sábado, 30 de junho de 2007

Na sacada do sétimo andar

— Eu moro num edifício mal-assombrado!


Essa foi a revelação feita por meu amigo após me caçar por três dias, num desassossego tal que me fez temer por sua sanidade mental. Se bem que, vendo-o sorver a terceira tulipa de chopp me apresentando essa como justificativa para precisar tanto de mim, temi por sua sanidade mental. Fiquei agastado o suficiente para ele perceber e assumir ares defensivos:


— Não acredita em mim?! Pois eu posso provar!


E se pôs a me contar sua história, com uma quantidade impressionante de detalhes. Todo chato conta histórias com riqueza de detalhes. Tentarei resumir ao máximo.

Um dia, sem mais nem menos, o elevador do prédio começou a parar no sétimo andar. Parava em todas as subidas e em todas as descidas, sem erro. E nunca entrava ou saía ninguém. Pudera, há tempos não morava ninguém no 7. A família italiana voltara para a Itália e a octogenária que morava sozinha no apartamento ao lado tomara, voluntariamente, o rumo da outra vida no último janeiro. Quem já esperou elevador numa ocasião de pressa sabe do que falo. Imagine todo dia. Pressionado pelos moradores, o síndico acionou a assistência técnica.


Tudo examinado, nenhum defeito encontrado no equipamento, seja no vagão, seja nas instalações elétricas, placas, circuitos, etc. Tudo normal. Mas assim que os técnicos viraram as costas, lá estava o carro parado no 7. A assistência foi chamada novamente. Durante horas, testaram, observaram, subiram e desceram. Ao final, bateram o martelo: de fato, não havia uma só vez que o elevador não estacionasse no sétimo piso, seja subindo, seja descendo. Mesmo assim, não havia defeito. Acabrunhados, os homens se comprometeram a consultar o fabricante e fazer todo o possível para encontrar uma solução em alguns dias. Sem alternativa, os condôminos concordaram e voltaram, enfarados, à rotina de perder tempo.


E assim foi até que uma jovem, tão logo sentiu a imobilização do elevador no sétimo, berrou um palavrão e chutou a porta externa, que se abriu um pouco, revelando um pedaço do corredor e, nele, de pé, enfiada no vestido com estampa de flores miúdas de sempre, estava a velhinha que optara por novas vizinhanças. A garota congelou. Mas tudo fora tão rápido que ela mesma concluiu não ter visto o que pensara ter visto. Por isso, animou-se a empurrar a porta no último instante antes que se fechasse de vez. Evidentemente, não haveria ninguém lá.


Mas havia. A velhinha apareceu de corpo inteiro. Não satisfeita, o rosto crispado, abriu a boca como se quisesse falar e ergueu a mão na direção da garota que, em pânico, puxou a porta com força e rezou, de um jeito jamais feito antes. Queria sair dali. Em dois minutos, chegava ao apartamento. E em mais dez, o edifício inteiro sabia do ocorrido.


Entre a incredulidade, o deboche e a mistificação, houve peregrinação ao sétimo andar. Contudo, na medida em que ninguém viu nada, o desfecho foi o previsível. Ainda mais porque a denunciante era uma empregada doméstica e, naquela comunidade, isso pesou para suprimir-lhe a credibilidade. Ofendida, ela quis defender sua honra, mas foi só o patrão mencionar algo acerca de “demissão” e ela deixou de acreditar em fantasmas. Exceto pelas brincadeiras das crianças e tolices dos adultos, o episódio logo caiu no esquecimento. Até porque, coincidência ou não, a partir daquele dia o elevador não mais parou no 7. A vida voltou ao normal e todos, principalmente a assistência técnica, ficaram satisfeitos.


Nesse momento, entra em cena o meu amigo. Morador novo, só avistava seus vizinhos. Aficionado por cerveja e festeiro, certa madrugada chegou tropeçando nas próprias pernas e, sem perceber, ao invés do 8, apertou o 7. Acabou no corredor errado, mas não percebeu. Tentou entrar no que pensava ser o 801, mas se atrapalhou com as chaves, até porque a luz não acendeu. A lâmpada queimara desde que o andar ficara vazio. Enquanto tentava vencer o álcool e a escuridão, sentiu um hálito gelado. Virou a cabeça um milímetro para o lado e se deparou com uma idosa, que parecia querer dizer-lhe algo. Solícito, pôs-se de frente para ela, a fim de atendê-la melhor, mas nesse momento percebeu que de sua boca não saía som. Seu semblante, mesmo normal no que tange à humanidade, era também terrível. Meu amigo teve medo. Um horror inédito. Quando deu por si, estava caído no chão e duas horas atrasado para o trabalho.


Consciente do porre da véspera, meu amigo mergulhou em dúvida feroz: aquelas lembranças confusas, indistintas, eram reais ou apenas consequências das nove saideiras? Como quem não quer nada, bateu um papo com o porteiro sobre a vida no condomínio. Ficou sabendo da velhinha que, deprimida pela solidão, atirara-se da sacada de seu apartamento, o 701. Batera na laje da garagem superior e prosseguira sua queda até a rampa da garagem inferior, escorrendo até embaixo. Foi parar aos pés do servente que, atônito, descobriu que seus ossos estavam esmigalhados. Para meu amigo, o enigma estava solucionado. Não havia como ignorar o vestido de flores miúdas.

Por realidade ou autossugestão, meu amigo não mais teve sossego. Quando o elevador parava no sétimo, ele sentia calafrios e taquicardia. Parecia-lhe ser observado. Em casa, não andava mais descalço, pois achava que mãos gélidas faziam cócegas nas suas plantas, deslizando sob o assoalho. Passou a ter medo de escuro e de estar só — o que era um problema, pois morava sozinho. Ao se ver acuado, restavam-lhe os amigos. Desafortunadamente, o escolhido fui eu.

Aprendi com meu pai que doido a gente não contraria, por isso escutei com paciência e, tendo sido provada a tese de importunação fantasmagórica, coube-me agir como se concordasse. Perguntei-lhe o que pretendia.


— A velha está lá porque não encontrou a paz — anunciou-me, em tom profético.


— Nem podia — meti corda. — Ela se suicidou.


— Pois então! — Ele se rejubilou com minha suposta reciprocidade. — Ela sequer foi enterrada, porque a Igreja não permite que suicidas tenham sepultura em solo consagrado. Foi cremada.

— Que me conste — ironizei —, esses cemitérios particulares de hoje são consagrados somente ao Deus Grana.


Ele me olhou feio, os olhinhos apertados de reprovação. Mas superior que era, começou a me explicar sobre rituais em intenção das almas atormentadas. Foi do catolicismo ao hinduísmo em mais dois chopps. Quando terminou o de número 5 da noite, fui forçado a prometer ajudá-lo, senão ele pediria a saideira. Ele queria sair dali com a cerimônia toda esquematizada, porém admitiu que não definira, ainda, que técnica seria cabível na conjuntura. O jeito foi prometer visitá-lo na noite seguinte, para planejar o evento religioso.


À tarde, eu já estava profundamente irritado. Aproximava-se o compromisso mais idiota de toda a minha vida. Mas como eu nunca descumpria promessas feitas a um amigo, pus-me a caminho. O porteiro me conhecia e me admitiu sem interfonar. Entrei no elevador e apertei o 8. Minha atenção toda se fixou na belíssima loura que viera nele do subsolo. Sorriu-me com simpatia e se desculpou pelo poodle que carregava. Qual o quê! Sorri de volta e nunca antes gostei tanto de poodles. Infelizmente, o cachorrinho ficou no quinto andar e levou a dona junto. Ainda encantado com a jovem, saí tão logo a porta se abriu, sem me dar conta de que estava um nível abaixo do meu destino. Ignorei a lâmpada queimada e apertei a campainha. Nada. A excitação foi-se dissipando em aborrecimento. “Esse porcaria me chama e não me atende!”, pensei. Esqueci o dedo na campainha até que, com um clique, a porta cedeu.


Empurrei-a e ensaiei meu discurso de protesto, que morreu na garganta assim que vi a sala desconhecida, um breu quebrado por luzes fracas que vinham de fora. Tolo, chamei meu amigo pelo nome. O silêncio me deu a exata compreensão de onde eu estava. E ao entender isso, minha única reação foi inexplicável. Ainda hoje, não consigo esclarecer, sequer para mim mesmo, os eventos que se seguiram.


Entrei, fechei a porta, atravessei a sala e toquei na maçaneta da porta de vidro que dava para a sacada. Devia estar trancada, mas apenas a empurrei e saí para o ar da noite, ainda quente e abafada. Debrucei-me na mureta e fiquei contemplando o céu estrelado. A lua fora oculta por nuvens. A velhinha se debruçou ao meu lado, na mesma posição: mãos com os dedos entrelaçados, rosto voltado para frente, sem expressão definida. Virei-me para ela.


— A senhora ainda mora aqui? — perguntei.

Ela me olhou e soltou um sorriso minúsculo, triste e culpado. Senti vergonha da indagação que fizera. Percebi que não tinha muito tato para me relacionar com idosas mortas e me calei. Ela então me apontou algo embaixo. Inclinei-me para olhar e, como se fosse dia claro, enxerguei o cadáver no final da rampa da garagem inferior. O pouco sangue que perdera estava no teto da garagem superior, de onde a limpeza se esquecera.


Não sei quanto tempo se passou. Apenas fiquei aflito por não ser capaz de dizer ou fazer nada. Após muito matutar, resolvi ser direto:


— Por que a senhora está aqui? Há alguma coisa que deseje?


Os idosos costumam nos lançar olhares de grande condescendência. Conhecem nossas limitações. Mal disfarçando o tom de obviedade, respondeu:


— O que mais poderia ser? Companhia.


Que grande pateta! Era óbvio! Ri de mim mesmo, constrangido. A vozinha também riu, bondosa e compreensiva. Ofereceu-me uma cadeira, com um gesto de mão. Notei, antes de me sentar, que não havia nada de anormal na rampa da garagem. Ela se sentou também e, arrumando o vestido de flores miúdas, pôs as pernas com largas varizes num banquinho de madeira. Abriu um sorriso cativante e pediu:


— Me fale de você.

UFPA — 50 anos

Fiquei sinceramente emocionado, agora há pouco, vendo pela TV o filme publicitário sobre o 50º aniversário de minha universidade, da nossa Universidade Federal do Pará, onde passei anos adoráveis, a despeito de todas as dificuldades, seja como estudante, seja como professor substituto.
Evidentemente, há um ufanismo uns tons acima da realidade no filme. Inevitável. Chamou-me a atenção, particularmente, a referência à valorização do conhecimento, com a imagem de Benedicto Monteiro cercado por seus livros, quando recentemente li sobre como ele foi ignorado por certos segmentos pretensamente acadêmicos. Mas essas imoralidades sempre acontecerão. O importante é saber que temos um locus de pesquisa, com muita coisa boa, séria e importante sendo produzida, o mais das vezes sem que a sociedade saiba. Pesquisas menosprezadas, por pura ignorância e até mesmo porque as pessoas, em geral, realmente acham que santo de casa não faz milagre. Mas a UFPA faz seus milagres, produzindo conhecimento com tão severas restrições orçamentárias, além de enfrentar os desmazelos do governo federal.
Sinto saudade daqueles tempos. E não permito — leram bem, comentaristas?! — não permito que ninguém ouse falar mal dela. Criticar pode, apontar os defeitos pode, esculachar jamais. A sociedade paraense deve muito à UFPA e eu, então, nem se fala. Devo praticamente tudo que sou.
Assim como a ADUFPA e o DCE, não fui convidado para a solenidade segunda-feira pois, como disse o reitor, convite não se pede, se recebe. Ele tem razão. Mas isso para mim não é um problema. Estou na festa, de qualquer jeito.
Parabéns, UFPA! Vá muito mais além!

