Na tarde da quinta-feira, 9 de setembro de 1999, pelas mãos de minha amiga Bárbara Dias, entrei em uma sala de aula, pela primeira vez como professor. Bárbara ia se mudar para o Rio de Janeiro, a fim de cursar doutorado, e me indicou para substituí-la em suas três turmas do curso de Tecnologia em Processamento de Dados do Centro Universitário do Pará (CESUPA). A disciplina era Noções de Direito, Legislação e Ética. Minha contratação foi realizada pela saudosa Profa. Conceição Fiúza de Mello, a quem eu e minha esposa muito devemos, por sua permanente e carinhosa preocupação conosco. Além dela, também sou muito reconhecido à diretora da Área de Ciências Sociais Aplicadas, Prof. Maria Lúcia Santos.
Foi assim que comecei minha carreira docente. Um pouco depois, fiz um processo seletivo para professor substituto da Universidade Federal do Pará, oficialmente para orientar no Núcleo de Prática Jurídica (NPJ). Contudo, meu objetivo era outro e foi realizado quando dividiram minha carga horária entre a orientação dos estagiários e a sala de aula. Assumi duas turmas de Direito Penal e, com isso, tornei-me exatamente o que eu queria ser.
Em janeiro de 2000, recebi um telefonema que eu esperava muito. A primeira coordenadora do curso de Direito do CESUPA, Profa. Angelina Panzutti, propunha-me assumir as duas primeiras turmas de Direito Penal da instituição. Imaginem o que respondi! Graças a isso, na mesma época, lecionei a disciplina dos meus sonhos nas duas instituições.
Com o passar do tempo, sendo temporário o vínculo com a UFPA, fiquei exclusivamente no CESUPA e tem sido assim desde então. Nos primeiros anos, passei por todas as turmas existentes, participei da criação de seu NPJ e das atividades do convênio com a Pastoral Carcerária, visitei a ilha de Jutuba em um projeto de extensão que antecedeu o atual Ilhas Legais, ajudei na coordenação, etc. Vivi cada fase da história do curso, que cresceu e se consolidou. Já no terceiro ano eu não podia dar conta da demanda, então vieram os professores seguintes para a minha disciplina, começando por Alexandre Rodrigues.
E a história seguiu seu curso. Quando cheguei, eu me fascinava ante o fato de ser colega daqueles que haviam sido meus professores, dos mais queridos, como Angelina e Haroldo Guilherme. Tive o privilégio de ser colega, também, de mestres icônicos, como o inigualável Ney Sardinha. E com o passar dos anos, comecei a ser colega de alguns haviam sido meus alunos. Atualmente, nosso corpo docente possui 10 deles, incluindo Eduardo Lima Filho e Adrian Silva, que foram meus monitores. Houve outros, que não estão mais conosco.
Hoje completo 18 anos de docência ininterrupta, com todo o desejo e disposição de prosseguir até quando corpo e mente me permitirem. Tenho estudado, expandido fontes, interagido com pessoas novas, diversificado técnicas, tudo em busca de aprimoramento pessoal, que possa servir para qualificar o meu trabalho e me permitir falar a língua das atuais gerações. Educar é desafiador e trabalhoso. Muitas vezes me questionei, e ainda me questiono, se estou à altura. Mas como disse em um evento na semana passada, ser professor é ter um pé na esperança. Então cultivo a minha de ser apto para essa missão tão singular. O resto é trabalho, algo de que não tenho medo. Principalmente quando tenho, diante de mim, alunos que dão sentido, cor e vida a tudo isso.
Não podendo agradecer nominalmente a todos que me ajudaram na caminhada, deixo para cada um deles um abraço carinhoso. Pois gratidão significa muito para mim. Não poderia, contudo, omitir nomes como Sandro Simões, nosso coordenador durante os anos de consolidação do curso; Ana Darwich, orientadora no mestrado, e o do Prof. Sérgio Mendes, que ao apertar minha mão e me chamar pelo nome, sem jamais me ter visto antes, por ocasião da comemoração do dia dos professores de 1999, um mês após minha chegada, deu-me a certeza de que eu estava no time.
