Em uma ação penal por crime de homicídio, a prisão preventiva foi decretada porque, segundo o juiz, o réu forneceu endereço errado ao ser conduzido à delegacia, o que posteriormente inviabilizou a sua citação via oficial de justiça, e também porque se evadiu da casa penal onde cumpria pena por um outro delito. Segundo o magistrado, a segregação se justificava para assegurar a aplicação da lei penal, na medida em que o réu mostrava a sua falta de interesse em colaborar com a Justiça.
Fundamentações desse jaez são recorrentes no foro criminal e os profissionais do direito, de um modo geral, passam por elas sem dar a menor atenção. Mas é o caso de se perguntar: afinal, é dever do réu colaborar com o sistema de justiça criminal? Com o sistema que, vale lembrar, está tentando impor restrições sobre sua liberdade, sejam elas merecidas ou não.
Expectativas desse gênero me recordam um erro com que me deparo de vez em quando: a afirmação de que o autor de um crime doloso deve ser também punido por ter omitido socorro à vítima. Costumo dizer a meus alunos que é irracional pretender que alguém pratique voluntariamente um dano contra terceiro e o socorra em seguida. Imagine a cena: eu quero matar alguém, lesiono essa pessoa e em seguida a conduzo a um hospital. Surreal, no mínimo. Ciente disso, o legislador não aumenta a reprimenda de crimes dolosos por esse motivo. As penas mais elevadas cominadas aos delitos dolosos devem estar à altura, supõe-se, da conduta desvaliosa que os agentes perpetram, inclusive no que tange ao fato de deixarem a vítima ao desamparo.
A pretensão de que o réu, como qualquer outra pessoa, deveria colaborar com a Justiça (o uso do termo "Justiça" é sintomático, em uma análise discursiva) é claramente moralizadora. Indica uma expectativa de comportamento ideal que é no mínimo inconsequente. Afinal, o indivíduo já transgrediu a norma, às vezes perpetrando ações terríveis. Você realmente acha razoável que ele colabore com o sistema que pretende puni-lo? Não me parece que a resposta possa ser afirmativa. Assim, penso que a questão deve ser pensada nestes termos: como devemos nos comportar perante pessoas que, acusadas de crimes, presumivelmente farão o que estiver a seu alcance para escapar à responsabilização?
Pode parecer uma diferença irrisória, mas ela retira o fundamento das decisões judiciais das costas do acusado e as coloca onde realmente devem estar: no caráter político dessas deliberações. Os agentes do sistema de justiça criminal precisam entender e assumir que, quando atuam, estão efetivando normas que foram elaboradas por entes estatais para incidir sobre indivíduos tratados como objetos de uma intervenção, e não meramente reagindo às atitudes desses mesmos sujeitos reificados. (A reificação da parte no processo é uma outra polêmica relevante a que não estou aderindo nesta oportunidade.)
Ressalto que, neste momento, não estou defendendo o incabimento de medidas repressivas contra os acusados de crime. Não é o meu ponto. Não afirmo que, por exemplo, prisões cautelares não poderiam ser aplicadas em absolutamente nenhuma situação. O meu foco é bem mais singelo e diz respeito ao modo como o juiz deve justificar as suas decisões, em um ordenamento que, malgrado o aborrecimento de muitos, confere ao réu o direito de calar, de mentir e até de fugir.
Essas prerrogativas foram-se elaborando no processo nessa sequência, ou seja, primeiro se reconheceu o direito ao silêncio, sem a possibilidade de prejudicar o réu por calar. Depois se avançou para a percepção de que alguém que pode calar também pode mentir, embora isso seja um complicador, pois pode direcionar a investigação para um lado errado. Além disso, existe a carga moralizadora de rejeição da mentira. Por fim, a fuga deixou de ser o mais óbvio e contundente fundamento para justificar prisões, quando se passou a entender que, mesmo criminoso, o indivíduo continuará reivindicando seu direito natural à autoproteção.