Visite:

Amanhecer na cidade

A necessidade de buscar alguém no aeroporto me pôs na rua, hoje, pouco depois das cinco horas da manhã. Graças a isso, pude ver o dia nascendo, ver imagens da cidade que habitualmente não estão diante de nossos olhos. Há certos ângulos que assumem belezas inusitadas simplesmente por causa da luz.
Some-se a isso o trânsito fácil (embora não para os dois motoristas que colidiram de frente na Duque com Mauriti), a temperatura agradável e uma sensação de tranqüilidade.
Chegando ao aeroporto, fui recebido por um bailado de andorinhas, incontáveis, descrevendo no ar semicírculos em velocidade vertiginosa, cantando e pousando nas árvores. Um espetáculo, digno de começar bem o último dia de junho.
Bom dia para todos.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Violência contra professores

Eunice Martins dos Santos perdeu a ponta de um dedo
(Foto: Valéria Gonçalvez/Agência Estado)


Ofensas morais, cuspidas, cabelos queimados, socos na cabeça e pescoço, chutes na cabeça com perda de dentes e agora a ponta de um dedo decepada. São diárias, literalmente diárias, as notícias de violência perpetrada por crianças e adolescentes contra professores. Basta ver as datas das reportagens citadas. E os agressores nem são punidos ou são transferidos por simples conveniência, dadas as pequenas proporções das agressões.
Está muito difícil a vida dos professores da rede pública, que lidam com jovens, pelo país afora. Não bastasse o trabalho tão excessivo quanto irrisória a remuneração, a falta de condições de trabalho, a falta de reconhecimento profissional e verdadeiro menosprezo pela docência, a falência do sistema educacional, a letargia dos estudantes e muitas outras chagas, ainda precisam defrontar-se com a violência em seu sentido mais direto. É revoltante. O cenário de escolas convertidas no mais absoluto caos saiu das telas de cinema e TV há tempos, para ser a duríssima realidade cotidiana de gente que se esforça por construir os cidadãos deste país.
Os jovens estão cada vez mais propensos a responder com violência a qualquer situação que lhes desagrade. E o pior é que, para os seus atos, inexiste resposta à altura. Nem das famílias, nem dos colegas, nem da própria escola, muito menos das autoridades públicas. Mesmo diante de tamanho descalabro, ainda há quem prefira sustentar as teorias estúpidas que fazem desses delinquentes meros jovens necessitados de atenção, que não podem ser molestados, para não sofrer traumas.
Eu me pergunto: esperaremos um aluno matar um professor para tomar alguma atitude? Ou inutilizá-lo? Apelo ao menos para as mulheres, que representam, como se pode constatar, as principais prejudicadas por esse excesso de insanidade, certamente porque consideradas mais frágeis pelos sociopatas que as violentam.
Será esse mais um exemplo do que deixamos para depois? Depois do pior?

Uma guerra ainda maior

Há anos se fala que o Rio de Janeiro vive em clima de guerrilha urbana. Pelo que temos visto nos últimos dias, parece que o governo daquele Estado resolveu acreditar nisso e agir sob essa perspectiva. Uma ação policial agressiva e permanente, em torno do Complexo do Alemão, tem impressionado o país. E os narcotraficantes têm sofrido prejuízos reais, perdendo armas e grande quantidade de munição, além do melhor, que é o impedimento à comercialização da droga. Este deve ser o principal objetivo do governo. Se os traficantes não venderem, ficam sem dinheiro e, com o tempo, sem munição. É como cortar as raízes de uma árvore frondosa. Ela pode resistir por muito tempo, mas vai acabar morrendo. Definhará e morrerá.
Daí vocês podem concluir que, como cidadão deste país, apoio a iniciativa do governador Sérgio Cabral de determinar a operação policial ora em realização. Confesso que esse moço me surpreendeu positivamente. Afinal, quem poderia esperar que um político do PMDB, e no mesmo Estado que já pariu o falastrão maluquinho César Maia e o casal Garotinho, pudesse manter um discurso sereno e, em pouco tempo, apresentar resultados iniciais promissores para um problema tão urgente, que é de interesse nacional?
A preocupação é com os excessos da polícia, mas como se pode afrontar o terror do crime organizado com ações modestas e não violentas. Por mais pacifistas que sejamos, por mais aferrados aos valores humanitários de nossa Constituição, por mais empenhados em torno da legalidade, é inevitável que o combate à guerrilha carioca seja feito com uma energia incomum para um país que, oficialmente, desconhece guerras e prefere resolver tudo numa mesa de bar ou num campo de pelada.
Odiamos a violência. O grande paradoxo está, justamente, em precisarmos dela para reagir a ela. Que outros caminhos temos? Sem o uso da força, neste momento, não há projeto de educação, assistência social ou do que quer que seja capaz de dar certo. Se eu estiver sendo simplista, por favor me avisem.
Por outro lado, não podemos olvidar que o sucesso dos traficantes se deu não apenas graças à violência, mas à inteligência de gastar dinheiro fazendo aquilo que o poder público se recusava a fazer. Com investimentos na favela, com distribuição de remédios, brinquedos e eletrodomésticos, dentre outros mimos, fizeram as comunidades perceberem que era melhor estar do lado deles do que da polícia, que chega metendo pé na porta e barbarizando inocentes. Quem disse que eles não entendem de marketing pessoal?
Não à toa, nos conflitos desta semana, populares disseram à Comissão de Direitos Humanos da OAB que algumas das vítimas haviam sido mortas a facadas, fato desmentido pelos médicos que receberam os corpos. Havia exclusivamente marcas de balas. Ou seja, as testemunhas mentiram e só posso entender que assim agiram para reforçar a idéia de que a polícia se excedeu. Atrapalhando a ação policial, quem se beneficia?
Sem dúvida, a guerra que corre por baixo do tiroteio é ainda mais dura e ardilosa do que a da violência em si. Estará o poder público, estarão os cidadãos aptos a lidar com isso?

Resposta ao anônimo solidário

Peço licença aos demais leitores do blog, que não entenderão este texto, para me dirigir exclusivamente à pessoa que me deixou uma mensagem que não publicarei, haja vista não ser o espaço para isso. Como, entretanto, sendo anônimo, não me deu a oportunidade de responder por outra via, e-mail p. ex., segue minha resposta por aqui mesmo.

Meu caro, é muito estranha a sensação de falar anonimamente com alguém que conheço e que convive comigo. Não compreendo sua necessidade de anonimato, eis que sua preocupação é altruísta e não vejo razão para pessoas bem intencionadas ocultarem a própria identidade.
Quanto ao seu pedido, creia-me, ele será atendido exatamente do jeito que você mesmo falou: na medida da possibilidade. Não serei inflexível nem descumprirei meus deveres. Se tivesse visto o que fiz ontem à noite, saberia que estou mais para o lado da flexibilidade exagerada do que para o rigor. Um mau desfecho só ocorrerá se não houver jeito e, honestamente, depende menos de mim do que da pessoa em questão.
Aprecio a sua preocupação com um colega. Nem sei se você o considera um amigo. Mas nestes tempos de indiferença e egoísmo, ver alguém se dar ao trabalho de interceder por um colega, importar-se com ele, avaliar o seu futuro próximo e se movimentar em seu benefício é muito bonito. Parabéns pelo bom coração.
Até compreendo melhor seu anonimato e, de certa forma, porque falar comigo através do blog, quando sabidamente dispõe de outros meios para isso. Talvez você queira aproveitar a minha emotividade quando posto no blog, ou talvez tenha se motivado no texto "Abandono", em que me solidarizo com os jovens. Enfim, o que vale mesmo é sua boa intenção.
Tomara que, daqui a algumas horas, estejamos todos satisfeitos.

Fruta e circo

A sexta-feira começa com um palco armado em plena rua e aqueles artistas de sempre fazendo aquecimento para o show. Hoje é dia de circo! O sedizente prefeito desta cidade fará a entrega da segunda etapa da feira da 25 de Setembro. E para isso necessita, é claro, de pompa e circunstância. Tanta pompa quanto permitem o ambiente de uma feira e as circunstâncias. Afinal, ele precisa ser filmado em meio a pessoas humildes felizes, abraçando-o, beijando suas mãos, dando urras de agradecimento, etc., para poder mostrar nas imagens de seus programas Tá fazendo bem como é amado pelos tais 70% da população.
A corrida eleitoral de 2008 está aberta já há algum tempo e, para angariar simpatias, nada melhor do que a antiquíssima política do pão e circo — nesse caso, trocando o pão por hortifrutigranjeiros.
Será que há tomates podres o bastante?
Vale lembrar que a feira da 25 foi um projeto de Edmilson Rodrigues que, para variar, não conseguiu concluí-lo. Mesmo a primeira etapa ficou inconclusa. Quando o meliante assumiu, tempo se passou na inércia, até que o espaço foi entregue aos feirantes, já devidamente pintadinho de laranja. Aí cercaram com tapumes o outro perímetro, enlouqueceram os moradores da rua com instalações provisórias e levaram dois anos e meio para entregar a segunda etapa. Dois anos e meio! Aposto que dava para fazer as mesmas obras em um mês. Ou, para os parâmetros devagar-quase-parando de Belém, uns três ou quatro. Contudo, quem faz bem leva dois anos e meio. E ganha o nome na placa. Espero que, ao menos, a circulação pelo local fique mais fácil.
Apesar disso tudo, boa sexta-feira para todos. Ainda mais porque sei que, para muitos, as férias começam hoje. Então aproveitem!

