quarta-feira, 23 de maio de 2007

Brasil do futuro

Definitivamente, não sou um otimista. Muito menos um deslumbrado. Depois de Lula, não acredito mais em herois. Estou consciente de que a maioria, para não dizer a quase totalidade, das pessoas que exercem algum tipo de poder procuram usá-lo, acima de tudo, em benefício próprio.
A despeito disso, enxergo mudanças muito positivas em nosso país, nos últimos anos, e acredito que continuaremos avançando, contra tudo e contra todos. Não é por educação, evolução moral ou espiritual. Talvez seja apenas por exaustão.
O motivo destas elucubrações é que tenho lido reclamações de pessoas indignadas com os efeitos das famosas operações da Polícia Federal. Grandiosas, acarretam as prisões de dezenas de pessoas de uma só vez, incluindo medalhões da República. Logo, estão todos soltos. Aí vem outra operação e mais outra, com as mesmas consequências. E o brasileiro, acostumado a ser feito de palhaço, vai ficando com a sensação de que é somente isso, mesmo.
Não é.
Qualquer processo criminal neste país demora anos a fio. Um processo com dezenas de réus demora muito mais. Um processo com dezenas de réus altamente endinheirados e relacionados a gente poderosa, ainda mais. E se houver quilos e quilos de documentos a examinar, piorou. Como esperar que as operações Hurricane, Navalha, Rêmora e tantas outras produzam frutos da noite para o dia? Isso é impossível, tecnicamente falando. Muitos meses serão necessários para o oferecimento de denúncias. Depois, as ações penais demorarão anos, especialmente quando houver réus com foro privilegiado.
O cidadão comum, leigo, já não consegue entender como um "criminoso" permanece em liberdade após ter seu "crime" descoberto. Não compreende que a regra seja responder ao processo em liberdade. Compreenderá, menos ainda, que as vítimas dessas operações sofrem prisão temporária, que dura apenas cinco dias, prorrogável uma única vez por igual período. Passado o prazo, todos serão postos em liberdade (a menos que alguém tenha decretada a sua custódia preventiva), porque a intenção, no caso, é apenas a reunião de provas e tomada de depoimentos. Depois que os depoimentos são colhidos e provas são apreendidas, os acusados podem ser liberados. O resto é o processo, normalmente. Normalmente emperrado.
O grande mérito dessas operações é, justamente, propiciar provas em quantidade e qualidade tão demolidora que será sofrido aos bons e caros advogados fazer a defesa dos meliantes. Ao final, por mais que demore, acredito que a maior parte desses sujeitos será condenada. Se serão presos efetivamente, se cumprirão suas penas, se restituirão ao erário o que desviaram, é cedo para pensar. Isso, contudo, não muda o fato de que o Brasil está mudando.
Antes, o "rouba mas faz" era a tônica. Hoje, segundo pesquisas, o eleitor já rejeita a ideia.
Candidatos tidos por invencíveis, como Jader Barbalho em 1998 e Almir Gabriel em 2006, amargaram derrotas e veem o ocaso de suas vidas políticas chegando. Mesmo sem ser candidato, o mesmo se pode dizer de Antônio Carlos Magalhães.
Um presidente da República sofreu impeachment. Os seus algozes podem ter agido de má fé, como penso. Mas houve o impeachment.
Organismos de controle externo surgiram no Judiciário e no Ministério Público e, aos poucos, os efeitos se fazem sentir. A revoada de parentes encostada no serviço público começou a alçar vôo. É cada vez maior o número de magistrados flagrados em faltas. Não são mais intocáveis.
Mandantes de crimes fundiários agora são condenados e respondem ao processo presos.
O governo admite a tortura durante a ditadura militar e indeniza as famílias, até mesmo aquelas vítimas que estavam no ventre de suas mães. E o fazem pela via administrativa, sem a necessidade de uma ação judicial.
Seria preciso mais do que pessimismo; seria preciso uma verdadeira cegueira para não perceber que os tempos são outros. Quanto lucraremos com isso e quanto tempo levará, ainda é uma incógnita, mormente em regiões como o Pará, em que a cultura de endeusamento de políticos, de beija-mão, de venda de voto por qualquer vintém ainda estão arraigadas. Mas os tempos são outros.
Penso no Brasil daqui a cinco anos. Vejo muita desigualdade. Mas vejo um povo fortalecido pelo cansaço, pela reivindicação, pela conscientização. Vejo autoridades fazendo todo tipo de tramóias, porém com mil e uma cautelas a mais e, mesmo assim, muitas caindo. Vejo um povo lutando para viver melhor.
Acredito nisso. Não é evolução. É instinto de sobrevivência.

3 comentários:

Anônimo disse...

O brasileiro médio, como eu, às vezes se sente desanimado, desonrado e desestimulado para acreditar no país. Mas precisamos continuar crendo nas instituições, que efetivamente estão dando provas da mudança no país. É que há muito lixo jogado para baixo do tapete, durante anos, para ser descoberto. A corrupção é um mal que não nasceu ontem.
Acho importante dizer que tudo o que está acontecendo - as operações, as prisões, os desmanches de quadrilhas - sequer flerta com a ilegalidade. São movimentos cobertos pelo manto da lei, em evidente respeito ao Estado de Direito. Trata-se de um grande estímulo, que infelizmente ainda não está posto aos olhos do leigo. Porém, sou levado a crer que em pouco tempo nos daremos conta desta circunstância, engrandecendo nossa cidadania.
Belíssimo post, Yúdice. Por isso "sumi", como disseste ontem: muitas vezes teu texto não precisa de comentários.

Anônimo disse...

Infelizmente não sou tão otimista assim. Não vejo nenhuma vontade de rever o código penal, rever a o gande número de recursos que existem, que tem como único intuito de procrastinar a sentença, e portanto os indiciados podendo usufruir dos benefícios dos roubos ao erário público.
Já foi divulgado que apenas 10% dos valores desviados retornam ao poder público, é muito pouco não. São casos já julgados e não se consegue recuperar os recursos.
Eu fico até com pena dos policiais, que se expõe a morte para prender um bandido, e depois que é preso, a justiça dá habeas corpus, e outras coisas mais e põe o sujeito em liberdade.
Temos que dar um basta nisto.
O caso do Marcola, que não pode mais ficar naquela prisão especial porque tem mais de um ano, enquanto as pessoas mortas sob o comando dele de dentro da cadeia, vão ficar para sempre à baixo de sete palmos.
Ainda tem muta coisa errada, e como disse, não vejo verdadeira vontade de mudar.

Yúdice Andrade disse...

Caro Francisco, pelo visto pensamos da mesma forma.
Cara Ana Laura, antes de mais nada, minha satisfação por merecer, pela primeira vez, um comentário seu (se não houve algum anterior, anônimo). Compreendo sua indignação de cidadã. Motivos não lhe faltam. Note, porém, que a postagem reconhece que o Brasil vive emperrado, mas mesmo assim apresenta indícios reais de mudança. Você centrou seu discurso em apenas um foco, o da criminalidade, ao passo que eu procurei expandir para outros setores, para dar exemplos favoráveis de mudança. Claro que são apenas exemplos isolados, mas eles existem.
Diante deles, podemos ser mais ou menos otimistas, sem dúvida. A questão é trazer ao centro das discussões a satisfação que as pessoas sentem com esses pequenos avanços. Porque, se entenderem isso, o provável é que comecem a perseguir essa satisfação. E aí, quem sabe, apenas quem sabe, aprendem a votar, p. ex.