quinta-feira, 23 de abril de 2009

Visita carcerária: para quê?

Ontem, mais uma vez, fui questionado acerca de um assunto que parece ser uma espécie de obsessão para muitos alunos de Direito: por que não levo minhas turmas para visitar uma penitenciária?A resposta, muito simples: porque uma penitenciária não é local de visitas para estranhos. Simples assim. O acesso a esses sofridos e tétricos estabelecimentos faz sentido se você mantém relações pessoais com algum preso; ou profissionais, no caso de ser o seu advogado; ou se você é juiz, promotor de justiça ou defensor público e ali comparece para exercer alguma atividade relacionada a sua função. Ou eventualmente, se você é um pesquisador ou jornalista e vai com um objetivo claramente delimitado.

Fora dessas hipóteses, o que mais uma pessoa tem a fazer dentro de um presídio? Aprender, decerto responderiam alguns alunos, interessados no passeio. Mas para responder a isso ilustro com uma situação vivida há algum tempo.

Em certa ocasião, alunos me procuraram com a intenção de fazer uma visita carcerária. Foram enfáticos. Eu concordei, mediante uma condição: que eles me apresentassem uma proposta, explicando qual seria a finalidade de nossa visita. Eu queria que eles me dissessem o que responderíamos aos presos quando eles nos questionassem sobre nossa presença. O que ofereceríamos a eles. Assistência jurídica? Solidariedade? O compromisso de levar notícias às famílias? Ou apenas iríamos lá, observar seres humanos enjaulados, com a mesma curiosidade de uma criança no zoológico, para depois ir embora e tocar nossas vidas adiante, com essa curiosidade mórbida saciada?

Podemos ir a um zoológico sem nenhum projeto além de observar. Não podemos fazer isso numa penitenciária. Seria leviano, porque o bicho que se encontra atrás das grades é um ser humano. Que decerto não está nada interessado em ser objeto sujeito meramente passivo dos olhinhos faiscantes de uma elite que chegou ao ensino superior. Ainda nos meus tempos de UFPA, aprendi com pesquisadores que uma das piores coisas que o acadêmico pode fazer são as tais pesquisas de campo, nas quais você chega a um determinado lugar, examina o que quer, anota o que quer, fotografa o que quer, pergunta o que quer e depois vai embora, sem dar nenhum retorno ou deixar qualquer benefício para o investigado. Muitas comunidades já são avessas à presença de estudantes, porque foram usadas várias vezes e não estão mais dispostas a isso. O preso, por sua particular condição, não pode sequer insurgir-se contra o assédio externo. Devemos, então, aviltá-lo dessa maneira? A vida dele ainda não está suficientemente miserável?

Coincidência ou não, a proposta não me foi apresentada até hoje. Os alunos se formaram e umas tantas turmas depois deles, mas ninguém veio me dizer, sequer numa conversa informal, qual seria o objetivo da visita.

Anos atrás, eu e um colega docente estivemos, com um grupo de alunos, na Associação da Pastoral Carcerária APAC, em Ananindeua. Uma instituição modelo. E o que fomos fazer lá? Na época, havia um convênio entre nossa instituição o CESUPA e a Pastoral Carcerária. Não íamos lá apenas ver os presos ou re-educandos, como manda a nomenclatura eufemista. Íamos ouvir suas reivindicações e saber se seria possível atendê-las. Para tanto, íamos depois à Vara de Execução Penal acompanhar o andamento de processos de progressão de regime, remição, autorização de saída, etc. Ou seja: nós prestávamos um serviço a eles. Na outra ponta dessa assistência, nós atendíamos, na sede da Pastoral Carcerária (Arquidiocese, na av. José Malcher) os familiares dos presos e, igualmente, procurávamos lhes dar algum encaminhamento. Era, enfim, uma atividade vinculada ao nosso Núcleo de Prática Jurídica que, àquela altura, estava em fase de implantação.

