O anjo da guarda da paranaense Patrícia Cabral da Silva e/ou da filha que ela espera é sênior. Consoante notícias divulgadas por toda a imprensa nacional, Patrícia foi vítima da violência urbana, no posto de gasolina em que trabalhava em Curitiba. Há quase um mês (20 de abril), durante a madrugada, o posto foi invadido por assaltantes, que levaram 30 mil reais e um computador. Antes de sair — e, pelo que deduzo, por pura perversidade —, um deles retornou ao escritório e baleou Patrícia. O tiro foi dado na direção da barriga, tanto que atravessou a placenta e se alojou no intestino da gestante, onde permanecerá até a realização da cesareana que trará ao mundo Angelina. Patrícia, de 22 anos, recebeu alta e precisará de cuidados especiais até o final da gestação, que se tornou arriscada.
Mas ela já tem muito a comemorar. O fato de a bala ter feito um trajeto não letal para ela e para o bebê, por si só, merece ser inscrito na conta dos milagres. É muito merecimento. Afora isso, gostaria de consignar minha impressão jurídico-penal sobre o caso.
Para mim, não se trata de latrocínio tentado. O latrocínio pressupõe que a morte da vítima seja buscada como condição para viabilizar o roubo (que é o objetivo principal) ou para assegurar o proveito (posse da res furtiva) ou a impunidade do delito (p. ex., assegurar a fuga). Se nenhuma dessas intenções estiver presente, deveremos punir separadamente o roubo e o homicídio.
É o caso. Os assaltantes consumaram um roubo, que tem duas majorantes (concurso de agentes e uso de armas). Ou até três, se quisermos entender que houve restrição da liberdade da vítima. Para um roubo majorado, a pena mínima é de 5 anos e 4 meses de reclusão, mas na presença de mais de uma circunstância majorante a pena certamente seria aplicada com mais rigor. A previsão máxima é de 15 anos de reclusão.
Quanto ao homicídio, é doloso, claro. Quem dispara contra vítima que já estava indefesa porque não reagiria contra homens armados e se mostrava especialmente fragilidade, face à gravidez avançada, no mínimo tem a intenção de matar. Vejo isso como caso de dolo direto. Até porque lesões que não seriam fatais, em princípio, podem tornar-se numa gestante. Seria caso de homicídio qualificado, provavelmente pelo motivo (se não foi intenção lucrativa, foi crueldade) ou pela conexão teleológica ou consequencial ("para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime"). Aqui, devido à tentativa, a pena mínima seria de 4 anos de reclusão e a máxima, de 20 anos.
Some-se a isso o crime de abortamento. Evidentemente, ao agir para matar a gestante, na menor das hipóteses o sujeito criou risco poderoso para determinar, também, a morte da criança. Foi consciente, já que era perceptível a condição gravídica. Por isso, deve ser acusado na forma do art. 125 do Código Penal. Face a ser delito tentado, sua pena pode variar de 1 a 6 anos e 8 meses de reclusão.
Em síntese, se os réus forem presos e processados, e se a Justiça atuar em conformidade ao que acabei de sugerir, o atirador não seria condenado a menos de 10 anos e 4 meses de reclusão, mas duvido que alguém fosse assim tão condescendente com ele. Com as sanções calculadas pelo máximo, teríamos uma condenação a 41 anos e 8 meses de reclusão.
Todavia, no ambiente penitenciário a população costuma ser bastante intolerante com violência contra mulheres e crianças. Se contarem na cadeia qual o crime dele, imagino que talvez ele nem chegue ao julgamento.
PS — Desculpem o tom meio professoral deste texto. Não quis alongá-lo ainda mais esclarecendo alguns termos do jargão técnico-juridiquês, mas precisei usá-los por conta dos alunos que passam por aqui e precisam acostumar-se a esse vocabulário.
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