sexta-feira, 31 de outubro de 2008

H4B1L1D4D3ES D0 CRÉERBO

I

De aorcdo com uma peqsiusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as Lteras de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia Lteras etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol, que vcoê anida pdoe ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa Ltera isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.


II


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Avião quase cai no mar


Aeronave da Air Europa saiu da pista em procedimento de pouso no aeroporto de Lanzarote, nas Ilhas Canárias, na manhã de hoje (foto da Reuters). Felizmente, não houve feridos.
Lembremos que Lanzarote é onde vive José Saramago, que não estava a bordo. Um alívio imenso. Sabe como é, um homem daquela idade não pode mais viver esse tipo de emoção. E ele ainda deve viver um tanto, para provocar as nossas emoções.

Acadêmicos, tremei!

Pelo amor de Deus, queridos acadêmicos que lerem esta postagem: jamais cometam um desatino como este que mostro abaixo.

Trecho de uma peça de contrarrazões a uma apelação criminal, subscrita por uma promotora de justiça (o réu foi condenado por roubo):
"Em se tratando de crime contra o patrimônio, a apreensão da res furtiva em poder de pessoa sobre quem recaem suspeitas de autoria, invertendo o ônus da prova, impõe-lhe justificativa inequívoca, sem a qual a presunção se transmuda em certeza, autorizando o decreto condenatório."

A nobre promotora não devia estar muito bem no dia em que escreveu isso. Os absurdos desse pequeno trecho são tantos e tão evidentes que não me alongarei. Ressalto apenas alguns aspectos que me parecem óbvios, para advertência dos acadêmicos de Direito, a fim de que não se formem e pratiquem esse tipo de atrocidade jurídica:

1. Não existe inversão do ônus da prova no processo penal. É sempre dever do autor da ação penal (Ministério Público ou ofendido, conforme o caso) comprovar a imputação. Sem dúvida, há alegações pontuais que, uma vez feitas, trazem para o réu o dever de comprová-las. Se alegar um álibi, p. ex., deverá comprová-lo. Caso não o faça, não se pode concluir que seja culpado só por isso. Considerando que haja uma imputação e algum elemento probatório a confirmá-la, o réu poderá ser condenado, mas porque esse seria um caso em que o acusador conseguiu provar a tese acusatória.

2. Em nenhuma situação o réu ganha o dever de apresentar "justificativa inequívoca". O réu nunca tem o dever de provar a sua inocência. Quem diz isso é o Supremo Tribunal Federal.

3. O Direito Penal não admite presunções de culpa. E uma "presunção que se transmuda em certeza"... Sem comentários.

4. Note que a tese não é geral, tendo sido cunhada para crimes contra o patrimônio. Prova-se, assim, como a defesa do patrimônio costuma ser eficiente em nosso sistema de justiça criminal. Para isso, inova-se, tritura-se o Direito Penal e o próprio bom senso, em nome de argumentos de força.

Povos, tremei. Meninos, jamais repitam isso.

"Lei Maria da Penha" para homens

Como não poderia deixar de ser, ganhou enorme repercussão a notícia do primeiro caso de aplicação da Lei n. 11.340, de 2006 — "Lei Maria da Penha" em favor de um homem, que vem sendo molestado pela ex-mulher, a qual não aceita o término do relacionamento.
Fui questionado sobre isso ontem, em aula, mas não tinha conhecimento do caso. Fiquei preocupado com o uso de analogia em Direito Penal, o que é absolutamente vedado, mas agora que me inteirei do assunto constato que a medida judicial não está apenas correta: ela é também digna de elogios. Afinal, não se trata de criminalizar sem amparo legal, ou seja, em desobediência ao princípio da legalidade. A decisão do juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá (MT), foi no sentido de conceder medidas protetivas de urgência. Para isso, sem dúvida, ele pode até não se respaldar em lei expressa, mas se respalda no Direito. Isso sim é um bom juiz: não se esconde atrás de tecnicalidades para não decidir.
Leia e inédita e valorosa (abstraindo os graves erros de português) decisão:

Decisão interlocutória própria padronizável proferida fora de audiência. Autos de 1074/2008
Vistos, etc. Trata-se de pedido de medidas protetivas de urgência formulada por CELSO BORDEGATTO, contra MÁRCIA CRISTINA FERREIRA DIAS, em autos de crime de ameaça, onde o requerente figura como vítima e a requerida como autora do fato.
O pedido tem por fundamento fático, as varias agressões físicas, psicológicas e financeiras perpetradas pela autora dos fatos e sofridas pela vítima e, para tanto instrui o pedido com vários documentos como: registro de ocorrência, pedido de exame de corpo de delito, nota fiscal de conserto de veículo avariado pela vítima, e inúmeros e-mails difamatórios e intimidatórios enviados pela autora dos fatos à vítima. Por fundamento de direito requer a aplicação da Lei de nº 11.340, denominada “Lei Maria da Penha”, por analogia, já que inexiste lei similar a ser aplicada quando o homem é vítima de violência doméstica. Resumidamente, é o relatório.
DECIDO: A inovadora Lei 11.340 veio por uma necessidade premente e incontestável que consiste em trazer uma segurança à mulher vítima de violência doméstica e familiar, já que por séculos era subjugada pelo homem que, devido a sua maior compleição física e cultura machista, compelia a “fêmea” a seus caprichos, à sua vilania e tirania.
Houve por bem a lei, atendendo a súplica mundial, consignada em tratados internacionais e firmados pelo Brasil, trazer um pouco de igualdade e proteção à mulher, sob o manto da Justiça. Esta lei que já mostrou o seu valor e sua eficácia, trouxeram inovações que visam assegurar a proteção da mulher, criando normas impeditivas aos agressores de manterem a vítima sob seu julgo enquanto a morosa justiça não prolatasse a decisão final, confirmada pelo seu transito em julgado. Entre elas a proteção à vida, a incolumidade física, ao patrimônio, etc.
Embora em número consideravelmente menor, existem casos em que o homem é quem vem a ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes casos não existe previsão legal de prevenção à violência, pelo que requer a aplicação da lei em comento por analogia. Tal aplicação é possível?
A resposta me parece positiva. Vejamos: É certo que não podemos aplicar a lei penal por analogia quando se trata de norma incriminadora, porquanto fere o princípio da reserva legal, firmemente encabeçando os artigos de nosso Código Penal: “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”
Se não podemos aplicar a analogia in malam partem, não quer dizer que não podemos aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata de norma incriminadora, como prega a boa doutrina: “Entre nós, são favoráveis ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e Narcélio de Queiróz” (DAMÁSIO DE JESUS – Direito Penal - Parte Geral – 10ª Ed. pag. 48) Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o réu, é óbvio que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a própria vítima de um crime. Por algumas vezes me deparei com casos em que o homem era vítima do descontrole emocional de uma mulher que não media esforços em praticar todo o tipo de agressão possível contra o homem. Já fui obrigado a decretar a custódia preventiva de mulheres “à beira de um ataque de nervos”, que chegaram a tentar contra a vida de seu ex-consorte, por pura e simplesmente não concordar com o fim de um relacionamento amoroso.
Não é vergonha nenhuma o homem se socorrer ao Pode Judiciário para fazer cessar as agressões da qual vem sendo vítima. Também não é ato de covardia. È sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se utilizar de atos também violentos como demonstração de força ou de vingança. E compete à Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma solução de conflitos, em busca de uma paz social.
No presente caso, há elementos probantes mais do que suficientes para demonstrar a necessidade de se deferir a medidas protetivas de urgência requeridas, pelo que defiro o pedido e determino à autora do fato o seguinte: 1. que se abstenha de se aproximar da vítima, a uma distância inferior a 500 metros, incluindo sua moradia e local de trabalho; 2. que se abstenha de manter qualquer contato com a vítima, seja por telefonema, e-mail, ou qualquer outro meio direto ou indireto. Expeça-se o competente mandado e consigne-se no mesmo a advertência de que o descumprimento desta decisão poderá importar em crime de desobediência e até em prisão. I.C.

