terça-feira, 29 de outubro de 2013

De volta à combinação de leis penais

Menos de dois meses depois de explicar aos meus alunos de Direito Penal I que é possível aplicar normas oriundas de leis distintas, sendo algumas de forma ultrativa e outras, retroativa, sempre para benefício do réu, o Superior Tribunal de Justiça me sai com uma novidade em sentido contrário, e uma novidade barulhenta, eis que se trata de uma súmula (de n. 501).

Eis a notícia oficial, extraída da página do STJ:

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou nova súmula que veda a combinação de leis em crimes de tráfico de drogas. A medida já foi aplicada em várias decisões, inclusive do STJ, e faz retroagir apenas os dispositivos mais benéficos da nova lei de tóxicos. 

A Lei 6.638/76, antiga lei de drogas, estabelecia para o crime de tráfico uma pena de 3 a 15 anos de prisão, sem previsão de diminuição da pena. O novo texto, que veio com a Lei 11.343/06, fixou uma pena maior para o traficante, 5 a 15 anos de prisão, mas criou uma causa de diminuição de um sexto a dois terços se o réu for primário, tiver bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa. 

Ocorre que, no mesmo delito de tráfico, (artigo 33 da lei 11.343/06, em vigor, e artigo 12 da lei antiga) a lei nova em relação à antiga se tornou mais gravosa em um aspecto e, ao mesmo tempo, mais benéfica em outro. Surgiu, então, a dúvida: se um indivíduo foi condenado, com trânsito em julgado, na pena mínima da lei antiga, que é de 3 anos (na lei nova é de 5 anos), pode esse indivíduo ser beneficiado apenas com a minorante do dispositivo da lei nova? 

Os magistrados dividiram-se, uma vez que retroagir uma lei mais benéfica é entendimento pacífico, mas permitir a mescla de dispositivos de leis diferentes não é conclusão unânime. 

Tese consolidada

No STJ, a Sexta Turma entendia ser possível a combinação de leis a fim de beneficiar o réu, como ocorreu no julgamento do HC 102.544. Ao unificar o entendimento das duas Turmas penais, entretanto, prevaleceu na Terceira Seção o juízo de que não podem ser mesclados dispositivos mais favoráveis da lei nova com os da lei antiga, pois ao fazer isso o julgador estaria formando uma terceira norma. 

A tese consolidada é de que a lei pode retroagir, mas apenas se puder ser aplicada na íntegra. Dessa forma, explicou o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no HC 86797, caberá ao “magistrado singular, ao juiz da vara de execuções criminais ou ao tribunal estadual decidir, diante do caso concreto, aquilo que for melhor ao acusado ou sentenciado, sem a possibilidade, todavia, de combinação de normas”. 

O projeto de súmula foi encaminhado pela ministra Laurita Vaz e a redação oficial do dispositivo ficou com o seguinte teor: “É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis”.

Não concordando com a nova súmula, destaco que o Supremo Tribunal Federal entende em sentido diametralmente oposto. Numa busca rápida, as decisões mais recentes sobre o tema que encontrei datam de 13.12.2011, não sendo possível especular se a corte se deixará influenciar pelo STJ. Veja-se como a corte constitucional foi enfática (e o tema é o mesmo):

“HABEAS CORPUS” – CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES PRATICADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 6.368/76 – ADVENTO DA NOVA LEI DE DROGAS (LEI Nº 11.343/2006), CUJO ART. 33, § 4º, PERMITE, EXPRESSAMENTE, QUANTO AOS DELITOS NELE REFERIDOS, A MINORAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE – NORMA PENAL MAIS BENÉFICA, QUE PREVÊ CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA – APLICABILIDADE DESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO (“LEX MITIOR”) SOBRE A “SANCTIO JURIS” DEFINIDA NO PRECEITO SECUNDÁRIO (ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76) – EFICÁCIA RETROATIVA DA “LEX MITIOR”, POR EFEITO DO QUE IMPÕE O ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – COMBINAÇÃO DE LEIS – SITUAÇÃO QUE NÃO CONFIGURA CRIAÇÃO DE UMA TERCEIRA ESPÉCIE NORMATIVA – PEDIDO DEFERIDO. - A Lei nº 11.343/2006 – tendo em conta a pena mínima cominada ao crime de tráfico de drogas (05 anos) – importou em verdadeira “novatio legis in pejus”, pois determinou um “quantum” penal mais gravoso que o fixado pela lei anterior, circunstância que impõe a prevalência do preceito secundário contido no art. 12 da Lei nº 6.368/76, cujo limite mínimo – de 03 (três) anos de reclusão – é mais benéfico ao agente nos casos de delitos cometidos antes do advento da “lex gravior”. - A norma consubstanciada no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, no entanto, mostra-se mais benigna na parte em que prevê causa especial de diminuição de pena, evidentemente mais favorável, nas hipóteses em que o agente é primário, possui bons antecedentes, não se dedica a atividades delituosas nem integra organização criminosa, revelando-se apta a incidir, retroativamente, porque “lex mitior”, sobre fatos delituosos praticados antes de sua vigência. - A eficácia retroativa e a eficácia ultrativa da norma penal benéfica possuem extração constitucional (CF, art. 5º, XL), traduzindo, sob tal aspecto, inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer suposto autor de infrações penais. - A circunstância de ordem temporal decorrente da sucessão de leis penais no tempo revela-se apta a conferir aplicabilidade às disposições penais benéficas contidas no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 em favor dos condenados pela prática do crime tipificado no art. 12 da Lei nº 6.368/76, nos casos em que o fato delituoso foi cometido antes da edição da nova lei, tornando aplicável, portanto, por efeito de expressa determinação constitucional (CF, art. 5º, XL), o § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, cuja evidente benignidade contrasta com a antiga disciplina legal incidente na terceira fase da operação de dosimetria penal. Considerando-se, de um lado, o preceito secundário cominado no art. 12 da Lei nº 6.368/76 (que tem limite mínimo mais benéfico) e tendo em vista, de outro, a causa especial de diminuição da pena contida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (que possui conteúdo mais benigno), torna-se irrecusável reconhecer que ambos devem compor a operação de dosimetria penal relativamente aos condenados pela prática do delito cometido na vigência da antiga Lei de Tóxicos, sem que, com isso, se esteja criando, com referida combinação, uma terceira lei.
(STF, 2ª Turma — HC 97094/RS — rel. Min. Celso de Mello — j. 13/12/2011 — acórdão eletrônico DJe-234 DIVULG 28-11-2012 PUBLIC 29-11-2012)

Aguardemos o desenrolar dos fatos. Minhas aulas, devidamente atualizadas, seguirão no mesmo teor.

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