PS — Não se esqueçam do filtro solar e de tomar bastante água.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Abandono

Com cuidado extremo, caminharam de mãos dadas pelas pedras cheias de limo, que formavam uma plataforma alta onde as ondas quebravam com força, levantando uma cortina de espuma bela, sonora e salgada, que se espargia em gotículas pelo ar. Ao caminharem dessa forma, protegiam um ao outro de uma queda — ele, seguindo seu instinto masculino de proteger a mulher amada e ela, seguindo o seu, feminino, de deixar-se proteger enquanto fazia o mesmo pelo parceiro.
Na conjuntura, esse cuidado todo poderia soar irônico. Todavia, era preciso cumprir o ritual.
Um deles se deu conta de que estavam calados há um tempo enorme e, mesmo assim, ninguém falou. Apenas escolheram uma parte mais plana e seca da rocha, a cerca de um metro do ponto em que terminava abruptamente, onde se sentaram. Afinados, àquela altura pareciam ter sempre as mesmas opiniões.
O sol declinava rapidamente. O inverno afastava as pessoas e, logo, estariam plenamente sozinhos. Praticamente já não se escutava nenhuma voz, senão as das aves marinhas, rivalizando com a quebradeira das ondas.
Tudo estava perfeito. Silêncio, solitude, penumbra, frio, natureza. Um cenário perfeito.
Inclinados para frente, paralelos, contemplaram longamente o mar. De vez em quando, olhavam em redor. À direita, rochas e oceano. À esquerda, um semicírculo de areia clara, pisoteada, onde algumas vezes haviam deitado e se beijado longamente. À frente, azul e azul, com uma ilha ao longe. Navios apareciam a quilômetros.
O vento aumentava, provocando os primeiros calafrios. Os casacos começavam a se mostrar ineficientes. Foi por isso que interagiram pela primeira vez. Olharam-se. Ele a abraçou, mas passou o braço por dentro do casaco, pois queria senti-la mais de perto. Ela se largou nele, protegendo as mãos. Ficaram assim um pouco e depois se sentaram um de frente para o outro. Continuavam incapazes de falar. Dialogaram assim, pupila a pupila, numa paixão triste, desesperada e ruinosa. Pareceram de repente bem mais velhos do que os seus dezesseis anos cada um. Mesmo assim, o brilho do olhar, apagado há alguns meses, quando os problemas começaram, reacendeu. Eles se amavam. Tiveram disso mais certeza do que nunca. E selaram tal convicção com o beijo mais ardente que já haviam experimentado, que pode ter durado um instante ou uma hora. Tanto faz. Para eles, foi uma sensação de plenitude. E o que vem depois da plenitude simplesmente não importa.
Esqueceram-se dos pais brigando com eles, das acusações, das humilhações. Esqueceram-se do pai dela ameaçando espancá-lo, maldizendo uma intimidade física que jamais tiveram. Estavam tão maravilhados um com o outro que ainda não haviam pensado em sexo. Só o pai dela tinha pensado nisso. E imposto castigos, cárcere privado e execração familiar. A convivência se tornara insustentável. Não se viam mais. Ela mudara de escola. Aniquilados pela saudade, tiveram nos amigos seus intermediários. As juras de amor viraram recados breves, sussurrados ao ouvido nos poucos instantes em que o pai se afastava um pouco, pois ele fiscalizava também os telefonemas e as visitas.
Passadas umas semanas, a vigilância amainou. Não por outro motivo além do cansaço do predador. Ela voltou a sair com suas amigas, sob horários rígidos. E ele foi parar em porta-malas de automóvel, em nesga de escadaria, atrás de balcão de loja e em outros esconderijos absurdos, ensombreados pela solidariedade dos amigos. Durante esses encontros, choraram muitas vezes. E tomaram sua decisão. Esta, contudo, sequer foi comunicada aos amigos. Eles não ajudariam.
Assim, foram parar na beira do mar, naquela quarta-feira. Bem no meio da semana, quarta-feira era um bom dia. Sem qualquer explicação lógica, a data também lhes pareceu perfeita.
Ele tirou do bolso do casaco dois pequenos frascos. Entregou um. Foi quando se olharam mais longamente, sempre no mais absoluto silêncio. O “eu te amo” foi soprado por sorrisos largos. Então ele destampou o vidro e sorveu o líquido de uma vez só, amargo, mas isso não tinha importância. Ela fez o mesmo, mais devagar, porém sem o menor traço de hesitação. Cada movimento era feito mecanicamente, pois os olhos não se afastavam.
Ele pôs os frascos vazios de volta no bolso, para não sujar o local. Consciência ecológica. E quedaram-se ali, desistindo de pronunciar palavras, pela consciência de que em uma vida inteira não diriam tudo o que gostariam. Conscientes, sobretudo, de que é um erro comum, mas crasso, querer pôr tudo em palavras. Abdicaram delas. Sentir é mais importante do que falar.
Sentiram que precisavam de outro beijo. Fazia parte do ritual e estava sendo desperdiçado. Agarraram-se e, no primeiro momento de fúria desde que se haviam conhecido, onze meses antes, beijaram-se com um sentimento de urgência final, de febre, de indecência. Mas não foram além do beijo. Abraçados frente a frente, apoiaram a cabeça um no ombro do outro, lambidos pelo vento vigoroso. As pálpebras fechadas percebiam o escoamento da luz. Restava um traço laranja e rosa no horizonte.
Restava um traço deles, corpo a corpo, num leito de pedra e limo.
Ao amanhecer, tão logo a maré baixou, um pescador encontrou o corpo do adolescente engatado entre rochas. O mar o arrastara e prendera ali. Pensou-se primeiro em acidente e depois em homicídio, mas os frascos continuavam no bolso. Os policiais que, a pedido da família, procuravam a jovem desaparecida, estiveram no local, mas dela somente acharam um lenço de cabelo, miraculosamente conservado entre as vestes do namorado. Os moradores, gente do mar, explicaram quando e onde o corpo deveria ser encontrado. Mas apesar de normalmente estarem corretos, dessa vez erraram. O corpo da moça jamais foi encontrado. E nem o será agora, quando a conta já se faz em anos.
As duas famílias se encontraram na plataforma rochosa. O pai da moça sentiu ódio, mas capitulou ao ver o seu maior inimigo exangue, inerte e parecendo tanto uma criança. Todos sofreram aquela dor sem nome, de perder um filho. E quando o sol subiu, poderoso, foram embora com as almas no mais profundo inverno.

Uma dica

Os camelôs com bancas em frente ao Central Hotel querem uma indenização da empresa que comprou o prédio para deixar o local e ameaçam impedir a obra. (Repórter 70, 28.6.2007)

Do Código Penal:

Extorsão
Art. 158. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de de obter para si ou pra outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1º Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até 1/2 (metade).

Se não chegarmos a tanto, ainda existe o constrangimento ilegal:
Art. 146. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

Depois de insistirem em indenização a ser paga pela prefeitura, ou seja, com o nosso dinheiro, agora a cupidez cresce sobre a iniciativa privada. Nesse caso, porém, a ação penal é pública. Simples assim.

Em oferta

"Estudo revela que Congresso Nacional gasta R$ 11,5 mil por minuto"

Tenho formação jurídica e experiência no Legislativo e no Executivo de uma capital, especialmente na área de processo legislativo. Leio os jornais diariamente e posso criar projetos sobre assuntos realmente úteis ao país. Garanto redação objetiva e em estrita consonância ao vernáculo. Não gasto milhares de reais por mês com combustível. Costumo trabalhar de segunda a sábado. E sou muito, muito, muito mais em conta.

Experimente. Meu minuto custo menos que uma ligação de celular em promoção do dia dos namorados.

Nem tão ilibados assim

No caso da doméstica espancada por pitboys no Rio de Janeiro, a suspeita agora é de que essa não foi a primeira vez que cometeram esse tipo de crime, inclusive com a subtração de bens. Nem a segunda, nem a terceira. O delegado, que está nitidamente querendo pegá-los de jeito, já arregalou os olhos para um possível enquadramento no delito de quadrilha ou bando (art. 288 do Código Penal). Louvo o empenho dele, mas me preocupa que ele aja e se pronuncie com tanta veemência, o que pode dar munição para advogados de defesa, que só querem um pezinho para desqualificar tudo e todos.
Enquanto isso, os acusados foram ameaçados de morte na carceragem em que se encontram. E ainda dizem que os criminosos não possuem nenhum laivo de princípios. Bons ou maus, tais princípios existem. O problema é o que fazer com eles.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

A sedução do júri

O juiz da 11ª Vara Penal de Belém, Raimundo Moisés Alves Flexa, acolheu a promoção ministerial e determinou a remessa do "caso Novelino" a uma das varas competentes para os crimes dolosos contra a vida. Não me surpreende. O tribunal do júri mexe com o imaginário de toda e qualquer pessoa, por mais alheia que seja ao mundo do Direito.
Todavia, embora a imprensa esteja noticiando que está decidido que os acusados serão submetidos a júri popular, essa decisão ainda não foi tomada. A imprensa, sempre com suas pressas e desinformações!
Quando os autos forem distribuídos a uma das varas de tribunal de júri, o juiz titular também se pronunciará. Se ele receber a denúncia, aí sim teremos concluída essa tramitação inicial e teremos certeza de que os acusados deverão sofrer julgamento popular, a menos que haja recurso da defesa (o que eu duvido). Mas pode acontecer, embora não valha a pena contar com essa hipótese, de o novo juiz entender que houve latrocínio e não homicídio, o que o levaria a dar-se por incompetente e suscitar um conflito de competência.
Se isso ocorrer, o feito será encaminhado ao Tribunal de Justiça, para deliberação, o que demoraria uns poucos meses (considerando a atenção preferencial que se daria ao caso). Somente depois a ação penal propriamente dita começaria.
Eu só sei de uma coisa: a defesa, até agora no mais absoluto silêncio, só está esperando uma deixa para começar a recorrer disso e daquilo. A intenção seria clara. Quanto mais tempo passar sem que o processo seja concluído, maiores serão as chances dos acusados de obterem liberdade, através de habeas corpus. Seriam liberados por estarem presos por tempo excessivo. O Judiciário paraense não os soltaria, por ser permeável às passionalidades da opinião pública. Mas o STJ soltaria. Quer apostar?
Estou cantando a pedra... Aguardemos o desenrolar dos fatos.

Primeiro fórum digital do Brasil

Tinha que ser São Paulo, mais arrojado e com mais recursos disponíveis para implementar uma medida dessa magnitude. Ontem, dia 26, foi inaugurado o primeiro fórum inteiramente informatizado do país, que se caracteriza pelo fato de que todos os processos nele em trâmite serão exclusivamente digitais. Nada de papel. Nenhuma folhinha. As salas do fórum sequer possuem prateleiras, para ninguém cair em tentação.
Trata-se do Foro Regional XII — Nossa Senhora do Ó (se estiver em São Paulo, visite na Rua Tomás Ramos Jordão, 101, Freguesia do Ó, Zona Oeste), inaugurado pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Celso Luiz Limongi. Nele, funcionarão três varas cíveis e uma de Família e Sucessões (com previsão de acréscimo de mais uma vara de família). Saiba mais.
Aos poucos, muito aos poucos, o universo jurídico, antro de resistências injustificáveis à tecnologia, vai capitulando e cedendo espaço a praxes inovadoras. Com os resultados aparecendo, espero que positivos, devem ser fomentadas iniciativas do gênero. No futuro — próximo, tomara! —, o acesso à justiça há de ser mais rápido, fácil e, por isso mesmo, cidadão.
Parabéns aos paulistas. O que é bom deve ser reconhecido.

Apoiado!

A Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB, por seu presidente, Rodrigo Tolentino de Carvalho Collaço, encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça um pedido de providências cujo objeto é a elaboração e implementação de uma "Política Judiciária Nacional de Combate à Corrupção".
O documento, protocolado em 29 de maio último, sugere que seja dada prioridade ao julgamento de casos de corrupção de "agentes públicos, políticos e quaisquer cidadãos envolvidos em todos os níveis de todos os poderes", de defesa do patrimônio público e de autoridades detentoras de foro privilegiado.
A última edição do AMB Informa (n. 94, 1º a 30 de junho de 2007) gasta 7 de suas 20 páginas tratando desse assunto, sob vários enfoques, inclusive dando destaque ao apoio ostensivamente declarado de certa personalidade política brasileira, em um artigo que escreveu. Nesse artigo, o autor menciona a "indignação da sociedade com os inúmeros escândalos envolvendo desvio de dinheiro público, corrupção e manipulação indevida do orçamento". Diz ser essencial "apertar o cerco" aos infratores e pôr fim à impunidade. "Para isso, é preciso dar prioridade ao julgamento de processos relativos a casos de corrupção. A proposta, defendida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, já vem encontrando apoio crescente no Congresso Nacional".

Autor do artigo? Renan Calheiros, um homem que não se envolve em escândalos de corrupção ou mau uso do orçamento, que fecha o cerco em cima dos marginais e que se empenha, ao máximo, pela rápida conclusão das investigações, para não haver impunidade. E o Congresso o apóia.
Alguém pare o planeta, que eu quero descer.

800 fantasmas

Somo-me a Juvêncio de Arruda, do 5ª Emenda (postagem "Quanto É?"), e a Val-André Mutran, do Pelos Corredores do Planalto (postagem "Mentiras, mentiras... e mais mentiras. Isso é a Isto É dessa semana").

Os dois jornalistas-blogueiros denunciam a farsa do malsinado e odioso sedizente prefeito de Belém, que pagou para a mencionada revistinha publicar o resultado de uma suposta pesquisa na qual ele teria nada menos que 70% de aprovação popular. 70% de aprovação! Não me darei ao trabalho de me demorar neste assunto, até porque o meu estômago está revirado. Só gostaria que as autoridades investigassem de onde vieram os recursos de custeio dessa matéria paga porque, em não se tratando de publicidade institucional, não poderia ser paga com dinheiro público.

Ah, claro, ela pode ser maquiada como publicidade institucional. Não era isso que os tucanos faziam a mancheias? E o nojento é cria dessa canalha, já tendo mostrado em várias ocasiões utilizar os métodos de seus padrinhos.

A suposta pesquisa teria sido realizada com 800 pessoas em Belém. Eu não sabia que o desgraçado tinha 800 parentes. Os pesquisadores estão de parabéns por terem desencavado essa gente toda lá em Tracuateua para vir aqui mentir à população de bem desta cidade. Mas a verdade virá. As obras eleitoreiras de último ano já começam a aparecer.

Todavia, é cada vez mais difícil a esses aventureiros de plantão ter sucesso. O custo está cada vez mais alto.

Contraponto com o caso do "maníaco do parque"

Após escrever as três postagens anteriores, sobre o caso Novelino, lembrei-me de um dos casos mais famosos da história criminal brasileira, o do serial killer Francisco de Assis Pereira, o "maníaco do parque", aquele sujeito simpático que, em 1998, cooptava com sua lábia eficiente jovens incautas, as quais levava para o Parque do Estado, em São Paulo, para estuprá-las e matá-las.
Sabe-se que, além de estuprar e matar, Pereira também roubava as vítimas, subtraindo inclusive cartão de crédito, que posteriormente utilizava. Face a isso, ele foi condenado por homicídio qualificado, roubo, estelionato e ocultação de cadáver. Diante disso, terá a justiça paulista errado, posto que haveria, ali também, latrocínios?
Pode ser difícil compreender as nuanças entre os dois casos. Todavia, consigo vê-las com facilidade. E a solução é encontrada exatamente nos mesmos argumentos que utilizei, relacionados à intenção dos criminosos.
Ao menos quando planejado, todo delito tem um programa, que o agente vai desenvolvendo. Na morte dos Novelino, o programa foi originalmente concebido para envolver tanto os homicídios quanto a subtração de bens, por isso tenho sustentado o latrocínio. Já o "maníaco do parque" agia diferente. Para ele, as subtrações e o estelionato eram delitos circunstanciais, que podiam ou não acontecer, dependendo do que as vítimas possuíssem no momento do ataque.
Pereira seguia um modus operandi. Ele abordava, na rua, jovens desconhecidas para ele, que o atraíam. Segundo se afirmou na época, ele as escolhia pela aparência simples, pois moças pobres seriam mais permeáveis ao discurso que ele utilizava. Ele se dizia agenciador de modelos e oferecia às vítimas um teste fotográfico gratuito. Se desse certo, elas poderiam tornar-se modelos e ganhar muito dinheiro. Por mais aberrante que seja a história, muitas caíram. Tinham que ser muito simplórias, mesmo, respeitosamente falando.
Por conseguinte, Pereira não escolhia as vítimas com o propósito, mesmo que secundário, de enriquecimento ilícito. Ele queria sexo e morte. Contudo, se após saciar seus instintos, encontrasse algum objeto de valor, levava consigo. Sob essa interpretação, considero acertado julgá-lo por homicídio qualificado e não por roubo. As duas condutas estão claramente separadas em seu programa delitivo.
Vale lembrar algo que toda a doutrina admite: não é a vinculação temporal pura e simples entre a morte e o roubo que gera o latrocínio. Eu posso roubar a vítima e matá-la por pura perversidade, sem qualquer noção de que isso se faz necessário para viabilizar o roubo, que até já consumei. Nessa hipótese, há um homicídio e um roubo, separados.
O Direito Penal, quando aplicado à crueza dos casos reais, oferece dificuldades interpretativas, como bem sabem os meus alunos. Muitas vezes, tais dificuldades nenhuma relação possuem com os aspectos técnicos, teóricos ou legais, e sim com a rejeição previsível que temos ante o horror, a crueldade desmedida, o desprezo absoluto pelo semelhante. Como não somos capazes de suportar a maldade, nosso cérebro tem dificuldade de processar certos comportamentos e, por isso, falta-nos a capacidade de dar uma solução jurídico-penal para o caso.
É o sentimento de humanidade prevalecendo em nós. Prevelecendo em quem o possui, bem entendido.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Minha visão sobre o caso Novelino: parte III

De acordo com reportagem do jornal Diário do Pará de hoje (favor relevar quaisquer equívocos a que eu tenha sido induzido), a 8ª Promotora de Justiça do Juízo Singular, Lúcia Rosa da Silva Bueno, requereu a redistribuição dos autos a uma das varas de tribunal do júri. Seguem os motivos que teriam sido alegados, com as minhas observações:

1) O crime de latrocínio só poderia ser caracterizado se os indiciados tivessem vontade apenas de matar para roubar.
À luz do que expliquei anteriormente sobre dolo de consequências necessárias, o argumento se revela frágil. O planejamento delitivo em nada altera a conjuntura. Nos anos 90, se não me engano, um grupo de criminosos invadia residências de luxo na capital paulista especificamente para roubar. Todavia, como forma de demover as vítimas de registrar ocorrência policial, estupravam alguma mulher da família, para que a vergonha e a vontade de resguardar a honra da moça inibisse qualquer reação. Tais estupros faziam parte do planejamento do bando. Nem por isso se pode negar que os criminosos deveriam responder por roubo, quadrilha ou bando e por estupro. Portanto, a existência de planejamento, por si só, não altera em nada uma conjuntura que é definida pelo dolo dos agentes.

2) Os bens (relógios, cordão, pulseira) só foram retirados das vítimas para dificultar a identificação dos cadáveres.
A reportagem atribui ao advogado Antônio Neto algumas afirmações. Ele teria feito a interessante afirmação de que o roubo de objetos pessoais não pode ter sido cometido apenas para dificultar a identificação dos corpos. “Essa informação não pode ser verdadeira porque no pensamento dos assassinos os corpos não seriam encontrados, tanto que jogaram no fundo do rio. Foi roubo mesmo pelo valor das coisas. Além disso, roubaram o carro e ainda houve toda uma simulação de assalto antes de matar os Novelino. No meio dessa situação levaram os bens deles: cordões, relógios, pulseiras, cheques. Desde o início a finalidade era matar para roubar os cheques, configurando latrocínio premeditado.”
O colega está correto e vou além, ratificando tudo o que disse anteriormente: mesmo que a intenção não fosse subtrair as coisas por seu valor econômico, ainda assim haveria o dolo de roubo essencial à formação do latrocínio.
O crime de roubo é definido como uma subtração violenta de coisa alheia móvel, subtração essa realizada com animus rem sibi habendi, ou seja, com a intenção de apossamento definitivo. Isto, contudo, não significa que o agente queira a coisa para si. Toda a doutrina está de acordo que tanto faz o ladrão subtrair a coisa para usá-la, vendê-la, presentear alguém, fazer uma doação supostamente caridosa, destruí-la ou qualquer outra finalidade. Desde que seja seu propósito não permitir que o proprietário retome o seu bem, o elemento subjetivo do crime está demonstrado.
A propósito, é controversa na doutrina a caracterização de roubo (ou furto) de cheques, pois os mesmos não possuiriam valor econômico significativo, constituindo apenas títulos representativos de um direito economicamente apreciável. É por isso que não defendo o latrocínio com base neles, especificamente, mas no conjunto dos bens subtraídos (objetos pessoais e um automóvel). Tenho notado um erro reiterado e grave, em pessoas que afirmam que o caso Novelino constitui latrocínio porque os agentes mataram com a intenção de se livrar de uma dívida e esse seria o ganho econômico ilícito perseguido. Matar com a intenção de obter lucros indevidos constitui homicídio qualificado pelo motivo torpe (fator que deve explicar a manifestação do órgão ministerial). Para haver latrocínio, não basta um simples objetivo econômico, e sim a intenção de subtrair bens. E isso ocorreu no caso Novelino.

3) A ação foi realizada com requintes de crueldade, o que foge à característica do crime de latrocínio.
Esta alegação me deixou de queixo caído. Não acredito que a promotora desconheça que o latrocínio, com enorme frequência, seja perpetrado com perversidade escandalosa. O que foi o caso do menino João Hélio, por acaso? Ou a promotora acha que aquilo foi um homicídio só por causa do meio executivo? Considero essa alegação fora da realidade.

Ainda podemos avançar, mas por ora aguardo as manifestações que porventura surjam.

