O presidente do Sindicato dos Rodoviários apareceu em plena TV informando, orgulhoso, que sua categoria mudou a sua forma de fazer greve. Agora, não contentes em parar os ônibus, param também a cidade. Com efeito, veículos foram levados a certos pontos, como a Rua da Marinha, na Marambaia, e a Rodovia dos Trabalhadores. Puseram-nos atravessados na pista e esvaziaram os pneus, para garantir que não seriam removidos com facilidade. Sentenciaram que ninguém passaria por tais vias.
Como são grevistas generosos e conscientes, na Augusto Montenegro eles demonstraram grande espírito de cidadania e solidariedade: permitiram que passasse um veículo de cada vez e apenas automóveis particulares. Quando se aproximavam as vans e Kombis, mandavam os passageiros descerem e os veículos retornarem.
Embora tenha havido confrontos e várias prisões, em muitos pontos policiais assistiam a essas cenas placidamente, sem nada fazer.
Sejamos francos:
1. Os ônibus pertencem às empresas. Não podem ser utilizados como se fossem propriedade do sindicato ou dos manifestantes. Embora o uso indevido dos mesmos não configure crime — salvo na hipótese de dano, o que se torna bastante provável no contexto —, os proprietários têm o direito de resguardar o seu patrimônio, impedindo que os veículos saiam das garagens. Por que não tomam tais providências?
2. Ao decidir que somente veículos particulares podem passar, geram discriminação entre as pessoas, prejudicando a população mais carente, que não dispõe de automóvel próprio.
3. Ao impedir que as pessoas transitem por uma via pública, fulminam a liberdade de ir e vir, um dos mais sagrados cânones constitucionais. Cometem, assim, crime de constrangimento ilegal, se entendermos que coagiram as pessoas, no mínimo mediante ameaça de agressão física, a não fazer algo que a lei permite. Segundo o art. 146 do Código Penal, a pena varia de três meses a um ano detenção, ou multa, sendo aplicadas cumulativamente e em dobro se, para o delito, reúnem-se mais de três pessoas ou se há emprego de armas. Vale lembrar que, em se tratando de uma pluralidade de vítimas, há tantos crimes quantas sejam as pessoas ofendidas. Haveria aí o que nós, penalistas, chamamos de concurso formal imperfeito de delitos, determinando a soma dessas penas. Uma eventual condenação, assim, poderia ser muito alta. Porém, isso exigiria que os prejudicados procurassem a polícia para noticiar o fato.
4. Constitui crime expor a perigo qualquer meio de transporte público, impedindo-lhe ou dificultando-lhe o funcionamento — art. 262 do Código Penal, com pena de um a dois anos de detenção, podendo ser aumentada para dois a cinco anos de reclusão, se ocorrer um desastre (§ 1º). Se deste decorrer lesão corporal grave, a pena se aumenta ainda de metade; e se morte, deve ser dobrada (art. 263 c/c art. 258).
5. Fora isso, temos também os crimes contra a organização do trabalho (CP, arts. 197 em diante), que por alguma razão costumam ser sumariamente ignorados pelas autoridades.
6. Os policiais que a tudo presenciaram inertes, também cabe, em tese, responsabilidade pelo crime de prevaricação (art. 319 tanto no Código Penal comum quanto no militar: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: pena - detenção, de três meses a um ano, e multa"). Esse sentimento pessoal pode ser medo ou covardia. Tal raciocínio somente se aplica se os policiais não receberam uma ordem para não agir, caso em que responsável seria apenas o autor da ordem.
7. Abstraindo o aspecto formalmente criminal, as condutas acima representam expor a população à chuva e doenças decorrentes, bem como a um maior risco de assaltos e outras violências, eis que em dias anormais, com muita gente na rua, a bandidagem se ouriça.
8. A obstrução da cidade também compromete a prestação de serviços — correios, distribuição de gás, entregas de medicamentos e alimentos, etc. —, tornando inestimáveis os prejuízos.
Essa postura indecentemente omissa do poder público frente à virulência de uma greve — e aqui culpo as polícias, a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e a prefeitura — pode trazer sofrimentos inimagináveis. Lembro-me com revolta que, numa dessas manifestações em que a BR-316 foi bloqueada, uma mulher se ajoelhou no asfalto, perante os manifestantes, implorando que deixassem passar o carro fúnebre que levava o corpo de um parente para o cemitério. Isso é repugnante.
Em suma, as autoridades precisam cumprir o seu papel. Por exemplo, se a Justiça do Trabalho determina que 40% da frota circule e a ordem não é respeitada de imediato, os culpados devem ser detidos, já que incorrem em crime de desobediência, além de que o sindicato deve ser multado severamente.
É o fim do mundo se as autoridades se escondem atrás do Estado de Direito, mas permitem que os grevistas ignorem esse mesmo Estado de Direito. A relação, assim, fica completamente desequilibrada, porque os grevistas têm, na prática, todos os poderes. E quem sofre é a população, como sempre.
Senhores, vistam suas calças. Do contrário, da próxima vez será pior.
Um comentário:
Meu Deus...depois de você eu não sei o que existe...
Bjs. bom dia e boa sorte pra vc tb.
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