De junho de 2006 ao mesmo mês de 2012 a população carcerária no Pará aumentou cerca de 85%, segundo informações do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Departamento Penitenciário Nacional ligado ao Ministério da Justiça. Enquanto ao número de presos quase que dobrou em seis anos, o número de vagas cresceu apenas cerca de 23%, conforme mostram os dados. Os próprios dados divulgados, porém, mostram que o perfil de quem é preso não sofreu alteração, da mesma forma que a corrupção de agentes penitenciários ainda continua com a mesma lógica. Por questão de segurança, todos os nomes de detentos revelados nessa matéria são fictícios.
“Aqui a gente é muito humilhado. Não tem remédio, a comida é podre, e tem dia que a gente não consegue dormir porque não tem lugar no chão pra todo mundo e o calor é infernal”, revelou Antônio Silva, de 30 anos, (nome fictício) condenado a 9 anos de prisão por pelo menos três crimes que ele não quis comentar quais foram. O DIÁRIO conversou com ele através de um telefone celular que ele mantém na cadeia, com o qual consegue ser informado de tudo que acontece aqui do lado de fora.
Ele conseguiu acesso ao aparelho após pagar propina a um agente prisional, que fez acordo com ele durante algum dos contatos diários que tem com os detentos no pátio, combinaram o valor de R$ 150,00, que foi cobrado fora da casa penal à esposa do Antônio, que entregou o dinheiro e o aparelho. O valor em espécie o agente guardou e o telefone entregou ao detento, que assim pode monitorar os passos da esposa e de tudo mais que o interessar no mundo externo.
O DIÁRIO conversou com três detentos por celular. Ambos reclamaram abertamente sobre a falta de espaço na hora de dormir, falta de cuidados médicos adequados, falta de remédios, da comida, mas ficaram muito apreensivos ao falar sobre a corrupção com a qual se beneficiam. O fato é que, só na Operação Sentinela do Norte III, realizada no dia 06/12/12 em todas as casas penais, 330 celulares foram apreendidos (redução de 50% em relação à Sentinela II).
Se cada aparelho é colocado para dentro por no mínimo R$ 150,00 e pelo menos 90% deles entram com a “Mão amiga” dos agentes, os presos de nosso estado geraram R$ 44.550,00 de lucro apenas pelos celulares que foram realmente encontrados, isso sem contar carregadores e entorpecentes, que também são em grande parte “colocados para dentro”.
Ou seja, de um lado estão os detentos, pessoas que são investigadas ou foram condenadas por terem contrariado a lei, do outro o próprio Estado, que por incompetência, falta de planejamento, conivência, falta de recurso ou o que for, também descumpre a lei, seja através de agentes corruptos, pela superlotação que fere a dignidade humana dos detentos, pela falta de assistência por conta do inchaço populacional nas penitenciárias paraenses.
Perfil dos presos não sofre alteração
Em junho 2006, 60% dos presos não tinham o Ensino Médio Completo e 44 % não haviam concluído nem mesmo o Ensino Fundamental e eram 55,5% jovens de 18 a 29 anos. No mesmo período de 2012, 79% dos detentos não haviam concluído o Ensino Médio e 64,7% não haviam estudado sequer todo o Ensino Fundamental e eram 54,5% jovens de 18 a 29 anos. Ou seja, o perfil dos presos no Pará, como não é diferente em todo Brasil, são jovens com baixa escolaridade e oriundos da periferia ou de lugares com ausência ou falta de políticas públicas.
“O número de presos no Pará aumentou significativamente, o que não foi acompanhado adequadamente na estrutura de acolhimento e aprisionamento com dignidade desses presos, que estão amontoados em celas superpovoadas que reproduzem o sistema de enfurnar pessoas em verdadeiros contêineres”, analisou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará (AL), deputado Carlos Bordalo. Segundo ele, no Pará praticamente inexiste centros para recuperação dos presos, a não ser a colônia penal agrícola Heleno Fragoso, em Santa Izabel, que só possui o perfil atual graças à pressão feita pela CPI do Tráfico de Pessoas e aos Conselhos Tutelares.
