O biólogo Ricardo César Garcia, que no último mês de abril esqueceu o filho de um ano dentro do carro, por cinco horas, dando causa a sua morte, foi denunciado à 6ª Vara Criminal de Guarulhos. E, com isso, o Ministério Público apronta mais uma das suas.
Sempre se comentou sobre a voracidade com que a instituição Ministério Público se comporta em relação aos acusados de crimes. Parece sempre disposto a acusar por acusar, a pedir as penas mais duras possíveis e, acima de tudo, a tratar cada acusado como se fosse um psicopata incontrolável. Essa imagem negativa pode estar amainada, devido à evolução do órgão nos últimos anos, mas muitos de seus membros continuam trazendo vergonha à classe.
Veja-se este caso. O Promotor de Justiça Ricardo Manuel Castro, chamando a si a condição de dono da verdade, em vez de se limitar a fazer o seu papel — denunciar o acusado de forma técnica, se entende que deve fazê-lo —, talvez embalado pela repercussão pública do caso, permitiu-se atacar, ofender e denegrir. Ele decidiu, p. ex., não oferecer ao acusado a suspensão condicional do processo (benefício previsto em lei para todos os crimes culposos). O motivo alegado foi assegurar que esse pai sofra o constrangimento do processo criminal "para demonstrar que a sociedade reprova a sua conduta como péssimo pai e ser humano". Ou seja, o promotor se acha porta-voz da sociedade inteira e está convencido (sabe-se lá com base em que dados) que todo mundo odeia o acusado tanto quanto ele.
Mais sórdido é se achar no direito de tachar sua vítima de "péssimo pai e ser humano". Como se atreve? Quem ele pensa que é para afirmar isso? Por acaso essa não foi a primeira falha desse pai, ainda que fatal? Até o fatídico dia ele não terá sido um pai amoroso e dedicado? Seu erro tem o poder de mudar tudo o que ele foi até aqui, inclusive como ser humano?
O prepotente promotor ainda consigna que o fato, de "extrema gravidade", gerou "repugnância social", por ser "incompreensível (...) que um pai possa colocar seus interesses pessoais — trabalho ou diversão no computador — acima do bem-estar de seu filho".
Assim, fora de contexto, um desavisado pode até embarcar na panfletagem do promotor. Não lembra o zeloso dominus litis, porém, que o pai não colocou seus interesses supérfluos acima dos do filho, na medida em que não se deu conta de que a criança ficara para trás pois, de acordo com sua rotina, o bebê deveria estar na casa dos avós, se não me engano.
Atualmente, há muitos estudos sérios mostrando que pessoas, afetadas pelo ritmo frenético da vida moderna, tendem a esquecer seus filhos quando pequenas coisas modificam uma rotina já solidamente constituída, justamente o caso do nosso personagem. É crescente o número de acidentes do gênero nos Estados Unidos e, pelo visto, também no Brasil. Isso de modo algum significa que tais pessoas não amem seus filhos e que não estejam sofrendo além da imaginação com o ocorrido. Não é só a perda do filho, mas carregar consigo a responsabilidade. É essa insensibilidade medonha que me fez desprezar a atitude desse tal promotor.
Pense bem: você não acha que o biólogo Ricardo já foi castigado o bastante, pela própria vida? Pois saiba que a lei acha. O § 5º do art. 121 do Código Penal determina, expressamente, que "na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária".
Veja-se o que diz o autor de um dos mais conhecidos manuais da atualidade: "Suponhamos que um pai, que possua porte legal para andar armado, chegue em casa apressado e, negligentemente, retire a arma da cintura e a coloque em cima da mesa da sala (...). Seu filho menor, ao avistar a arma, começa a brincar, ocasião em que esta dispara, atingindo-o mortalmente. (...) Pergunta-se: Será que esse pai, que, em razão de ter deixado de observar o seu dever objetivo de cuidado, culposamente causou a morte de seu próprio filho, necessita de mais alguma sanção? Acreditamos que não, devendo, pois, ser-lhe concedido o perdão judicial." (GRECO, Rogério. Direito Penal: parte especial: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. Niterói: Impetus, 2006, p. 206).
O autor acima transcrito é Procurador de Justiça em Minas Gerais, portanto também membro do Ministério Público. Mas este aplica o Direito com bom senso e humanidade. Já o colega paulista está interessado em provar o que e para quem?