Então é isso. Enquanto me pedirem para visitar um presídio assim, sem mais aquela, minha resposta será negativa. Mas se algum acadêmico de Direito do CESUPA ler isto, fique ciente de que a oferta está de pé: se me formalizarem uma proposta honesta e digna para justificar esse exercício mais antropológico que jurídico, eu me empenharei junto à coordenação do curso e a reitoria para implementá-la. Aliás, tenho ideias sobre isso, mas confesso que ainda não dei uma forma final, a qual levará em conta, inclusive, a previsão de um corpo discente qualificado e que se mova por razões muito superiores à simples empolgação.

Eu tenho um sonho. Mas acho que é só um sonho, mesmo. Penso num grande Instituto de Criminologia, que fosse referência inclusive para o poder público. Além dos estudos acadêmicos, o instituto disporia de equipes multidisciplinares para atuar nas áreas de interesse do sistema de justiça criminal perícias sociais e psiquiátricas, verificação de periculosidade, apoio a egressos, pesquisas sobre reincidência, propostas ao poder público sobre medidas não penais capazes de influenciar a criminalidade para baixo (infraestrutura, educação, lazer, apoio às famílias, inclusive das vítimas, etc.).

Algo assim talvez nunca surja aqui na terrinha. Mas muita coisa útil pode ser feita. Só não como curiosidade e empolgação.

PS Antes que me atirem pedras, não critico quem faz visitas carcerárias, a menos que, no caso concreto, possam ser de fato caracterizadas como levianas. Apenas justifico a minha posição pessoal.

5 comentários:

Jean disse...

Olá Primo,

Vou lhe contar um fato que ocorreu comigo este semestre.

Estou matriculado na disciplina de Execução Penal e como de praxe o professor nos leva até a penitenciária. Desta vez, inclusive, fomos ao de segurança máxima em São Pedro de Alcântara/SC.

Achei que iria ser algo produtivo, interessante e proveitoso. Entretanto, amante da liberdade como sou, senti-me extremamente desconfortável com a situação. Primeiramente por saber que a realidade interna que o diretor tentou nos passar não é realmente aquela, tentando dar um caráter humano à um local que por sua ideia é animalesca e perversa.

Relatei aos meus colegas e ao professor o meu desconforto, na medida em que me sentia em um zoológico, fazendo questão de colocar no relatório de visita tal observação.

Precisamos ter a consciência de que por mais horrendo e bárbaro tenha sido cometido o crime, ainda sim são humanos que estão lá. O respeito à dignidade do apenado transpassa o caráter meramente individual, privada. Deve-se analisar sob um ponto de vista de Justiça, segurança, respeito à normas constitucionais e acima de tudo humanas. Cometeram um ato tipificado como crime e estão lá pagando, mas não é por isto que deverão ser tratados com sub-humanos (ou subumanos, seja lá como for a nova reforma hehe).

Não sei Yúdice, muitas vezes tenho a impressão de ser humanista demais para trabalhar na área de Direito Criminal. Não consigo ver um ser humano como alguém "pior" ou "melhor" que outro.

Abraços primo!!!

Gabriel Parente disse...

Semestre passado, em Direito Penal II, minha turma foi à visita de um presídio. Até concordei em ir, assinei meu nome na lista corrente na sala. Um dia antes da visita me perguntei: que diabos a gente vai fazer lá? Meu juízo não estava desmerecendo esse ou aquele professor, mas atinei para algo completamente fora do normal: iríamos chegar lá... e depois? A gente ia apenas olhar os 'pobres coitados' - tá, eu sei que, se alguém está preso, na maioria das vezes, mereceu - e depois voltaríamos para casa como um dia qualquer. Imagina o que sentiria cada uma das detentas - lembrei agora que era a Penitenciária feminina - vendo um monte de moleques desconhecidos, indo ao seu nicho apenas para vê-las. Todos sabem que nada de produtivo seria adquirido naquela experiência senão a curiosidade, talvez o medo, adrenalina; quiçá excitação por estar em meio à 'prática' do Direito Penal. Mas, o ser humano é estranho. No final das contas, não fui e nem perguntei aos colegas como foi a experiência. Talvez os que foram sabem que, lá no âmago, isso serviu apenas para matar a curiosidade. Nada mais.

