Daí eu recebo em minha caixa de e-mail aquele recadinho da Oi:
Que a Oi é uma droga de empresa de telefonia, já sabia há muito tempo. Mas agora ela contribui, também, para o engrandecimento da Língua Portuguesa.
O erro acima é duplo. Tanto revela que o apedeuta desconhece a construção frasal com o verbo haver, quanto desconhece a impossibilidade de crase antes de palavras masculinas. É a treva.
Eu realmente me pergunto o que está acontecendo com as escolas deste país, que está avançando alunos cada vez mais despreparados, a ponto de serem contratados e supervisionados por outros, tão despreparados quanto, e aí simplesmente ninguém mais percebe esse linchamento cotidiano da Língua Portuguesa.
Revoltante, isso. Mas não temos há quem recorrer. Ou melhor, à quem recorrer.
quinta-feira, 29 de maio de 2014
terça-feira, 27 de maio de 2014
Reforma do Código Penal XLIX: tramitando
Está sendo realizada neste momento, no Senado, a última audiência pública sobre o projeto de reforma do Código Penal, como instrumento para instruir a votação dos parlamentares, muito embora saibamos que eles se movem mais por seus objetivos subterrâneos ou por carreirismo eleitoral imediatista do que pelo interesse público.
Presente à audiência, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mostrou sua preocupação com uma das propostas mais controversas do projeto, pedindo "maturidade e cautela" na tipificação do terrorismo, uma exigência do mundo de emergências que vivemos hoje. Janot está particularmente preocupado com a possibilidade de a nova lei criminalizar os movimentos sociais, uma inquietação que também é minha.
Outra reticência do procurador-geral diz respeito à neotipificação do feminicídio, que seria uma espécie de homicídio qualificado por envolver violência de gênero contra a mulher. Já me manifestei aqui no blog sobre o tema, em face de minha incredulidade quanto a essa medida contribuir, de fato, para reduzir o número de mortes de mulheres. Quanto mais o tempo passa, mais descrente fico da capacidade da lei de motivar comportamentos. Em geral, a vigência da lei, que costuma vir acompanhada de algum estardalhaço da imprensa, pode até frear violências por algum tempo, mas depois ocorre o que chamo de movimento de maré, a sociedade se adapta e tudo volta a ser com dantes, quanto não pior.
A experiência brasileira está repleta de exemplos desse fenômeno e, por oportuno, a própria violência contra a mulher é um deles. Passado o impacto inicial da vigência da "Lei Maria da Penha", é fato que, hoje, os registros de crimes em contexto de violência doméstica e familiar contra mulher são muito maiores do que em 2006. Em suma, caímos na velha questão: a lei precisa ser boa. Contudo, nós, cidadãos, precisamos ser melhores do que nossas leis.
Fontes:
Presente à audiência, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mostrou sua preocupação com uma das propostas mais controversas do projeto, pedindo "maturidade e cautela" na tipificação do terrorismo, uma exigência do mundo de emergências que vivemos hoje. Janot está particularmente preocupado com a possibilidade de a nova lei criminalizar os movimentos sociais, uma inquietação que também é minha.
Outra reticência do procurador-geral diz respeito à neotipificação do feminicídio, que seria uma espécie de homicídio qualificado por envolver violência de gênero contra a mulher. Já me manifestei aqui no blog sobre o tema, em face de minha incredulidade quanto a essa medida contribuir, de fato, para reduzir o número de mortes de mulheres. Quanto mais o tempo passa, mais descrente fico da capacidade da lei de motivar comportamentos. Em geral, a vigência da lei, que costuma vir acompanhada de algum estardalhaço da imprensa, pode até frear violências por algum tempo, mas depois ocorre o que chamo de movimento de maré, a sociedade se adapta e tudo volta a ser com dantes, quanto não pior.
A experiência brasileira está repleta de exemplos desse fenômeno e, por oportuno, a própria violência contra a mulher é um deles. Passado o impacto inicial da vigência da "Lei Maria da Penha", é fato que, hoje, os registros de crimes em contexto de violência doméstica e familiar contra mulher são muito maiores do que em 2006. Em suma, caímos na velha questão: a lei precisa ser boa. Contudo, nós, cidadãos, precisamos ser melhores do que nossas leis.
Fontes:
- https://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/05/27/ccj-realiza-com-rodrigo-janot-ultimo-debate-sobre-reforma-do-codigo-penal
- https://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/05/27/janot-pede-cautela-na-definicao-de-terrorismo-no-codigo-penal
- https://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/05/27/inclusao-do-feminicidio-no-codigo-penal-tambem-e-questionada
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Sem mais galinhas no supremo terreiro
Há algumas semanas, nesta postagem, reclamei da atitude do Ministro Luiz Fux, que ao negar uma liminar em habeas corpus, manteve uma ação penal contra um homem acusado de furtar um galo e uma galinha, avaliados em 40 reais, os quais foram restituídos ao dono, eliminando qualquer possibilidade de dano.
Eis que o caso chegou ao fim. Julgando o Habeas Corpus n. 121.903, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a aplicabilidade do princípio da insignificância e mandou trancar a ação penal. O detalhe: esse foi o voto do próprio relator, seguido pelos demais ministros, com exceção de Marco Aurélio, vencido, e Dias Toffoli, ausente. O relator foi quem deixou a ação penal correr por causa de questiúnculas formais.
Como o acórdão ainda não está disponível, segue a notícia do Consultor Jurídico:
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal determinou, por maioria de votos, o encerramento de ação penal contra um homem acusado de roubar um galo e uma galinha, avaliados em R$ 40, na cidade de Rochedo de Minas (MG). Ao analisar o mérito, o relator da matéria, ministro Luiz Fux, entendeu que cabe a aplicação do princípio da insignificância.
Após indeferimento de Habeas Corpus pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a defesa impetrou HC no Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu a liminar. No STF, sustentou a aplicabilidade do princípio da bagatela, tendo em vista o pequeno valor do furto. Ressaltou, ainda, que os animais foram devolvidos. No mérito, pediu o reconhecimento da atipicidade da conduta, com fundamento no princípio da insignificância.
Em parecer, a Procuradoria-Geral da República afirmou que o suposto ladrão é réu primário e tem bons antecedentes. Argumentou ainda que “a lesão ao bem jurídico é inexpressiva, tratando-se de conduta que, pelo contexto em que praticado o delito, não se apresenta como socialmente perigosa”.
Com informações da assessoria de imprensa do STF.
Em suma, o STF até pode reconhecer que uma certa conduta não é penalmente desvaliosa. Mas mesmo com todos os debates a respeito, com toda a proclamada cultura jurídica dos senhores ministros, com toda a revalorização dos princípios, ainda é preciso que siga toda a tramitação processual para se chegar ao resultado óbvio (ou que deveria ser óbvio). Enquanto isso, o tempo e as energias da Procuradoria-Geral da República e da própria Corte Suprema deixam de ser empenhadas em coisa mais séria.
Que bom pelo resultado. Que pena por todo o resto.
Eis que o caso chegou ao fim. Julgando o Habeas Corpus n. 121.903, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a aplicabilidade do princípio da insignificância e mandou trancar a ação penal. O detalhe: esse foi o voto do próprio relator, seguido pelos demais ministros, com exceção de Marco Aurélio, vencido, e Dias Toffoli, ausente. O relator foi quem deixou a ação penal correr por causa de questiúnculas formais.
Como o acórdão ainda não está disponível, segue a notícia do Consultor Jurídico:
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal determinou, por maioria de votos, o encerramento de ação penal contra um homem acusado de roubar um galo e uma galinha, avaliados em R$ 40, na cidade de Rochedo de Minas (MG). Ao analisar o mérito, o relator da matéria, ministro Luiz Fux, entendeu que cabe a aplicação do princípio da insignificância.
Após indeferimento de Habeas Corpus pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a defesa impetrou HC no Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu a liminar. No STF, sustentou a aplicabilidade do princípio da bagatela, tendo em vista o pequeno valor do furto. Ressaltou, ainda, que os animais foram devolvidos. No mérito, pediu o reconhecimento da atipicidade da conduta, com fundamento no princípio da insignificância.
Em parecer, a Procuradoria-Geral da República afirmou que o suposto ladrão é réu primário e tem bons antecedentes. Argumentou ainda que “a lesão ao bem jurídico é inexpressiva, tratando-se de conduta que, pelo contexto em que praticado o delito, não se apresenta como socialmente perigosa”.
Com informações da assessoria de imprensa do STF.
Em suma, o STF até pode reconhecer que uma certa conduta não é penalmente desvaliosa. Mas mesmo com todos os debates a respeito, com toda a proclamada cultura jurídica dos senhores ministros, com toda a revalorização dos princípios, ainda é preciso que siga toda a tramitação processual para se chegar ao resultado óbvio (ou que deveria ser óbvio). Enquanto isso, o tempo e as energias da Procuradoria-Geral da República e da própria Corte Suprema deixam de ser empenhadas em coisa mais séria.
Que bom pelo resultado. Que pena por todo o resto.
Mais um crime hediondo
Como este pobre blog anda ao Deus dará, deixei de comentar em momento oportuno, mas o faço agora, que está em vigor a Lei n. 12.978, de 21 de maio último (vigência na data da publicação, em 22 de maio), acrescentando o delito de "favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º)" no elenco dos crimes hediondos.
Se é para haver crimes hediondos, que os mesmos sejam, ao menos, definidos com critério e bom senso. A exploração sexual de crianças e adolescentes se adequam a essa moldura de maior reprovabilidade. Continuam faltando, entretanto, os tipos de tráfico de pessoas.
Se é para haver crimes hediondos, que os mesmos sejam, ao menos, definidos com critério e bom senso. A exploração sexual de crianças e adolescentes se adequam a essa moldura de maior reprovabilidade. Continuam faltando, entretanto, os tipos de tráfico de pessoas.
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Linchado, porém vivo
A qualidade do jornalismo brasileiro não para de naufragar vergonhosamente. Não há um só dia, um só dia em que não encontremos erros nas notícias publicadas na internet (vou-me concentrar na internet, mas é certo que o problema não é localizado). Pode ser claramente um mero erro de digitação, algo menor, porém facilmente evitável com uma simples revisão, que parece não existir mais. Mas os atentados ao vernáculo se sucedem impiedosamente, como várias postagens deste blog já destacaram.