Falando em psicopatia


Afanado do Kibeloco. E o pior é que é verdade.
Se bem que, olhando de novo, esse gatinho me parece meio alucinado...

Crianças e adolescentes perversos

Foi-se o tempo em que a infância era associada à inocência. Foi-se, também, o tempo em que a atitude mais grave dos adolescentes era tentar ver, à distância, alguma vizinha pelada. Nos últimos anos, o Código Internacional de Doenças — o famoso CID — engordou significativamente. Assim como a obesidade é uma epidemia mundial, o número de doenças descritas nas últimas duas décadas impressiona. O mesmo ocorre com os agravos à saúde mental (para que também é referência o Diagnostic and Statical Manual of Mental Disorders — DSM). Não apenas os transtornos mentais propriamente ditos, que retiram a lucidez do paciente, mas também os transtornos de comportamento. Entre esses está o Bullying (palavra sem correspondente na Língua Portuguesa), típico de crianças e adolescentes, daí a premissa deste texto.
O bullying se caracteriza por agressões deliberadas e reiteradas, cometidas por jovens, provocando angústia, humilhação e mesmo danos físicos às vítimas, normalmente indíviduos menores e mais frágeis, incapazes de se defender. A violência pode ser verbal, física, psicológica e até sexual. Vai desde a colocação de apelidos ofensivos até atos verdadeiramente criminosos, como destruição de objetos, roubos e agressões pessoais. Não há motivos determinantes, além do desejo de extravasar uma relação de poder artificial e cruel. Clicando aqui, você lê um bom artigo a respeito.
A prática do bullying é crescente. Vê-se isso nas escolas públicas, através de fatos criminosos que ganham os noticiários. Mas também se vê nas melhores escolas privadas — só que, nesse caso, sob as bênçãos do sigilo obsequioso, que garante a esses marginais-teens a impunidade necessária para que se especializem e pratiquem horrores cada vez maiores. Afinal, são as próprias famílias que deixam o adolescente pensar que a vida não nos impõem limites (quanto mais endinheiradas, mais perceptível é essa anomalia). E a escola, que devia ter o papel de educar, cumpre seus propósitos comerciais e de modo algum toma medidas à altura dos casos, para não contrariar seus honoráveis clientes.
Ontem à noite, conversei com uma amiga que possui um filho de 14 anos em uma das escolas mais idolatradas da cidade. Ele mesmo sofre consequências do fato de não ser tão rico quanto a média dos colegas. Já teve um álbum arrancado de suas mãos e, embora seja disputado na hora de fazer trabalhos, por ser um ótimo aluno, é sistematicamente ignorado para as demais atividades. É um bullying leve, caracterizado pelo isolamento forçado. Mas assim que começou a frequentar essa escola, presenciou uma cena que o afetou: alunos da 8ª série fizeram um corredor polonês e espancaram um menino da 5ª, que precisou ser atendido na enfermaria. E foi o próprio adolescente quem manifestou à mãe sua absoluta indignação com as consequências da agressão: os vagabundos foram obrigados a escrever uma redação sobre solidariedade. Tão somente isso. Imagino o que eles diziam uns aos outros enquanto produziam suas mal traçadas linhas.
No final do ano passado, na mesma escola, meninas (quem disse que as mulheres não são violentas?) levaram de casa tesouras e atacaram uma colega, picotando completamente o seu cabelo. Este caso se tornou um processo judicial, por atuação da família. A escola mantém-se investindo nos valores cristãos...
Curioso como, nessas horas, não aparece ninguém para pedir a redução da maioridade penal. Por que será? Povinho maniqueísta e hipócrita esse nosso!
Preocupa-me que meu prazo de carência é relativamente curto. Mais à frente, precisarei encontrar uma escola para minha filha. Não bastassem os delírios de projetos supostamente pedagógicos, concretamente malucos, ainda tenho que recear o próprio alunado. Precisamos reagir. Mas como fazê-lo, se a maioria das pessoas, quando se depara com esses atos de violência, conclui logo que é bobagem da juventude?

PS — Violência contra pessoas menores e indefesas, praticada na juventude, é um dos indicativos de psicopatia.

Como seria o seu anúncio?

"Esposa à venda. Modelo 1983, em boas condições. Tem todo o equipamento necessário, boas suspensões, e é espaçosa", descreveu o marido no site. Afirmou também que "este é o segundo proprietário. O preço é negociável. No preço estão incluídos também acessórios de três e cinco anos. Solicito seriedade".

Alex Cretu é um romeno de 20 anos que anunciou à venda sua própria esposa, de 25, usando um sítio de venda de carros usados. Queria 3 milhões de libras esterlinas (US$ 4,83 milhões) por ela, mas a ausência de interessados lhe valeu um choque de realidade e o preço baixou para 3 mil libras esterlinas (US$ 4,830 mil).
Cretu — não, essa não é a palavra romena para "cretino" — alegou estar cansado das brigas com a esposa, que lhe dava muitos "sermões" (por que será?) e decidiu pregar-lhe uma peça. Mas esperou que ela viajasse para a Espanha a fim de publicar o anúncio. Vai ver que ela é braba, mesmo. Se for, talvez Cretu apareça novamente na imprensa. Em outra seção do jornal. Como já dizia Silvio Santos, quem procura, acha.
Com informações da Agência EFE.

Se você fosse redigir um anúncio semelhante, como ele seria? Não precisa ser a esposa. Pode ser um parente mala, a sogra, vizinhos...
Não se deem ao trabalho de me perguntar. Minha esposa é bem fora do mercado, como dizemos em Direito. Insuscetível de negociação. Mas se eu tiver que vender alguém, já sei quem escolher. O problema é que dificilmente alguém compraria. Esse, talvez só o Cão. Ou nem ele. E só se fosse de graça.

