Perder é uma experiência no mínimo curiosa. Ninguém quer passar por ela. Ninguém quer perder as pessoas que ama, as coisas que amealhou, a oportunidade de viver as experiências que lhe aprazem. Ninguém quer perder sequer os supérfluos. De um modo geral, somos todos acumuladores compulsivos, desesperados por nos agarrar em lembranças, sentimentos e sensações. Passamos a vida temendo o fantasma das perdas, porque sabemos que ele, inelutavelmente, mais cedo ou mais tarde nos visitará.
E a grande ironia é que as maiores perdas - as pessoas que amamos - são exatamente as mais certas e inevitáveis, a menos que partamos primeiro ou que sejamos tão espiritualizados a não enxergar nesses eventos uma verdadeira separação.
Quando uma perda realmente significativa se apresenta, de repente nos pegamos aceitando as pequenas, como se nos aliviassem diante da ideia do mal maior que ainda esperamos que não se consume. E nisso reside o curioso: é como se a grande perda nos protegesse de sofrer tanto pelas pequenas, ainda que várias.
Mesmo uma cabecinha pessimista consegue entender que, a despeito de tudo, você ainda está vivo e ainda está por aí. E que a vida continuará acontecendo, com suas novas experiências de toda ordem. Talvez isso seja melhor do que nada.
sábado, 30 de novembro de 2019
quarta-feira, 23 de outubro de 2019
A maior de todas as aventuras se repete
O pescador grego retira a pérola do mar. Ele a observa e a nomeia "margarítes", ou talvez "maragon".
Dali para as plagas latinas, a joia luzidia passa a ser chamada de "margarita". Vira nome de flor. Vira nome de mulher. A palavra já não alude somente a pérola. Há um significado expandido, talvez inspirado no vocábulo persa "murvarid", utilizado para designar as criaturas de luz. E assim Margarita passa a significar ser iluminado.
Subindo pelo continente europeu, vai iluminar os franceses e os ingleses, mas agora adaptado para Margot. E nesta forma, ou como Margô, vai batizar meninas portuguesas a partir do século XIII.
E agora Margot vive em nossas entranhas, para em abril viver em nossos braços e para sempre em nosso amor. Vive e ilumina nossos rostos, nossa casa e nossas almas, tão necessitadas dessa renovação de esperança.
Seja luz no mundo, menina Margot.
segunda-feira, 9 de setembro de 2019
E 20 anos se passaram
Muito em síntese, minha amiga Bárbara Dias ― que foi a primeira amizade que fiz na faculdade e depois se tornou minha madrinha de casamento e professora no mestrado (adoro esses reencontros!) ― passou no doutorado e precisava ir para o Rio de Janeiro. Então ela me indicou para substituí-la, nas três turmas que possuía, da disciplina Noções de Direito, Legislação e Ética, no curso de Tecnologia em Processamento de Dados do então Centro de Ensino Superior do Pará, depois Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA).
Ela me levou até a saudosa Profa. Conceição Fiúza de Mello, que aprovou minha indicação, e foi assim que, na tarde de 9 de setembro de 1999, ingressei no prédio sede para, novamente conduzido por Bárbara, ser apresentado aos alunos da turma vespertina e já iniciar os trabalhos. Assim mesmo: valendo. Depois vieram as turmas noturnas.
Naquele momento, tornei-me professor. Algo por que eu ansiava muito.
Em janeiro de 2000, recebi um telefonema da Profa. Angelina Panzuti, primeira coordenadora do curso de Direito daquela instituição, e que fora minha professora na UFPA, convidando-me para assumir a cadeira de direito penal. Então, em 7 de fevereiro, realizei um sonho de longa data: eu era professor de direito penal! Conhecem a sensação de chegar a um porto intensamente desejado?
Na mesma época, fui aprovado em processo seletivo para professor substituto da UFPA. Comecei pelo Núcleo de Prática Jurídica, mas também lecionei a mesma disciplina. Como se tratava de um contrato temporário, cumpri minhas obrigações e, desde então, tenho exercido o meu magistério no CESUPA, acompanhando de perto suas inúmeras conquistas, das quais muito me orgulho, já que estive lá desde o segundo minuto (a primeira turma iniciou em abril de 1999 e ingressei nela dez meses depois).