Outras vezes, o problema não está na Língua Portuguesa, mas no conhecimento do "jornalista". Cultura geral é um artigo cada vez mais raro. Veja-se, por exemplo, esta asneira publicada em plena home page do Portal G1, um dos maiores do país:
O erro não é inédito. Para os desavisados, o verbo linchar significa assassinar uma pessoa. Trata-se de um assassinato coletivo, perpetrado em geral como retaliação por alguma suposta falha de conduta, um crime, ou às vezes simplesmente porque o modo de ser ou de viver da vítima desagrada a maioria. Isso explica o linchamento de homossexuais ou de negros, mesmo em países supostamente desenvolvidos. A conhecida Ku Klux Klan, por exemplo, reunia gente capaz de caçar um ser humano para seviciá-lo até a morte, simplesmente por causa de sua cor.
Bem a propósito da KKK, eu acreditava ser fato histórico razoavelmente conhecido que o vocábulo linchamento se originou na chamada "lei de Lynch", de 1837, a partir do nome do capitão William Lynch, que legitimava o ódio racial nos Estados Unidos pós guerra da Independência. Ingenuidade minha, parece que pouca gente sabe disso.
O fato é que, se o rapaz está vivo — acredito que esteja, porque concedeu uma entrevista e a matéria não informou sobre interferência mediúnica —, significa que ele não foi linchado. Simples assim. Houve uma tentativa de linchamento. Tentativa, não consumação.
Aqui, a matéria em apreço, segundo a qual o rapaz atacado "ainda tenta entender os motivos de ter sido linchado por moradores". Como visto, ele não foi linchado. Mas, enfim, com essa moda de dizer que o importante é comunicar, de modo que, se o outro entendeu, não importa que esteja errado, então está tudo bem.
Eu é que sou um tremendo mala sem alça.
Outras vezes, o problema não está na Língua Portuguesa, mas no conhecimento do "jornalista". Cultura geral é um artigo cada vez mais raro. Veja-se, por exemplo, esta asneira publicada em plena home page do Portal G1, um dos maiores do país:
O erro não é inédito. Para os desavisados, o verbo linchar significa assassinar uma pessoa. Trata-se de um assassinato coletivo, perpetrado em geral como retaliação por alguma suposta falha de conduta, um crime, ou às vezes simplesmente porque o modo de ser ou de viver da vítima desagrada a maioria. Isso explica o linchamento de homossexuais ou de negros, mesmo em países supostamente desenvolvidos. A conhecida Ku Klux Klan, por exemplo, reunia gente capaz de caçar um ser humano para seviciá-lo até a morte, simplesmente por causa de sua cor.
Bem a propósito da KKK, eu acreditava ser fato histórico razoavelmente conhecido que o vocábulo linchamento se originou na chamada "lei de Lynch", de 1837, a partir do nome do capitão William Lynch, que legitimava o ódio racial nos Estados Unidos pós guerra da Independência. Ingenuidade minha, parece que pouca gente sabe disso.
O fato é que, se o rapaz está vivo — acredito que esteja, porque concedeu uma entrevista e a matéria não informou sobre interferência mediúnica —, significa que ele não foi linchado. Simples assim. Houve uma tentativa de linchamento. Tentativa, não consumação.
Aqui, a matéria em apreço, segundo a qual o rapaz atacado "ainda tenta entender os motivos de ter sido linchado por moradores". Como visto, ele não foi linchado. Mas, enfim, com essa moda de dizer que o importante é comunicar, de modo que, se o outro entendeu, não importa que esteja errado, então está tudo bem.
Eu é que sou um tremendo mala sem alça.
quarta-feira, 14 de maio de 2014
Uma questão de memória
Em minha ignorância, eu achava que não existia regeneração nas células cerebrais. Descubro, agora, que existe sim, mas apenas no hipocampo (ao menos no que diz respeito aos mamíferos).
Segundo Ballone*:
"O Hipocampo é uma estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro humano, considerada a principal sede da memória e importante componente do Sistema Límbico. Além disso é relacionado com a sensação espacial.
Esta estrutura parece ser muito importante para converter a memória a curto prazo em memória a longo prazo. A mágica que transforma informações em memória acontece em duas regiões do cérebro ao mesmo tempo: o Hipocampo (bem no centro do cérebro, na altura dos lobos temporais) e o córtex frontal (a massa cinzenta que reveste a fronte do cérebro). Cada vez que uma pessoa se lembra de algo, essas áreas sofrem um aumento de metabolismo e, consequentemente, do fluxo sanguíneo."
A descoberta recente dá conta de que, ao longo da vida, os neurônios do hipocampo vão sendo substituídos por outros, novos. Isso é bom, mas tem um senão: quando um neurônio se vai, leva consigo as memórias nele gravadas. E assim está explicado por que não nos recordamos de nossa infância. Com esta nova informação, os neurocientistas podem corrigir a crença de que a regeneração neuronal otimizava a memória e o aprendizado, abrindo novo campo de pesquisas. Quem sabe não podemos usar essa condição como estratégia para aprendermos mais?
Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/novos-neuronios-podem-substituir-antigos-limpar-memoria-12480413
* http://www.psiqweb.med.br/site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerDicionario&idZDicionario=602
Segundo Ballone*:
"O Hipocampo é uma estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro humano, considerada a principal sede da memória e importante componente do Sistema Límbico. Além disso é relacionado com a sensação espacial.
Esta estrutura parece ser muito importante para converter a memória a curto prazo em memória a longo prazo. A mágica que transforma informações em memória acontece em duas regiões do cérebro ao mesmo tempo: o Hipocampo (bem no centro do cérebro, na altura dos lobos temporais) e o córtex frontal (a massa cinzenta que reveste a fronte do cérebro). Cada vez que uma pessoa se lembra de algo, essas áreas sofrem um aumento de metabolismo e, consequentemente, do fluxo sanguíneo."
A descoberta recente dá conta de que, ao longo da vida, os neurônios do hipocampo vão sendo substituídos por outros, novos. Isso é bom, mas tem um senão: quando um neurônio se vai, leva consigo as memórias nele gravadas. E assim está explicado por que não nos recordamos de nossa infância. Com esta nova informação, os neurocientistas podem corrigir a crença de que a regeneração neuronal otimizava a memória e o aprendizado, abrindo novo campo de pesquisas. Quem sabe não podemos usar essa condição como estratégia para aprendermos mais?
Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/novos-neuronios-podem-substituir-antigos-limpar-memoria-12480413
* http://www.psiqweb.med.br/site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerDicionario&idZDicionario=602
terça-feira, 13 de maio de 2014
Alguém precisa se mudar para outro planeta. Mas quem?
Uma brasileira aforou ação ordinária contra uma empresa de telemarketing, queixando-se de invasão de privacidade, porque seus dados são utilizados por empresas diversas, sem sua autorização, para fins de publicidade. Um abuso que se tornou corrente em nosso país e pelo qual você, assim como eu, já foi alcançado mais de uma vez. Logo, a meu ver, é benfazejo que alguém, em algum lugar, faça o que a maioria dos cidadãos não faz e tome medidas concretas contra esses facínoras que vivem de roubar o sossego alheio.
Some-se a isso o fato de que o Código de Defesa do Consumidor cria uma política nacional das relações de consumo que reconhece a condição de vulnerabilidade do consumidor e impõe ações governamentais para sua proteção efetiva, inclusive quanto à repressão de abusos nas relações de consumo (art. 4º). Outrossim, são direitos do consumidor, dentre outros, a "proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços" e a "efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos" (art. 6º).
Nada disso interessou, entretanto, ao titular da 13ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, que matou o processo no nascedouro, em termos contundentes:
"1. Se a suplicante, de fato, sente-se incomodada com publicidades encaminhadas a seu endereço ou telefone, a partir de informes, alegadamente, de iniciativa da ré, sugiro-lhe mude-se para a floresta, deserto, meio do oceano ou para outro planeta..., quando, então sim, ser-lhe-ão assegurados seus direitos à privacidade na forma ou amplitude como defende. Impõe-nos o convívio em sociedade, no entanto, todo dia e toda hora, restrições as mais diversas. Inclusive, o recebimento - ou não - de panfletos, em cada semáforo, enquanto passeamos com a família, especialmente, no final de semana, interferindo, diretamente, com nossos constitucionais direitos à privacidade, ao descanso e ao lazer! Entretanto, como dito, não somos obrigados a abrir o vidro e receber tais encartes. Como podemos usar, gratuitamente, os serviços da operadora de telefonia para bloquear ligações, de qualquer natureza; e, finalmente, ainda podemos por no lixo publicidades enviadas pelo correio que nos estejam sendo inconvenientes ou inoportunas. Agora, medida judicial para atingimentos de finalidades que tais afeiçoa-se como mais uma aventura jurídica, de que os foros de todo o País estão atopetados. Não falta mais nada, pois até o ar que respiramos e o direito de defecar e mictar em banheiro público, amanhã, não duvide, serão passíveis de judicialização! Quem viver, verá. Para litisconsórcio à chicana, todavia, não contem comigo. 2. JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, por falta de interesse processual (art. 267, VI, do CPC), ficando suspensa a exigibilidade de custas em razão de a requerente litigar sob o pálio da AJG, que ora lhe concedo."
Para descobrir por onde tramitava o processo, usei como expressão de busca o nome do juiz e acabei encontrando outra notícia a ele relacionada, dando conta de que o mesmo se exasperou com uma ação repetitiva. Inflamado, esbravejou contra litigantes e advogados, além de menosprezar a justiça gratuita (veja aqui).
Atitudes como esta são lamentáveis, para dizer o mínimo. Face aos dois episódios, fico com a impressão de que o magistrado anda muito aborrecido com a quantidade de processos em tramitação e passou a transferir suas frustrações para o jurisdicionado. E pior: a solução ideal para o problema, ao que parece, é não entrar com ações, para não incomodar o juiz! Afinal, ele assumiu o papel de decidir que tipo de demanda merece ser aforada. E o faz com o fígado.
Aprendi na faculdade sobre um tal dever de urbanidade, durante o processo. Mas, aqui, ele foi sumariamente ignorado. Por meio de ironias agressivas, o juiz menosprezou o direito da autora. Qual a diferença entre mandá-la para outro planeta e mandá-la pastar, por exemplo? Que grosseria a alusão a necessidades fisiológicas! Poderia ter escolhido qualquer metáfora, mas escolheu esta. Ato falho? Intenção de mandar a parte para lugar relacionado?