8 comentários:
dá pra resumir a atitude do "promotor de justiça"(?) em uma palavra: desumana!
Meu deus do céu, já não basta para o pai perder um filho por sua culpa, ainda tem de ouvir essas coisas. Tem gente que merece ser tratado mal mesmo, e não é o pai da vítima. Só posso sentir pena de uma pessoa assim.
Qundo comecei a ler o post pensei justamente no perdão judicial, pois o contato mais significativo que tive com esse conceito foi no episódio do CSI quando me explicaste o que acontece. Não me lembro se na hora achei que seria certo ou justo, mas agora vejo que a dor pela perda do filho é mais do que suficiente para que este homem se sinta punido pelo que fez. E fiquei me perguntando, antes de chegar no final da leitura de hoje, se não existia cláusula semelhante no Brasil. Bem, mais triste ainda fico sabendo que existe e que este que se diz promover a justiça não a conhece, ou pior, ignora-a. Que Deus permita que este pai possa superar a provação que lhe foi posta e que o promotor, se passar por situação semelhante, tenha "do outro lado" alguém bem diferente dele mesmo.
Ambos pegaram o espírito que tentei passar no texto. Não se trata de fazer vista grossa com irresponsabilidade. Apenas não consigo acreditar que esse homem não fosse fazer o seu melhor, caso tivesse a oportunidade.
Tudo isso é uma grande infelicidade.
Parabéns, vc merece!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! eu sou amiga e ex vizinha do casal!
Vc é mais um que encontrei , ou seja , que achou um absurdo o que o tal Promotor disse a respeito de Ricado cesar Garcia,. Espero e tenho fé que o Juiz designado para o caso, de uma punição ao promotor e nao para este pai, que conheço, que convivi, que a sua luta junto a mamãe Magna, para que Gustavo se restabelecesse o mais rápido possivel do nascimento prematuro! Parabéns meu amigo se me permite assim lhe chamar , mas vc merece! Tem todo meu respeito!Iara
Cara Iara, eu ficaria feliz se você pudesse nos informar como está a família hoje. Acompanho o caso pela imprensa, mas naturalmente ela não informa sobre o estado emocional dos envolvidos, se o casal permanece unido, como o acusado reagiu a essa denúncia, etc.
Se você puder transmitir a minha solidariedade, agradeço. E se puder me dar alguma informação, use o e-mail yudice@superig.com.br.
Meu caro Yudice, falei com a mãe Magna , por algumas vezes ao telefone, segundo ela mesma , estão os dois , ela Magna e Ricardo sob acompanhamento médico.Ela por sua vez, numa seqüência interminável de antidepressivos, ansiolíticos , calmantes, que ora alterna momentos de lucidez ora não, ou seja, ela me disse que por vezes acorda e pensa que tudo não aconteceu e ai cai a ficha, sabe como é... Ele também está na mesma situação que ela, ambos estão afastados do emprego, pois pediram afastamento no dia em que este infeliz deste promotor proferiu as infelizes palavras, sendo que agora , ele mesmo , não quer mais se manifestar à repórter algum! Eles seguem , com orações de amigos, parentes e todos aqueles que por oração, tentam amenizar a dor do casal.Venderam o apartamento , negocio que foi concretizado este final de semana passado, venderam o carro, e agora meu querido, só o tempo e Deus , para trazer a paz de volta à este casal! Não consegui enviar no email que vc deixou , mas anote o meu iaramax@terra.com.br , por isto postei no blog ok? Qdo quiser comunicar-se comigo , pode ser por email tb! Linda noite e belo amanhecer de sexta feira pra ti , Bjus no coração!!!!!!!!!!!
É verdade, a vida moderna que é a loucura que é, já fez meu pai me esquecer uma vez no colegio até 9 horas da noite! rsrsrsrs Ele é advogado, e estava estudando um caso muito atenciosamente... E entendo ele. Outro dia na aula do Verbicaro estavamos debatendo sobre o clamor público, e se o direito substancial, não causaria o caos social, como algumas pessoas, talvez, positivistas pensem. Penso que o clamor social deve ser observado até certo ponto, pois a sociedade tem necessidade de ver uma "justiça" nos tribunais, mas tbm ela não tem conhecimento jurídico e se guia pelos fatos da mídia, muitas vezes equivocada. O promotor, no meu ver, foi longe demais. ;)
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