quarta-feira, 9 de junho de 2021

DIGA SEUS NOMES!


O impostômetro é uma ferramenta estatística que contabiliza os impostos pagos por um país em determinado período de tempo. Por meio dele, pode-se estimar quanto você, pessoa física, perde de dinheiro para o governo. Em muitas cidades, inclusive aqui em Belém, ele fica(va) exposto em uma avenida movimentada, para alertar diuturnamente todos os cidadãos produtivos acerca do quanto são espoliados pelo malvado Estado.

Há outro medidor que também nunca para de girar. Seus números nunca param de crescer. Infelizmente, como ele não é de interesse das elites financeiras, não está exposto publicamente e sua divulgação depende do interesse daqueles que se importam. Refiro-me ao medidor de vidas negras interrompidas brutalmente. No dia de ontem, a contagem aumentou com Kathlen Romeu (24) e com o bebê que esperava. Novamente no Rio de Janeiro, obviamente em uma comunidade da periferia, como sempre na conta da vagabundíssima política de guerra às drogas, aquela mesma tão útil aos políticos populistas, aos milicianos, aos empresários morais, à imprensa de última categoria e a outras odiosas categorias.

Como falamos de uma rotina macabra, a indignação dos que se indignaram repete argumentos que escutamos o tempo inteiro porque, mesmo reiterados à exaustão, nunca são ouvidos. Eu me somo a eles, mas me permito não os renovar, já que amplamente conhecidos. Além disso, é trágico dizer, nós os ouviremos de novo a qualquer momento.

Como o horror não tem limites, o atual governador do Rio de Janeiro comemorou no Twitter diversas ações da Polícia Militar daquele Estado, que provariam, em seu entendimento, o sucesso do "combate ao crime". Não importa se inocentes morrem: a política é um sucesso. Convenhamos, não dá para duvidar, porque a política é essa, mesmo. 

Como se fosse pouco, a canalhice ganhou outros matizes. Kathlen trabalhava em uma loja da marca Farm, de roupas. A empresa decidiu "homenagear" a garota criando um código promocional em seu nome, dispondo-se a repassar à família enlutada apenas uma comissão das vendas realizadas no dito código. Claro que a repercussão foi péssima e a empresa já se desculpou, mudou o tom e prometeu apoio. Como está na moda dizer: "o golpe está aí: cai quem quer". Permanecerei desconfiando da bondade. Veja: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/06/09/marca-promove-codigo-de-venda-em-nome-de-kathlen-e-gera-debate-no-instagram.htm

Mas o que me motivou a redigir esta postagem foi o meu cansaço, desalento, adoecimento moral e outros sentimentos negativos, diante da percepção de que a morte de Kathlen, e outros tantos como ela, gera uma onda de indignação apenas entre os mesmos de sempre. Aquelas pessoas com certos valores e inclinações políticas, que já protestam em favor dos negros, dos LGBTQIA+, dos índios, dos refugiados, do meio ambiente, etc. Sempre os mesmos cidadãos comuns, os mesmos artistas, os mesmos políticos, os mesmos ativistas. Porque esses protestos ecoam em um nicho da sociedade, sem transbordar, como deveria ser. A maior parte dos brasileiros não compartilha do sentimento e, em vários sentidos, aprova e aplaude a barbárie. Além da violência, o deboche. Afinal, não são coveiros.

Cadê os liberais de todos os matizes, que não protestaram contra o Estado roubando, de uma cidadã, o direito de caminhar na rua?

Cadê os feministos de última hora  outro dia protestando contra os "maus-tratos" supostamente praticados na CPI da covid-19 contra duas médicas cloroquiners, usurpando a fala do movimento feminista que eles cotidianamente menosprezam ―, para bradar contra a morte violenta de uma mulher?

Cadê os pró-vida, inclusive os moleques imberbes cheios de bíblia no discurso, que não apareceram para anatematizar a destruição de uma vida intrauterina que era muito amada e desejada pela mãe e demais familiares?

Cadê vocês, gente de bem, tão ávida a querer salvar o Brasil da ameaça comunista que só existe na terra plana, quando tragédias reais acontecem? Por que o silêncio? Por quê? Se vocês não responderem, nós seremos forçados a tirar nossas conclusões com base em nossas próprias percepções. E em séculos de História.

Diga seus nomes: Kathlen Romeu! Maya ou Zayon!


"Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel
Sempre mais do mesmo
Não era isso que você queria ouvir?"
"Mais do mesmo", Legião Urbana

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