De fato, a vida em sociedade nos impõe sacrifícios e renúncias a direitos. Verdade. Mas sob que condições? Se moro em um edifício, sei que sacrifico parcela de minha intimidade. Mesmo morando em uma casa, há limites, p. ex., para o barulho que faço. Se viajo de avião, sei que terei meu corpo fiscalizado. Mas qual a relação entre as escolhas que faço (e aí está o exercício de minha liberdade) e a decisão de um bando de empresas canalhas de, violando a minha paz, invadir os meus espaços para ganhar dinheiro?
Recordo-me de, certa vez, ao atender ligação de uma empresa me oferecendo sei lá que porcaria, indagar como eles possuíam os meus dados. Hesitante, a atendente respondeu que eles possuíam um cadastro com tais informações. Nos momentos seguintes, escutou a minha furiosa reclamação sobre uso indevido de informações pessoais e, com um boa tarde, porém sem se desculpar (eles nunca se desculpam), desligou. Para o juiz em apreço, entretanto, minha faculdade de bater o telefone na cara da atendente (que é só uma empregada, sem poder decisório) purga todos os pecados, elimina qualquer violação ao direito. Mesmo que eu continue recebendo esse tipo de ligação.
Para o juiz, a possibilidade de rejeitar a posteriori as ofertas inconvenientes resolve tudo. Não lhe passa pela cabeça que eu tenho o direito — sim, o direito! — de não ser demandado no recesso do meu lar senão por pessoas autorizadas ou pelo poder público, neste caso por motivo relevante. Quantas vezes já saí correndo do banho, já interrompi trabalhos, já me levantei doente da cama ou fui acordado (até no começo de uma manhã de domingo ou feriado) para atender ao telefone e me deparar com telemarketing. E o nobre magistrado encara isso como ônus da vida em sociedade? E chama de chicaneiro quem tenta se defender?
No lugar da autora dessa ação eu recorreria e, ainda, representaria contra o juiz (ainda que sabendo que, com certeza, não vai dar em nada), não apenas pela falta de educação, mas sobretudo por negar a prestação jurisdicional sem uma palavra sequer sobre seus fundamentos jurídicos, limitando-se a juízos de valor furiosos e utilitaristas. Se está cansado da missão judicante, peça exoneração. Há muita gente interessada na vaga. Ou, ao menos, vá curtir o seu acintoso direito a 60 dias de férias, mais licenças e que tais. Só não transforme a magistratura em expressão de seus tumultos internos, distanciados da realidade do mundo, como por sinal se pode inferir da metáfora empregada na decisão: "não somos obrigados a abrir o vidro".
Ora, senhor juiz, nem todo mundo anda de carro e nem todo mundo possui uma bolha de proteção em redor. Alguns ainda acreditam no judiciário. Ao menos até levar um tapa desses na cara.
Fonte: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI199581,41046-Juiz+sugere+que+mulher+se+mude+para+a+floresta+para+evitar
Some-se a isso o fato de que o Código de Defesa do Consumidor cria uma política nacional das relações de consumo que reconhece a condição de vulnerabilidade do consumidor e impõe ações governamentais para sua proteção efetiva, inclusive quanto à repressão de abusos nas relações de consumo (art. 4º). Outrossim, são direitos do consumidor, dentre outros, a "proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços" e a "efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos" (art. 6º).
Nada disso interessou, entretanto, ao titular da 13ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, que matou o processo no nascedouro, em termos contundentes:
"1. Se a suplicante, de fato, sente-se incomodada com publicidades encaminhadas a seu endereço ou telefone, a partir de informes, alegadamente, de iniciativa da ré, sugiro-lhe mude-se para a floresta, deserto, meio do oceano ou para outro planeta..., quando, então sim, ser-lhe-ão assegurados seus direitos à privacidade na forma ou amplitude como defende. Impõe-nos o convívio em sociedade, no entanto, todo dia e toda hora, restrições as mais diversas. Inclusive, o recebimento - ou não - de panfletos, em cada semáforo, enquanto passeamos com a família, especialmente, no final de semana, interferindo, diretamente, com nossos constitucionais direitos à privacidade, ao descanso e ao lazer! Entretanto, como dito, não somos obrigados a abrir o vidro e receber tais encartes. Como podemos usar, gratuitamente, os serviços da operadora de telefonia para bloquear ligações, de qualquer natureza; e, finalmente, ainda podemos por no lixo publicidades enviadas pelo correio que nos estejam sendo inconvenientes ou inoportunas. Agora, medida judicial para atingimentos de finalidades que tais afeiçoa-se como mais uma aventura jurídica, de que os foros de todo o País estão atopetados. Não falta mais nada, pois até o ar que respiramos e o direito de defecar e mictar em banheiro público, amanhã, não duvide, serão passíveis de judicialização! Quem viver, verá. Para litisconsórcio à chicana, todavia, não contem comigo. 2. JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, por falta de interesse processual (art. 267, VI, do CPC), ficando suspensa a exigibilidade de custas em razão de a requerente litigar sob o pálio da AJG, que ora lhe concedo."
Para descobrir por onde tramitava o processo, usei como expressão de busca o nome do juiz e acabei encontrando outra notícia a ele relacionada, dando conta de que o mesmo se exasperou com uma ação repetitiva. Inflamado, esbravejou contra litigantes e advogados, além de menosprezar a justiça gratuita (veja aqui).
Atitudes como esta são lamentáveis, para dizer o mínimo. Face aos dois episódios, fico com a impressão de que o magistrado anda muito aborrecido com a quantidade de processos em tramitação e passou a transferir suas frustrações para o jurisdicionado. E pior: a solução ideal para o problema, ao que parece, é não entrar com ações, para não incomodar o juiz! Afinal, ele assumiu o papel de decidir que tipo de demanda merece ser aforada. E o faz com o fígado.
Aprendi na faculdade sobre um tal dever de urbanidade, durante o processo. Mas, aqui, ele foi sumariamente ignorado. Por meio de ironias agressivas, o juiz menosprezou o direito da autora. Qual a diferença entre mandá-la para outro planeta e mandá-la pastar, por exemplo? Que grosseria a alusão a necessidades fisiológicas! Poderia ter escolhido qualquer metáfora, mas escolheu esta. Ato falho? Intenção de mandar a parte para lugar relacionado?
De fato, a vida em sociedade nos impõe sacrifícios e renúncias a direitos. Verdade. Mas sob que condições? Se moro em um edifício, sei que sacrifico parcela de minha intimidade. Mesmo morando em uma casa, há limites, p. ex., para o barulho que faço. Se viajo de avião, sei que terei meu corpo fiscalizado. Mas qual a relação entre as escolhas que faço (e aí está o exercício de minha liberdade) e a decisão de um bando de empresas canalhas de, violando a minha paz, invadir os meus espaços para ganhar dinheiro?
Recordo-me de, certa vez, ao atender ligação de uma empresa me oferecendo sei lá que porcaria, indagar como eles possuíam os meus dados. Hesitante, a atendente respondeu que eles possuíam um cadastro com tais informações. Nos momentos seguintes, escutou a minha furiosa reclamação sobre uso indevido de informações pessoais e, com um boa tarde, porém sem se desculpar (eles nunca se desculpam), desligou. Para o juiz em apreço, entretanto, minha faculdade de bater o telefone na cara da atendente (que é só uma empregada, sem poder decisório) purga todos os pecados, elimina qualquer violação ao direito. Mesmo que eu continue recebendo esse tipo de ligação.
Para o juiz, a possibilidade de rejeitar a posteriori as ofertas inconvenientes resolve tudo. Não lhe passa pela cabeça que eu tenho o direito — sim, o direito! — de não ser demandado no recesso do meu lar senão por pessoas autorizadas ou pelo poder público, neste caso por motivo relevante. Quantas vezes já saí correndo do banho, já interrompi trabalhos, já me levantei doente da cama ou fui acordado (até no começo de uma manhã de domingo ou feriado) para atender ao telefone e me deparar com telemarketing. E o nobre magistrado encara isso como ônus da vida em sociedade? E chama de chicaneiro quem tenta se defender?
No lugar da autora dessa ação eu recorreria e, ainda, representaria contra o juiz (ainda que sabendo que, com certeza, não vai dar em nada), não apenas pela falta de educação, mas sobretudo por negar a prestação jurisdicional sem uma palavra sequer sobre seus fundamentos jurídicos, limitando-se a juízos de valor furiosos e utilitaristas. Se está cansado da missão judicante, peça exoneração. Há muita gente interessada na vaga. Ou, ao menos, vá curtir o seu acintoso direito a 60 dias de férias, mais licenças e que tais. Só não transforme a magistratura em expressão de seus tumultos internos, distanciados da realidade do mundo, como por sinal se pode inferir da metáfora empregada na decisão: "não somos obrigados a abrir o vidro".
Ora, senhor juiz, nem todo mundo anda de carro e nem todo mundo possui uma bolha de proteção em redor. Alguns ainda acreditam no judiciário. Ao menos até levar um tapa desses na cara.
Fonte: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI199581,41046-Juiz+sugere+que+mulher+se+mude+para+a+floresta+para+evitar
Mortes ao volante
Foi publicada ontem, e entrará em vigor em 1º de novembro deste ano, a Lei n. 12.971, de 9.5.2014, que promoveu alterações em 11 dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, tornando-a mais severa tanto no que tange a infrações administrativas quanto a aspectos criminais. A preocupação era com a mania que muitos brasileiros (com graves problemas de caráter) possuem de participar de rachas.
A notícia que mais tem sido explorada pela imprensa tem a ver com a provocação de morte durante participação em racha. O art. 308 do CTB ("Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada"), que prevê penas de 6 meses a 3 anos de detenção, além de multa e impedimento à habilitação, ganhou um parágrafo aumentando a reprimenda prisional para 5 a 10 anos de reclusão.
Trata-se de uma inovação importante. A nova pena é severa, quase tanto quanto a do estupro (6 a 10 anos de reclusão), porém mais leve do que a cominada para a lesão corporal seguida de morte (4 a 12 anos de reclusão). Neste caso, a pena mínima é maior, porém a máxima é menor.