Em que pese o Supremo Tribunal Federal albergar essas teses, ainda vemos enorme recalcitrância em admiti-las, por parte dos níveis mais abaixo na pirâmide judiciária. E é assim que ainda se pretende que o acusado seja um colaborador. No mínimo, isso implica em eliminar uma base mínima de coerência para esse sistema.
Em suma, devemos substituir os discursos moralizadores por senso de realidade. Réu não colabora com o sistema, salvo em situações excepcionais. Réu se protege. Simples assim. É admitindo essa premissa que o tal sistema deve, então, elaborar as suas razões de agir.
O deputado Jean Wyllys explicou o voto em Dilma e apontou inúmeros razões para não votar em Aécio (divulgação)
O deputado federal reeleito pelo PSOL do Rio de Janeiro, Jean Wyllys, declarou seu voto a presidente Dilma Rousseff em uma carta publicada no Facebook. Ele diz que o presidenciável tucano Aécio Neves representa o retrocesso. Leia a seguir:
Carta para além do muro (ou por que Dilma agora)
O muro não é meu lugar, definitivamente. Nunca gostei de muros, nem dos reais nem dos imaginários ou metafóricos. Sempre preferi as pontes ou as portas e janelas abertas, reais ou imaginárias. Estas representam a comunicação e, logo, o entendimento. Mas quando, infelizmente, no lugar delas se ergue um muro, não posso tentar me equilibrar sobre ele. O certo é avaliar com discernimento e escolher o lado do muro que está mais de acordo com o que se espera da vida. O correto é tomar posição; posicionar-se mesmo que a posição tomada não seja a ideal, mas a mais próxima disso. Jamais lavar as mãos como Pilatos — o que custou a execução de Jesus — nem sugerir dividir o bebê disputado por duas mães ao meio.
Sei que cada escolha é uma renúncia. E, por isso, estou preparado para os insultos e ataques dos que gostariam que eu fizesse escolha semelhante às suas.
Por respeito à democracia interna do meu partido, aguardei a deliberação da direção nacional para dividir, com vocês, minha posição sobre o segundo turno. E agora que o PSOL já se expressou, eu também o faço.
Antes de mais nada, quero dizer que estou muito feliz e orgulhoso pelo papel cumprido ao longo de toda a campanha por Luciana Genro. Jamais um/a candidato/a presidencial tinha assumido em todos os debates, entrevistas e discursos — e, sobretudo, no programa de governo apresentado — um compromisso tão claro com a defesa dos direitos humanos de todos e todas. Luciana foi a primeira candidata a falar as palavras “transfobia” e “homofobia” num debate presidencial, além de defender abertamente o casamento civil igualitário, a lei de identidade de gênero e a criminalização da homofobia nos termos em que eu mesmo a defendo; mas também foi a primeira a defender, sem eufemismos, as legalizações do aborto e da maconha como meios eficazes de reduzir a mortalidade da população pobre e negra, a taxação das grandes fortunas, a desmilitarização da polícia e outras pautas que considero fundamentais. O PSOL saiu da eleição fortalecido.
Agora, no segundo turno, a eleição é entre os dois candidatos que a população escolheu: Dilma Rousseff e Aécio Neves. E eu não vou fugir dessa escolha porque, embora tenha fortes críticas a ambos, acredito que existam diferenças importantes entre eles.
A candidatura de Aécio Neves – com o provável apoio de Marina Silva (e o já declarado apoio dos fundamentalistas MAL-AFAIA e pastor Everaldo; do ultra-reacionário Levy Fidélix; da quadrilha de difamadores fascistas que tem por sobrenome Bolsonaro e do PSB dos pastores obscurantistas Eurico e Isidoro) – representa um retrocesso: conservadorismo moral, política econômica ultra-liberal, menos políticas sociais e de inclusão, mais criminalização dos movimentos sociais, mais corrupção (sim, ao contrário do que sugere parte da imprensa, o PT é um partido menos enredado em esquemas de corrupção que o PSDB) e mais repressão à dissidência política e menos direitos civis.