Hoje, 20 anos se completam daquele dia em que suei frio ante o desconhecido, mas que abracei com uma convicção que poucas vezes tive na vida. Ser professor era a minha única certeza em nível profissional e continua sendo até hoje. Entre erros e acertos, com dias bons e maus, com todos os percalços de uma profissão socialmente desvalorizada, a docência continua sendo o único trabalho que pretendo desempenhar até o final. Para isso trabalhei, tomei minhas quedas, me qualifiquei, experimentei, mudei, renunciei e muitas coisas mais, que deixaram nesse percurso muito mais alegrias e realizações. Acho que fui abençoado.
Ajudei na formação de gerações de profissionais do direito, que estão aí pelo mundo agora, vivendo seus próprios desafios e aventuras. Talvez a minha tenha sido a mais modesta das contribuições, mas meu sonho juvenil era apenas este: sentir a felicidade de pensar que alguém aprendeu alguma coisa boa comigo.
Tomara que assim seja. E que venham os meus próximos anos, tão desejados quanto os primeiros.
Minha profunda gratidão a todos os envolvidos.
Ela me levou até a saudosa Profa. Conceição Fiúza de Mello, que aprovou minha indicação, e foi assim que, na tarde de 9 de setembro de 1999, ingressei no prédio sede para, novamente conduzido por Bárbara, ser apresentado aos alunos da turma vespertina e já iniciar os trabalhos. Assim mesmo: valendo. Depois vieram as turmas noturnas.
Naquele momento, tornei-me professor. Algo por que eu ansiava muito.
Em janeiro de 2000, recebi um telefonema da Profa. Angelina Panzuti, primeira coordenadora do curso de Direito daquela instituição, e que fora minha professora na UFPA, convidando-me para assumir a cadeira de direito penal. Então, em 7 de fevereiro, realizei um sonho de longa data: eu era professor de direito penal! Conhecem a sensação de chegar a um porto intensamente desejado?
Na mesma época, fui aprovado em processo seletivo para professor substituto da UFPA. Comecei pelo Núcleo de Prática Jurídica, mas também lecionei a mesma disciplina. Como se tratava de um contrato temporário, cumpri minhas obrigações e, desde então, tenho exercido o meu magistério no CESUPA, acompanhando de perto suas inúmeras conquistas, das quais muito me orgulho, já que estive lá desde o segundo minuto (a primeira turma iniciou em abril de 1999 e ingressei nela dez meses depois).
Hoje, 20 anos se completam daquele dia em que suei frio ante o desconhecido, mas que abracei com uma convicção que poucas vezes tive na vida. Ser professor era a minha única certeza em nível profissional e continua sendo até hoje. Entre erros e acertos, com dias bons e maus, com todos os percalços de uma profissão socialmente desvalorizada, a docência continua sendo o único trabalho que pretendo desempenhar até o final. Para isso trabalhei, tomei minhas quedas, me qualifiquei, experimentei, mudei, renunciei e muitas coisas mais, que deixaram nesse percurso muito mais alegrias e realizações. Acho que fui abençoado.
Turma vespertina 2013-2015, que me ofereceu uma das maiores demonstrações de carinho que já recebi (eles sabem qual), de que me tornei paraninfo em janeiro de 2018. |
Turma vespertina 2015-2017, que deu seguimento ao mesmo grande gesto de humanidade da anterior (eles sabem o quê). |
Ajudei na formação de gerações de profissionais do direito, que estão aí pelo mundo agora, vivendo seus próprios desafios e aventuras. Talvez a minha tenha sido a mais modesta das contribuições, mas meu sonho juvenil era apenas este: sentir a felicidade de pensar que alguém aprendeu alguma coisa boa comigo.
Tomara que assim seja. E que venham os meus próximos anos, tão desejados quanto os primeiros.
Minha profunda gratidão a todos os envolvidos.
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
Sobre meninos e homens
Dois dias atrás, durante uma aula sobre princípios do direito penal, desenvolvi um raciocínio baseado no conceito de masculinidade tóxica, hoje muito em voga ao menos nos setores, reais e virtuais, por onde transito. Então um aluno me recomendou o documentário acima.
