde a burrice é uma escolha?

Esta é uma pergunta que me faço cotidianamente. E voltei a ela quando li matéria sobre a soltura dos dois rapazes inicialmente presos pelo latrocínio em que foi vítima o estudante Lucas Silva da Costa, no último dia 23 de maio.

Embora exígua, a matéria do Diário do Pará afirma que o delegado responsável pelo inquérito policial decidiu indiciar, tão somente, um taxista (já identificado) acusado de ajudar dois adolescentes, que seriam os verdadeiros autores do delito. Se a autoridade policial não encontrou elementos para formalizar uma acusação contra os dois suspeitos iniciais, nada mais correta a decisão do juiz da 1ª Vara de Inquéritos Policiais e Medidas Cautelares, mandando liberá-los.

Mas os psicopatas que comentam notícias na internet não perdoaram, é claro. Felizmente, até aparece uma ou outra manifestação lúcida, contudo prevalece a sandice. Fala-se em impunidade, que os dois rapazes foram para casa "brincar", que são "parasitas", apela-se a um tal "total descrédito no judiciário" e por aí vai. Recusei-me a prosseguir nessa leitura doentia.

Somente a mais tosca burrice ou a mais convicta má-fé para explicar como alguém pode pinçar os aspectos mais secundários da questão e enxergar apenas o que quer, mesmo diante de fatos concretos.

Minha mente, que tenta ser racional, insiste que, mesmo que eu defendesse a punição a todo custo, ela somente poderia ser aplicada em relação a quem fosse o verdadeiro culpado. Não me interessa pegar qualquer um, até porque quando se consomem os recursos estatais com o acusado errado, o verdadeiro criminoso está livre e... impune! Será tão difícil perceber isso?

Eu sei que várias pessoas que estavam no ônibus assaltado reconheceram os dois rapazes como os autores do crime. Mas somos obrigados a nos perguntar: será que elas estavam em condições emocionais de depor e de fazer o tal reconhecimento? Hoje em dia, um dos bons usos que se pode fazer da Psicologia em favor do Direito está no campo das falsas memórias. Ao se apresentar uma pessoa a uma vítima, dizendo que aquele é o criminoso, é possível que essa vítima o reconheça de fato, em uma inconsciente manifestação do seu desejo de encontrar alívio para o mal sofrido. A testemunha não está mentindo: seu cérebro, em tumulto, está buscando mecanismos para mitigar o estresse. Então ela acredita no que diz e, mesmo assim, pode estar errada.

Para citar um caso que ganhou repercussão nacional, Vinícius Romão de Souza, na época com 26 anos, foi preso sob acusação de assalto, em fevereiro de 2014. A vítima o reconheceu. Mas aí veio à tona que aquele rapaz (negro, bem a propósito) era ator da Globo, a família se mobilizou, a imprensa deu atenção e... a vítima passou a dizer que não podia mais reconhecê-lo. O reconhecimento formal, ainda que hesitante, deu-se logo depois do crime, no calor dos acontecimentos. E não se sustentou mais tarde.

Perceber isso não implica em ser indiferente ao sofrimento de ninguém, em ser a favor do crime, em desejar a barbárie. Entretanto, é cada vez mais difícil à população em geral percebê-lo.

Tudo isso mostra o quão grave é o processo penal. A partir do momento em que você é acusado, cai em desgraça, não importa que seja inocente. E nestes tempos de internet, a perda de credibilidade é imediata e irreversível. Foi preso, é um parasita. Mesmo que inocente. Aliás, sua inocência não será percebida, mesmo que declarada por um juiz. Afinal, os juízes são todos moleques irresponsáveis, de acordo com esse admirável mundo novo alimentado na internet.

A cada dia que passa, é um pouco mais difícil e sofrido ter algum bom senso neste mundo.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Cotidiano brasileiro - uma grande proposta


Em tempos de campanha contra a empresa O Boticário por causa de um delicado filme publicitário, este cidadão produziu uma pérola digna de ser compartilhada por todos aqueles que, como eu, entendem que um Estado democrático de direito e laico é simplesmente inconciliável com bancadas religiosas de qualquer credo, se elas pretendem impor suas vontades sobre toda a nação.

Quase estilo Occupy

Penso que greve deve ser de ocupação. Esse negócio de declarar greve e a galera ficar em casa, simplesmente curtindo o descanso, é leviano. Se estamos em greve, devemos batalhar pelas reivindicações formuladas, marcando presença, protestando, pressionando as negociações. Greve é para quem quer trabalhar com dignidade; não é para encostados.

No caso particular dos professores do Estado do Pará, uma ocupação é complicada, porque a categoria é grande e trabalha em diversas unidades (mesmo considerando o âmbito de uma única cidade). Fica complicado, imagino, manter um comando de greve em cada local. E quando se trata de ocupar um prédio governamental, como aconteceu aqui, os ânimos tendem a se acirrar. Quando grevistas arrombaram o portão do Centro Integrado de Governo, dias atrás, isso gerou uma repercussão ruim, principalmente entre aqueles que não sentem empatia com lutas trabalhistas. Que são muitos, quiçá a maioria.

Os professores em greve decidiram ocupar a Feira Pan-Amazônica do Livro, desde o início. Em que pese essa feira ser um evento infinitamente mais comercial do que cultural, já que - em relação ao público - se resume a reunir vários distribuidores em um mesmo espaço, para vender livros a preços elevadíssimos, a presença dos professores, nela, é mais do que justificável. Apesar das contradições tipicamente tucanas, livros rimam com educação e cultura, por isso os professores agiram acertadamente ao se instalarem lá.

Soube agora que os professores estão fazendo uma legítima greve de ocupação: estão utilizando o espaço da feira para dar aulas (preparatórias para o ENEM), fazer jogos educativos, oficinas, teatro e contação de estórias. Ótimas pedidas, sobretudo para crianças. De repente, até encontrei um motivo para visitar a feira. Há anos desisti dela, já que, para um consumidor comum, simplesmente não vale a pena. Até podemos encontrar alguns títulos interessantes e usualmente indisponíveis na cidade, mormente nas editoras universitárias. Mas isso exige um esforço de garimpagem, que não paga o desconforto de caminhar no aperto de um espaço abafado quando podemos garimpar e comprar pela internet, receber o livro em casa e, com sorte, pagar menos.

A greve já ultrapassou 70 dias e os prejuízos ao alunado são imensos. Com isso, o movimento tende a perder os apoios externos que possua. A esta altura, ruim para a categoria, bom para um governo caracterizado pela indolência crônica, que insiste em não negociar e que, ao menos, vai repor os descontos sobre os dias parados. Ou disse que o faria.

Enquanto isso, o governador-cantor-pescador, que raramente dá as caras, apareceu na feira apenas para fazer o que tucanos (não as aves) fazem: firula. Vestiu trajes típicos do país homenageado, Japão, e juntamente com seus penduricalhos da prefeitura de Belém e da Assembleia Legislativa, avacalhou um ritual xintoísta, que deveria trazer bênçãos, como conta a jornalista Franssinete Florenzano (link abaixo).

Não é à toa que o Pará não consegue bênção alguma. Está dominado por tucanos, que só dão marretadas. E ainda por cima na forma e na hora erradas.

Fontes:

  • http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-332612-professores-fazem-enterro-simbolico-no-hangar.html
  • http://uruatapera.blogspot.com.br/2015/06/kagami-wari-tupiniquim.html