Crítico habitual do endurecimento das leis penais, costumo declarar em minhas aulas, entretanto, ser favorável a um tratamento mais inflexível em relação às normas de trânsito. Primeiro porque esse campo desnuda a hipocrisia do brasileiro, que em geral só pede punições severas quando acredita que não seria alcançado por elas. Resulta daí que ninguém quer ser "molestado" em seu "direito" de encher a cara e pegar o carro depois, mesmo que isso aumente, considerável e comprovadamente, o risco de mortes e mutilações pelo caminho.
O segundo motivo pelo qual aprovo a medida é que este delito, ao contrário de outros, inclui-se na lista daqueles que são totalmente desnecessários, ou seja, não é logicamente possível conceber nenhuma situação em que alguém pudesse alegar qualquer argumento minimizador para entrar num veículo e sair em disparada, disputando uma corrida que ameaça a segurança da coletividade. Além do mais, quem faz isso normalmente é um tipo de pessoa que possui (ou deveria possuir) instrução formal e acesso a bens da vida que, supostamente, lhes dariam melhores condições de julgamento. Se ainda assim persistem no escândalo e no prejuízo, mesmo com todas as campanhas de conscientização feitas, está mesmo na hora de atitudes menos simpáticas.
Permanece, no entanto, minha desconfiança quanto à capacidade de uma lei de mudar hábitos. Interessa, mesmo, uma fiscalização eficiente e honesta. Mas, quanto a isso, é necessário dar tempo ao tempo.
A notícia que mais tem sido explorada pela imprensa tem a ver com a provocação de morte durante participação em racha. O art. 308 do CTB ("Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada"), que prevê penas de 6 meses a 3 anos de detenção, além de multa e impedimento à habilitação, ganhou um parágrafo aumentando a reprimenda prisional para 5 a 10 anos de reclusão.
Trata-se de uma inovação importante. A nova pena é severa, quase tanto quanto a do estupro (6 a 10 anos de reclusão), porém mais leve do que a cominada para a lesão corporal seguida de morte (4 a 12 anos de reclusão). Neste caso, a pena mínima é maior, porém a máxima é menor.
Crítico habitual do endurecimento das leis penais, costumo declarar em minhas aulas, entretanto, ser favorável a um tratamento mais inflexível em relação às normas de trânsito. Primeiro porque esse campo desnuda a hipocrisia do brasileiro, que em geral só pede punições severas quando acredita que não seria alcançado por elas. Resulta daí que ninguém quer ser "molestado" em seu "direito" de encher a cara e pegar o carro depois, mesmo que isso aumente, considerável e comprovadamente, o risco de mortes e mutilações pelo caminho.
O segundo motivo pelo qual aprovo a medida é que este delito, ao contrário de outros, inclui-se na lista daqueles que são totalmente desnecessários, ou seja, não é logicamente possível conceber nenhuma situação em que alguém pudesse alegar qualquer argumento minimizador para entrar num veículo e sair em disparada, disputando uma corrida que ameaça a segurança da coletividade. Além do mais, quem faz isso normalmente é um tipo de pessoa que possui (ou deveria possuir) instrução formal e acesso a bens da vida que, supostamente, lhes dariam melhores condições de julgamento. Se ainda assim persistem no escândalo e no prejuízo, mesmo com todas as campanhas de conscientização feitas, está mesmo na hora de atitudes menos simpáticas.
Permanece, no entanto, minha desconfiança quanto à capacidade de uma lei de mudar hábitos. Interessa, mesmo, uma fiscalização eficiente e honesta. Mas, quanto a isso, é necessário dar tempo ao tempo.
segunda-feira, 12 de maio de 2014
sexta-feira, 9 de maio de 2014
Atenção, cidadão!
Todo mundo desconfia do modo como automóveis são guinchados em Belém, sob alegada infração de trânsito. E há, de fato, motivos para desconfiar. Conhecida minha ontem teve o veículo guinchado e precisou ir se resolver com a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana - SeMOB (sigla esquisita, não?).
Chegando ao curral, teve que pagar as despesas com o serviço de guincho, que é executado por uma empresa privada, mas se surpreendeu com algo realmente incomum: ela não foi autuada! Não havia multa por infração de trânsito.
Ora, pois! A remoção do veículo é consequência da infração estacionar em local proibido. Mas se não houve autuação, como é possível aplicar penalidade decorrente?
Ficarei na maior expectativa de uma resposta. O lado bom da história é que a cidadã em apreço é uma advogada que não gosta de levar desaforo para casa e está muito disposta a levar o caso ao judiciário, mesmo que espere anos por uma decisão. E é isso mesmo que precisamos fazer: lutar contra os desmandos. Uma hora esse povo aprende, nem que seja na marra.
Chegando ao curral, teve que pagar as despesas com o serviço de guincho, que é executado por uma empresa privada, mas se surpreendeu com algo realmente incomum: ela não foi autuada! Não havia multa por infração de trânsito.
Ora, pois! A remoção do veículo é consequência da infração estacionar em local proibido. Mas se não houve autuação, como é possível aplicar penalidade decorrente?
Ficarei na maior expectativa de uma resposta. O lado bom da história é que a cidadã em apreço é uma advogada que não gosta de levar desaforo para casa e está muito disposta a levar o caso ao judiciário, mesmo que espere anos por uma decisão. E é isso mesmo que precisamos fazer: lutar contra os desmandos. Uma hora esse povo aprende, nem que seja na marra.
quinta-feira, 8 de maio de 2014
Analisando a dosimetria
O caso é real e por isso mesmo deixo de indicar o órgão jurisdicional sentenciante, o local e a época de sua ocorrência, bastando que se diga ter sido já na vigência da Lei n. 12.015, de 2009. Atenho-me estritamente aos fatos. É que estou, neste momento, ministrando aulas sobre dosimetria da pena para minhas turmas, então julguei oportuno analisar alguns casos verídicos. A sentença em apreço me pareceu interessante, por servir de exemplo para um aspecto que analisei nas aulas de ontem.
Um homem foi condenado por crimes de estupro, sendo um de vulnerável, tendo como vítimas seus três enteados, duas garotas e um menino, à época dos fatos com 12, 17 e 15 anos, respectivamente. A sentença condenatória reconheceu a figura do crime continuado. Mas a fundamentação incorreu em diversos erros. Vou-me concentrar estritamente no que tange ao estupro de vulnerável, transcrevendo literalmente os trechos da sentença, seguidos de comentários.
Espero que esta abordagem ajude os aprendizes.
Um homem foi condenado por crimes de estupro, sendo um de vulnerável, tendo como vítimas seus três enteados, duas garotas e um menino, à época dos fatos com 12, 17 e 15 anos, respectivamente. A sentença condenatória reconheceu a figura do crime continuado. Mas a fundamentação incorreu em diversos erros. Vou-me concentrar estritamente no que tange ao estupro de vulnerável, transcrevendo literalmente os trechos da sentença, seguidos de comentários.
“Em
atenção ao que dispõe o art. 59 do Código Penal, passa-se à dosimetria da
pena. Não se vislumbra, em relação ao denunciado, qualquer excludente de
culpabilidade, por ser ele imputável, ter, certamente, consciência da
ilicitude do fato e ser-lhe, no caso em tela, exigida conduta diversa, vez
que não agiu sob coação irresistível ou em obediência hierárquica. Culpabilidade
exacerbada, portanto.”
|
O
juiz incorre no erro habitual de analisar a circunstância judicial culpabilidade como elemento do conceito analítico de crime
e não como elemento mensurador da pena.
Para ele, a culpabilidade é “exacerbada” simplesmente porque não concorre ao
caso nenhuma dirimente, as quais tenta descrever “didaticamente”. Se aplicarmos
este raciocínio, só teríamos duas hipóteses: ou a conduta é dirimida, devendo
resultar em absolvição, ou não existe dirimente e a circunstância judicial deve
ser automaticamente desvalorada, justificando aumento da pena-base. Então não
existem crimes com culpabilidade comum? O raciocínio, obviamente, está
errado. Não bastasse isso, o procedimento implica em bis in idem, pois aumenta a pena sob os mesmos argumentos que
levaram à condenação.
|
“O
acusado é primário.”
|
Outro
erro primário e frequente: confundir antecedentes
criminais com reincidência. Se o réu não registra condenações penais definitivas,
o juiz deve dizer que ele não possui antecedentes.
Ser primário é aspecto que diz respeito à segunda etapa do cálculo.
|
“Não
há elementos sobre a conduta social do acusado. Não há elementos sobre a
personalidade do acusado.”
|
Agiu
bem o juiz ao se isentar de especulações e arroubos de moralidade, deixando
de se pronunciar sobre a conduta
social e a personalidade. Sem
informações nos autos, não há que inventar nada. Isto, claro, abstraindo a
questão muito mais relevante de serem estes quesitos expressões do direito
penal de autor.
|
“Os
motivos do crime são naturais do tipo.”
|
Acertou
novamente o juiz, pois não havia nos autos, considerando tão somente os
termos na sentença, informações sobre motivos
que extrapolassem a óbvia intenção de satisfação sexual.
|
“As
circunstâncias da prática do crime são graves, já que a vítima veio a
engravidar em decorrência do fato.”
|
Eventual
gravidez é uma consequência do crime, não uma circunstância ligada à sua execução. Portanto, fosse o caso de
ponderá-la nesta fase, deveria ser no quesito seguinte, não neste. Houve um
erro formal, cuja consequência seria um aumento da pena-base realmente
justificável, apenas com fundamento diverso.
|
“As
consequências do delito são naturais ao tipo.”
|
A
gravidez da vítima é prevista como majorante (CP, art. 234-A). Mas existe uma
segunda majorante: crime cometido contra enteada (art. 226, II). Havendo duas
majorantes da Parte Especial, aplica-se o art. 68, parágrafo único: deve ser
feito apenas um aumento, pelo maior valor. No caso, ambas têm o mesmo valor
(metade), então qualquer uma delas pode ser empregada na terceira etapa. O resultado
gravidez não é previsto como agravante, mas o art. 61 alude a crime cometido “com
abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação
ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei
específica”. Assim, o juiz deveria ter majorado a pena com base na gravidez e
usado a relação entre autor e vítima como agravante. Nesta hipótese, não
restaria nada a desvalorar como consequência
do crime. No caso, ele usou a relação entre os envolvidos como majorante, por
isso a gravidez poderia ser usada como circunstância judicial negativa.
|
“O
comportamento da vítima em nada influiu para a consumação do delito.”
|
Conclusão
correta, sobretudo em se tratando de menina de 12 anos, que nitidamente
sofreu um abuso.
|
“As
circunstâncias judiciais são moderadas.”
|
O
juiz negativou os quesitos culpabilidade, circunstâncias e comportamento da
vítima. Como visto, não foi apresentada justificativa plausível para a
culpabilidade, então não poderia ser desvalorada. Em vez de circunstâncias, o
correto seria desvalorar as consequências do crime. Quanto ao comportamento
da vítima, análise correta. Restariam duas circunstâncias judiciais negativas.