Minha visão sobre o caso Novelino: parte II

Como dito na postagem anterior, a polêmica em torno da capitulação penal no caso Novelino ocorre devido a uma valoração incorreta dos objetivos dos agentes. Vejamos: como o verdadeiro propósito era matar e todo o resto constituiria apenas um conjunto de atos de dissimulação e encobrimento, teríamos que punir apenas o homicídio (duplo) e os demais elementos funcionariam como circunstâncias do próprio homicídio, a influenciar apenas na dosagem da pena.
Tomemos o seguinte exemplo hipotético: um homem engravida sua amante e, ao ser informado, termina o relacionamento e oferece dinheiro para que ela desapareça. A mulher reage com agressividade e anuncia que procurará a esposa traída para contar toda a verdade. Prevendo a ruína de seu casamento e uma série de prejuízos decorrentes, o homem insiste à exaustão com a amante, para que suma e crie seu filho longe dali. A cada nova insistência, a mulher fica mais segura de si. O homem então decide que somente escapará às consequências de seu ato matando a amante, o que efetivamente faz. Pessoa informada que é, sabe que, matando a gestante, inevitavelmente provocará a morte do feto. Esta situação é um efeito colateral necessário ao homicídio da gestante que, talvez, o homem até repudiasse. Posso especular inclusive que ele sofra ante a perspectiva de matar o próprio filho e, se houvesse meios de furtar-se a isso, buscaria esse caminho. Naturalmente, não existe. Se ele consumar a morte da amante, terá dolo direto em relação a esse homicídio e dolo de consequências necessárias quanto à eliminação do concepto. Evidentemente, e aqui faço questão de ser enfático, ele teria que responder por dois delitos: homicídio qualificado pelo motivo torpe e abortamento sem o consentimento da gestante (CP, arts. 121, § 2º, I e 125).
Todavia, se aplicarmos o raciocínio de supervalorização do objetivo final que o Ministério Público adotou no caso Novelino, nosso personagem deveria responder somente pelo homicídio qualificado, pois essa era sua real intenção. A morte do feto ficaria impune, o que é um absurdo e, segundo a famosa regra de hermenêutica, toda interpretação que conduz ao absurdo está errada.
Honestamente, não consigo compreender a insistência em caracterizar homicídio, ainda que eu descesse ao nível de escolher o delito que permitisse uma punição mais dura aos agentes. Afinal, o latrocínio é um crime mais grave que o homicídio qualificado. As penas máximas são iguais (30 anos), mas a diferença entre as mínimas é grande: homicídio qualificado, 12 anos; latrocínio, 20 anos. O latrocínio, crime patrimonial que é, ainda prevê pena de multa e não é julgado pelo tribunal do júri, o que asseguraria um processo mais rápido e com menos oportunidades de tramóias de advogados de defesa.
Portanto, nem sob a ótica do utilitarismo irracional essa pertinácia toda me convence.
Os compromissos me obrigam a interromper aqui. Na próxima oportunidade, retomarei minha abordagem, comentando o teor da manifestação ministerial. Bom dia.

PS — Naturalmente, já me ponho à disposição dos críticos. Aliás, estou ansioso pelos defensores da tese de homicídio. Será que alguém mudará de opinião?

Minha visão sobre o caso Novelino: parte I

Muito já me perguntaram porque não publiquei nada acerca do caso dos irmãos Novelino. Sempre respondo que o caso está em aberto e precisamos evitar que algo tão grave quanto o Direito Penal seja tratado como o futebol, área em que todo mundo se acha técnico e por isso emite opiniões cheias de verdade absoluta. Já me manifestara, contudo, no blog O Intimorato, do amigo Fred Guerreiro, inclusive trocando ideias com o Prof. André Coelho, que enriqueceu a discussão com seus conhecimentos de Filosofia.
Agora que se confirma a minha suspeita — o Ministério Público entendeu tratar-se de homicídio qualificado —, penso ser o momento de externar minha opinião, estritamente com o propósito de contribuir para o debate.
Sabemos que a polícia e o advogado Antônio Neto, representante dos familiares das vítimas, sustentam ter havido um latrocínio, mas esse pensamento não é comungado por quem mais interessa, o titular da ação penal.
Anunciado o delito, meu primeiro pensamento foi o de duplo homicídio qualificado pelo motivo torpe, pelo meio cruel (asfixia) e mediante dissimulação (CP, art. 121, § 2º, I, III e IV). Some-se a isso a ocultação dos corpos. Num primeiro momento, entendi que o roubo era apenas um artifício para escamotear a real intenção dos criminosos (especificamente matar), desviando o rumo das investigações.
Após refletir com mais vagar — e inclusive devido aos estudos para elaboração de minhas aulas —, ponderei que, qualquer que seja a finalidade última dos agentes, se eles efetivamente mataram e efetivamente roubaram, haveria aí o tipo de latrocínio, realmente.
A meu ver, a interpretação do caso está sendo prejudicada pela valoração dada aos objetivos finais dos agentes. Se a real intenção era matar, então o delito é de homicídio. Lamento mas, nesses termos, a conclusão é bastante simplória.
Penso que o caso se resolve pela que a doutrina penal chama de dolo de consequências necessárias. Com os naturais prejuízos que toda síntese provoca, a ideia pode ser resumida assim: quando alguém delibera cometer um delito, naturalmente o que surge em seu intelecto é o crime em si, ou seja, o resultado pretendido pelo agente. O agente delibera matar, roubar, estuprar — e não adquirir uma arma para roubar, escolher um local para roubar ou ficar de tocaia para abordar uma vítima sexual. Somente depois de definir o objetivo é que o agente começa a selecionar mentalmente os meios de que se utilizará, bem como os modos de atuação, escolha de armas, local, tempo, ocasião, etc. O passo seguinte é a obtenção dos insumos escolhidos e, por fim, a execução.
Durante esse procedimento, o agente pode perceber que, para ultimar o delito desejado, ele precisará realizar outras ações que, isoladamente consideradas, são igualmente criminosas. São os efeitos colaterais representados (compreendidos) como necessários. Ao concluir que, para consumar o crime do jeito que pensou, será preciso cometer essas outras ações que, embora não sejam seu objetivo real, mostram-se necessárias em seu entendimento, o agente passa a querer o que antes não queria, ou seja, ele passa a ter dolo também em relação a esses elementos, que ampliam a sua ideação original.
Imagine a situação de um homem que decida invadir uma residência para estuprar a moradora. Após investigar o local, chega à conclusão que o melhor a fazer é usar o carro da própria vítima para fugir com maior facilidade. Isso pode não ter passado pela sua mente no planejamento inicial; pode ser uma ideia que surja durante a execução do delito. Mas se ele estuprar a vítima e fugir em seu automóvel, é óbvio que teve dolo de estupro e dolo de roubo, devendo responder pelos dois delitos.
Aplicando o mesmo raciocínio ao caso Novelino, teríamos o seguinte: para matar, não é necessário todo o mise-en-scéne engendrado pelos criminosos — por sinal, um planejamento imenso com execução canhestra, levando à elucidação do caso em tempo recorde. Mas se eles deliberaram que o crime seria praticado do jeito que foi, significa que consideraram como efeitos colaterais necessários a simulação de assalto, o roubo de documentos e do carro, etc. Logo, tiveram dolo para cada um desses elementos. Dolo direto de homicídio (a verdadeira e última intenção) e dolo de consequências necessárias quanto ao ataque patrimonial. Agora basta aplicar o art. 157, § 3º, do Código Penal: a fusão entre os dolos de homicídio e de roubo produz, logicamente, o tipo de latrocínio. É isso que defendo.
Aos estudiosos da matéria, recomendo a leitura de Eugenio Raúl Zaffaroni.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Menção constitucional

Postagem do blog Nec Plus Ultra, do amigo CJK:


Meu comentário:
Caro CJK, somos ambos advogados e professores, portanto me sinto à vontade para o comentário.
Não lhe parece um horror que a Constituição fale da importância social dos advogados, mas não tenha a mesma preocupação com os professores, estes sim os únicos profissionais indispensáveis do mundo?
Não seria esse um indício de por que as coisas, no Brasil, estão como estão?

Adendo:Dentre os meus alunos, decerto muitos não gostarão do que direi, mas o fato é que sou total, cabal, veemente e intransigentemente a favor do exame de Ordem, como já declinei aqui no blog. Entendo que ele deveria ser mais sério, na elaboração e na correção das provas, assim como no julgamento dos recursos. Outrossim, olho com preocupação a unificação do conteúdo das provas em âmbito nacional, pois isso viola inclusive a recomendação do MEC de montar as matrizes curriculares dos cursos sob uma perspectiva das realidades locais.
Mais uma vez, a falta de reflexão atropela os reais anseios e necessidades de nosso país, que, precisa, sim, conter a sangria de profissionais despejados no mercado por instituições de duvidosa capacidade para fazê-lo.

ESTOURO DA BOIADA
E o senador Gilvan Borges (PMDB) do vizinho estado do Amapá quer acabar com o exame de Ordem para o exercicio da profissão de advogado. Parece que vai conseguir.
O advogado é o único profissional que tem sua função e importância social inscrita na Constituição Federal:
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Liberar o acesso indiscriminado a esta profissão é um atentado à cidadania. Mais um, aliás.

Pague a conta

Se é que existem "contadores eleitorais", Ana Júlia que consulte os seus. Porque, ao exonerar a bagatela de 20.388 servidores temporários, recairá sobre o ela o ódio dos atingidos pela medida. Multiplicando-se o número de exonerados pelos membros da família, a fatura a pagar nas próximas eleições será duríssima. Mesmo levando em conta que, no polo diametralmente oposto, as pessoas que morgam há anos pela nomeação, após serem aprovadas em concursos públicos, devem ficar satisfeitas com o final da espera.
Neste tema, não há que se esperar qualquer racionalidade. O governo atual está apenas cumprindo um termo de ajustamento de conduta firmado com o Ministério Público do Trabalho pelo governo anterior, dois anos atrás. Que importa? A esmagadora maioria dessas pessoas têm nível escolar tão baixo quanto alta é sua necessidade de subsistência. Elas somente se lembrarão que os governos tucanos se esmeraram em empurrar o caso com a barriga por todo o tempo possível. Empurrar esse caso com a barriga é mérito pois, para eles, não importa quão inconstitucional, ilegal, imoral ou engordativo seja firmar e prorrogar ad infinitum contratos temporários de trabalho. O que lhes interessa é permanecer na folha de pagamento, contra qualquer razão.
Sabemos que muitos políticos (evitarei os adjetivos) se locupletaram defendendo a causa dos temporários. Causa ruim, não porque não mereçam trabalhar, mas porque sustentar uma ilegalidade, que lesa os interesses dos próprios trabalhadores (p. ex. quanto à aposentadoria), é uma barca furada. Barca essa que rendeu votos a muitos e que agora pode custá-los a Ana Júlia.
Um dia isso tinha que acontecer. Por mais indecente que seja este país, um dia as coisas andam. O absurdo dos temporários permanentes do Pará vai finalmente acabar. Já não era se em tempo.