O maior agradecimento, contudo, vai para as gerações de alunos que se sucederam ao longo desses 18 anos. Afinal, o que me torna professor não é um contrato, mas a relação estabelecida com os jovens de todas as idades que passaram por mim. Eles me transformaram e me deram um sentido para a vida. Por causa disso, palavras nunca seriam suficientes. Só posso tentar fazer algum bem para os atuais e os futuros.
sábado, 9 de setembro de 2017
quinta-feira, 7 de setembro de 2017
Apenas um feriado
Hoje se comemora o dia da independência do Brasil. Um evento com significado mais histórico do que prático, eis que jamais fomos independentes de verdade. Saímos da colonização em sentido estrito em relação a Portugal para sermos colônia de fato da Inglaterra e, no século XX, dos Estados Unidos ― neste caso, com o acréscimo da colonização mental também, em que nos colocamos com pulinhos de alegria.
Nestes tempos em que usurpadores do poder político estão vendendo o país inteiro com toda a pressa, que independência poderíamos comemorar?
Há alguma coisa para comemorar, além de um dia de ócio?
Nestes tempos em que usurpadores do poder político estão vendendo o país inteiro com toda a pressa, que independência poderíamos comemorar?
Há alguma coisa para comemorar, além de um dia de ócio?
Aborrecimento recorrente
A cerca de 50 metros de minha casa, dobrando a esquina, há um poste. Aboletado nele, um transformador cujo esporte parece ser dar defeito. Este ano, já perdi a conta das vezes que o nojento pegou fogo ― a última, pouco mais de dois dias atrás, na noite de segunda-feira. Ontem à noite não houve fogo, mas novamente uma fase caiu, deixando um quarteirão às escuras. Minha casa foi atingida apenas parcialmente. Por ocasião do conserto, no entanto, é claro que o fornecimento de energia precisa ser suspenso. Graças a isso, em meio a um calor danado, tivemos uma madrugada difícil. E as famílias que desde o começo ficaram totalmente no escuro passaram sufoco maior.
Na segunda-feira, devo ter sido o primeiro a telefonar pedindo o conserto. Foram quase duas horas para o pessoal da manutenção chegar. O reparo em si não demora muito, mas deve ser feito com muita incompetência, ou com material de má qualidade, ou ambas as coisas, para aguentar só dois dias.
Nós, brasileiros, somos aviltados cotidianamente. Nosso abastecimento de energia é ruim, assim como o de água, telefonia móvel e celular, internet, TV a cabo, etc., o que não nos livra de pagar caro pelos serviços, inclusive mais caro do que em qualquer outro país do mundo. Isso se soma à malha viária ruim, policiamento ruim, fiscalização de trânsito ruim, serviços públicos em geral deficitários e por aí vai. E aceitamos isso. Porque, se não aceitássemos, alguma coisa concreta já teria acontecido para mudar o cenário.
No caso que inspirou esta postagem, temos um problema adicional, que se chama Rede CELPA, a concessionária de energia que enlouquece os paraenses com seus péssimos serviços, cobranças abusivas e um esporte bizarro: acusar as pessoas de desvio de energia. Muitas acusações são verídicas, claro, mas algumas situações beiram a desfaçatez. Sei disso porque a empresa é hoje, com folga, a mais demandada no judiciário paraense. Juízes reclamam que alguns órgãos jurisdicionais estão virando quase serviços de atendimento ao consumidor da CELPA, de tanto que se ocupam dela. Já ouvi que há juizados especiais, em Belém, em que 70% do acervo processual envolve a dita cuja.
Era hora de o poder público tomar medidas concretas contra a empresa, mas é claro que nada acontece. No mínimo, porque o grupo político que formalmente administra o Estado é o mesmo, inclusive com vários dos mesmos atores, que em 1998 vendeu a CELPA à iniciativa privada a preço vil. Reza a lenda ― e eu obviamente acredito ― que para fazer caixa de campanha.
O fato é que o povo nunca passou bem após a privatização, a despeito da cortina de fumaça lançada com o argumento de expansão da rede, investimentos em infraestrutura, etc. Lógico que houve investimentos! Mesmo no Brasil, seria impossível não haver. Mas eles serviram para aumentar o número de clientes ou, efetivamente, em nome da satisfação desse público?
De tudo isso resulta bastante desesperança em relação ao transformador que avisto aqui do meu quarto. Ele deve continuar iluminando as noites com fogo, ao mesmo tempo em que escurecendo os lares e expondo-os ao risco de prejuízos secundários, como danos a aparelhos eletro-eletrônicos, que a CELPA sempre dá um jeito de dizer que não precisa indenizar por falta de comprovação de causalidade.