Ou três, se aparecesse um motivo concreto para repudiar a culpabilidade.
|
“Portanto,
fixo a pena-base em 12 (doze) anos de reclusão.”
|
Para
o tipo de estupro de vulnerável, a pena foi cominada em 8 a 15 anos de
reclusão. O juiz fixou a pena-base acima do grau médio, que seria de 11 anos
e 6 meses. Embora não se possa afirmar categoricamente que o valor esteja errado, é fora de dúvida que o juiz
foi muito rigoroso, mormente se houver apenas duas circunstâncias judiciais
desfavoráveis. Aparentemente, a pena destoa da fundamentação. Não deveria ser
necessário mas, por cautela, lembro que esta é uma análise estritamente
técnica, que não passa pelo merecimento ético da punição.
|
“Não
existem atenuantes ou agravantes genéricas a serem consideradas.”
|
No
contexto, não existem, de fato. Tivesse o juiz procedido como sugeri, em
relação às majorantes, haveria uma agravante subjetiva.
|
“Presente
a causa de aumento da pena prevista no art. 71 do Código Penal — continuidade
delitiva —, pelo que aumento a pena em 1/6 (um sexto), passando a 14
(quatorze) anos de reclusão.”
|
Concorrem
ao caso duas majorantes, sendo uma da Parte Especial e esta, da Parte Geral. Esta
deveria ser calculada por último, ainda mais porque diz respeito a concurso
de crimes. O procedimento está errado. A par disso, o art. 71 determina um
aumento de pena de 1/6 a 2/3. Estranhamente, o juiz, antes tão rigoroso,
agora aumentou a pena no importe mínimo, sem qualquer explicação. Mas isto
não constitui erro, apenas uma aparente falta de critério ou a habitual mania
de aplicar os extremos, embora a lei permita qualquer valor, dentro do
intervalo.
|
“Presente
a causa de aumento da pena prevista no art. 226, inc. II do Código Penal,
pelo que aumento a pena pela 1/2 (metade), passando a 21 (vinte e um) anos de
reclusão, a qual torno definitiva por não haver outras causas de aumento ou
diminuição a serem consideradas.” (sic)
|
O
cálculo das duas majorantes está correto, mas a ordem de aplicação está
errada. O que o juiz fez foi isto:
12 anos + 1/6 (2 anos) = 14 anos + 1/2 (7
anos) = 21 anos
Adotando
os mesmos valores da sentença, o que deveria ter feito:
12 anos + 1/2 (6 anos) = 18 anos + 1/6 (3
anos) = 21 anos
Havendo
apenas duas majorantes, não houve alteração do resultado. Teríamos, aqui,
apenas uma correção formal do procedimento. Mas se houvesse outra causa a
ponderar, de aumento ou de diminuição, o valor final seria afetado,
beneficiando ou prejudicando o réu indevidamente.
|
Espero que esta abordagem ajude os aprendizes.
Desmilitarização da polícia no Senado
I
O site do Senado mudou o seu procedimento de enquetes. Antes, a página apenas avisava que a consulta consistia em mera amostragem, não apresentando valor científico. Agora, ela é mais ostensiva em informar que os resultados exprimem apenas a opinião dos votantes e que não possuir valor científico significa, na verdade, que o percentual não pode ser interpretado como representando toda a população brasileira.
Além disso, agora, quando se clica no botão "responder", o voto não é imediatamente computado. Em vez disso, abre-se uma nova janela, na qual você precisa indicar o seu endereço de e-mail, além de confirmar que não é um robô, digitando um código. Com isso, ainda é necessário acessar a conta de e-mail para confirmar o voto.
Até onde sei, algumas ferramentas de enquete gravam o número do IP da máquina, impedindo um segundo voto do mesmo local, o que não impede a uma mesma pessoa votar novamente, de outra máquina. Não estou, obviamente, considerando votações de programas de entretenimento, cujo objetivo é favorecer a maior quantidade possível de votos.
O fato é que, com o novo procedimento, a votação fica um degrau mais segura, algo desejável, sem dúvida.
II
No mérito, a votação era sobre a altamente controversa Proposta de Emenda Constitucional que pretende desmilitarizar a polícia brasileira. O projeto, que é bem complexo, pode ser lido aqui.
Consoante se observa pela segunda imagem, ampla maioria dos mais de 23 mil votantes concordou com a desmilitarização. O resultado só não é mais surpreendente porque, como sempre destaco quando comento enquetes do Senado, os internautas que participam dessas consultas com certeza apresentam maior nível de instrução, o que não deixa de ser um mascaramento de sintomas. A mesma enquete, levada às ruas, dificilmente teria resultado parecido.
Estou plenamente convencido de que o policiamento de rotina não pode ser feito por militares, em face de uma incompatibilidade de origem. Essas pessoas precisam ser forjadas, desde o primeiro momento, na lógica de serem servidoras públicas, não autoridades, mormente um país em que qualquer um se sente tão à vontade para abusar do poder que possui, ou até do que não possui.
Mas a questão não é nada simples. Penso, contudo, que ela não pode ser deliberada em termos de status dos militares. Há coisa muito mais importante em jogo, sobretudo em um contexto de abusos absurdos e diários. Além disso, deve-se lembrar que a Polícia Civil está longe de ser o paraíso, de modo que uma mudança na Constituição, qualquer que seja, pede uma mudança substancial da estrutura, desde a base. Por isso, não se trata simplesmente de ser militar ou não a polícia. Mas, antes e acima de tudo, de se decidir qual é a polícia que o país deseja.
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Prisão juvenil: é o exemplo dos Estados Unidos que você quer?
Muita gente afirma, por ignorância absoluta (nos dois sentidos da palavra) ou por descarada má fé, que a legislação criminal brasileira é branda. A crítica se estende ao tratamento dado aos adolescentes, de modo que um assunto permanentemente em pauta é a redução da maioridade penal. Quando os comentários raivosos eclodem, um dos argumentos toscos mais comuns é a comparação com outros países, cujos modelos seriam melhores simplesmente por serem mais rígidos, como se rigidez fosse sinônimo de qualidade e eficiência, afora a impossibilidade de um país copiar outro, pura e simplesmente.
Por óbvio, os Estados Unidos são sempre lembrados e aplaudidos. Afinal, lá tem pena de morte, prisão perpétua, custódia cautelar de longa duração, restrições processuais e, de resto, lá é o berço da "política de tolerância zero" e em geral dos movimentos de lei e ordem, frequentemente citados por gente que não sabe do que se trata, mas a nomenclatura soa bem.
À frente dessa campanha diuturna de emburrecimento, amplos setores da imprensa, comprometidos até a alma em fomentar o ódio contra os delinquentes, sempre demonizados. Hoje, contudo, fui surpreendido por reportagem fotográfica publicada no Portal R7 (veja aqui), cuja empatia já se revelava na manchete: "Infância roubada". E o sub-título ressaltava o absurdo das acusações que levam os menores à cadeia: "fugir da aula e arrotar na escola".
Reproduzo abaixo o texto da matéria (inclusive com seus erros de redação), que contém informações altamente esclarecedoras, negritando aspectos especialmente graves:
Enquanto no Brasil se discute a possibilidade de menores de idade serem considerados adultos criminalmente, nos Estados Unidos esse tratamento já existe — e o resultado é desastroso, em razão de leis rigorosíssimas e falta de critério no julgamento dos casos.
Como consequência, crianças e adolescentes sofrem em prisões superlotadas, sofrem abusos de guardas mal treinados e são iniciados na vida do crime para sobreviverem nos centros de detenção.
Por ano, o governo americano envia cerca de 2 milhões de menores de idade para a cadeia. Segundo a revista National Journal, 95% desse número é composto de adolescentes envolvidos em crimes não violentos.
O número coloca os EUA como o país que mais realiza prisões de menores de idade no mundo. Somente meio milhão dessas crianças e adolescentes são julgados como menores de idade, e apenas eles entram nas estatísticas oficiais de menores encarcerados — os outros são julgados por cortes criminais de adultos.
(Na imagem, seis jovens em solitárias "descansam" um pouco antes do banho de sol, em uma prisão para jovens em El Paso, no estado do Texas). Nota: No Brasil não existem mais solitárias, oficialmente. E elas não se pareciam em nada com estas, da fotografia. Eram cubículos totalmente sem luz e ventilação. Estas, mesmo que não ponham a vida humana em risco, não impedem os efeitos deletérios gravíssimos de uma contenção tão extrema. Além disso, um país civilizado oferece, aos menores infratores, tratamento mais brando do que aos adultos, por razões óbvias. A equiparação é inadmissível.
Agressões verbais, guerra de comida e até arrotos são considerados crimes passíveis de prisão. Alguns estados, como a Pensilvânia, possuem leis que preveem que crianças a partir de 10 anos já sejam julgadas como adultos, podendo ser condenadas à prisão perpétua.
Tais tipos de crime se enquadram nos chamados "status offenses" (infrações de status), popularmente conhecida como "conduta imprópria". Exemplos disso são: consumo de álcool, evasão escolar e fugir de casa. O problema, é que a lei de muitos estados — especialmente estados tradicionalmente republicanos, como o Texas — pouco diferenciam essas práticas de crimes graves, como furto e agressão violenta.
Apesar da ação de diversos grupos que lutam pelos direitos dos jovens detidos, a tendência é piorar: no início da década, quarenta e sete dos cinquenta estados americanos facilitaram o julgamento de adolescentes como adultos, segundo uma reportagem do jornal britânico The Guardian.
Uma pesquisa feita pelo jornal concluiu que em 85% dos casos, promotores e legisladores utilizaram brechas na lei para levar jovens a julgamento como adultos, ao invés de submeterem a decisão aos juízes. Muitos dos condenados em tempos mínimos não têm direito nem a um advogado.