Enfermeiro de Angola

Há dois anos não falo com meu amigo Renato Rodrigues Camarão. A última vez foi quando ele esteve em Belém, para visitar sua cidade natal após uma década e meia sem por os pés aqui. Sua família se mudou para Brasília e ele, que precisou ir junto, construiu sua vida por lá. Radicou-se em uma daquelas cidades-satélite. Nessa visita, extremamente ansiada por ele e pelo povo que deixou aqui, veio com seu filho Arthur, então com 10 anos. O menino ficou viciado em sorvetes da Cairu. Compreensível.
Um dia, Renato me mandou um e-mail estranho, truncado, como se fosse a continuação de outro. Falava coisas sobre uma viagem, sobre Angola e sobre alguns anos por lá. Pedi explicações sobre o que aquilo significava, mas não me respondeu. Imaginava o que era, mas a confirmação me chegou depois, através de parentes dele. Renato, que é enfermeiro, inscrevera-se em um programa humanitário. Foi cuidar da população miserável e doente de Angola — as terríveis doenças da pobreza, facílimas de tratar, se você não for pobre. Nem todas, claro. A AIDS é uma epidemia permanente em boa parte da África.
Quando esteve aqui, Renato — que é separado — me falou do seu desejo de levar o filho para morar com ele. Era um projeto para um futuro bem próximo, disse-me. Sentia necessidade de estar com Arthur todos os dias. Contudo, optou por ficar alguns anos sem ver o filho, cuidando dos filhos alheios.
A última informação que tive foi uma rápida mensagem no Orkut, para todos os seus amigos, na qual Renato dizia estar em Angola, com enormes dificuldades para acessar a Internet. Não sabia quando poderia mandar notícias. Isso faz tempo. Nunca mandou notícias. Sei que ele, como pode, tenta manter contato com o filho. É uma barra para ambos. Mas ele segue em frente.
Renato é um humanista. Ele realmente se importa com o semelhante, mesmo aqueles que parecem tão diferentes. Com o próximo, que está distante na geografia e nas condições de vida.
Renato hoje faz aniversário. 33 anos. Não posso parabenizá-lo pessoalmente, mas posso deixar esta homenagem, expressão da minha imensa admiração e respeito. Um ser humano que faz a diferença, como gente, como profissional, como pai, como cidadão, como brasileiro.
Deus te abençoe, meu amigo.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Precedentes adoidados

No mundo do Direito, é facílimo encontrar livros oportunistas, de conteúdo duvidoso, destinados apenas a atender a uma vasta gama de público, os concurseiros profissionais. Detesto livros para concursos. Detesto. Sequer os retiro das prateleiras. Parto da premissa de que quem estuda aprofundadamente a ciência deverá estar apto a fazer essas provinhas de concursos — imbecilizantes, ao menos na primeira fase.
Estou com um desses oportunistas em mãos. O autor já começa explicando que não pretende "apresentar novidades na área penal, mas analisar, didaticamente, cada aspecto, relativo não somente à Teoria do Crime, como, também, à Teoria da Pena, mostrando, sempre que necessário, o fundamento, a situação e a utilidade de cada instituto". Falando em bom português: não esperem de mim aprofundamento em nada! Nessa obra, aprofundado só mesmo o número de vírgulas.
Mas a leiturinha valeu a pena. Difícil pensar que alguém ria lendo um livro de Direito Penal. Mas o camarada conseguiu me fazer rir, graças a algumas decisões de tribunais que coligiu, em relação ao delito de maus tratos, objeto da minha aula daqui a meia hora. Veja só o que já decidiram os nossos tribunais por aí (destaques meus):

"Maus-tratos. Professora provocada por comportamento do aluno, pespegando-lhe um tapa. Atenuante de violenta emoção reconhecida. Afastamento da agravante. Considerações em torno da espinhosa missão de ser mestre nos dias atuais. Aplicação da pena no mínimo legal" (TARS - JTARS, 93/75).
Obrigado aos magistrados por reconhecerem os nossos padecimentos. Mas não precisava aliviar a professora tão descaradamente...

"Os limites do direito de corrigir são elásticos. Não se pode com qualquer pancada dar por caracterizado o excesso em seu uso. Hão de ser considerados também o nível social do acusado e a intensidade da peraltice da vítima" (TACrim - RT, 567/334).
Eis que surge um novo conceito jurídico-penal, como critério para a dosagem da pena: intensidade de peraltice!

"Age em estado de necessidade a mãe que, não tendo quem cuidasse do filho traquinas e adoidado, enquanto trabalhava fora do lar para sustentá-lo, acorrentava-o ao pé da cama, para que não saísse de casa" (TACrim - RT, 503/345).
Exemplo de linguagem jurídica formal e técnica. O que será uma criança adoidada? E ela não seria assim, em parte, por causa da mãe? Tudo tão complicado...

Assegurado o direito de defesa

Bom para os advogados criminalistas. O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deferiu medida cautelar em habeas corpus mandando trancar uma ação penal, porque o advogado de um dos acusados não tivera a oportunidade de interrogar os demais corréus por estar ausente das audiências. Fazer perguntas aos outros denunciados pode ser crucial para a defesa. A justificação foi dada com base nos princípios constitucionais previstos nos incisos LIV e LV do art. 5º da Carta Magna, tão somente os conhecidíssimos devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
A decisão em si nada tem de original ou surpreendente. O que mais chama a atenção é que, para deferi-la, o ministro promoveu uma inovação não muito comum, mormente se o tribunal for conservador: ir contra as próprias regras. É que a Súmula 691, do próprio STF, veda a análise de pedidos de habeas corpus que se insurjam contra decisão liminar de ministro de outro tribunal superior. Mas Mello o fez, por considerar especialmente relevante o argumento versado na impetração.
É o conteúdo sobre a forma. Do jeito que eu gosto.

Automóveis

O Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo, recebe mais uma vez, a partir de hoje e até o dia 9 de novembro, o Salão do Automóvel, evento que chega a sua 25ª edição e que, na última, em 2006, recebeu a visita de mais de 622 mil pessoas, tendo 155 expositores e ocupando 88 mil metros quadrados. Sucesso absoluto. O maior acontecimento da indústria automobilística brasileira acontece a cada dois anos desde 1960 e atravessou, como não poderia deixar de ser, os altos e baixos da política e da economia brasileira.
Crise do petróleo, discurso desenvolvimentista, concorrência do mercado internacional, as "carroças" do Collor, as novas tecnologias, turbulências econômicas globais, a preocupação ambiental... Tudo isso e mais um pouco passa pela história do automóvel, mundo afora.
Como bom brasileiro, louco por carros, morro de vontade de visitar o salão um dia. O problema é a época de sua realização, proibitiva para quem regula as suas atividades por um calendário acadêmico. Quem sabe calha de eu precisar fazer algo na capital paulista por ocasião do evento. Mas agora só em 2010.
Acompanhando uma linha do tempo do Portal Globo, o interessado pelo tema tem acesso a informações curiosas. Chamou a minha atenção, p. ex., saber que no distante ano de 1974 foi apresentado um carro elétrico. E nacional. Era o Itaipu, da Gurgel Motores, que tendo à frente o aguerrido engenheiro mecânico e eletricista João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, sempre esteve empenhadíssima em produzir um automóvel genuinamente nacional que fosse competitivo no mercado. Apesar de visionário, Gurgel jamais contou com o apoio de que necessitava e acabou vendo o sonho soçobrar.
34 anos depois do Itaipu, os carros elétricos e os híbridos são as principais vedetes dos salões congêneres por todo o mundo. Mas convenhamos: design nunca foi o forte dos carros da Gurgel. Dê uma olhada na lata (sem trocadilhos) do Itaipu. Medonho, não? Com todo o respeito. Quem for ao salão deste ano se deparará com o futuro: dentre outros, o GM Volt (à direita).
Para visitar o salão, um adulto paga 30 reais. Bem razoável, considerando que é um mercado de valores superlativos. Mas os organizadores mandam um recado bem ostensivo: "Não compre ingresso de cambistas. Se comprar, com certeza terá problemas no acesso ao Salão Internacional do Automóvel."
Com certeza, viu?