Abaixo, o link para publicação do Sindicato dos Urbanitários do Pará, com dados concretos, inclusive este: a Rede CELPA está na 62ª colocação no ranking das concessionárias de energia, quanto à satisfação do consumidor. Entre 63! Por aqui, brincamos que o Pará é tão ruim que não consegue nem ficar em último! É sempre penúltimo, naquilo em que precisamos que estivesse entre os primeiros.
Na segunda-feira, devo ter sido o primeiro a telefonar pedindo o conserto. Foram quase duas horas para o pessoal da manutenção chegar. O reparo em si não demora muito, mas deve ser feito com muita incompetência, ou com material de má qualidade, ou ambas as coisas, para aguentar só dois dias.
Nós, brasileiros, somos aviltados cotidianamente. Nosso abastecimento de energia é ruim, assim como o de água, telefonia móvel e celular, internet, TV a cabo, etc., o que não nos livra de pagar caro pelos serviços, inclusive mais caro do que em qualquer outro país do mundo. Isso se soma à malha viária ruim, policiamento ruim, fiscalização de trânsito ruim, serviços públicos em geral deficitários e por aí vai. E aceitamos isso. Porque, se não aceitássemos, alguma coisa concreta já teria acontecido para mudar o cenário.
No caso que inspirou esta postagem, temos um problema adicional, que se chama Rede CELPA, a concessionária de energia que enlouquece os paraenses com seus péssimos serviços, cobranças abusivas e um esporte bizarro: acusar as pessoas de desvio de energia. Muitas acusações são verídicas, claro, mas algumas situações beiram a desfaçatez. Sei disso porque a empresa é hoje, com folga, a mais demandada no judiciário paraense. Juízes reclamam que alguns órgãos jurisdicionais estão virando quase serviços de atendimento ao consumidor da CELPA, de tanto que se ocupam dela. Já ouvi que há juizados especiais, em Belém, em que 70% do acervo processual envolve a dita cuja.
Era hora de o poder público tomar medidas concretas contra a empresa, mas é claro que nada acontece. No mínimo, porque o grupo político que formalmente administra o Estado é o mesmo, inclusive com vários dos mesmos atores, que em 1998 vendeu a CELPA à iniciativa privada a preço vil. Reza a lenda ― e eu obviamente acredito ― que para fazer caixa de campanha.
O fato é que o povo nunca passou bem após a privatização, a despeito da cortina de fumaça lançada com o argumento de expansão da rede, investimentos em infraestrutura, etc. Lógico que houve investimentos! Mesmo no Brasil, seria impossível não haver. Mas eles serviram para aumentar o número de clientes ou, efetivamente, em nome da satisfação desse público?
De tudo isso resulta bastante desesperança em relação ao transformador que avisto aqui do meu quarto. Ele deve continuar iluminando as noites com fogo, ao mesmo tempo em que escurecendo os lares e expondo-os ao risco de prejuízos secundários, como danos a aparelhos eletro-eletrônicos, que a CELPA sempre dá um jeito de dizer que não precisa indenizar por falta de comprovação de causalidade.
Abaixo, o link para publicação do Sindicato dos Urbanitários do Pará, com dados concretos, inclusive este: a Rede CELPA está na 62ª colocação no ranking das concessionárias de energia, quanto à satisfação do consumidor. Entre 63! Por aqui, brincamos que o Pará é tão ruim que não consegue nem ficar em último! É sempre penúltimo, naquilo em que precisamos que estivesse entre os primeiros.
http://www.urbanitarios-pa.org.br/index.php/noticias/1499-19-anos-de-privatizacao-da-celpa
terça-feira, 5 de setembro de 2017
Anotações da rehab
Faz pouco mais de um dia e meio que desativei minha conta no Facebook e... o mundo não se acabou, como diria o choro de Assis Valente, de 1938. Tudo segue como antes, como sabíamos que seria.
Não há ansiedade, apenas hábitos ainda não ressignificados. Ainda pego o telefone de repente, mas quando olho o aparelho percebo que não há nenhuma atualização para ver. Se estou à toa, acesso um portal de notícias e vejo o que há.
Dei-me conta de que, acostumado a ficar de cara para o computador por horas a fio, posso usar esse tempo para ler um sem-número de arquivos em .pdf que tenho. Acabei de aumentar o acervo. Logo, esta moratória pode me ajudar bastante.
Vamos em frente.
Não há ansiedade, apenas hábitos ainda não ressignificados. Ainda pego o telefone de repente, mas quando olho o aparelho percebo que não há nenhuma atualização para ver. Se estou à toa, acesso um portal de notícias e vejo o que há.