A comissão da AL criou coordenadoria de acompanhamento e monitoramento do sistema penitenciário para desenvolver mecanismo para monitorar cada casa penal do Estado. Já para Gleidson Pontes, de 28 anos, membro do Fórum da Juventude Negra do Pará (Fojunepa), a ausência de uma rede de Políticas Públicas para a juventude negra, maciçamente presente nas periferias e nos locais mais excluídos historicamente é um dos fatores condicionantes da realidade penal paraense.
“Se você olhar o perfil dos presos na década de 70, 80 e 90, não será muito diferente do que vivemos hoje. A maioria já era negra, filhos da periferia”, apontou Gleidson. Ele explicou que os negros vieram da África à força e, quando não obedeciam, iam ao tronco. Quando libertados, foram obrigados a habitar lugares inóspitos sem a presença efetiva do Estado, que hoje chamamos de periferia, e a ideia de punição ainda permanece semelhante, razão que também explicaria o fato de que parte da imprensa e da sociedade aplaudem a condição degradante na qual os encarcerados vivem.
Para o militante, o Estado gastará muito mais com a construção de cadeias novas, obras essas que certamente gerarão lucro aos empresário, enquanto que políticas sociais continuarão sendo realizadas de maneira ineficiente “porque essa é a lógica do modelo de desenvolvimento do Estado”.
Corrupção de agentes prisionais existe, diz a susipe
Segundo o titular da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe), o tenente coronel André Cunha, de dezembro de 2006 a dezembro de 2012 o aumento da população carcerária foi de cerca de 50%, e o acréscimo foi de 21% nos números de vagas. Nos dados apresentados pelo Ministério da Justiça, havia um déficit de 5.812 vagas no Sistema Penal paraense em junho de 2012, mas a Susipe aponta que em março de 2013 o déficit era de 4.525 vagas. Há em andamento a construção de 1644 vagas em Santa Izabel, Marabá, Santarém São Félix do Xingu e Breves. “Para enfrentar esse problema a Susipe atua em três frentes: Construção de novas vagas; Redução do fluxo de entrada e reduzir a reincidência; aumento do fluxo de saída. Essas ações resultaram, por exemplo, que em dezembro de 2012 saíram mais presos do que entraram das casas penais do Pará”, pontuou o superintendente. Na última sexta (07), por exemplo, enquanto André Cunha dava entrevista, mais um mutirão era realizado no complexo de Americano, para que presos condenados tivessem sua situação regularizada, e no caso de detentos que já tenham cumprido a lei, que possam ganhar a liberdade e liberar vaga no presídio.
Parte da superlotação se dá também pelo número de presos que ainda não foram julgados, conforme ele explicou. “Em 2001 o número de preso provisórios correspondia a 65% da população carcerária. Em março de 2013 é 46%, isso significa um enorme avanço do judiciário paraense, que tem feito enorme esforço para deixar em condições aceitáveis a quantidade de presos que ainda não foram julgados”, explicou.
A Susipe realiza palestras em escolas da periferia em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e com o Pro-Paz, para informar crianças em condição de vulnerabilidade a como medida de prevenção. Como exemplo de projetos de ressocialização há o projeto “Reconquistando a Liberdade”, realizado com detentos do regime semiaberto de Heleno Fragoso. “Até o final do mês de junho, um novo grupo de internos, entre eles 20 mulheres vão trabalhar na limpeza de praças e logradouros em um convênio fechado com a Secretaria Municipal de Urbanismo de Belém”, informou a assessoria de comunicação da Susipe.
Em relação à corrupção de agentes prisionais, o superintendente confirmou que objetos e substâncias proibidas entram nas casas penai ou por conivência ou por omissão de servidores, na maioria temporários, razão apontada por críticos como um dos elementos fundamentais para tanta corrupção. “Não é o fato do servidor ser temporário ou concursado que isso vai mudar o caráter da pessoa”, alegou o titular da Susipe, que alertou sobre possível demissão para trabalhadores pegos em conduta indevida e até mesmo indiciamento na justiça comum caso o delito seja criminoso.