O horror urbano

4h30 da madrugada de sábado último. A empregada doméstica Sirlei Carvalho Pinto estava sentada em um ponto de ônibus na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro. Ser abordada por um assaltante seria o previsível, mas não foi o que ocorreu. Ela foi abordada por quatro jovens endinheirados, moradores de condomínios de luxo, que desceram de um automóvel e, sem mais nem menos, começaram a espancá-la. Quatro jovens contra uma mulher, socos e pontapés.
Esta nova tragédia de nossa sociedade só não acabou na mais absoluta impunidade porque um taxista, felizmente, presenciou a cena e anotou a placa do automóvel dos marginais. Através dessa informação, a polícia identificou os nojentos. Três estão presos e mais dois são procurados. Na delegacia, a explicação: pensaram que se tratava de uma prostituta.
O episódio nos leva a dez anos atrás, quando quatro sociopatas de classe A em Brasília queimaram o índio pataxó Galdino dos Santos e alegaram tê-lo confundido com um mendigo. A explicação, rápida, mostra o que realmente pensam esses desgraçados que se consideram melhores do que os outros apenas por causa de suas contas bancárias. Ou, o que chega a ser pior, das contas bancárias de seus pais, pois eles mesmos não contribuem com um único centavo.
Mendigos e prostitutas merecem ser surrados, inclementemente, queimados vivos e assassinados. É a absoluta ruína moral de uma época.
O delegado responsável pelo caso, numa atitude forte porém juridicamente questionável, decidiu indiciar os acusados pelo delito de tentativa de latrocínio. Em outra oportunidade, com mais tempo, comentarei sobre isso. Por enquanto, é bom mesmo que ele seja incisivo. Porque essa turma terá excelentes advogados.
O enredo dessa novela já é conhecido: marginal rico logo fica doente, traumatizado, com crises de asma, ganha rapidamente um alvará de soltura porque não tem antecedentes, etc. Estamos apenas no começo de uma trama que há de revolver os nossos estômagos com tanto asco. De tudo isso ficam as lúcidas e sábias palavras de Renato Carvalho, pai da vítima, um idoso humilde nas finanças e no nível de instrução, que ao final da reportagem exibida pela TV Globo, declarou: “Eu tenho pena. Pena no sentido de que eles merecem um tratamento, que os pais olhem até onde estão dando liberdade a eles. Nesse país, se precisa impor limites aos jovens. Os jovens estão muito soltos. A polícia precisa entrar nessa situação”.
Assino embaixo do que ele disse. Mas a marginália da alta sociedade, os pais e os filhos, receberão a crítica com escárnio. Afinal, eles nunca estão errados.

domingo, 24 de junho de 2007

Experimente!

Esta semana tive a oportunidade de degustar pratos deliciosos que, pessoalmente, ainda não conhecia. Fazendo uma linha Veja Belém — O melhor da cidade, lá vai:
A sempre saborosa Trattoria San Gennaro (Almirante Wandenkolk, 666) fez recentes inclusões em seu cardápio. Experimente o filé de avestruz (no cardápio aparece escrito "avestrus", mas espero que isso não comprometa a autenticidade da carne), que vem regado com um molho de queijo Gouda e a guarnição é um impressionante risoto de açafrão. Cada elemento sozinho já é uma delícia, mas a mistura de todos, na boca, é um deleite. O preço: R$ 40,00, que considerei justo.
O Lá em Casa da Estação das Docas tem uma cozinha consagrada, por conta da assinatura do chef, sempre uma referência segura. Falar bem é até meio redundante, principalmente no que tange às receitas usando ingredientes regionais. Ontem à noite, fui de filhote grelhado com molho salgado de bacuri e risoto de bacuri. Paladares mais sensíveis podem desaprovar, porque o molho vem com pedaços da polpa da fruta, eu diria até abundantes, o que pode se tornar enjoativo. Eu mesmo, que considero o bacuri nossa fruta mais saborosa, lá pelas tantas comecei a afastar os pedacinhos de polpa, para sentir o sabor da fruta apenas no molho. A iguaria, contudo, é uma delícia e muito boa para mostrar as potencialidades da culinária local a qualquer visitante estrangeiro.
O filhote grelhado com bacuri sai por R$ 42,00 e é o prato da boa lembrança, de modo que você ainda ganha um pratinho desenhado, muito bonito, para levar para casa. Somando-se o fato de que bacuri é um ingrediente caro e que eles não economizaram, considerei o preço muito bom. Afinal, há restaurantes na cidade em que uma boa lembrança não sai por menos de R$ 60,00.
Qualquer hora dessas volto com mais sugestões. Por favor, dê as suas.

Asteroide da discórdia


Outro dia, recebi em minha caixa de e-mail, repassada por um desses prestativos conhecidos sempre à disposição para encaminhar spams ao máximo possível de pessoas (Deus os proteja), uma mensagem informando que astrônomos haviam descoberto que o asteroide 2-Pallas estava prestes a se chocar com a Terra, agora mesmo, em 2007. Havia um texto com todo o ar de seriedade e até um infográfico, mostrando a rota de colisão entre o corpo celeste e o nosso planeta.
Olhei a mensagem desinteressado, li umas três linhas e ignorei. Entretanto, muita gente pelo mundo afora recebeu e-mail semelhante e uma boa parte acreditou. Não à toa, muita gente ficou furiosa ao saber do que se tratava. De fato, existe um bólido que acaba de se chocar com a Terra. Mas ele não é um asteroide, e sim o novo lançamento da Citröen, o C4 Pallas, esse carro maravilhoso que você pode ver na imagem e conhecer melhor no hotsite.
Seguindo uma ilha provavelmente inspirada em Orson Welles, os marketeiros da Citröen criaram uma campanha apostando num ar realista, capaz de impressionar de verdade. A tática foi usada há alguns anos, para promover o filme A bruxa de Blair (The Blair Witch Project, de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, 1999), com grande sucesso. Mas nem todo mundo aprovou e a empresa francesa tem recebido críticas pela publicidade considerada abusiva. No entanto, ela não parece nada preocupada e continua investindo na história, por meio de uma interessante promoção. Ninguém ficou indiferente à campanha e é mais quem quer saber porque o tal automóvel merece ser comparado a um asteroide.
E você, o que acha? Eu achei o carro espetacular!

Leia uma pequena crítica aqui.

Alguém respeitou

Ontem, em algum lugar de São Brás, próximo à caixa d'água, havia uma festa junina. Escutava-se à distância o som da música. Pelo menos, forró de verdade, música apropriada, não esses lixos que o popularesco adora. Quando me deitei em minha cama, pensei que o som não estava tão infernal. Porém, após alguns minutos, percebi que o barulho me incomodava realmente. Fiquei contemplando o teto e, de repente, dei-me conta de que a música havia parado.
Um pouco após a uma hora da madrugada, a festa acabou e o silêncio possível (já que naquele perímetro o trânsito sempre nos traz algum ruído incômodo) prevaleceu. E eu pude adormecer tranquilamente.
Não sei se os responsáveis pela festa tiveram consciência e respeitaram o horário. Não sei se houve intervenção da polícia. Não sei se alguém reclamou. Só sei que uma festa junina, em Belém do Pará, não se transformou em obstáculo ao sono da madrugada. Graças a Deus.
Quisera que fosse sempre assim.

sábado, 23 de junho de 2007

Expansão geográfica da malandragem

Ontem, sexta-feira, 22 de junho, por volta de 14 horas, pessoas que ninguém sabe, ninguém viu, afanaram 65 metros de fiação telefônica no Rua Maracanã, do Conjunto Médici I. O conjunto e suas imediações, densamente povoados, ficaram sem telefone. A informação foi confirmada pela própria Telemar, que até foi rápida para promover os reparos. Cerca de 24 horas após o furto, o serviço já estava restabelecido.
A maior lição que se tira do episódio é a incessante banalização da criminalidade. Com cada vez maior desenvoltura, as pessoas veem no crime e no prejuízo alheio uma oportunidade normal, tranquila e satisfatória de ganhar dinheiro. É impossível avaliar que tipos de prejuízos foram suportados pela população atingida. Quem terá precisado de socorro médico e ficou sem pedir? Quem trabalhará em casa, dependendo do telefone, e perdeu um dia de renda? Que outros assuntos importantes foram inviabilizados pela insensibilidade de um ou dois marginais?
Sim, porque o nome disso é marginal. Não dá para contemporizar. Estamos cada vez mais à mercê dos caprichos de malfeitores, cuja alegada necessidade (sabe lá se realmente é uma necessidade ou apenas uma facilidade) sobrepõe-se a tudo, atropela a todos.
Espero que, ao menos, os moradores do Médici comecem a prestar mais atenção, doravante, em estranhos que pareçam de bobeira por ali. Um pouco antes desse furto de fiação, um automóvel foi levado da porta da dona, à luz do dia, sem dificuldades.
Seria bom a polícia se lembrar que o Conjunto Médici também pertence a Belém e que seus habitantes também pagam impostos. Uma rondazinha policial de vez em quando não seria má ideia.

PS — O título da postagem alude ao fato de que esse tipo de furto é muito comum na Alça Viária, p. ex., mas não era comentado lá pelas bandas do brioso bairro da Marambaia. Sabemos que basta ocorrer uma vez para os meliantes copiarem. Se a moda pega...

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Eles venceram, claro

A Secretaria Municipal de Urbanismo retirou diversas barracas espalhadas pela Rua João Alfredo, que impediam a livre circulação de pedestres, fato notório que constitui uma das piores pragas da cidade. Resultado? O de sempre: protesto dos camelôs, que a imprensa insiste em chamar de "ambulantes", embora eu não consiga entender o conceito de ambulantes fixos.
Consequência do protesto? Voltam as barracas. A prefeitura fez "acordo" com os donos da rua, comprometendo-se inclusive a ser rápida: hoje elas deverão estar disponíveis.
E ainda falam mal da atual administração municipal! Veja só como ela atendeu prontamente os cidadãos. Pena que tenha atendido os 0,000001% que dominam o espaço urbano em detrimento dos restantes 99,999999%.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Nova pavimentação na cidade

Sob o título "Experiência", o Repórter 70 de hoje divulga o seguinte:

Belém é a primeira capital brasileira a participar de uma experiência da Petrobras com material especial para a pavimentação de vias. A novíssima técnica, utilizando polímeros, gera economia de mais de 60% nas operações tapa-buraco. O polímero funciona como uma camada impermeabilizante, evitando a perfuração da camada protetora a partir do impacto e da ação do alto volume da água de chuva. Dez ruas de Belém já entraram na experiência.

Gostei muito da notícia. Afinal, aprecio tecnologias novas e úteis, cujos benefícios aparecem facilmente, no cotidiano das pessoas. A redução de custos do material vem muito a calhar, numa cidade que tem problemas crônicos com buracos. Uma economia assim tão grande pode permitir que um número bem maior de vias sejam asfaltadas, com os mesmos custos. Auspicioso, não?
Se alguém souber que dez ruas são essas, informe, por favor. Assim os curiosos poderão ir lá saber se a novidade funciona, mesmo.

PS — Alguém já notou como a Av. Magalhães Barata está, num curto espaço de tempo, se enchendo de buracos? O terreno cede e surgem aqueles buracos não muito grandes, mas profundos. Um perigo para carros e pedestres. Às vezes, tenho a sensação de que seremos tragados.