A mesma pesquisa também revelou que jovens negros têm cerca de 70% mais chance de serem condenados do que um jovem branco. De acordo com pesquisas recentes da Universidade da Carolina do Sul, até os 23 anos, metade dos jovens afro-americanos terão sido presos.
Outro problema relacionado às prisões é que não existe punições exclusivas para doentes mentais ou deficientes físicos: todos vão para o mesmo lugar, e geralmente sofrem abusos e traumas que nunca mais são reparados.
(Na imagem, jovens sofrem abuso nos chamados "Boot Camps", onde os detidos são humilhados por sargentos que impõem à eles uma pesada disciplina militar). Nota: Senhores brasileiros, é este o exemplo a ser seguido? Quatro adultos protegidos por um imenso sistema contra um garoto sozinho? O que se aprende com isso? O que se ganha com isso?
Um dos fatos mais criticados na prática de prender jovens por infrações leves, é a superlotação gerada pelo alto número de prisões. Um dos piores é o Centro de Detenção de Cheltenham, no estado de Maryland, com capacidade para 24 detidos, e conta com mais de 100 internos e apenas 3 ou 4 guardas. O resultado é um número absurdo de práticas violentas, como estupros, facadas e assassinatos.
Os ativistas afirmam que prender esses jovens é muito mais caro e tem muito menos reabilitações do que o aconselhamento de especialistas e assistentes sociais. E existe algo ainda pior: eles saem da cadeia muito mais violentos do que entraram.
Alguns deputados republicanos utilizam esse argumento econômico para tentar mudar as leis de prisões de menores, e reiteram que essas prisões são caras e geralmente geram uma quantidade imensa de reincidentes, o que torna tudo mais caro.
Um único jovem preso custa cerca de R$ 195 mil (US$ 88 mil), enquanto programas de prevenção não exigem mais de R$ 4,45 mil (US$ 2 mil).
Existem também diversos casos de corrupção gritantes envolvendo juízes, promotores e diretores de penitenciárias — quase todas elas privadas, que ganham dinheiro público por cada jovem preso. Quanto mais presos, mais dinheiro para eles, o que cria uma indústria de prisões cada vez maior — somente na última década, o número de presos em penitenciárias privadas aumentou 88%.
O caso mais famoso envolveu dois juízes da Pensilvânia, Mark Ciavarella e o juiz sênior Michael Conahan, que receberam R$ 5,77 milhões (US$ 2,6 milhões) de diretores de centros de detenção infantil para condenar duas mil crianças no período de dois anos.
O caso ficou conhecido como "Escândalo das crianças em troca de dinheiro" (Kids for cash scandal, no original) e foi exposto em 2008. Como resultado, uma comissão especial do estado foi destacada para investigar o envolvimento de autoridades judiciárias com diretores de prisão.
Descobriu-se que crimes como "comentários sarcásticos no MySpace", "invasão de prédios abandonados" e "roubo de DVDs" receberam penas de dois ou três anos de reclusão, consideradas abusivas por todas as instâncias da Justiça americana.
O caso gerou ainda mais revolta quando foi descoberto que mais de 20 dos condenados injustamente pela dupla se suicidaram.
Outro caso que chocou o país foi o de Kathy Franklin, mãe de uma garotinha de seis anos que foi algemada e mandada para uma instituição de saúde mental, após "fazer birra com uma professora do primário". Kathy afirmou posteriormente que nunca recebeu contato da escola com relação ao comportamento da filha, Haley, embora reconheça que ela possui um temperamento "forte".
O tom empático da reportagem não compromete o seu conteúdo, que é basicamente uma reunião de informações objetivas. Realmente, muito esclarecedor.
Por óbvio, os Estados Unidos são sempre lembrados e aplaudidos. Afinal, lá tem pena de morte, prisão perpétua, custódia cautelar de longa duração, restrições processuais e, de resto, lá é o berço da "política de tolerância zero" e em geral dos movimentos de lei e ordem, frequentemente citados por gente que não sabe do que se trata, mas a nomenclatura soa bem.
À frente dessa campanha diuturna de emburrecimento, amplos setores da imprensa, comprometidos até a alma em fomentar o ódio contra os delinquentes, sempre demonizados. Hoje, contudo, fui surpreendido por reportagem fotográfica publicada no Portal R7 (veja aqui), cuja empatia já se revelava na manchete: "Infância roubada". E o sub-título ressaltava o absurdo das acusações que levam os menores à cadeia: "fugir da aula e arrotar na escola".
Reproduzo abaixo o texto da matéria (inclusive com seus erros de redação), que contém informações altamente esclarecedoras, negritando aspectos especialmente graves:
Enquanto no Brasil se discute a possibilidade de menores de idade serem considerados adultos criminalmente, nos Estados Unidos esse tratamento já existe — e o resultado é desastroso, em razão de leis rigorosíssimas e falta de critério no julgamento dos casos.
Como consequência, crianças e adolescentes sofrem em prisões superlotadas, sofrem abusos de guardas mal treinados e são iniciados na vida do crime para sobreviverem nos centros de detenção.
Por ano, o governo americano envia cerca de 2 milhões de menores de idade para a cadeia. Segundo a revista National Journal, 95% desse número é composto de adolescentes envolvidos em crimes não violentos.
O número coloca os EUA como o país que mais realiza prisões de menores de idade no mundo. Somente meio milhão dessas crianças e adolescentes são julgados como menores de idade, e apenas eles entram nas estatísticas oficiais de menores encarcerados — os outros são julgados por cortes criminais de adultos.
(Na imagem, seis jovens em solitárias "descansam" um pouco antes do banho de sol, em uma prisão para jovens em El Paso, no estado do Texas). Nota: No Brasil não existem mais solitárias, oficialmente. E elas não se pareciam em nada com estas, da fotografia. Eram cubículos totalmente sem luz e ventilação. Estas, mesmo que não ponham a vida humana em risco, não impedem os efeitos deletérios gravíssimos de uma contenção tão extrema. Além disso, um país civilizado oferece, aos menores infratores, tratamento mais brando do que aos adultos, por razões óbvias. A equiparação é inadmissível.
Agressões verbais, guerra de comida e até arrotos são considerados crimes passíveis de prisão. Alguns estados, como a Pensilvânia, possuem leis que preveem que crianças a partir de 10 anos já sejam julgadas como adultos, podendo ser condenadas à prisão perpétua.
Tais tipos de crime se enquadram nos chamados "status offenses" (infrações de status), popularmente conhecida como "conduta imprópria". Exemplos disso são: consumo de álcool, evasão escolar e fugir de casa. O problema, é que a lei de muitos estados — especialmente estados tradicionalmente republicanos, como o Texas — pouco diferenciam essas práticas de crimes graves, como furto e agressão violenta.
Apesar da ação de diversos grupos que lutam pelos direitos dos jovens detidos, a tendência é piorar: no início da década, quarenta e sete dos cinquenta estados americanos facilitaram o julgamento de adolescentes como adultos, segundo uma reportagem do jornal britânico The Guardian.
Uma pesquisa feita pelo jornal concluiu que em 85% dos casos, promotores e legisladores utilizaram brechas na lei para levar jovens a julgamento como adultos, ao invés de submeterem a decisão aos juízes. Muitos dos condenados em tempos mínimos não têm direito nem a um advogado.
A mesma pesquisa também revelou que jovens negros têm cerca de 70% mais chance de serem condenados do que um jovem branco. De acordo com pesquisas recentes da Universidade da Carolina do Sul, até os 23 anos, metade dos jovens afro-americanos terão sido presos.
Outro problema relacionado às prisões é que não existe punições exclusivas para doentes mentais ou deficientes físicos: todos vão para o mesmo lugar, e geralmente sofrem abusos e traumas que nunca mais são reparados.
(Na imagem, jovens sofrem abuso nos chamados "Boot Camps", onde os detidos são humilhados por sargentos que impõem à eles uma pesada disciplina militar). Nota: Senhores brasileiros, é este o exemplo a ser seguido? Quatro adultos protegidos por um imenso sistema contra um garoto sozinho? O que se aprende com isso? O que se ganha com isso?
Um dos fatos mais criticados na prática de prender jovens por infrações leves, é a superlotação gerada pelo alto número de prisões. Um dos piores é o Centro de Detenção de Cheltenham, no estado de Maryland, com capacidade para 24 detidos, e conta com mais de 100 internos e apenas 3 ou 4 guardas. O resultado é um número absurdo de práticas violentas, como estupros, facadas e assassinatos.
Os ativistas afirmam que prender esses jovens é muito mais caro e tem muito menos reabilitações do que o aconselhamento de especialistas e assistentes sociais. E existe algo ainda pior: eles saem da cadeia muito mais violentos do que entraram.
Alguns deputados republicanos utilizam esse argumento econômico para tentar mudar as leis de prisões de menores, e reiteram que essas prisões são caras e geralmente geram uma quantidade imensa de reincidentes, o que torna tudo mais caro.
Um único jovem preso custa cerca de R$ 195 mil (US$ 88 mil), enquanto programas de prevenção não exigem mais de R$ 4,45 mil (US$ 2 mil).
Existem também diversos casos de corrupção gritantes envolvendo juízes, promotores e diretores de penitenciárias — quase todas elas privadas, que ganham dinheiro público por cada jovem preso. Quanto mais presos, mais dinheiro para eles, o que cria uma indústria de prisões cada vez maior — somente na última década, o número de presos em penitenciárias privadas aumentou 88%.
O caso mais famoso envolveu dois juízes da Pensilvânia, Mark Ciavarella e o juiz sênior Michael Conahan, que receberam R$ 5,77 milhões (US$ 2,6 milhões) de diretores de centros de detenção infantil para condenar duas mil crianças no período de dois anos.
O caso ficou conhecido como "Escândalo das crianças em troca de dinheiro" (Kids for cash scandal, no original) e foi exposto em 2008. Como resultado, uma comissão especial do estado foi destacada para investigar o envolvimento de autoridades judiciárias com diretores de prisão.
Descobriu-se que crimes como "comentários sarcásticos no MySpace", "invasão de prédios abandonados" e "roubo de DVDs" receberam penas de dois ou três anos de reclusão, consideradas abusivas por todas as instâncias da Justiça americana.
O caso gerou ainda mais revolta quando foi descoberto que mais de 20 dos condenados injustamente pela dupla se suicidaram.