Anônimo disse...

Olá Yúdice,
Agradeço as linhas gentis sobre o projeto do qual estou fazendo parte. Agora este teu post me faz ser mais "emocional" do que já sou... como me conheces. Concordo totalmente com vc. Como advogada na SDDH tinhamos um grupo interdisciplinar e aprendi muito com as outras disciplinas e mais notadamente com a psicologia. A partir daí comecei a ter um outro olhar sobre o universo carcerário. Veja: quando vc vai a um estabelecimento penal como profissional de direito vc, por um mínimo de ética, vc deve dar um retorno, respostas para o teu cliente e para a família, porque a verdade é que sequer entre nós profissionais de direito existe a preocupação humanista com a situação daquela pessoa - infelizmente é isso que ouço há muito tempo de diversos detentos...e suas famílias...
Imagine que além da privação da liberdade o detento quando INTERAGE com outras pessoas fica ESPERANÇOSO de que pelo menos em seus pedidos haja resposta para suas questões e quando isso não acontece ou quando demora demais vira uma TORTURA para ele, que fica esperando... esperando...esperando...
Portanto, aos alunos que vão trabalhar no direito criminal, por favor se falar com seu cliente e disser que retorna no dia 22 do mês seguinte CUMPRA A PALAVRA, mas do que EDUCAÇÃO com o outro é ÉTICA PROFISSIONAL.
Quando o CONSELHO DA COMUNIDADE foi reestruturado ano passado imediatamente nos preocupamos também com as visitas de inspeções e eventuais "interações" com os presos. Desde junho até hoje estamos nos capacitando em diversos ciclos de palestras e o tema das visitas carcerárias foi logo uma preocupação inIcial de instituições como a Patoral Carcerária e a Fábrica Esperança. Quando, nós conselheiros, vamos a um presídio logo nos identificamos e informamos o "porquê" daquela "interferência" aos presentes e principalmente aos presos. Minha posição é que acho desnecessário a visita por visita, esta sem motivação alguma.
Confesso que nunca me acostumei com minhas idas e vindas aos presídios - Hoje estou mais preparada psicologicamente, mas sempre saio de lá muito "carregada" me sentindo pésssima como ser humana.
Acredito que estas visitas sem motivação alguma só servem para alimentar um certo "sadismo" ou "masoquismo" que existe em nós. É isso que penso!
Ýudice, possuo um livro publicado pela Secretaria nacional de direitos humanos em parceria com ONGs internacionais sobre MONITORAMENTO E VISITAS EM ESTABELECIMENTOS PENAIS, se ainda não leu e estiver interessado em ler me diga que te faço uma visita pra te emprestar e aproveitar para te ver... tem um tempão.
meu e-mail é annaclaudialins@yahoo.com.br
Saudações fraternais,
Anna Lins

Ricardo Pinto disse...

Não tem mesmo a menor finalidade essas visitas acadêmicas, em minha época de faculdade não fui e se um dia vier a ministrar aulas como v. exa. tenho certeza de que agirei da mesma forma.

abrs

Yúdice Andrade disse...

Jean, Gabriel, Anna e Ricardo, agradeço a compreensão. Confesso que me preocupava um pouco ser mal interpretado, como se estivesse criticando A ou B ou como não visse nenhuma finalidade útil nessas visitas. Felizmente, vocês pegaram o espírito da coisa.

Querida Anna, há pouco tempo postei sobre o ressurgimento do Conselho da Comunidade e, de repente, apareces aqui como uma de suas integrantes. Magnífico. Mandarei uma mensagem, com certeza, pois tenho todo o interesse em me aproximar desse trabalho. De quebra, aproveito para ler esse livro.
Abraços.