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Pedagogia do tapa

Se segurar uma criança de 5 anos para que ela, indefesa, receba tapas na cara de outras crianças já é um fato muito grave, imagine se isso ocorrer dentro de uma sala de aula, por iniciativa da professora.
Naturalmente, não estou inventando. O caso teria ocorrido ontem, em Ceilândia, Distrito Federal.
Já dispensada da escola, mas protegida pelo princípio constitucional do estado de inocência, a professora nega veementemente a acusação. Claro. O problema é a quantidade de crianças contando espontaneamente o episódio, o que levou os pais delas a procurarem os pais da vítima. Somente assim eles tomaram conhecimento, já que a suposta vítima calou-se a respeito. Humilhação é humilhação, não importa a idade.
São tantos acontecimentos esdrúxulos, diários, que a cabeça gira e a visão turva. De repente, num delírio quase lisérgico, vejo uma criança, filho de Dado Dolabella, adotado pelo casal Nardoni, estudando na classe dessa professora. Depois ele cresce, agride a tapas uma doméstica por confundi-la com uma prostituta e acaba mantendo a namorada em cárcere privado por dias. Devido a sua condição econômica privilegiada, consegue um habeas corpus e, em liberdade, escolherá o feito pelo qual será lembrado pela História: queimar um índio vivo num ponto de ônibus, supondo-o um mendigo, ou metralhar um monte de pessoas dentro de um cinema, vendo um filme da Xuxa.
Cara, acho que não estou bem. Por hoje, chega.

Nas ondas

Na minha turma de Direito Penal III, ao tratar dos crimes contra a vida, onde se insere o abortamento, falei nelas. Nas turmas de Penal I, quando preciso tratar acerca da aplicação extraterritorial da lei brasileira, também. Refiro-me às Women on Waves, organização não-governamental holandesa (constituída sob a forma de fundação), que se define como "uma organização não lucrativa holandesa preocupada com os direitos humanos das mulheres. A sua missão é prevenir gravidezes indesejadas e abortos inseguros pelo mundo inteiro".
A fundação possui um barco e costuma visitar países onde a legislação criminaliza o abortamento, para receber as mulheres que desejem seus serviços. Uma vez embarcadas, essas mulheres são levadas para alto-mar, onde são submetidas a abortamento medicamentoso, com uso das substâncias Mifepristone e Misoprostol, esta última princípio ativo do Cytotec, medicamento destinado à profilaxia e tratamento de úlceras gástricas e duodenais ativas, mas que ficou famoso mesmo por seu uso como abortivo, pelas intensas contrações uterinas que provoca.
A intenção das ativistas é retirar as mulheres que abortam da jurisdição de seus países de origem, evitando que possam ser processadas criminalmente. Todavia, como expliquei a meus alunos, um cidadão brasileiro é obrigado a respeitar as leis do Brasil onde quer que se encontre e se sujeita a ser alvo de persecução criminal não importa onde tenha praticado o delito. Há limitações, contudo, e dentre elas a de que se o fato ocorrer em um país onde a conduta não seja considerada criminosa, o brasileiro não poderá ser processado ao voltar para sua terra natal.
Navegando na Internet em busca de outras informações, acabei me deparando com o sítio da polêmica organização. No mínimo, uma leitura curiosa.

Linchamento: o outro lado

Acredito que uma pessoa de bons princípios e valores, que não tenha a personalidade deformada por algum transtorno diagnosticável pela Psiquiatria, não aceitaria facilmente participar de um linchamento. Sequer endossaria tal prática. Por conseguinte, deve-se perquirir os motivos que levam o cidadão comum a aderir à violência — e não uma violência qualquer, e sim uma desse tipo, desmedida.
Abstraindo os fatores individuais, forçoso reconhecer que o linchamento é mais um sintoma da falência do Estado, particularmente no campo da segurança pública. Porque se o cidadão contasse com o poder público, se acreditasse que seria prontamente atendido e que a demanda seria tratada à altura, pelos mecanismos oficiais, provavelmente escolheria o caminho menos custoso para si. Pelo menos, quero crer nisso. Muito melhor para o cidadão comum deixar que o criminoso acerte suas contas como devido do que se expor a riscos, esforços e traumas. O problema é justamente ele estar convencido do contrário: de que a polícia não atenderá o chamado — por falta de interesse, de pessoal, de viatura ou de combustível — ou de que o sistema de justiça criminal não responderá ao crime como se espera. A antecipação da impunidade induz o indivíduo a preferir o caminho que lhe parece mais garantido. E aí todo mundo se iguala: o tal homem de bem, honesto, trabalhador e pai de família, e o criminoso mais bestial.
Resolve-se o problema focal. O problema de fundo, esse continuará a existir, porque não foi sequer arranhado. Prosseguimos assim, com o Estado brasileiro empurrando as pessoas ao vício, ao crime, ao horror.
É uma explicação possível. Jamais uma justificativa.