A sala de aula é e deve ser um espaço de troca. Nunca ouvira falar do documentário e, graças à sugestão desse jovem, pude assistir a um belo trabalho, que estou repassando para meus contatos, a fim de que essas reflexões urgentes sejam feitas por um maior número de pessoas.
Centrado na sociedade estadunidense, que possui aquela doentia cultura do sucesso a todo custo (um dos entrevistados afirma isso expressamente), mas adaptável a um país como o nosso, o documentário mostra como os meninos são educados, ou forjados, desde os primeiros momentos, a calar sentimentos, ou mesmo a negar sua existência, e a se expressar sempre pela violência, pelo desejo de imposição. Homens devem estar no controle e são naturalmente superiores às mulheres. Ouvindo isso desde sempre, e recebendo demonstrações práticas dessa convicção, meninos crescem sem a percepção do respeito, da empatia, da bondade. Fácil perceber que uma fórmula assim não funciona. O mundo está aí para confirmar.
Obviamente, uma cultura de violência tem graves reflexos sobre a assim chamada criminalidade. Meninos são muito mais propensos à evasão escolar, ao suicídio e aos crimes violentos. O custo previsível disso é a destruição de vidas por toda parte: das vítimas desses atos de brutalidade, dos autores, das famílias de cada lado.
Um momento particularmente sensível do documentário, para mim, foi ver o depoimento de um jovem adulto confrontando sua realidade no passado e após o processo terapêutico. Ele finalmente entendeu que é digno e que merece ser amado. Só que ele está falando dentro de uma instituição prisional, onde cumpre prisão perpétua. Ou seja, um cadáver ficou para trás. E outro está falando. Alguém realmente acredita que esse modelo de sociedade pode dar certo?
sábado, 10 de agosto de 2019
domingo, 26 de maio de 2019
Muito estranho, isso
"Muito estranho, isso" era como uma minha filha classificava as coisas que não compreendia, há muito tempo, quando estava aprendendo a falar. Eu gostava tanto de ouvi-la dizer essa expressão que até a transformei em um marcador aqui do blog.
Passadas algumas semanas, retornei por aqui e encontrei um comentário pendente de avaliação, que era bem... estranho. Um monte de frases soltas, repletas de símbolos no meio das letras, mas com um traço em comum: várias referências a "petismo" e variações da palavra. Serão as tais mensagens geradas pelos bots daquele imbecil? Os bots que colocaram as manifestações de brancos de classe média, desta manhã, com mais inserções na internet do que as manifestações do último dia 15, estas sim populares e com público diversificado?
Os tais bots são a única coisa que funciona ― e por sinal muito bem ― nesse arremedo de governo. Mas aqui não há espaço para esses canalhas, incluindo virtuais. Podem cair fora. Aqui, extremistas, milicianos e inimigos da inclusão social e da educação não têm vez, de modo algum. Nem adianta protestar: vocês já nasceram banidos.
Passadas algumas semanas, retornei por aqui e encontrei um comentário pendente de avaliação, que era bem... estranho. Um monte de frases soltas, repletas de símbolos no meio das letras, mas com um traço em comum: várias referências a "petismo" e variações da palavra. Serão as tais mensagens geradas pelos bots daquele imbecil? Os bots que colocaram as manifestações de brancos de classe média, desta manhã, com mais inserções na internet do que as manifestações do último dia 15, estas sim populares e com público diversificado?
Os tais bots são a única coisa que funciona ― e por sinal muito bem ― nesse arremedo de governo. Mas aqui não há espaço para esses canalhas, incluindo virtuais. Podem cair fora. Aqui, extremistas, milicianos e inimigos da inclusão social e da educação não têm vez, de modo algum. Nem adianta protestar: vocês já nasceram banidos.
terça-feira, 16 de abril de 2019
Grupo Cabano de Criminologia debate hoje
O Grupo Cabano de Criminologia, que orgulhosamente integro, vem retomando suas atividades. Como parte da programação estabelecida para este ano de 2019, hoje à tarde vamos debater populismo penal em nosso Brasil ― varonil, porém com problemas de autoafirmação!