Dei-me conta de que, acostumado a ficar de cara para o computador por horas a fio, posso usar esse tempo para ler um sem-número de arquivos em .pdf que tenho. Acabei de aumentar o acervo. Logo, esta moratória pode me ajudar bastante.
Vamos em frente.
domingo, 3 de setembro de 2017
Hoje eu saí do Facebook
Não me considero viciado em internet, embora deva reconhecer que passo tempo demais nela. Alterno leituras dos noticiários e pesquisas de interesse acadêmico-profissional com o uso da mais famosa rede social. Na verdade, ela foi tão naturalizada em minha vida que é o primeiro site normalmente acessado. Ligo o computador e vou me atualizar antes de fazer qualquer outra coisa. Isso já me custou um tempo precioso, em momentos bem mais atarefados do que o atual.
Tenho uma regra, contudo: manter conta em uma única rede social. Quando todo mundo começou a falar em Facebook, eu me mantive no Orkut, até ficar evidente que a rede pioneira estava com os dias contados. Então migrei para a propriedade de Zuckerberg e deixei de usar o Orkut. Não tenho conta no Twitter, porque sou prolixo demais para 140 caracteres, nem no Instagram, que é mais visual. Sempre fui avesso a essa bobagem de viver postando fotos pessoais. Assim como tenho horror a postar sobre cada passo que dou. Há outras redes sociais, mas nem sei quais são.
Acho que as redes sociais cumprem uma função importante: preservam vínculos, fazem-nos reencontrar pessoas que o tempo tirou de nosso convívio, lembram dos aniversários (!!!), etc. Sempre considerei esse aspecto humano muito relevante. Mas elas também permitem que, à simples navegação, deparemo-nos com notícias, recomendações culturais, indicação de estudos e um monte de outras informações de nosso interesse, que simplesmente surgem ante nossos olhos. Mas há um preço, que vai muito além do tempo perdido.
O mundo enlouqueceu. As pessoas estão furiosas e intolerantes em um novo nível, porque como a internet dá voz a qualquer pessoa, encolhida em seu cantinho, qualquer fulano pacato tem a oportunidade de virar um petardo virtual. E vira.
Antes, tínhamos problemas na internet por causa de indivíduos que não gostavam de nós. Tive muitos conflitos com isso aqui no blog, em seus primeiros anos. Conteúdo público, o sujeito lê, não gosta e vem de lá com paus e pedras. Por isso, minha conta no Facebook estava configurada para que minhas publicações fossem vistas apenas por meus amigos. Todavia, com o tempo, começaram os problemas também com estes ― lembrando que contato do Facebook não significa amigo de verdade.
Atritei muito com contatos cujas ideias eram diametralmente opostas, normalmente no campo político. As contendas por minhas posições garantistas no direito penal também eram um fator recorrente. Mas, de uns tempos para cá, avolumaram-se as discórdias com os amigos, amigos mesmo. Gente que eu considerava estar no mesmo lugar ideológico ou sentimental que eu. E os assuntos polêmicos se diversificaram e expandiram. Briga-se por gosto musical, pelas séries a que se assiste, obviamente por política (em um país polarizado) e, cada vez mais, pela eclosão de discursos que antes não tinham a necessária visibilidade.
Hoje, todo mundo usa as mesmas técnicas para defender seus pontos de vista. E a pior delas talvez seja a convicção de se estar do lado certo. Estamos divididos entre nós (os puros e inteligentes) e eles (os ímpios e idiotas). Não importa se você é de esquerda ou de direita, religioso ou ateu, casto ou putanheiro: há necessidade de anulação do outro. E questionamentos servem apenas para confirmar que o outro tem razão. Expor-se virou uma armadilha, porque qualquer retórica confirma que você caiu nas sombras. Daí que eu cansei.
Há muito tempo considerei pela primeira vez sair do Facebook, mas fui ficando, por gostar da sacanagem. Resisti a muitos momentos em que pensei nisso. Hoje, entretanto, decidi dar um tempo. Sei que é temporário, porque sentirei falta de muitas coisas. Mas percebi que já estava me fazendo mal. A facilidade trazida pela internet nos torna impulsivos e eu detesto gente impulsiva. Logo, não posso sê-lo. Falhei nesse e em outros sentidos várias vezes, apenas porque era fácil. Por outro lado, vi manifestações de pessoas queridas que me encheram de tristeza. Apenas porque elas estavam publicadas ali.