Outro caso que chocou o país foi o de Kathy Franklin, mãe de uma garotinha de seis anos que foi algemada e mandada para uma instituição de saúde mental, após "fazer birra com uma professora do primário". Kathy afirmou posteriormente que nunca recebeu contato da escola com relação ao comportamento da filha, Haley, embora reconheça que ela possui um temperamento "forte".
O tom empático da reportagem não compromete o seu conteúdo, que é basicamente uma reunião de informações objetivas. Realmente, muito esclarecedor.
domingo, 4 de maio de 2014
Todos queremos ser ouvidos
Imagino que muitos não acreditem quando digo que não é pessoal, mas aquele colunista de negócios, que volta e meia cito por aqui, aprontou de novo. Juro que não é pessoal, mesmo. Nem conheço o cara, exceto pela coluna em apreço. Mas é que não consigo admitir tamanha desfaçatez, disfarçada de interesse público. Mas é preciso ser muito tapado para não perceber o evidente chamego com o empresariado, que no entendimento do jornalista deveriam ter todos os direitos e poderes, sem ter suas ações limitadas por nada.
É por isso que as notas do aludido jornalista, permeados pela vetusta, superada e monstruosa perspectiva de desenvolvimento como mero desenvolvimento econômico, desvelam inequívoco desprezo pela proteção do meio ambiente, por cautelas administrativas (p. ex. licenciamento) e pelos interesses de quem não seja dono do capital.
No capítulo de hoje, o camarada me sai com mais esta demonstração de desrespeito a quem está fora do time que paga publicidade:
Protestos contra derrocagem do pedral
Estava demorando. No dia 1º, representantes de colônias de pescadores realizaram protestos, em Itupiranga, contra "o governo federal e empresas privadas, como a Vale e outras que serão beneficiadas pela Hidrovia Araguaia-Tocantins, a partir da abertura do canal do Pedral do Lourenço". Querem ser ouvidos.
Conclusão óbvia acerca da nota: o colunista menospreza a intenção dos pescadores de ser ouvidos acerca das obras. Não lhe interessa que os protestantes sejam pessoas que vivem na região e dependem do rio para promover o seu sustento. Não são empresários, não dispõem de recursos para investir em outro negócio caso o primeiro malogre. São gente simples, que vive do próprio trabalho. Caso as obras de destruição do pedral ou o início de navegação mais intensa no rio modifiquem o ritmo de vida dos peixes, p. ex. levando-os para outros locais, de que viverão essas pessoas? Como sustentarão suas famílias?
É mesmo possível que, em 2014, uma pessoa de boa fé ignore a necessidade de se escutar, para todo grande empreendimento, as populações diretamente atingidas? Para que revelem suas necessidades e receios, a fim de se evitar ou, ao menos, minimizar danos? Minha resposta é não. Como também é negativa para se admitir a ignorância acerca do fato de que ouvir as populações atingidas é uma exigência jurídica, não um favor. O jornalista poderia ao menos se informar um pouco.
Desde a mais tenra infância, todo ser humano deseja se exprimir e ser ouvido. Trata-se de manifestação inerente à condição humana, cuja aceitação indica respeito e cumpre o ideal de dignidade, que é um princípio constitucional. Negar isso é vergonhoso.
sexta-feira, 2 de maio de 2014
Erros e maldade
Lendo matéria sobre as investigações instauradas acerca da agressão perpetrada por três policiais militares contra um rapaz por enquanto desconhecido, fato conhecido graças a um vídeo que correu a cidade há poucos dias, não fico surpreso com a naturalidade com que a sociedade encara a violência policial. Por sociedade, leia-se inclusive autoridades públicas.
A reportagem do Diário do Pará apresenta entrevista com o promotor de justiça militar Armando Brasil, o qual admite estar evidente que os castrenses agiram com "abuso de poder e lesão corporal" contra a vítima, mas classifica o procedimento como "erro".
Meu caro promotor, não houve erro algum na abordagem. Houve dolo. Simples assim. Compreende-se que o rapaz tenha sido abordado, porque a Polícia Militar, sendo responsável pelo policiamento ostensivo da cidade, move-se por suspeições, ligadas a atitudes e à própria aparência das pessoas. Mas não sabemos como os policiais se dirigiram ao rapaz, por isso ignoramos se este respondeu com aparente agressividade com o intuito de desacatá-los ou em reação ao que considerou uma ofensa.
Mesmo que ele tivesse desacatado os policiais, o procedimento seria conduzi-lo a uma delegacia de polícia para lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, posto que desacato constitui crime de menor potencial ofensivo. Em vez disso, nossos briosos homens da lei preferiram acrescentar mais um capítulo à longa tradição de arbitrariedades da polícia brasileira, e em especial da paraense, o que tem contribuído sistematicamente para a péssima visão que todos temos dessa instituição.
Imagine a cena: três contra um. Três autoridades armadas contra um cidadão cuja única sorte foi a providencial câmera de outro, que gravou a cena sabe Deus com qual intenção, mas que felizmente tornou pública a arbitrariedade. As agressões foram subindo de nível e culminaram com o desaparecimento da vítima. Passado todo esse tempo, ainda não se sabe dela. Sintomático.
Agora os policiais vão responder por seus atos, com todo o contraditório e ampla defesa que negaram à vítima. Não é justamente esse um dos argumento empregados por quem defende tortura e pena de morte? Merecimento do castigo porque o criminoso não tem coração? Quem é o criminoso agora? É alguém que, além de continuar recebendo dinheiro do contribuinte, contará com o poderoso corporativismo institucional, com a assistência de advogado da associação e por aí vai. Claro que isso não está errado (exceto o corporativismo). Pelo contrário: a defesa deveria ser assegurada sempre, para todos. Mas sabemos que não é assim.
Gela-me a espinha em níveis absurdos pensar que a proteção da sociedade em que vivo depende de pessoas que, à menor contrariedade, sentem-se à vontade para agir com brutalidade, ao ponto mesmo de executar seres humanos sumariamente. Trata-se de uma situação tão assustadora que deveria mobilizar cada brasileiro a rejeitar esse estado de coisas. Mas, é claro, não existe essa mobilização. Ela surge de vez em quando, em situações especiais, ou quando o problema bate na minha porta. No geral, quem se importa com um provável vagabundo tomando porrada da polícia? Para muitos, melhor assim, porque serve de exemplo.
Queria poder me candidatar àquela viagem só de ida para Marte...
A reportagem do Diário do Pará apresenta entrevista com o promotor de justiça militar Armando Brasil, o qual admite estar evidente que os castrenses agiram com "abuso de poder e lesão corporal" contra a vítima, mas classifica o procedimento como "erro".
Meu caro promotor, não houve erro algum na abordagem. Houve dolo. Simples assim. Compreende-se que o rapaz tenha sido abordado, porque a Polícia Militar, sendo responsável pelo policiamento ostensivo da cidade, move-se por suspeições, ligadas a atitudes e à própria aparência das pessoas. Mas não sabemos como os policiais se dirigiram ao rapaz, por isso ignoramos se este respondeu com aparente agressividade com o intuito de desacatá-los ou em reação ao que considerou uma ofensa.
Mesmo que ele tivesse desacatado os policiais, o procedimento seria conduzi-lo a uma delegacia de polícia para lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, posto que desacato constitui crime de menor potencial ofensivo. Em vez disso, nossos briosos homens da lei preferiram acrescentar mais um capítulo à longa tradição de arbitrariedades da polícia brasileira, e em especial da paraense, o que tem contribuído sistematicamente para a péssima visão que todos temos dessa instituição.
Imagine a cena: três contra um. Três autoridades armadas contra um cidadão cuja única sorte foi a providencial câmera de outro, que gravou a cena sabe Deus com qual intenção, mas que felizmente tornou pública a arbitrariedade. As agressões foram subindo de nível e culminaram com o desaparecimento da vítima. Passado todo esse tempo, ainda não se sabe dela. Sintomático.
Agora os policiais vão responder por seus atos, com todo o contraditório e ampla defesa que negaram à vítima. Não é justamente esse um dos argumento empregados por quem defende tortura e pena de morte? Merecimento do castigo porque o criminoso não tem coração? Quem é o criminoso agora? É alguém que, além de continuar recebendo dinheiro do contribuinte, contará com o poderoso corporativismo institucional, com a assistência de advogado da associação e por aí vai. Claro que isso não está errado (exceto o corporativismo). Pelo contrário: a defesa deveria ser assegurada sempre, para todos. Mas sabemos que não é assim.
Gela-me a espinha em níveis absurdos pensar que a proteção da sociedade em que vivo depende de pessoas que, à menor contrariedade, sentem-se à vontade para agir com brutalidade, ao ponto mesmo de executar seres humanos sumariamente. Trata-se de uma situação tão assustadora que deveria mobilizar cada brasileiro a rejeitar esse estado de coisas. Mas, é claro, não existe essa mobilização. Ela surge de vez em quando, em situações especiais, ou quando o problema bate na minha porta. No geral, quem se importa com um provável vagabundo tomando porrada da polícia? Para muitos, melhor assim, porque serve de exemplo.
Queria poder me candidatar àquela viagem só de ida para Marte...
Pequenas grandes iniciativas
Do Diário Online hoje:
Parabéns às internas, que souberam aproveitar a oportunidade. Parabéns às instituições envolvidas, pela preocupação em implementar o programa, sobretudo considerando que iniciativas desse tipo ainda são inacreditavelmente raras em todo o país. E parabéns à imprensa por quebrar a rotina e demonstrar entusiasmo com a possibilidade de uma vida melhor para quem já cometeu um crime.
Três situações minoritárias, que eu gostaria muito de ver disseminadas.
Parabéns às internas, que souberam aproveitar a oportunidade. Parabéns às instituições envolvidas, pela preocupação em implementar o programa, sobretudo considerando que iniciativas desse tipo ainda são inacreditavelmente raras em todo o país. E parabéns à imprensa por quebrar a rotina e demonstrar entusiasmo com a possibilidade de uma vida melhor para quem já cometeu um crime.
Três situações minoritárias, que eu gostaria muito de ver disseminadas.
quinta-feira, 1 de maio de 2014
Por que terá sido?
Do Portal G1:
"A Receita Federal recebeu 26.883.633 declarações do Imposto de Renda 2014, segundo balanço divulgado na madrugada desta quinta-feira (1º). O número fica abaixo das expectativas do fisco, que falava em 27 milhões de declarações. O prazo para entrega do documento terminou às 23h59 desta quarta-feira (30)."
