terça-feira, 3 de junho de 2008

Equilíbrio, serenidade, humanidade

Uma mulher para o seu carro numa rua e salta, para ir procurar seu namorado em um bar das cercanias. Seu filho de 9 meses está no banco traseiro. Ela o deixa ali mesmo, sozinho. Pretende voltar e de fato volta em alguns minutos. Quando o casal chega, contudo, o veículo fora furtado. Horas depois, é encontrado num outro bairro. A polícia é chamada por moradores, que escutaram o choro do bebê. A mãe é acusada de abandono de incapaz e perde a guarda da criança.
Lendo uma notícia sobre o caso, esta manhã, fiquei muito incomodado. O juiz havia autorizado uma visita da mãe ao bebê, inclusive para que fosse amamentado, mas a guarda somente seria decidida após um estudo social. Quanto tempo demoraria isso? E o que seria do bebê nesse meio tempo?
Horas se passam e eis que me deparo com uma nova reportagem. Desta vez, a notícia é que o juiz resolveu acompanhar o encontro entre mãe e filho. E vendo o comportamento de ambos, devolveu a guarda a ela.

Justiça boa só se faz assim: saindo do gabinete. Nem sempre esta afirmação deve ser levada ao pé da letra, embora para alguns casos, sim. Mas sair do gabinete significa abdicar da miopia esquizofrênica de que o Direito se basta ou, pior, de que o magistrado se basta para uma decisão, que seja correta e justa.
Parabéns ao juiz Iasin Ahmed, que agiu com grande senso de humanidade. Abaixo, alguns dos trechos mais lúcidos da reportagem, que pode ser lida na íntegra clicando aqui.

Nesta terça, o juiz da Vara da Infância e da Juventude Iasin Ahmed acompanhou o encontro da mãe com a criança no abrigo onde o bebê estava e decidiu que o bebê poderia voltar a morar com ela. "Eu senti sinceridade na preocupação dela em ter o filho de volta. Isso me deixou tranqüilo", afirmou o juiz em entrevista ao G1. Segundo ele, a criança estendeu os braços mais de uma vez para a mãe durante o encontro no abrigo.
"A relação de uma mãe e seu bebê não pode ser cindida nessa fase da vida [a criança tem 9 meses]. A não ser que seja uma situação de risco ou perigo para o bebê", disse o magistrado, segundo o qual a mãe foi desatenta e errou ao deixar a criança sozinha no carro, mas a ação não configurou abandono. "Ela é uma mãe suficientemente boa, zelosa, cuidadosa com a criança", disse.

Isto sim é pensar no melhor interesse da criança. A mãe, acredito, teve a sua lição e aprendeu o que devia aprender. Chega de medidas de higiene social, como esta aqui. Lembram?

2 comentários:

Vladimir Koenig disse...

Isso mesmo, Yúdice! Justiça deve ser feita cara a cara, olho no olho. Achar que a transcrição de depoimentos no papel pode substituir o que o magistrado percebe e sente durante um depoimento, inspeção judicial, etc, é tolice. Nem que Fernando Pessoa, Pablo Neruda ou Machado de Assis fossem os secretários de audiência responsáveis por transcrever os eventos poderíamos substituir o contato direto entre o juiz e as emoções que observa pelo texto.
Abraços,
Vlad.

Yúdice Andrade disse...

É tudo muito simples, Vlad. Conheces alguma experiência judicial que tenha recebido elogios mesmo sendo realizada dentro do gabinete? Eu desconheço. Todas os projetos, particularmente os premiados, têm em comum o fato de que o Judiciário saiu de sua sede e foi ao encontro do jurisdicionado - em estádios, em praças, em beiras de rios.
Mas insisto que o aspecto principal não é físico: tem mais a ver com a postura do magistrado. Mesmo seguindo uma rotina tradicional, desde que ele não se encastele em suas verdades, pode fazer toda a diferença para a causa da justiça.
A propósito, como andam a sua juíza favorita e a filhota?