Linchamento: a lógica da guerra

Mais de um aluno me perguntou ontem sobre um linchamento ocorrido em Marituba, divulgado ontem pela grande imprensa. Em síntese, um homem de 32 anos, embriagado, aproveitou-se da madrugada para invadir uma residência onde dormiam duas adolescentes, de 15 e 13 anos. Queria sexo. Frustrado em seus intentos, acabou agarrado por populares, despido e amarrado a um poste, onde acabou seviciado sem a menor chance de defesa. O corpo ficou exposto até de manhã, quando finalmente a polícia chegou (eficiente, como sempre), com direito a plaquinha indicando o seu delito (escrito errado).
Penso que um linchamento equivale à guerra — numa dimensão muito menor, naturalmente. A guerra é a negação do Direito. Quando povos ou nações abdicam da racionalidade e das leis, passam a perseguir suas pretensões por meio da força bruta. A mesmíssima força bruta dos hominídeos que, na pré-história, venciam disputas de toda ordem com base no golpe mais eficiente. Sorte de quem descobriu primeiro o potencial de um osso como arma.
Não faz diferença se, desde a Guerra do Golfo de 1991, falamos em guerras tecnológicas, com um aparato científico sendo mais importante (em tese) do que o avanço das tropas (o que não foi verdade na Guerra do Iraque, quando os exércitos locais deram um baile nos americanos, durante anos). Haja a tecnologia que houver, uma guerra é sempre a exteriorização suprema da força como meio eficaz, embora não legítimo, para se obter uma pretensão, qualquer que seja.
O linchamento também é uma negação do Direito, com a diferença de que o alvo é uma ou algumas pessoas. O efeito é pontual, mas não diverge da mesma lógica de abdicar das leis, do bom senso, da humanidade para se chegar a um objetivo. A guerra e o linchamento são utilitaristas ao extremo: o fim é tido como tão valioso que os meios não importam. E como não se utilizam aparatos tecnológicos, o linchamento de hoje é materialmente semelhante aos de antigamente: brutalidade pura, tão somente.
O caso de Marituba não precisava ter o desfecho que teve. Arrisco-me a dizer que o crime da vítima — sim, ele é uma vítima, quer você concorde com isso ou não, porque é o sujeito passivo de um fato também previsto em lei como crime — teve um fator preponderante: a bebida. Sim, a droga mais consumida no país, lícita, com a qual todos são extraordinariamente lenientes. E por que afirmo que o invasor só fez a besteira que fez por estar embriagado e, por conseguinte, sem pensar com clareza no que fazia? Porque invadiu uma residência sozinho e desarmado, vindo a armar-se posteriormente, com uma faca que encontrou na casa das adolescentes, um fato circunstancial. Porque estava em minoria numérica, o que ele talvez soubesse, porque decerto não escolheu a casa a esmo. Porque estava fisicamente abatido pela bebida, tendo sido empurrado para fora da casa pelas duas meninas e mais dois garotos. Porque ao ver-se na rua só de cueca, invadiu de novo a casa para reaver sua bermuda, sem medir as consequências desse ato. Foi justamente por causa disso que acabou agarrado por vizinhos.
Penso, ainda, que o procedimento esperado de um estuprador seria que ele, ao abordar a primeira garota, já estivesse armado e procurasse imobilizar a outra vítima. Estando desarmado, impedir que as meninas gritassem ou fugissem seria essencial para ele. Contudo, nosso protagonista não fez nada disso. Segundo as próprias meninas, ele acordou a primeira mandando que se despisse. Ela recusou. Abordou a segunda, que também se recusou. Ele então exclamou que "uma das duas teria que ceder". Parecia que queria convencer uma delas, em vez de subjugá-las. Seja como for, está morto.
Trágico também é ver a irrestrita aprovação geral à barbárie. Revolta-me quando alguém diz coisas do tipo "Deus me perdoe, mas foi bem feito". Se você aprova linchamento, como se atreve a pedir a clemência divina? Aceite os ônus de sua opção. Deus não tem nada com isso.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

As mudanças na Estação das Docas

Resolvemos, eu e minha esposa, aproveitar o final de tarde na Estação das Docas, levando nossa menina para passear. Boa escolha, já que o vento constante e intenso estava simplesmente maravilhoso. Raramente podemos dizer, nesta cidade, que o clima está adorável. Dava para esquecer da vida ali.

Contudo, minha intenção é dizer que esta foi a primeira vez que estive na Estação após a inversão do acesso ao estacionamento. Medida muito inteligente, sem dúvida, porque a entrada ali sempre cria uma retenção de tráfego. Com o acesso original, pela Boulevard Castilhos França, num trecho em que há canteiro central, os engarrafamentos eram inevitáveis. Nas noites de eventos, um horror. Transferindo a entrada para mais adiante, onde a avenida é larga, certamente o impacto sobre o trânsito será muito menor.

Há outros aspectos bem positivos na mudança. Agora há sinalização horizontal e vertical e se criou uma opção de retorno. Antes, quem decidisse tentar uma vaga mais à frente e não encontrasse nenhuma acabaria retido perto da saída, tendo que voltar de ré ou fazer uma contramão, como vi várias vezes. Agora, pode-se dar um oportuno giro lá dentro. Além disso, o pagamento foi transferido para guichês no interior dos armazéns, acabando (em tese) com a lentidão na saída dos carros.
Medidas simples e eficientes. Como ninguém pensou nelas antes?

Mas nem tudo são flores. O estacionamento ali já era muito caro. Agora ficou pior: são 3 reais para encostar e a hora adicional subiu para 2 reais. Um assalto. Ficar mais de duas horas na Estação custa 5 reais! Melhor ir a pé ou de bicicleta. E ainda dizem que é um empreendimento para todos!

Qual o motivo dessa extorsão? Justifica-se pelo pagamento de um maior número de funcionários, por causa dos guichês? Duvido que já não houvesse renda mais do que suficiente para isso.

De quebra, mesmo com as inovações, continua havendo funcionários ali com a inacreditável função de apertar o botão da máquina para entregar ao motorista o cartão de estacionamento. Isso é que é tecnologia...

Cidade vazia

Precisei sair ontem à tarde. Com a cabeça voltada para assuntos específicos, demorei a reparar que a cidade estava incomumente tranquila — quase como se fosse, outra vez, a velha Belém em que cresci, com menos carros na rua, menos medo de assalto e até a temperatura menor.
A certa altura, comecei a prestar atenção nas lojas fechadas. Levei algum tempo para me dar conta de que estava em pleno dia do comerciário, aquele dia quase inacreditável em que até as Lojas Yamada fecham!!! Surreal.
Eu podia ter contornado o centro comercial, mas fiz questão de passar por dentro dele, por aquelas ruas estreitas por onde, em dias normais, é extremamente difícil passar a pé. Ontem, fiz o trajeto de carro, aproveitando a trepidação dos antigos paralelepípedos. Tudo em silêncio e — pasme! — limpo! Parecia que eu sonhava com uma Belém que não existe mais.
De repente, comecei a gostar do dia do comerciário. Espero que no próximo ano eu também tenha condições de passear pelo comércio vazio das ruas estreitas e prédios seculares, para os quais praticamente ninguém olha mais.
Só ficaram faltando as fotos.

PS — Por falar em fotos, o pessoal da Fotoativa aproveitou para fazer alguns registros nas cercanias de sua sede, ali na Praça das Mercês. Acho que até os ladrões feriaram ontem.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O 26 de outubro, por Davi Carneiro

Eu não pretendo retornar ao assunto, mas não poderia deixar de repercutir o maravilhoso texto escrito por Davi Carneiro, tão cedo já um intelectual, sobre a eleição de ontem. Fazendo as devidas adaptações, considerando que o sujeito retratado não é mais candidato e sim re-eleito, leia aqui.