Então hoje saí do Facebook, o que estou considerando um experimento psicológico pessoal. É uma desintoxicação. Estou na rehab. Preciso me recordar de como era a vida antes disso tudo. Reaprender como era não ter tantas informações, esquecer aniversários (ou me lembrar espontaneamente). Deixar de compartilhar coisas que deveriam ser íntimas. Preciso ter trabalho para me comunicar com as pessoas e, com isso, pensar duas vezes antes de fazê-lo. Perceber que não tenho como publicar aquela provocação a esta ou aquela pessoa ou talvez a todo mundo. Como ensinou Barbárvore, personagem de Tolkien em O senhor dos aneis, os ents levam muito tempo para falar qualquer coisa, por isso aprenderam a falar apenas quando havia algo que valia a pena ser dito.
O Facebook me custou até o blog. Pela maior capacidade de disseminação e imediatidade lá, deixei de publicar muita coisa aqui. Então esta é uma chance de tentar o caminho oposto. Não morri nem me calei. Posso estar apenas qualificando as minhas ideias neste ambiente doméstico para mim. Enfim, para saber, só fazendo. Por isso comecei. A experiência pode durar um dia, um mês, um ano ou sei lá. Não importa. Não tenho contas a prestar e meu compromisso é com minha própria paz.
Tenho uma regra, contudo: manter conta em uma única rede social. Quando todo mundo começou a falar em Facebook, eu me mantive no Orkut, até ficar evidente que a rede pioneira estava com os dias contados. Então migrei para a propriedade de Zuckerberg e deixei de usar o Orkut. Não tenho conta no Twitter, porque sou prolixo demais para 140 caracteres, nem no Instagram, que é mais visual. Sempre fui avesso a essa bobagem de viver postando fotos pessoais. Assim como tenho horror a postar sobre cada passo que dou. Há outras redes sociais, mas nem sei quais são.
Acho que as redes sociais cumprem uma função importante: preservam vínculos, fazem-nos reencontrar pessoas que o tempo tirou de nosso convívio, lembram dos aniversários (!!!), etc. Sempre considerei esse aspecto humano muito relevante. Mas elas também permitem que, à simples navegação, deparemo-nos com notícias, recomendações culturais, indicação de estudos e um monte de outras informações de nosso interesse, que simplesmente surgem ante nossos olhos. Mas há um preço, que vai muito além do tempo perdido.
O mundo enlouqueceu. As pessoas estão furiosas e intolerantes em um novo nível, porque como a internet dá voz a qualquer pessoa, encolhida em seu cantinho, qualquer fulano pacato tem a oportunidade de virar um petardo virtual. E vira.
Antes, tínhamos problemas na internet por causa de indivíduos que não gostavam de nós. Tive muitos conflitos com isso aqui no blog, em seus primeiros anos. Conteúdo público, o sujeito lê, não gosta e vem de lá com paus e pedras. Por isso, minha conta no Facebook estava configurada para que minhas publicações fossem vistas apenas por meus amigos. Todavia, com o tempo, começaram os problemas também com estes ― lembrando que contato do Facebook não significa amigo de verdade.
Atritei muito com contatos cujas ideias eram diametralmente opostas, normalmente no campo político. As contendas por minhas posições garantistas no direito penal também eram um fator recorrente. Mas, de uns tempos para cá, avolumaram-se as discórdias com os amigos, amigos mesmo. Gente que eu considerava estar no mesmo lugar ideológico ou sentimental que eu. E os assuntos polêmicos se diversificaram e expandiram. Briga-se por gosto musical, pelas séries a que se assiste, obviamente por política (em um país polarizado) e, cada vez mais, pela eclosão de discursos que antes não tinham a necessária visibilidade.
Hoje, todo mundo usa as mesmas técnicas para defender seus pontos de vista. E a pior delas talvez seja a convicção de se estar do lado certo. Estamos divididos entre nós (os puros e inteligentes) e eles (os ímpios e idiotas). Não importa se você é de esquerda ou de direita, religioso ou ateu, casto ou putanheiro: há necessidade de anulação do outro. E questionamentos servem apenas para confirmar que o outro tem razão. Expor-se virou uma armadilha, porque qualquer retórica confirma que você caiu nas sombras. Daí que eu cansei.
Há muito tempo considerei pela primeira vez sair do Facebook, mas fui ficando, por gostar da sacanagem. Resisti a muitos momentos em que pensei nisso. Hoje, entretanto, decidi dar um tempo. Sei que é temporário, porque sentirei falta de muitas coisas. Mas percebi que já estava me fazendo mal. A facilidade trazida pela internet nos torna impulsivos e eu detesto gente impulsiva. Logo, não posso sê-lo. Falhei nesse e em outros sentidos várias vezes, apenas porque era fácil. Por outro lado, vi manifestações de pessoas queridas que me encheram de tristeza. Apenas porque elas estavam publicadas ali.
