quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Saraivana

Saraiva, personagem do saudoso Francisco Milani, era meu alter ego. Mesmo que no insuportável e bestial programa pretensamente humorístico da Globo, Zorra total, eu parava para assistir. E me reconhecia nas reações do neurastênico sujeito que, no fundo, era boa gente, mas definitivamente não sabia lidar com a leseira humana.

Fila do caixa do supermercado (lugar que já não me desperta boas emoções). A funcionária pega o frasco de açafrão (aquele em forma de tubo de ensaio) e pergunta o que é. Tudo bem, nem todo mundo conhece temperos e outros gêneros. Eu mesmo não conheço uns tantos produtos, admito. Contudo, penso que, trabalhando em um supermercado, deveria estar mais familiarizada. Afinal, não posso ter sido a primeira pessoa a comprar açafrão por aquelas bandas.

Ela perguntou — não, gente, não estou inventando — se aquilo servia para botar em verruga. Não sei se a ideia foi dela, da colega ou da minha mãe, que é chegada numa alquimia doméstica. Acho que não foi minha mãe pois, solícita, esta respondeu que o pozinho amarelo se usa na cozinha.

— Tipo uma vitamina? — tentou, de novo, a caixa.

— Não, é um tempero — esclareceu minha mãe.

A funcionária então se pôs a conversar com a colega sobre sua falta de intimidade com a cozinha. Notava-se. Chegamos aos três últimos itens das compras: ossos de couro digerível, da marca Snacks.

— A senhora tem cachorro? — questionou a caixa, dirigindo-se a minha mãe, que já lhe dera trela. Se tivesse me olhado, teria percebido meus olhos se cravando nela e o espírito de Saraiva brotando em mim para lhe responder:

— Não, minha querida, sou eu que roo esses ossinhos enquanto mijo no pneu do carro!

Mas a gentil mocinha não me deu a mínima. E atacou de novo:

— Isso é para o cachorro brincar?

— É para o cachorro comer — esclareceu, mais uma vez, minha santa mãezinha.

— Ah, isso se come, é?

"Claro, minha querida. Nunca serviram isso aqui no refeitório, não?"

Sem dizer palavra (exceto "obrigado"), paguei a conta e fomos embora. O Saraiva em mim pensava no Açafrão, esse Ilustre Desconhecido e nas mil e uma utilidades de um osso de couro digerível. Por favor, não me pergunte quais são elas.

6 comentários:

Carlos Barretto  disse...

Ahahahahahah!
É só o que posso dizer.

Frederico Guerreiro disse...

Segunda passada eu fui fazer o supermercado de casa e, ao apontar meu carrinho para um dos caixas, um funcionário me perguntou: "O senhor vai pagar?". Eu, diante de tal suposição, sem a menor cerimônia, respondi: "Não senhor! Estou esperando que ninguém olhe, para eu sair correndo!". Minha mulher e o cara me olharam com uma cara de espanto, mas não teve jeito. Escapou. O espírito do s. Saraiva baixou em mim. Minha Déb disse que entendeu que ele queria ajudar a tirar as coisa do carro. Eu não ouvi nada disso. Já estava afetado.
Pouco antes já havia saído da fila da padaria do mesmo supermercado e a atendente me perguntou se eu queria pão quentinho. Eu só ri. O esforço foi descomunal para não responder que, na verdade, eu queria comer pão congelado. É uma "dilícia"! Faz bem aos dentes.

Hellen Rêgo disse...

Pq será que me senti nessas situações. Adorava esse personagem. De vez em quando, "em filas de supermercado" lembro da frase de um certo amigo: "execite a tolerancia!"
Abraços
Hellen

Sergio Lopes disse...

Calma yudice, não esquece que o saraiva ( o grande Milani) morreu do coração.
abraço.

Carlos Barretto  disse...

O Fred finalizou com chave de ouro este fantástico post. Já penso em voltar mais vezes nele, para quem sabe não ler outras histórias da síndrome do saraiva.
Do tipo:
Em plena nevasca americana o cidadão pergunta?
- Está nevando?
-NÃO! - responde o interlocutor - Eu é que tenho uma caspa horrível!

Val-André Mutran  disse...

A caixa sofre da síndrome da solidão.
Tadinha!