PS — Davi, amei as "Redondilhas da Tati". Vinícius de Moraes sempre foi um dos meus favoritos.

domingo, 26 de outubro de 2008

Quem irá ao Parque Ambiental do Utinga?

Um dia meu amigo Jesiel Lopes me disse que o Parque Ambiental do Utinga, onde se localizam os lagos Bolonha e Água Preta, mananciais de água potável de Belém, era um ótimo lugar para passear, particularmente para andar de bicicleta — atividade que nós dois adoramos, mas que só ele pratica, devido ao meu sedentarismo.



Aceitando a sua sugestão, um dia fomos pedalar naquele lugar adorável. Sou absolutamente alucinado por estar em contato com a natureza, principalmente se tem água na história. Achei tudo tão bonito que voltei num domingo, já de carro, levando a família.
Ficamos todos encantados de contar com um lugar tão bonito (ainda que sem infraestrutura alguma), dentro da cidade, tão perto de tudo. Veja mais abaixo, à direita, que bucólico o lago e a vegetação em seu entorno, num dia nublado. Que paz se sente ali! Abria-se a possibilidade de um programinha saudável e tranquilo para todos. Saímos de lá com a intenção de voltar, tanto que levei um susto ao acessar as fotos que tiramos naquela oportunidade e descobrir que são de janeiro de 2004! Já faz quase cinco anos que estivemos lá. Tanto que meus primos, Rafaela e Mateus, que aparecem na última imagem, ainda estão jitinhos.
Em algum momento durante esses anos, sei que foi concebido, no âmbito da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SECTAM, na época), um projeto de transformar o parque em um espaço de visitação pública, com alguma infraestrutura. Seria uma estratégia para controlar o avanço das invasões que, volta e meia, ameaçam os lagos. Se o entorno for favelizado, além dos danos ambientais que toda favela produz, teríamos prejuízos muito mais concretos, intensos e generalizados, pois estaria comprometida a própria potabilidade da água. Seria um espaço de educação ambiental, para fazer a comunidade compreender a importância de preservar aquele recanto. Mas a ideia, claro, jamais saiu do papel.
Hoje, finalmente, retornei ao parque. Passeio pensado há tempos e marcado ao longo da semana, botei esposa, filha e dois primos no carro e rumamos para o local. Para a minha surpresa, contudo, o policial no portão me apontou um estacionamento ali mesmo, na entrada, e me disse para deixar o carro lá. Mesmo sabendo das distâncias, a perplexidade me fez saltar e colocar a família em marcha, com o sol das dez horas queimando o costado. Sentia-me um tolo e, alguns metros à frente, contemplei a estrada e o estirão absurdo que precisaríamos andar para chegar na beira do lago. Isso num lugar onde você não dispõe de banheiro, água para beber (que ironia, não?) ou sequer de um banquinho onde largar o corpo maltratado. Sem falar que, segundo se diz à boca pequena, delinquentes das favelas próximas se escondem na mata e atacam visitantes distraídos, quando não há nenhum policial por perto (e raramente há). Ser assaltado ali — além de ridículo, já que estamos ao lado do quartel da Polícia Ambiental —, é estar entregue à própria sorte.
Repondo a cabeça no lugar, dei meia volta e levei minha família para o carro. Confirmando com o policial que não seria possível entrar senão a pé, fomos embora.
Evidentemente, compreendo que a restrição possa ser determinada por medidas de segurança ambiental. Sou civilizado o bastante para entender isso. Mas gostaria de explicações. Afinal, no Utinga não há nada em exposição, como no Goeldi, p. ex., a justificar uma série de providências para conforto dos animais. Ali, se algum animal se sentir incomodado, embrenha-se na floresta e pronto. Poderíamos fazer uma criteriosa limitação ao trânsito, mas um impedimento absoluto?
Também poderíamos proibir totalmente o trânsito de veículos automotores que não sejam da polícia ou da COSANPA. Desde que fosse ofertada aos visitantes alguma alternativa de transporte. Porque, afinal, o parque está oficialmente aberto à visitação. Mas do jeito que a coisa foi feita, no melhor estilo Pará (sem pensar em coisa alguma), o programa foi cancelado para famílias, para quem tem crianças, idosos ou pessoas com dificuldade de locomoção. O Utinga é, nessas circunstâncias, passeio para quem pretende fazer uma caminhada ou andar de bicicleta. Fora isso, desista.
Esta postagem não é um protesto, porque tenho esperança de que haja uma boa explicação. Mas ela deveria ser dada à comunidade, não? E, claro, não foi.

PS — O jeito foi tomar o rumo da UFPA e mostrar o rio Guamá para a Júlia, naquela orla que eu amo tanto. Protegidos por árvores e curtindo um vento constante, ela adorou e começou a rir de tudo. Essa foi a parte boa do passeio dominical.

Acréscimo em 14.12.2011: A normalidade foi restaurada há algum tempo, como pude constatar pessoalmente há duas semanas. Visitei o parque com minha filha e pudemos entrar de carro, como outras famílias fizeram. Estou devendo uma postagem sobre isso.

69 é o cara!

Como a urna eletrônica pedia dois dígitos, decidi votar no 69, mesmo. Sei que a alusão não é das melhores, já que o 69 foi concebido como uma forma de prazer recíproco, o que definitivamente não é o caso. Teria sido melhor digitar 213, que o artigo do Código Penal para estupro, uma prática na qual alguém, consciente e deliberadamente, f... az mal a outrem, afetando o seu corpo, a sua alma, a sua auto-estima em níveis tão profundos que é difícil descrever. E causando prejuízos irreparáveis.
Assim foi a eleição em Belém do Pará, hoje, cujo resultado já foi divulgado — sem nenhuma surpresa.
Neste exato momento, o desgraçadamente re-eleito deve estar dando estrevistas com aqueles chavões pra lá de conhecidos, com ênfase em ter sido absolvido pelo povo, o único juiz que interessa. E o pior é que, em certo sentido, ele tem razão. Re-eleger é legitimar todo o mal feito. Por isso ele não deveria ganhar um novo mandado. Mas se o povo brasileiro soubesse votar... Bem, deixa pra lá.
Parabéns aos vitoriosos. Aceito tranquilamente que venham aqui comemorar a vitória. É seu direito. Comemorem, inclusive, o fato de eu não poder dizer que quem ri por último ri melhor. Afinal, ninguém rirá no desfecho deste drama. Todos afundaremos juntos. Exceto, talvez, quem ganhar o prometido DASzinho.
Daqui a quatro anos voltaremos a conversar.

sábado, 25 de outubro de 2008

Que número digitar?