Tom Bombadil deve estar sorrindo


Considerado um personagem chato e até mesmo desnecessário na maravilhosa trilogia O senhor dos aneis, de J. R. R. Tolkien, Tom Bombadil é odiado por cantar o tempo todo. O estilo irritante esconde a importância do personagem, cuja natureza jamais foi explicada, havendo boatos até de que ele seria uma espécie de deus. Mesmo assim, ele é sumariamente ignorado na versão cinematográfica, sem prejuízo algum à obra.
Entretanto, é Bombadil que deve estar comemorando, com canções, o sucesso do musical O senhor dos aneis, cuja estreia em Londres se deu anteontem. Acima, uma cena do espetáculo. Resultado do investimento de 40 milhões de euros (ou quase 100 milhões de reais), coisa de primeiro mundo, a montagem impressionou a todos pela qualidade, tecnologia e pela própria linguagem: embora não seja novidade, a interação dos artistas com o público causou sensação. Hobbits e orcs passam pela plateia.
Para conhecer maiores detalhes do espetáculo, morra de inveja aqui.

Afofando a cabeça II: vazamento de caulim

A Imerys Rio Capim Caulim, de Barcarena, pensa que nóis semo tudo índio. Só pode. Botam no ar, em plena TV e na hora sagrada da minha refeição, um informe publicitário que abusa do direito de ser mentiroso, cínico e cretino.
Mostrando imagens aéreas supostamente gravadas no último dia 17, afirmam que a cor branca da água já está se dissipando e que isso ocorre "com a maré". É claro que ocorre. Estamos falando de água. O caulim excessivamente concentrado vai-se alastrando para regiões mais distantes. Quanto menos concentrado, mais clara a cor da água, mas nem por isso o caulim desapareceu pois, que me conste, ele não evapora. Ou foi para longe ou se depositou no leito dos rios. Ou seja, a poluição só não está mais visível, porém existe.
Afirmam também que o caulim é uma argila natural e, portanto, não polui. Pode ser. Omitem, entretanto, provavelmente por mero lapso, que os produtos químicos usados para o seu beneficiamento desaguaram na natureza junto com ele. Tais produtos são nocivos à saúde, o que motivou a declaração de peritos, divulgada ontem, de que dois igarapés já podem ser considerados mortos, na medida em que os índices de oxigenação e salinidade estão em níveis que inviabilizam até a vida microscópica.
Por fim, a empresa afirma que cumpre todas as normas ambientais. Ela é a única que pensa assim. Afinal, já foram registrados anteriores vazamentos, de menores proporções, bem como os produtos químicos estavam misturados ao caulim, nos tanques de contenção, por um defeito operacional.
Senhores empresários, se os senhores afofam as cabeças antes de dormir, eu não.

Afofando a cabeça I: ocupação da UFPA

Os democráticos estudantes (sic) que ocuparam a reitoria da minha querida UFPA deliberaram, finalmente, após idas e vindas, desocupar o prédio. Fizeram-no, naturalmente, apenas porque a luta dos estudantes (sic) chegou a bom termo.
Eles podem falar em reparos na ponte de pedestres que liga os campi básico e profissional, construção de outro restaurante universitário, reforço na segurança, melhoria das condições de ensino, reforço do quadro docente, etc. O que quiserem. Mas, na vera, se o reitor tivesse aceitado uma só, uma única de suas reivindicações, o movimento paulista no tucupi teria sido encerrado imediatamente. Era só liberar as festas no campus.

PS — Parafraseando o Aldrin Leal, que me honra com seus constantes comentários no blog, eu diria que o pequeno questionador dentro de mim se remoi com as seguintes dúvidas, dentre outras:
Como harmonizar liberação de festas com reforço da segurança, se aquelas são um fator poderoso e notório de incremento da violência na universidade?
Melhorar o ensino e o quadro de professores para quê, se os estudantes (sic) que participaram do movimento não têm tempo para entrar em sala de aula, já que a atividade política, a "representação discente" e as festas não lhes deixam tempo?
Ah, como são altruístas e preocupados com os colegas!

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Conta comigo

Ontem, a Assembleia Legislativa do Estado do Pará teve o seu maior quórum deste ano: compareceram 35 dos 41 deputados. Isso ocorre apenas quando há matérias importantes por votar. E havia: o reajuste dos próprios vencimentos. Nossos parlamentares se autoconcederam um reajuste de 28,5%, o máximo possível, pois o teto constitucional determina que recebam até o limite de 75% do que auferem os deputados federais, cujo vencimento é de R$ 16.512,09. Os paraenses sobem de R$ 9,6 mil para quase R$ 12,3 mil, mas isso é apenas a "inflação acumulada nos últimos quatro anos".
O acontecimento teve repercussão nacional pela imprensa.

Vinagre azedo

Dentre as milhares de coisas irritantes que existem em Belém, cito o fato de certas situações nunca se resolverem. Chegando ao trabalho, esta manhã, atravessei uma confusão na Almirante Barroso, ao lado do elevado. Deduzi na hora do que se tratava: a enésima ocupação do Residencial Antônio Vinagre.
Vamos recapitular, embora já faça tanto tempo que eu não me lembro mais com tantos detalhes.
O então prefeito Edmilson Rodrigues desapropriou imóveis na área conhecida como "Bandeira Branca", a fim de desenvolver um dos projetos de habitação de seu governo — área que foi um fiasco em seu governo, como se pode constatar pela problemática e constrangedora cooperativa ComTeto e pelo Residencial FelizCidade, que de feliz não tem nem esse nome infame e muito menos a sua aparência tétrica, ali na Augusto Montenegro, próximo ao Mangueirão.
A área da "Bandeira Branca" foi usada para construir os famosos blocos de apertamentos, transformando-se no Residencial Antônio Vinagre. Todavia, bem antes do fim do mandato de Edmilson, as obras pararam. Acabou o dinheiro, a vontade ou alguma outra coisa, mas o fato é que os prédios estão lá, intérminos e não entregues a seus destinatários. Mas têm paredes e teto, o que significa que são mais do que suficientes para os sem teto espicharem seus olhos.
Já perdi a conta das vezes que o residencial foi ocupado. Às 5 da madrugada de hoje, foi a enésima vez. Felizmente, até hoje as ocupações foram revertidas, evitando que o patrimônio público virasse mais uma favela. Se bem que patrimônio público inútil e abandonado também não é motivo de alegria.
11 pessoas foram presas e houve confronto. Por isso passei receoso de acabar apedrejado, mas às 8 da manhã os ânimos já haviam arrefecido. Agora a Guarda Municipal vai passar uns dias vigiando, depois vai embora e qualquer hora o prédio será novamente dominado, até o momento em que não mais será recuperado. Afinal, com a prefeitura que aí está, não existe a menor possibilidade de concluir uma obra do governo anterior.
Certas horas, Belém é uma lástima.

Motoristas pecadores

Vade retro, motorista ímpio! És um pecador!
Pelo menos, desde ontem, depois que o Vaticano anunciou um documento chamado "Orientação para a Pastoral das Estradas", no qual passa a considerar como pecados as condutas irregulares no trânsito. É a Igreja Católica mostrando estar atualizada com os problemas do mundo. Isto é, desde que seja numa hipótese em que ela possa reforçar o próprio poder, como se percebe pela recomendação expressa para que os condutores façam o sinal da cruz antes de sair.
O fato é que agora existem os dez mandamentos para o trânsito. Particularmente, gostei muito deles:

1. Não matar

2. A estrada deve ser uma forma de comunhão entre pessoas e não arma mortal

3. Cortesia e prudência o ajudarão a lidar com o imprevisto

4. Ajude o vizinho necessitado, especialmente vítimas de acidentes

5. Carros não devem ser uma expressão de poder e dominação, e uma ocasião para pecar

6. Convença os jovens e não tão jovens a não dirigirem quando não estão aptos

7. Apoie as famílias de vítimas de acidentes

8. Aproxime motoristas culpados e vítimas para propiciar o perdão

9. Na estrada, proteja os mais vulneráveis

10. Sinta-se responsável pelos outros

A iniciativa é excelente. Só receio que os efeitos práticos dela sejam os mesmos que os do anátema lançado pelo Papa Bento XVI, em sua passagem pelo Brasil, aos narcotraficantes. Já acabou o tráfico de drogas, né?

A tocha!


Calma, gente: é desta que eu estou falando!

Belém recebe a tocha dos Jogos Panamericanos hoje, com todos os rapapés e salamaleques que os politiqueiros adoram. Abstraindo-se isso, que venha o Pan!
Saiba mais sobre a tocha do Pan.

Atualizado às 9h43:
A tocha chegou à cidade às 6h15 num avião da Força Aérea Brasileira — não fosse assim, ela teria que relaxar e gozar em algum aeroporto, como ocorreu com o atleta paraense Agberto Guimarães, que deveria tê-la conduzido ao Estádio Olímpico Edgar Proença. A missão foi cumprida pelo ex-nadador e medalhista olímpico e panamericano Cyro Delgado.

terça-feira, 19 de junho de 2007

A temperança


Um anjo com rosto feminino derrama o conteúdo de um vaso em outro. O personagem é visto de frente, com o rosto ligeiramente inclinado para a esquerda e para baixo, e o tronco voltado na mesma posição.
Sua vestimenta tem várias cores: azul, de cada lado do corpete, e na metade esquerda da saia; vermelho, nas mangas e na outra parte da saia. As asas são azuis (ou cor de pele, na edição Grimaud). Os pés permanecem ocultos pelas pregas da saia.
A flor no topo da cabeça, o botão amarelo no meio do peito (ou um panejamento dourado, em outras versões), salientam chacras ativos do personagem.
Três linhas onduladas unem os vasos que o anjo segura; o líquido derramado pode representar as energias em transmutação.
Na edição Camoin, a barra do vestido, em amarelo, representaria serpentes entrelaçadas, sob controle do anjo, aos seus pés. Ou seja, representa seu vínculo com a circulação das energias em diferentes níveis de manifestação.

Significados simbólicos
A alquimia, a transmutação dos elementos. Renovação da vida, influência celeste, circulação, adaptação. Serenidade. Harmonia. Equilíbrio.

Temperança para nós.

O povo fala mesmo

Piadinha maldosa escutada nos corredores do Tribunal de Justiça, agora há pouco, acerca de um acidente de trânsito com vítimas fatais, a partir das declarações do advogado de defesa:

O acusado não está sendo protegido.
Ele não estava dirigindo em alta velocidade.
Ele não estava bêbado.
Ele não estava drogado.
Ele nem estava lá!

