Ao praticar sexo sem segurança, o soropositivo assume o risco de contaminar a pessoa com quem se relaciona. O entendimento é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que a transmissão consciente do vírus HIV, causador da Aids, configura lesão corporal grave, delito previsto no artigo 129, parágrafo 2º, do Código Penal, ao julgar pedido de Habeas Corpus, relatado pela ministra Laurita Vaz.
O caso julgado diz respeito a um portador de HIV que manteve relacionamento amoroso com a "vítima". Inicialmente, o casal fazia o uso constante de preservativo, mas, depois, as relações passaram a ser consumadas sem proteção, quando, então, o vírus foi transmitido. O homem alegou que havia informado à parceira sobre sua condição de portador do HIV, mas ela negou.
Na decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal contra a qual foi impetrado o Habeas Corpus, ficou decidido que, ao manter relações sexuais sem segurança, o réu assumiu o risco de contaminar sua parceira. O tribunal também considerou que mesmo que a "vítima" estivesse ciente da condição do seu parceiro, a ilicitude da conduta não poderia ser excluída, pois o bem jurídico protegido é indisponível. O réu foi, então, condenado a dois anos de reclusão.
No STJ, a defesa foi clara: o crime não havia sido consumado, pois a vítima seria portadora assintomática do vírus HIV e, portanto, não estaria demonstrado o efetivo dano à incolumidade física. O argumento não foi aceito pela ministra Laurita Vaz, que entendeu não ter sido provado que a vítima tivesse conhecimento prévio da situação do réu, alegação que surgiu apenas em momento processual posterior, e lembrou que o STJ não pode reavaliar matéria probatória no exame de HC.
Para a ministra, a Aids é perfeitamente enquadrada como enfermidade incurável na previsão do artigo 129 do Código Penal, não sendo cabível a desclassificação da conduta para as sanções mais brandas no Capítulo III do mesmo código, que tratam da periclitação da vida e da saúde. Segundo ela, mesmo permanecendo assintomática, a pessoa contaminada pelo HIV necessita de acompanhamento médico e de remédios que aumentem sua expectativa de vida, pois ainda não há cura para a enfermidade.
Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.
HC 160982
Tenho ensinado a meus alunos que a transmissão do vírus HIV, por um agente que conhece a sua condição de soropositivo, mediante relações sexuais desprotegidas, configura em tese o crime de tentativa de homicídio, uma interpretação que o Direito norteamericano cunhou e que foi assimilada aqui no Brasil. Na bibliografia penal, vários autores seguem esse caminho, podendo-se citar Álvaro Mayrink da Costa e Rogério Greco. Este último leciona:
A doutrina, como já deixamos antever, tenta resolver o problema da transmissão do vírus HIV sob o enfoque do dolo do agente. Assim, se era a sua finalidade a contaminação da vítima, almejando a sua morte, deverá responder pela tentativa de homicídio (enquanto esta se mantiver viva), ou pelo delito de homicídio consumado (em ocorrendo a morte). (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Volume II, Niteroi: Impetus, 2005, p. 365)
Não se pode fazer maiores críticas ao julgado, porquanto a notícia não esclarece se o STJ analisou ter havido dolo de ferir ou de matar. Esta questão fica em suspenso até que se possa ter maiores informações, quando o acórdão for publicado e pudermos ter acesso a seus fundamentos. Em princípio, não se pode afirmar categoricamente que o STJ contrariou a doutrina predominante.
Enquanto isso, verificamos a afirmação de que o bem jurídico é indisponível, portanto eventual consentimento da vítima seria irrelevante, mantendo-se a incriminação. Doutrina e jurisprudência são bastante harmônicas nesse sentido.
No mais, a alegação defensória de inexistência de crime por ser a vítima portadora assintomática de HIV não procede. A notícia informa uma objeção factual da ministra Laurita Vaz, a qual acrescento esta: constitui crime de lesão corporal não apenas provocar doenças em uma pessoa saudável, mas também agravar as condições de saúde de uma pessoa já doente. No que tange ao homicídio, qualquer ação idônea a produzir o resultado morte permite a configuração do crime. Partindo dessas premissas, devemos nos preocupar com a questão da carga viral. Eis o motivo:
A infecção pelo HIV é uma doença crônica com graves consequências que requer tratamento clínico e monitorização contínuos. Com o passar do tempo, o vírus reduz a capacidade do sistema imunológico de combater infecções e doenças. A infecção pelo HIV não tratada frequentemente leva a infecções oportunistas e a certos tipos de câncer que podem ameaçar a qualidade e expectativa de vida. A infecção pelo HIV não pode ser curada, porém existem medicações que podem ajudar a retardar a progressão da doença.Se entendermos que o agente, ao manter relações sexuais desprotegidas com outra já portadora do HIV, pode aumentar a sua carga viral, então ele está agravando as condições pré-existentes e, como tal, incidiria nas premissas acima. Logo, é correta a incriminação.A identificação do dolo do agente, contudo, precisa ser racionalizada. Uma pessoa que se sabe soropositiva, sabe da transmissibilidade do vírus e que a AIDS é grave, incurável e potencialmente letal, age no mínimo com dolo eventual, permitindo a aplicação do raciocínio supra.
O prognóstico da infecção pelo HIV depende da carga viral - a quantidade de partículas de HIV presentes no sangue em um determinado momento. As pessoas com uma carga viral mais elevada apresentam maior probabilidade de evoluir rapidamente para a AIDS do que as pessoas que apresentam uma carga viral mais baixa. Esse é o motivo pelo qual é muito importante que o indivíduo HIV-positivo seja submetido a tratamento com medicamentos antirretrovirais que limitem a propagação do vírus no organismo e que ajudem a reduzir o risco de desenvolvimento de infecções oportunistas.
(In: http://www.msdonline.com.br/pacientes/sua_saude/aidshiv/paginas/carga_viral.aspx, acesso em 30.5.2012, negritei)
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