sábado, 15 de março de 2008

Por essas e outras...

A reportagem que você lê clicando aqui é mais um de incontáveis exemplos de erros judiciários ocorridos no Brasil. É por causa de fatos como este que defendo o Direito Penal Constitucional, fundado nos postulados do garantismo jurídico, que a mídia e os baluartes da moralidade tanto condenam, levando num roldão a esmagadora maioria da população brasileira, cumprindo seu papel de inocentes úteis.

Mesmo considerando que o réu realmente tenha praticado o crime de que é acusado — desferido uma facada no rosto da vítima, provocando-lhe um ferimento de três centímetros, não letal —, ter permanecido na prisão por seis anos é abusivo. A começar pelo fato de que, na prática, cumpriu pena sem ter sido julgado e muito menos condenado. Para piorar, a pena cominada ao homicídio simples varia de 6 a 20 anos de reclusão. Tratando-se de tentativa, deve ser reduzida, de 1/3 a 2/3. Ou seja, o réu pode, em tese, ser condenado a dois anos de reclusão, o que lhe garante já ter cumprido essa pena três vezes, integralmente!

Se, por hipótese, fosse caso de tentativa de homicídio qualificado, a pena de 12 a 30 anos de reclusão, com a redução acima mencionada, poderia ser imposta em apenas quatro anos, muito menos do que o já cumprido.

Uma terceira hipótese é que, se condenado pelo tribunal do júri, venha a sofrer uma pena em torno de seis anos. Nesse caso, sairia do julgamento livre, sem nada dever à sociedade, situação que, obviamente, causa perplexidade ao cidadão comum. Como pode um homem ser condenado por um crime grave e sair livre? Este tipo de resultado aberrante somente é possível por conta dos desmazelos do universo penal no Brasil.

Finalmente, se por hipótese o réu fosse condenado a uma pena superior a seis anos, ainda assim provavelmente já cumpriu tempo suficiente para pleitear livramento condicional, o que vem a dar na mesma previsível perplexidade.

Não por acaso, não à toa, o protagonista desta história é negro e, aposto, de baixa escolaridade. O perfil tradicionalíssimo da clientela do sistema penal. A mesma história de sempre, exaustiva de se repetir, ocorre novamente. Absurdos dessa magnitude só poderão ser evitados no momento em que levarmos a sério as leis do país e em que fizermos funcionar o sistema de justiça. Sem isso, continuaremos vivendo neste mundo surreal, kafkiano — um deboche não apenas à dignidade, mas ao bom senso.

2 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Um deboche, mesmo. Eu vi a história no Jornal Nacional.
Difícil também de acreditar que levou esse tempo todo para que algum humano-advogado entrasse com um HC, ou que esse mesmo remédio tenha levado tanto tempo para ser apreciado.
Barbariade.

Yúdice Andrade disse...

Pelo contrário, Fred. Não me surpreende nada que os fatos se tenham desenrolado dessa forma. Porque é exatamente assim que costuma acontecer, com os menos favorecidos. Não ficam eles nas prisões mesmo após o cumprimento integral de suas penas?
É barbaridade, sim, pura e simplesmente!