Acabei de atualizar a postagem "Justificando a rejeição", na qual coloquei três links de textos publicados pelo 5ª Emenda, contendo análises dos votos nulo e branco, além da abstenção, escritos por estudiosos da Ciência Política. Quem se interessou, volte lá para ver a forma final.
Neste momento, a minha maior dúvida é: que número digitar na urna eletrônica amanhã?
Pensei em 69, pela conotação sexual e porque são dois dígitos, como os números de candidatos a prefeito. Mas precisa ser assim? Eu não poderia digitar 666, para aludir ao inferno a que estamos inelutavelmente condenados? Ou o famosíssimo 171, que bem representa os dois adversários, pura enganação? Ou 00, porque são duas nulidades? Ou 4815162342, que é a união dos números malditos do seriado Lost e que, em uma das teorias sobre a série, teriam relação com o fim do mundo?
Que dúvida!
Alguém me sugere algum número?

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

1888

Esta é a postagem de número 1888. Com minha mania de relacionar os números das postagens a anos, fui naturalmente induzido a me recordar da assinatura da "Lei Áurea", abolindo formal e definitivamente a escravidão no país, em 13 de maio daquele ano, pela princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon (à direita), àquela altura regente do Império. Graças ao feito, a História oficial que ridiculamente nos ensinaram na escola a cognominou "A redentora". Já a História real nos fez ver que a decisão do Brasil, sempre uma nação subserviente às potências estrangeiras, teve como fator determinante as pressões da Inglaterra, por razões comerciais, pois aquele país desejava ter um maior mercado consumidor para seus produtos no Brasil, o que não seria possível numa nação praticamente sem força de trabalho assalariada.
Como recordar é viver e eu gosto muito disso, pensei no que mais de relevante aconteceu naquele ano. Graças às facilidades da Wikipedia, observei que em 1888 houve avanços científicos, quanto ao estudo dos neurônios (Santiago Ramón Y Cajal) e à patente do pneumático (John Boyd Dunlop). Também foi o ano em que Jack, o estripador, fez seus estragos em Whitechapel.
No mundo das artes, foi o ano em que o pintor holandês Vincent Van Gogh cortou a própria orelha, pelo que é tão lembrado quanto pelo valor de sua obra pictórica, e em que nasceu o poeta português Fernando Pessoa, cuja legião de adoradores explica as frequentes citações de seus versos em tudo quanto é lugar.
Sem dúvida, um ano emocionante. Principalmente no Brasil.

Vá ao cinema

Caso você não acate a sugestão de tirar uma folga neste final de semana prolongado para muitos, dê uma passadinha no cinema.

Claro que Ensaio sobre a cegueira não estreou e, como me disseram em resposta à última reclamação que fiz, melhor mesmo é nos conformarmos em vê-lo em DVD ou surrupiando direitos autorais em programas de compartilhamento de arquivos. Ou então viaje para algum lugar civilizado, onde os cinemas não sejam Moviecom.

Não escreverei mais sobre isso. O duro é ter que aguentar essa omissão absurda e ver o destaque com que se anuncia a estreia de High School Music 3. Nada que $urpreenda, obviamente.
Ao ver a programação, o que me chamou a atenção foi a quantidade de títulos do cinema nacional. Dos 15 títulos em cartaz, 6 são brasileiros. São eles:
  • Era uma vez..., segundo filme de Breno Silveira, que será para sempre "o mesmo diretor de 2 filhos de Francisco". Trata-se de (mais) uma versão moderna de Romeu & Julieta, no manjadérrimo cenário das favelas cariocas dominadas pelo tráfico, seguindo seu curso embora sem muito sucesso.
  • O infantil Pequenas histórias, do competente Helvécio Ratton, que me deixa feliz de ver uma obra tão despretensiosa durar tanto. De quebra, dá-nos o prazer de ver Marieta Severo, Patrícia Pillar e Paulo José.
  • A comédia Casa da Mãe Joana, repleta de atores globais e dirigida por Hugo Carvana.
  • Encarnação do demônio, de José Mojica Marins, que deveria ser um terror, mas acabou considerado uma espécie de comédia pelos poucos que se deram ao trabalho de ir ao cinema.
  • Linha de passe, que eu adoraria ver. O filme dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas está sendo elogiado pela crítica e rendeu nada menos do que a Palma de Ouro de melhor atriz para Sandra Corveloni em Cannes, este ano (na foto, com dois colegas de elenco e o prêmio). Acha pouco?
  • Última parada 174, de Bruno Barreto, reconstruindo o trágico sequestro com vítimas, no Rio de Janeiro, em 2002, que se tornou símbolo de incompetência policial para lidar com situações de conflito (oportuno, não?). O filme foi mal recebido em suas primeiras exibições, em festivais. O famoso documentário Ônibus 174, que alçou José "Tropa de Elite" Padilha ao estrelato, certamente é muito superior.
A programação também oferece produtos estrangeiros. Há bobagens de violência, comédia romântica, filmes com De Niro e Al Pacino, filme de arte e dois infantis. Faça sua escolha.

Justificando a rejeição

Texto modificado em 25.10.2008:

Em um serviço de utilidade pública, o papa dos blogueiros paraenses, Juvêncio Arruda, que atualmente faz curso de mestrado em Ciência Política, publicou em seu 5ª Emenda três textos altamente relevantes, na atual conjuntura, escritos por mestrandos em Ciência Política. O primeiro, sobre voto em branco; o segundo sobre voto nulo; e o terceiro fazendo um cotejo entre o voto nulo e o válido.
Do segundo extraio o seguinte excerto:

Sem anarquismo ou esquerdismo, defendo a idéia de que o voto nulo é um ato consciente do eleitor que obrigado a participar de um pleito procura maximizar os ganhos e reduzir os custos. No caso do voto nulo a maximização dos ganhos seria não votar num governante que não atenderia suas demandas e da grande maioria da população.
A redução dos custos seria não carregar em sua consciência moral o fado de ter contribuído com seu voto a eleger um governante que não considerou os valores éticos e morais que devem fazer parte do mundo político.

Após a leitura, está cristalino para mim como o voto nulo é, a despeito das tantas críticas que venho recebendo, uma opção legítima e digna num sistema que se pretende democrático. Voto nulo que não presta é o irrefletido, tanto quanto não presta a escolha irrefletida de um candidato.
O que devemos combater é o tal "voto útil", do eleitor politicamente analfabeto, que vota no sujeito que ele acredita que vencerá o pleito, para não "perder o voto". Isso é irracional. Mas o voto nulo não. Ele é uma escolha, para muito além de um simples protesto, como se apenas eu estivesse com raivinha. Muito longe disso. É que, simplesmente, não dá para compactuar com nada. E mal menor não existe mais.
No domingo, vamos todos à praia. Por favor, só voltem na segunda-feira. Ou, se puderem, na terça.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

3 meses

O dia 23 de outubro vai-se acabando. Daqui a pouco mais de meia hora se terá findado. Minha filhotinha completou três meses hoje. Como todos gostamos de ciclos e de números inteiros, isso era motivo de comemoração. Daí que comprei um bolo para simbolizar o momento. Nada de festa. Apenas o convite para as pessoas da casa de minha mãe. De repente, alguém podia aparecer de surpresa. Além do mais, fazia muito tempo que eu não saboreava um bolo de morango da Tia Maria. Muito mesmo. E olha que adoro aquela combinação de pão de ló com creme. Hoje demos sorte e o bolo estava mais saboroso do que nunca.