Mesmo com todos as críticas que eu fiz, faço e continuarei fazendo aos governos do PT, a memória da época do tucanato me lembra o quanto tudo pode piorar. Por outro lado, Aécio representa uma coligação de partidos de ultra-direita, com uma base ainda mais conservadora que a do governo Dilma no parlamento. Esse alinhamento político-ideológico à direita entre Executivo e Legislativo é um perigo para a democracia!
Vocês que acompanham meus posicionamentos no Congresso, na imprensa e aqui sabem o quanto eu fui crítico, durante estes quatro anos, das claudicações e recuos do governo Dilma e do tipo de governabilidade que o PT construiu. Mas sabem também que eu tenho horror a esse anti-petismo de leitor da revista marrom, por seu conteúdo udenista, fundamentalista religioso, classista e ultra-liberal em matéria econômico-social. Considero-o uma ameaça às conquistas já feitas, que não são todas as que eu desejo, mas existem e são importantes, principalmente para os mais pobres. As manifestações de racismo e classismo que eu vi nos últimos dias nas redes sociais contra o povo nordestino, do qual faço parte como baiano radicado no Rio, mais ainda me horrorizam!
Por isso, avançando um pouco em relação à posição da direção nacional do PSOL, que declarou “Nenhum voto em Aécio”, eu declaro que, nesse segundo turno das eleições, eu voto em Dilma e a apóio, mesmo assegurando a vocês, desde já, que farei oposição à esquerda ao seu governo (logo, uma oposição pautada na justiça, na ética, nas minhas convicções e no republicanismo), apoiando aquilo que é coerente com as bandeiras que defendo e me opondo ao que considero contrário aos interesses da população em geral e daqueles que eu represento no Congresso, como sempre fiz.
Hoje, antes de dividir estas palavras com vocês, entrei em contato com a coordenação de campanha da presidenta Dilma para antecipar minha posição e cobrar, dela, um compromisso claro com agendas mínimas que são muito caras a mim e a tod@s @s que me confiaram seu voto.
E a presidenta Dilma, após argumentar que pouco avançou na garantia de direitos humanos de minorias porque, no primeiro mandato, teve de levar em conta o equilíbrio de forças em sua base e priorizar as políticas sociais mais urgentes, garantiu que, dessa vez, vai:
1. fazer todos os esforços que lhe cabem como presidenta para convencer sua base a criminalizar a homofobia em consonância com a defesa de um estado penal mínimo;
2. fazer todos os esforços que lhe cabem como presidenta para mobilizar sua base no Legislativo para legalizar algo que já é uma realidade jurídica: o casamento CIVIL igualitário. (Ela ressaltou, contudo, que vai tranquilizar os religiosos de que jamais fará qualquer ação no sentido de constranger igrejas a realizarem cerimônias de casamento; a presidenta deixou claro que seu compromisso é com a legalização do CASAMENTO CIVIL – aquele que pode ser dissolvido pelo divórcio – entre pessoas do mesmo sexo);
3. fazer maior investimento de recursos nas políticas de prevenção e tratamento das DSTs/AIDS, levando em conta as populações mais vulneráveis à doença;
4. dar maior atenção às reivindicações dos povos indígenas, conciliando o atendimento a essas reivindicações com o desenvolvimento sustentável;
5. e implementar o PNE – Plano Nacional de Educação – de modo a assegurar a todos e todas uma educação inclusiva de qualidade, sem discriminações às pessoas com deficiências físicas e cognitivas, LGBTs e adeptos de religiões minoritárias, como as religiões de matriz africana.
Por tudo isso, sobretudo por causa desse compromisso, eu voto em Dilma e apoio sua reeleição. Se ela não cumprir, serei o primeiro a cobrar junto a vocês!