quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Dia do Pindura

“Garçon, tire a mesa e ponha um sorriso no rosto
Seria muito avareza cobrar no 11 de agosto!”

O primeiro curso de Direito a funcionar no Brasil foi o do Largo de São Francisco, em São Paulo, aos 11 dias de agosto de 1827 — data que, por isso, marca oficialmente a instituição dos cursos jurídicos no país. São nada menos que 180 anos de existência. Posteriormente, a mesma data foi escolhida como Dia do Advogado e Dia da Justiça. O segundo curso foi instituído em Recife e o terceiro, aqui em Belém (1902).
Naqueles avoengos anos, os próprios donos de restaurantes tomaram a iniciativa de oferecer refeições, gratuitamente, aos estudantes de Direito. Era uma cortesia destinada a agradar os futuros bachareis, todos eles filhos de famílias ricas e que, em futuro próximo, seriam membros destacados da sociedade. Essa foi a origem do "Dia do Pindura" — assim mesmo, com "i", para agredir também o vernáculo. A nomenclatura adveio do costume que tinham as antigas casas comerciais de, literalmente, pendurar as contas de quem comprava fiado (as contas eram anotadas em papeis e presas em pregos enfiados nas paredes, daí a também consagrada expressão "por no prego").
Com o tempo, a cortesia foi substituída por um calote. Os acadêmicos, não mais convidados, faziam refeições e, ao final, anunciavam o pindura e faziam um discurso de agradecimento à vítima. Surgiu então a tradição da brincadeira, um incômodo que os restauranters suportavam, com maior ou menor compreensão. Mas isso porque não existiam quase mil cursos jurídicos no país, como hoje, e porque havia ainda alguma réstia de respeito na conduta dos estudantes — bem diferente do que se viu em anos recentes aqui em Belém, com farras em motel, com direito a depredação do quarto.
Somente a cultura de bandalha do brasileiro, que acredita ter o dever de praticar condutas escandalosas, explica o pindura. Falar em tradição é cinismo escancarado. Se eu sei que minha ação provocará contrariedades e prejuízos a alguém, e mesmo assim ajo, isso não é brincadeira e diz muito sobre meu caráter. Quero ver, se o seu(sua) namorado(a), esposo(a) ou congênere enfeitar sua testa com um belo par de cornos e se explicar dizendo que foi uma brincadeira, qual será sua opinião.
Sempre desaprovei o pindura e, no único ano em que meus colegas de turma realmente se mobilizaram para fazê-lo, fiquei de fora. Em meados dos anos 90, alguns estabelecimentos suportavam o golpe, outros faziam um pouco de pressão para receber e alguns engrossavam de verdade. Professores de Direito Penal eram chamados para auxiliar seus pupilos nas delegacias. Hoje eu sou professor de Penal e vou logo avisando: não se deem ao trabalho de me chamar, que eu não darei a mínima.
Se querem fixar o dia 11 de agosto como uma data importante no calendário nacional, que procurem meios dignos de fazê-lo. Além de eventos acadêmicos e profissionais que possam valorizar a cultura jurídica, que tal promover ações solidárias, como existem em alguns lugares? Que tal arrecadar alimentos junto a empresários e, no dia 11, fazer uma festinha para os necessitados, inclusive oferecendo-lhes serviços de orientação jurídica nos núcleos de prática das faculdades?
Isso seria cidadania e uma tradição digna de respeito.

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