Então hoje saí do Facebook, o que estou considerando um experimento psicológico pessoal. É uma desintoxicação. Estou na rehab. Preciso me recordar de como era a vida antes disso tudo. Reaprender como era não ter tantas informações, esquecer aniversários (ou me lembrar espontaneamente). Deixar de compartilhar coisas que deveriam ser íntimas. Preciso ter trabalho para me comunicar com as pessoas e, com isso, pensar duas vezes antes de fazê-lo. Perceber que não tenho como publicar aquela provocação a esta ou aquela pessoa ou talvez a todo mundo. Como ensinou Barbárvore, personagem de Tolkien em O senhor dos aneis, os ents levam muito tempo para falar qualquer coisa, por isso aprenderam a falar apenas quando havia algo que valia a pena ser dito.
O Facebook me custou até o blog. Pela maior capacidade de disseminação e imediatidade lá, deixei de publicar muita coisa aqui. Então esta é uma chance de tentar o caminho oposto. Não morri nem me calei. Posso estar apenas qualificando as minhas ideias neste ambiente doméstico para mim. Enfim, para saber, só fazendo. Por isso comecei. A experiência pode durar um dia, um mês, um ano ou sei lá. Não importa. Não tenho contas a prestar e meu compromisso é com minha própria paz.
sábado, 2 de setembro de 2017
Simpáticos e bem treinados predadores
Eles nos abordam e dizem que temos o perfil de casal que procuram. Convidam-nos para conhecer um empreendimento imobiliário, no modelo de propriedade compartilhada. Falam sobre qualidade de vida, renda complementar, união familiar, visão de futuro, felicidade, paz, amor. E nos prometem uma chance de ajudá-los com uma bolsa de estudos caso batam a meta. Ou, quem sabe, ajudar umas crianças doentes.
O convite para conhecer uma ideia então se transforma em uma proposta de assunção de dívida extremamente agressiva, que apela para as mais escandalosas técnicas de manipulação. O objetivo é nos fazer assinar o contrato naquele momento, a qualquer preço, sem chance de qualquer reflexão. Vale até simular que o casal da mesa ao lado fechou negócio, com direito a ritual de celebração, brinde com espumante e discurso ao estilo culto evangélico.
Um dia me deixei levar por esses meliantes, por curiosidade quanto ao empreendimento. Não tinha a menor intenção de contratar nada. Ao perceber que todos os sorrisos e gentilezas eram apenas uma cortina de fumaça e a cada recusa ou ponderação minha o vendedor puxava outra estratégia ainda mais voraz; ao ler em seus olhos uma frustração crescente; ao encerrar a questão e ele se levantar para chamar o seu gerente, como último recurso para me convencer; sobretudo, ao perceber que a estratégia era pegar pessoas vulneráveis para levá-las a assinar um contrato da maneira mais irresponsável possível, dei um basta.
Passado um bom tempo, esses abutres a serviço do capital estão à solta pelos shoppings. Sinal de que o empreendimento não vendeu como esperado. Abordam-nos do mesmo jeito. Tudo ensaiado, treinado, coreografado, cronometrado. Hoje, escutando pessoas amigas relatando a sua experiência com eles, que teve lances inacreditáveis, como a vendedora oferecendo o próprio cartão de crédito para que pagassem a entrada, um desejo nasceu em mim.
Quero voltar ao front com eles. Fingir-me de incauto com dinheiro disponível e ver tudo que o vendedor fará para me tomar o sangue. Só que, agora, com conhecimento de causa, além de prática advocatícia e alguma familiaridade com análise de comportamento. Quero dizer não a cada tática que o malfeitor utilizar. Admito: quero levá-lo ao desespero, triturá-lo, para fazer minha justiça com as próprias mãos em honra de cada pessoa que caiu nas mãos desses facínoras. Quero me levantar dizendo "você se esforçou muito, mas eu sei o que você está fazendo e não vai dar certo".
Sim, eu sei que é um desejo perverso. Mas nunca prometi ser um bom menino. Minha esposa não quer participar, então estou precisando de uma esposa de fachada para me ajudar a demolir essas ridículas e odiosas, porém eficientes, técnicas de marketing.
Alguém se habilita a fazer essa má ação?
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