Noite de monografias

Ontem à noite, cumpri mais uma etapa do encerramento do semestre letivo, reunindo-me com o colega professor (e promotor de justiça preparado, diligente e probo) Alexandre Rodrigues, para fazermos bancas de avaliação dos trabalhos de conclusão de curso que (des)orientei no período.
Eram três. No primeiro, minhas queridas Auxiliadora Rodrigues e Luciene Santos criticaram o atual conceito de crime de menor potencial ofensivo, que leva em conta basicamente a pena máxima prevista em lei. Assim, condutas com penas pequenas, mas que representam danos individuais ou sociais significativos, acabam merecendo o tratamento mais benéfico dos Juizados Especiais Criminais. Elas são contra. Propõem que o conceito considere, também, os resultado da conduta delitiva, baseando-se na teoria do risco e no princípio da ofensividade.
Mesmo tendo reservas pessoais a medidas que tornem as leis mais duras, salvo exceções bem particulares, a ideia é boa e merece uma reflexão da sociedade. Mormente quando se pensa em situações como as que elas exemplificaram, sobre dano ambiental, p. ex. a poluição sonora que inferniza Belém, ou sobre crimes contra idosos, às vezes punidos com mais brandura do que as espécies correlatas cujas vítimas são menos desprotegidas. Um contrassenso.
Na segunda monografia, o grande João Fernando Oliveira e Bárbara Rebello puseram em xeque a "Lei Maria da Penha", embora reconhecendo os seus méritos e a necessidade de haver normas do tipo. O problema são certos efeitos da lei, não suficientemente refletidos pelo legislador, que causam embaraços à sociedade. Um deles, estabelecer que as causas envolvendo violência contra a mulher tenham prioridade perante o Judiciário. É cada vez maior o número de prioridades processuais, que certamente acabarão em conflito. Outro aspecto, da maior gravidade, sobre o qual pretendo escrever em outra oportunidade, é sobre o julgamento de crimes dolosos contra a vida perante as varas especializadas em violência contra a mulher.
Fechando a noite, Flávia Quintairos não teve medo de mexer com os pruridos morais da sociedade brasileira e propôs a descriminalização da eutanásia voluntária, com base no princípio da autonomia. Apresentando uma valiosa base filosófica (o trabalho não era precipuamente jurídico, o que considero ótimo), recorrendo a autores como Dworkin, Beauchamp e Childress, Flavinha passeou pelo campo que está sendo considerado como a palavra de ordem do Direito para o Século XXI: a Bioética e o Biodireito.
É possível que, nos próximos dias, à medida que o tempo vá folgando, eu desenvolva um pouco mais, aqui no blog, as ideias dessas monografias. Por enquanto, peço desculpas por não dispor de muito tempo para postar.
Abraços calorosos a todos e outros, particularmente especiais, aos muito queridos alunos que ontem viraram mais uma página, muito bem escrita, na história de suas vidas.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Rodas de carro ganham inteligência artificial

Esta é para minha esposa, que leciona a disciplina Inteligência Artificial, e para Carlos Barretto, que faz do seu blog Flanar uma referência tecnológica para muitos de nós.

Pesquisadores da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, empregam os últimos avanços no campo da inteligência artificial para desenvolver a primeira roda para carros capaz de se adaptar sozinha ao caminho percorrido.
Nos testes desenvolvidos em parceria com a empresa PML Flightlink em um carro elétrico, as rodas utilizam microcomputadores para fazer quatro mil cálculos por segundo e “conversar” umas com as outras. Elas são capazes de 'aprender' enquanto o carro é guiado, fazendo cálculos e ajustes de acordo com a velocidade desenvolvida e as condições da estrada.
“A sabedoria convencional diz que não é possível reinventar a roda, mas nós fizemos justamente isso. Pegamos a roda, lhe demos cérebro e a habilidade de pensar e aprender. É um grande avanço”, disse David Brown, do Instituto de Pesquisa Industrial da universidade.
A inteligência artificial controla a suspensão, sistemas de navegação e freios, e os ensina a adaptar reações às curvas, aos buracos e a outros obstáculos. A informação é retida na memória do computador, e acessada na próxima vez que o carro encontrar condições similares.
“A próxima geração de veículos tem o potencial de ser muito autônoma, mas qual é a diversão nisso? As pessoas têm prazer em dirigir e sempre vão querer a liberdade de dirigir como e quando elas quiserem”, disse Brown.

Grandes mistérios da humanidade

Examinando uns trabalhos de conclusão de curso em poder de minha esposa e corrigindo as minhas provas, ontem, constatei algo de que me lembrei ao redigir a postagem anterior. Preciso de uma resposta que me alivie esta aflição.

Por que diabos as pessoas não acentuam a palavra indivíduo?

Acréscimo em 22.6.2007, às 13h58:
Após mais algumas dezenas de provas corrigidas, a dúvida me consome ainda mais...

STJ limita a atenuante da confissão espontânea

Confissão espontânea só serve de atenuante se autoria do delito for reconhecida em juízo
Pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a aplicação da atenuante da confissão espontânea só é admitida quando o acusado reconhece em juízo a autoria do delito. Por esse motivo, a Primeira Turma negou o benefício a Afonso César Braga, administrador da empresa Brasil Sul Passagens e Turismo Ltda.
A empresa teria adquirido dólares da firma Câmbio Del Este, sediada no Paraguai, sem o devido trânsito por banco habilitado a operar em câmbio pelo Banco Central do Brasil (Bacen).
A Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenou Braga por induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente, conforme dispõe o artigo 6º da Lei n. 7.492/86 (Lei do Colarinho Branco). E também por efetuar operação de câmbio não autorizada com o fim de promover evasão de divisas do país, previsto no artigo 22.
No STJ, a defesa interpôs recurso especial sustentando que não teria havido conduta típica em razão da falta de dolo, já que o numerário foi devolvido à casa de câmbio, ante o cancelamento da operação. Alternativamente, pediu a aplicação da atenuante da confissão espontânea, ainda que o réu não tenha admitido a eventual ilicitude, mas tenha reconhecido a ocorrência dos fatos.
O relator, ministro Gilson Dipp, não conheceu do recurso quanto ao pedido de exclusão de dolo da conduta, uma vez que não houve o preenchimento do requisito do pré-questionamento e a revisão da decisão acarretaria violação do enunciado da Súmula nº 7/STJ. Em relação ao pedido de aplicação de atenuante da confissão espontânea, o ministro Dipp conheceu parcialmente do recurso, mas negou-lhe provimento. A Turma, por unanimidade, acompanhou o voto do relator.

Em dia de azáfama e cansaço, fica difícil atualizar o blog. Para não faltar com os eventuais e gentis visitantes, vai ao menos uma interessante decisão do Superior Tribunal de Justiça, como publicada no sítio institucional.
A bem da verdade, o julgado acima não apresenta nenhuma novidade. A atenuação da pena por motivo de confissão espontânea segue dois parâmetros: para os autores objetivistas, basta a simples confissão, quando idônea (livre de coações), pois ela representa efetiva colaboração com a Justiça, na medida em que permitirá a condenação do criminoso com menores ônus para demonstração de sua culpabilidade. Já para os subjetivistas, o que conta é a intenção do agente: a confissão só atenuaria a pena se o confitente agisse movido por arrependimento.
A jurisprudência se divide a respeito, mas predomina o entendimento objetivista. O julgado ora apresentado não destoa dessa concepção. Por meio dela, vê-se que o STJ não reconhece a confissão quando o agente admite o fato, mas nega a sua ilicitude. Faz sentido. É que nesse caso o Judiciário ainda terá que provar que o indivíduo agiu com dolo, ou seja, com a intenção de cometer o delito. Logo, não foi poupado desse trabalho todo.
Uma boa decisão, capaz de esclarecer as coisas para advogados espertos que, não conseguindo absolver seus constituintes, ainda pretendam beneficiá-los ao menos com uma pena menor, maliciosamente.

domingo, 17 de junho de 2007

Parada do Orgulho Heterossexual

Uma semana depois da Parada do Orgulho Gay, em São Paulo, a maior do mundo, que contou com uma voraz cobertura da imprensa, uma meia dúzia de gatos pingados inaugurou, no vão livre do Museu de Arte de São Paulo — MASP, a primeira Parada do Orgulho Heterossexual, com o slogan "Muitos são, poucos se orgulham". Não critique antes de ler mais aqui.
Como os organizadores juram de pés juntos que o movimento é democrático e que não apoia nenhuma iniciativa homofóbica, até gostei um pouco da ideia. E acho que têm razão quando questionam o uso de dinheiro público para subvencionar o evento gay. Não é que não possa: apenas a distribuição de dinheiro precisa ser repensada.
Quem me conhece sabe de minha antipatia por políticas de gênero. Mas a maioria esmagadora das pessoas com quem falo a respeito não compreende o meu ponto de vista, me critica e até me tacha de preconceituoso. Tento esclarecer que, muitas vezes, tais políticas acabam reforçando os preconceitos amargados pelas chamadas minorias sociais. Quando se tenta provar que as mulheres são iguais aos homens e que os negros são iguais aos brancos, p. ex., a premissa implícita da afirmação é de que mulheres e negros são inferiores. Bem poucas pessoas conseguem colocar a questão em termos adequados.
Enfim, os setores sociais tradicionalmente discriminados merecem ações concretas do Estado para reverter tal situação, claramente injusta. Entretanto, não pode ocorrer o que hoje ocorre: as ações afirmativas em favor da mulher marginalizam o homem, como se ele fosse sempre um violento malfeitor. As ações em prol do negro tratam o branco como se fossem todos raistas e saudosos da escravidão. As ações de afirmação gay partem do pressuposto de que todo hétero é frustrado, enrustido ou homofóbico de carteirinha.
Com isso, o que deveriam ser movimentos de libertação se tornam novos instrumentos de discriminação, de ódio e perseguição. E quanto a isto, definitivamente sou contra.

Acréscimo em 21.9.2011
Passados cinco anos, preciso reconhecer que a conjuntura mudou. Ações homofóbicas violentas se tornaram tão comuns que reforçaram a luta pela igualdade. De permeio, indivíduos altamente equivocados (para dizer o mínimo), quando não desvairados, alguns com mandatos políticos, tomaram medidas tão alucinadas nesse campo que, hoje, não é mais possível demonstrar alguma simpatia por movimentos pró-heresossexuais sem cair na vala comum da extrema-direita.
Assim, declaro que esta postagem já não exprime o meu ponto de vista.

Madrugada

Meia noite e meia e as letras começam a dançar na pilha de provas por corrigir. A mão inerte, com a caneta vermelha perdida entre os dedos. A visão embaça, com os olhos reclamando da luz.
A noite está quente. Um pouquinho. E agitada. Os sons da rua denunciam.
A casa em silêncio. Todos dormem. Menos eu, que sou bicho. A propósito, até os bichos já foram dormir. Já se cansaram do dia e se recolheram. Nem precisei mandar: foram sozinhos. São dois cães, da raça golden retriever. Primeiro foi o macho, de dois anos e meio. Depois o filhote, uma fêmea de três meses que ainda nem aprendeu que possui um canto certo para passar a noite. Mesmo assim, ela foi embora por conta própria, como se me dissesse "chega, já encheu". Olhei-a com ironia.
Despeitado, pus as provas de lado e peguei o notebook, para registrar o meu inconformismo. Estou revoltado. Quem inventou o repouso semanal remunerado debochou dos professores.