Acolhidos na sede da Defensoria Pública do Estado do Pará, que pela segunda vez nos recebe, vamos bater um papo informal e regido pela lógica de que criminologia se faz compartilhando conhecimento e experiências, com uma enorme preocupação com o ser humano. Por isso, embora seja uma reunião para debater textos que estudamos, a conversa estará disponível, para ser acompanhada pela internet.
Sinta-se convidado.
E se quiser assistir o vídeo de nosso evento anterior na DPE, segue o link do 1º Café Criminológico: https://www.youtube.com/watch?v=zoUdP8m719I&t=4333s
Papo entre advogados criminalistas
Dois advogados criminalistas, amigos que outrora foram meus monitores, conversam e mandam o papo reto:
Está na moda prender rico. Prender pobre não é moda: é tradição.
Subscrevo.
Está na moda prender rico. Prender pobre não é moda: é tradição.
Subscrevo.
segunda-feira, 25 de março de 2019
Ainda distantes da Constituição
Por duas semanas, acompanhei, na condição de advogado, um julgamento importante envolvendo um habeas corpus que, felizmente, não envolvia prisão. E ainda mais felizmente, tivemos sucesso. Contudo, não foi fácil. Precisamos vencer resistências, a começar pela relatora.
Nessas duas semanas, renovei minhas noções de perplexidade escutando os argumentos sustentados para negar os pedidos de habeas corpus dos advogados, mesmo com sustentações orais. Ainda é extremamente difícil convencer o judiciário a olhar os casos com mais humanidade e mais apego à Constituição de 1988. O excesso de formalismo, os argumentos de autoridade e as justificativas generalizantes, sempre punitivistas, ainda predominam. Fiquei especialmente aflito com a facilidade com que todas as mazelas possíveis ― p. ex., excesso de processos na comarca, ausência de maior dilação probatória pelo juiz ― são usadas, com a maior naturalidade, sempre em desfavor do acusado. "Não é culpa do juiz". Verdade. Mas também não é do réu. A solução do caso deve ser ignorando as demandas deste?
Por outro lado, também escutei algumas manifestações muito sensíveis, que foram verdadeiros alentos em meio à angústia predominante. Ter acesso à jurisdição é difícil neste país. Mas a verdadeira dificuldade é convencer o sistema de justiça, como um todo, que as garantias individuais precisam ser o norte do julgador.
Vamos aos próximos embates.
Nessas duas semanas, renovei minhas noções de perplexidade escutando os argumentos sustentados para negar os pedidos de habeas corpus dos advogados, mesmo com sustentações orais. Ainda é extremamente difícil convencer o judiciário a olhar os casos com mais humanidade e mais apego à Constituição de 1988. O excesso de formalismo, os argumentos de autoridade e as justificativas generalizantes, sempre punitivistas, ainda predominam. Fiquei especialmente aflito com a facilidade com que todas as mazelas possíveis ― p. ex., excesso de processos na comarca, ausência de maior dilação probatória pelo juiz ― são usadas, com a maior naturalidade, sempre em desfavor do acusado. "Não é culpa do juiz". Verdade. Mas também não é do réu. A solução do caso deve ser ignorando as demandas deste?
Por outro lado, também escutei algumas manifestações muito sensíveis, que foram verdadeiros alentos em meio à angústia predominante. Ter acesso à jurisdição é difícil neste país. Mas a verdadeira dificuldade é convencer o sistema de justiça, como um todo, que as garantias individuais precisam ser o norte do julgador.
Vamos aos próximos embates.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2019
Sobre retornos
Como o blog está parado há quatro meses, julguei oportuno dizer que ele ainda vive. Desse jeitinho episódico e incerto, mas estamos por aqui.
E escolhi fazer isto com esta foto, de seis dos membros do Grupo Cabano de Criminologia, um deles em Bolonha, na Itália, para dizer que nosso grupo de pesquisa, independente, também vive e definiu ações para este ano de 2019. Eventos nos próximos meses e coisas muito bacanas sendo costuradas.
Atualizações em breve no site https://criminologiacabana.com/
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