Recolhi-me em casa, então, embora àquela altura fosse um arremedo de isolamento. Por causa da gestação, havia consultas e exames do pré-natal para fazer. Polyana não saía de casa para nada além disso, mas eu saía para farmácia, supermercado e outras tarefas domésticas. Cortei o cabelo, levei o carro para lavar, coisas que ainda pareciam necessárias e não tão graves assim, tomadas certas cautelas. O Pará ainda não registrava nenhum caso oficial de covid-19. Mas ela chegou, claro, e o isolamento foi ficando cada vez mais rigoroso.
Sou um sujeito caseiro. Estar em casa com a família, cachorra inclusive, tendo acesso a meus livros, filmes e séries, e tendo trabalho para realizar via computador e internet, permitia-me ficar em paz. Estava muito focado na gravidez. Depois que Margot nasceu, obviamente, o foco era ela e suas necessidades. Entramos em um ritmo intenso de adaptação a um novo ser humano, que só se expressa por meio de choro. Foi nesse momento que a pandemia nos afetou de verdade. Tivemos enormes dificuldades para conseguir a consulta pediátrica, que as autoridades sanitárias recomendavam fazer presencialmente, mesmo no contexto do isolamento social. E nosso bebê andava febril há uma semana e meia. E eu mesmo tive uma gripe (???) forte, assim que retornamos da maternidade. Foi um terror.
Durante a consulta, a pediatra mandou a real: "Quero reavaliar Margot daqui a uma semana, mas vamos ver se estarei aqui. Os colegas estão caindo aos montes". Era isso: cada vez mais médicos doentes ou isolados.
Com nossa menina saudável, as coisas foram se ajeitando. Havia apenas as exigências normais de um recém-nascido. Complicado dizer isso, mas a pandemia acabou nos deixando em casa, em família, sem saídas desnecessárias, concentrados. Ajudou-nos a enfrentar o momento de neopaternidade. A única que deu mostras de ansiedade, em momentos pontuais, foi nossa primogênita. Júlia está com 11 anos e 9 meses (e uma inexplicável obsessão por dizer que já tem 12).
Dias atrás, precisei fazer supermercado, atividade que detesto, mas só tem eu para o sacrifício. Andando por entre as gôndolas de mercadorias, tive a sensação de atravessar nuvens de coronavírus. Peguei-me ansioso, pela primeira vez. Voltei para casa assustado. Dois dias depois (o período de incubação é de 2 a 5 dias), comecei a somatizar: tosse e pressão no peito. Disse a mim mesmo que era loucura da minha cabeça. E era. No dia seguinte, estava normal, sem sintoma algum. E assim permaneço, quase um mês e mais um supermercado depois. Nesta última ida, mantive a calma e não somatizei. O período de incubação já passou e ninguém está doente por aqui, que saibamos.
Não há como passar incólume por uma experiência dessas. Não fomos atingidos diretamente, mas amigos próximos tiveram perdas terríveis. Sou solidário, obviamente. E me preocupo com o bem estar psíquico e emocional de todos. Se o contexto em si é péssimo, pior é não termos a menor noção de quanto a pandemia será contida e poderemos, ao menos, circular por aí, imersos no que agora se chama de novo normal. Como qualquer um, quero poder caminhar sem medo, ver um filme, levar minha primogênita para tomar um sorvete. Quero até trabalhar como antes! Afinal, faz parte da vida. Acima de tudo, se essas rotinas forem retomadas, isso significa que as pessoas mais vulneráveis poderão, quem sabe, lutar com seus recursos de antes, sem tantas privações quanto agora. Tomara.
Enfim, desejo a vocês saúde. Que estejam tranquilos, em paz e em condições de conviver com seus amores, mesmo que com visitas virtuais e promessas de abraços. Fiquem bem.
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