Eu queria muito pensar que esses milhares de brasileiros deixaram de fazer a declaração de ajuste anual como um protesto contra os tantos desvarios do país, a corrupção onipresente, os desmandos da copa e coisa e tals. Uma atitude deliberada de enfrentamento, para mostrar ao poder que ele não pode tudo e que podemos e devemos nos insurgir, enfrentar o mau uso do nosso dinheiro e cobrar mudanças.
Mas assim como eu, furioso e constrangido, encaminhei a minha declaração (no dia 28: um recorde histórico!) e paguei o imposto que o Leão maldito ainda me extorquiu, mesmo após todo o recolhimento na fonte (isto, porém, só no dia 30, porque não facilito as coisas para essa cambada!), os brasileiros omissos provavelmente só se atrapalharam ou, se apertaram o botão vermelho, não foi por nenhum motivo nobre.
Enquanto isso, fiquemos com Dilma Rousseff, em pré-campanha, mas pretextando discursar por ocasião do Dia do Trabalho, anunciando a correção da tabela do imposto de renda em 4,5%, o que não serve de nada, porque esse índice é aplicado anualmente desde 2007 e se destina, tão somente, a corrigir os efeitos da inflação. E até para isso é ineficiente, porque os índices inflacionários são maiores do que esse importe. Ou seja, ela não está nos dando nada, muito menos promovendo uma real política de desoneração tributária sobre o trabalhador.
Mau humor continua instalado.
"A Receita Federal recebeu 26.883.633 declarações do Imposto de Renda 2014, segundo balanço divulgado na madrugada desta quinta-feira (1º). O número fica abaixo das expectativas do fisco, que falava em 27 milhões de declarações. O prazo para entrega do documento terminou às 23h59 desta quarta-feira (30)."
Eu queria muito pensar que esses milhares de brasileiros deixaram de fazer a declaração de ajuste anual como um protesto contra os tantos desvarios do país, a corrupção onipresente, os desmandos da copa e coisa e tals. Uma atitude deliberada de enfrentamento, para mostrar ao poder que ele não pode tudo e que podemos e devemos nos insurgir, enfrentar o mau uso do nosso dinheiro e cobrar mudanças.
Mas assim como eu, furioso e constrangido, encaminhei a minha declaração (no dia 28: um recorde histórico!) e paguei o imposto que o Leão maldito ainda me extorquiu, mesmo após todo o recolhimento na fonte (isto, porém, só no dia 30, porque não facilito as coisas para essa cambada!), os brasileiros omissos provavelmente só se atrapalharam ou, se apertaram o botão vermelho, não foi por nenhum motivo nobre.
Enquanto isso, fiquemos com Dilma Rousseff, em pré-campanha, mas pretextando discursar por ocasião do Dia do Trabalho, anunciando a correção da tabela do imposto de renda em 4,5%, o que não serve de nada, porque esse índice é aplicado anualmente desde 2007 e se destina, tão somente, a corrigir os efeitos da inflação. E até para isso é ineficiente, porque os índices inflacionários são maiores do que esse importe. Ou seja, ela não está nos dando nada, muito menos promovendo uma real política de desoneração tributária sobre o trabalhador.
Mau humor continua instalado.
Reflexões sobre obras particulares na cidade
Acordar às 5h10 da madrugada para levar a mãe à hemodiálise e, de lá, conduzi-la imediatamente à radioterapia me fez abdicar de qualquer bom humor e o faria mesmo que hoje não fosse feriado. Decidi, assim, praticar um de meus esportes favoritos. Lá vai.
Conheço o Hospital Porto Dias de outros carnavais. A despeito dos investimentos para construir um prédio enorme, dotado de luxuosas suítes para clientes VIP, maiores do que muitos apartamentos por aí, aspectos muito mais elementares, fundamentais mesmo, não parecem ter mudado ao longo dos anos.
Quando entrei no estacionamento do prédio mais novo, perguntei-me imediatamente: "O Corpo de Bombeiros liberou isto aqui?" ― pergunta que, em se tratando de Belém do Pará, está longe de ser retórica. Construído claramente em aproveitamento de espaços disponíveis, é irregular, com rampas íngremes e, no trecho que usei, estreito e repleto de colunas próximas. Um exercício de paciência para quem, se precisou ir a um hospital, não está exatamente num momento muito bacana.
Chamou-me a atenção, particularmente, o fato de, em toda a extensão do corredor onde entrei, haver uns buracos no chão, conectados a uma tubulação que, confesso, não sei para que serve. Talvez para escoar água, evitando alagamentos. Ocorre que esses buracos, tendo a bitola de tubos de esgoto, constituem ameaça para qualquer pessoa que caminhe por ali, especialmente por não haver nenhuma sinalização e a própria iluminação do lugar ser um pouco fraca. Ninguém anda por estacionamentos procurando buracos, então mesmo uma pessoa cuidadosa poderia ser traída pela desatenção.
Embora leigo, tenho certeza de que existe uma NR em algum lugar obrigando que esses buracos sejam tampados, e com tampas presas, impedindo que pessoas tropecem neles, sofrendo quedas ou torções. Eles são especialmente perigosos para crianças, cujos pezinhos podem cair neles, produzindo até fraturas.
Desnecessário destacar que o estacionamento é pago, não é?
Depois de estacionar, fizemos o que era certo: procuramos uma saída pelo elevador, embora estivéssemos ao lado da rampa destinada aos veículos. Nada de correr riscos, claro. Um hospital daquele porte nos oferece dois elevadores, um dos quais estava desligado. Após esperar uma estação inteira até o bicho descer do 17º andar, a porta se abriu e aí nos deparamos com o velho padrão de qualidade Porto Dias: dentro, havia um simpático funcionário transportando um imenso carrinho com roupas usadas.
Naquela casa sempre foi assim: visitantes, funcionários, doentes, operados, cestos de roupa suja e carrinhos com bandejas de alimentação dividem o mesmo elevador! Depois ocorrem surtos de infecção hospitalar e ninguém sabe por quê. Mas veja bem: a recepcionista impediu um rapaz de subir porque ele estava... de bermuda. É isso, mesmo: o hospital que coloca gente com o sistema imunológico prejudicado, roupas sujas e comida no mesmo cubículo proíbe o acesso de homens usando bermudas. Afinal, homens de bermudas são um atentado à moral e aos bons costumes, além de constituírem grave ameaça à saúde pública. Sobretudo numa cidade com o clima nórdico de Belém.
Mas faço questão de ressaltar que o setor de radioterapia do Hospital Porto Dias, recentemente inaugurado, funciona muito bem e tem um corpo funcional extremamente gentil e prestativo, uma necessidade absoluta considerando o estado emocional de quem passa por ali para fins de atendimento, pessoal ou em familiares. Médicos, grupo de enfermagem e atendentes estão de parabéns pela atenção que dispensam ao público e pela sinceridade dos sorrisos com que nos recebem.
Conheço o Hospital Porto Dias de outros carnavais. A despeito dos investimentos para construir um prédio enorme, dotado de luxuosas suítes para clientes VIP, maiores do que muitos apartamentos por aí, aspectos muito mais elementares, fundamentais mesmo, não parecem ter mudado ao longo dos anos.
Quando entrei no estacionamento do prédio mais novo, perguntei-me imediatamente: "O Corpo de Bombeiros liberou isto aqui?" ― pergunta que, em se tratando de Belém do Pará, está longe de ser retórica. Construído claramente em aproveitamento de espaços disponíveis, é irregular, com rampas íngremes e, no trecho que usei, estreito e repleto de colunas próximas. Um exercício de paciência para quem, se precisou ir a um hospital, não está exatamente num momento muito bacana.
Chamou-me a atenção, particularmente, o fato de, em toda a extensão do corredor onde entrei, haver uns buracos no chão, conectados a uma tubulação que, confesso, não sei para que serve. Talvez para escoar água, evitando alagamentos. Ocorre que esses buracos, tendo a bitola de tubos de esgoto, constituem ameaça para qualquer pessoa que caminhe por ali, especialmente por não haver nenhuma sinalização e a própria iluminação do lugar ser um pouco fraca. Ninguém anda por estacionamentos procurando buracos, então mesmo uma pessoa cuidadosa poderia ser traída pela desatenção.
Embora leigo, tenho certeza de que existe uma NR em algum lugar obrigando que esses buracos sejam tampados, e com tampas presas, impedindo que pessoas tropecem neles, sofrendo quedas ou torções. Eles são especialmente perigosos para crianças, cujos pezinhos podem cair neles, produzindo até fraturas.
Desnecessário destacar que o estacionamento é pago, não é?
Depois de estacionar, fizemos o que era certo: procuramos uma saída pelo elevador, embora estivéssemos ao lado da rampa destinada aos veículos. Nada de correr riscos, claro. Um hospital daquele porte nos oferece dois elevadores, um dos quais estava desligado. Após esperar uma estação inteira até o bicho descer do 17º andar, a porta se abriu e aí nos deparamos com o velho padrão de qualidade Porto Dias: dentro, havia um simpático funcionário transportando um imenso carrinho com roupas usadas.
Naquela casa sempre foi assim: visitantes, funcionários, doentes, operados, cestos de roupa suja e carrinhos com bandejas de alimentação dividem o mesmo elevador! Depois ocorrem surtos de infecção hospitalar e ninguém sabe por quê. Mas veja bem: a recepcionista impediu um rapaz de subir porque ele estava... de bermuda. É isso, mesmo: o hospital que coloca gente com o sistema imunológico prejudicado, roupas sujas e comida no mesmo cubículo proíbe o acesso de homens usando bermudas. Afinal, homens de bermudas são um atentado à moral e aos bons costumes, além de constituírem grave ameaça à saúde pública. Sobretudo numa cidade com o clima nórdico de Belém.
Mas faço questão de ressaltar que o setor de radioterapia do Hospital Porto Dias, recentemente inaugurado, funciona muito bem e tem um corpo funcional extremamente gentil e prestativo, uma necessidade absoluta considerando o estado emocional de quem passa por ali para fins de atendimento, pessoal ou em familiares. Médicos, grupo de enfermagem e atendentes estão de parabéns pela atenção que dispensam ao público e pela sinceridade dos sorrisos com que nos recebem.
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