Embora premiada e reconhecida como uma excelente atriz, Nicole Kidman tem em seu currículo filmes esquisitos e de baixo apelo junto ao público, alguns deles bem ruins. Assim, é muito possível que o título Reencontrando a felicidade (por sinal, piegas, incapaz de transmitir a ideia do original) não lhe traga nada à memória. Mas se você quiser refletir sobre as perdas que sofremos para a morte, coloque este filme em sua lista.
Becca (Kidman) e Howie Corbett (Aaron Eckhart) levavam uma vida feliz até seu filho de 4 anos morrer atropelado. Quando a estória começa, já se passaram 8 meses do trágico evento e vemos o casal tentando enfrentar o luto. Mas os dois têm visões diferentes. Enquanto o pai tenta manter a casa como antes e assiste diariamente a um filminho doméstico que possui no celular, a mãe começa a guardar os desenhos da criança e pretende vender a casa (porque há digitais do filho nas portas!).
Nenhum dos dois está errado; os dois sofrem e buscam alternativas para prosseguir. Howie procura conforto num grupo de apoio e Becca mantém encontros clandestinos com o adolescente que matou seu filho. O garoto, por sinal, sofre sinceramente pelo que aconteceu. Você chega a sentir pena dele, ao confessar, arrasado, que "talvez" estivesse 2 ou 4 Km/h acima do limite de velocidade. Fiquei com a sensação de que não se deve mesmo reduzir a idade mínima para a habilitação, pois essa garotada de hoje não está minimamente preparada para lidar com o efeito emocional de ser responsável por algo tão drástico.
Há duas cenas muito marcantes no filme. Na primeira, no grupo de apoio, um casal insiste na conformação porque a morte foi vontade de Deus e não conhecemos Seus planos. "Deus precisava de um anjo", diz a mãe. Esforçando-se por manter a compostura, Becca dispara, com uma lógica a meu ver inatacável: "Então por que Ele simplesmente não fez um anjo novo? Afinal, Ele é Deus".
A segunda cena é a catarse do casal, quando um finalmente diz ao outro como se sente, revelando o tamanho da dor de cada qual e deixando claro o grave processo de deterioração daquela família.
Adaptado de uma peça homônima da Broadway, Rabbit hole é, na trama, o título de uma estória em quadrinhos concebida por Jason, o adolescente atropelador. A expressão, equivalente a "buraco de minhoca" (como conheci na revista SuperInteressante no tempo em que ela era séria), diz respeito aos supostos túneis que fariam a ligação entre os universos paralelos. O tema, um dos mais instigantes da ciência, tem enorme apelo artístico, porque supostamente haveria uma variante nossa em cada um desses outros mundos, fazendo coisas distintas. Ou como especula Becca, versões mais felizes dessa coisa triste que somos.
Você não ficará exatamente feliz entrando nessa toca, principalmente se tem um filho. A confrontação com a ideia de perdê-lo é algo que machuca, mesmo que você esteja apenas olhando para uma tela de TV. Mas é um bom exercício para aqueles que compreendem a necessidade de superar as perdas, por mais inaceitáveis que sejam, porque prosseguir vivendo é uma consequência inexorável. Recomendo o filme.
O filme (2010) foi roteirizado por David Lindsay-Abaire, autor da peça original, e teve a direção de John Cameron Mitchell, que como diretor tem apenas cinco títulos no currículo, sendo dois curtametragens posteriores a Reencontrando a felicidade. Mas o rapaz foi competente.
2 comentários:
Yudice, não estarías confundindo "rabbit hole" - toca do coelho, com"wormhole" buraco de minhoca, essa sim expressão utilizada na física para falar em túneis no espaço-tempo?
Rafael, a expressão que conheço é "wormhole". A substituição do bicho, de minhoca para coelho, vi pela primeira vez no título desta obra. Entendi que é a mesma coisa.
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