Todavia, as coisas não saíram exatamente como esperado. Os familiares de Polyana não moram em Belém. Dos meus, dois tinham compromissos, justamente minha mãe e meu irmão, que é o padrinho. Mas o pior mesmo foi que a dona do dia, provavelmente por sono, resolveu criar o maior caso e gritou o que pode. Sossegou apenas quando adormeceu. Daí que não estava mais disponível na hora de cortar o bolo. Não houve cantoria, palmas nem nada. Nem ela, claro. Restou-nos ficar em volta da mesa elogiando o bolo de morango mais gostoso de que me recordo.

Júlia usufruirá dele no leite materno. Do bolo e dos pãezinhos recheados de queijo da Abelhuda, adorados por Polyana.

Ter crianças em casa é assim mesmo: as coisas acontecem no tempo delas. Você pode até preferir de outro jeito, mas compreende que elas possuem necessidades muito particulares e, às vezes, intransponíveis. O que importa é que ela está dormindo candidamente, feliz e satisfeita. Exceto por duas mamadas noturnas, vem aí pela frente mais uma madrugada tranquila, como todas têm sido, se Deus quiser, com as inevitáveis ressalvas dos cuidados que um bebê exige. Mas e daí? Tê-la é um deleite.

Veja aí ao lado a carinha dela, morrendo de rir ao ver a cachorra de minha mãe brincando com uma bolinha, há quase duas semanas. A cachorra brincava sozinha e Júlia foi a única que reparou nela. Quando vimos, lá estava a garotinha às gargalhadas. Foi a primeira vez que gargalhou. Foi a primeira vez que fixou a atenção em algo tão particular, por tanto tempo, por iniciativa própria. E o cordão de bobos em volta, achando tudo maravilhoso. E tirando fotos, obviamente, como essa aí ao lado.

É isso aí. Todo dia uma novidade. E todo dia a renovação desse sentimento único de plenitude, de realização, de felicidade. E como não poderia ser assim, vendo esse sorriso pelado?

Feliz vida, meu amor. Deus te abençoe.

Uma noite maravilhosa para todos vocês. E um delicioso amanhã.

Criminalidade animal

Especialmente para meus alunos que farão trabalhos sobre a história do Direito Penal, clicando aqui se tem acesso a uma pequena mas interessante matéria sobre o tempo em que os animais eram considerados moralmente responsáveis por seus atos e, por isso, podiam ser julgados por seus "crimes". Em geral, acabavam condenados à morte.
Pode nos parecer ridículo agora, mas era uma mentalidade arraigada no continente europeu naquela época. É valioso conhecer o que pensavam, para se reforçar o que pensamos hoje.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ensaio sobre a coleira

Com muita saudade dos meus cães, que — é terrível admitir — neste momento estão mais felizes na casa da avó do que com seus donos, incapazes de lhes dar atenção desde que o bebê nasceu, descolei no maravilhoso Blônicas esta crônica, excelente desde o título:

Ensaio sobre a coleiraDe Max (cão de Henrique Szklo).Mitos e verdades sobre o cinofilismo dialético.
Existe uma certa resistência, diria até uma má vontade mal-disfarçada, de vocês, humanos, em aceitar e compreender os preceitos básicos que contemplam o cinofilismo dialético, um estudo tão complexo e profundo da alma canina. Alguns de vocês, a maioria talvez, nem acreditam que nós, cães, tenhamos alma. Nos enxergam como seres praticamente celerados, ocos, insensíveis, colocados no mundo por Deus apenas para latir, abanar o rabo, farejar comida e fazer coco. Pelas babas do Pateta! Nada poderia ser mais injusto, para não dizer ultrajante.
O cinofilismo dialético é uma linha filosófica de bases muito sólidas que discute, de maneira ampla, reflexiva e transparente, alguns dos mais importantes e indispensáveis elementos da vida sócio-cultural dos cães. Um de seus principais temas é o repúdio insofismável à prática repulsiva de tentar manter nossas raças puras. Nada mais repugnante do que repetir o erro que vocês mesmo cometeram há alguns anos, estipulando regras de aparência e comportamento que caracterizam o que é “ser” de uma raça ou não, criando a categoria inaceitável de cães de segunda classe. Eu mesmo fui mais uma das tantas vítimas que esta prática execrável provoca em nossa psique. Não tenho nenhum orgulho em afirmar, ao contrário, mas sou filho de minha própria irmã, o que me causa naturalmente um tremendo desconforto. É claro que o meu pai não é totalmente culpado deste crime hediondo, já que foi colocado nesta situação e ninguém lhe perguntou se estava disposto ou não. Porém, não o eximo totalmente de culpa. Se ele não quisesse, não teria consumado o fato e hoje eu não existiria, mas ele poderia se sentir um cachorro mais digno. Fazer sexo com a própria filha, Dom Pixote me livre! De qualquer forma, milhões de cães em todo o mundo são vítimas deste que é o maior crime contra a cachorridade. E isso tem de acabar.
Não bastasse isso, ainda existem os concursos, que são verdadeiros festivais de preconceito. Quem pode ou não pode ser considerado de uma raça. Quem é o mais digno para ser legitimado como “puro”. Ridículo. E os idiotas que se propõe a participar deste circo ainda se sentem orgulhosos e caminham com uma empáfia de dar nojo. Para nós, seguidores do cinofilismo dialético, pedigree é uma afronta. Se tivéssemos mãos, rasgaríamos o nosso sem hesitação.
O que vocês não se dão conta, ou fingem não dar, é que isso prejudica sobremaneira a nossa vida sexual. Mutley explica! Segundo ele, todos os nossos problemas têm fundo sexual. Ainda mais nos dias de hoje. Vocês sabem que cães que vivem com humanos já tem uma certa dificuldade em encontrar parceiras. Não costumam sair muito e quando saem, estão sempre presos à coleiras, enforcadores e afins. O sexo livre foi praticamente abolido de nossas vidas e somos obrigados a manter relações sexuais com quem nossos donos escolhem. E ainda por cima, sob seus olhares curiosos. O mais difícil não é fazer sexo na frente de várias pessoas, mas sim conseguir manter a ereção ouvindo seus comentários sarcásticos e nada lisonjeiros sobre nosso desempenho.
Outra questão premente estudada pelo cinofilismo dialético é a necessidade inadiável de se criar novos sabores para a ração que nos é oferecida. Vocês, enquanto se locupletam com centenas de pratos, doces, salgados, milhares, milhões de receitas, oferecem aos seus ditos melhores amigos, um alimento seco, insosso e sem nenhum apelo visual ou olfativo. Vocês fazem uma idéia do que é comer todo santo dia a mesma coisa? Café da manhã, almoço e janta, a vida inteira o mesmo indigesta e desagradável alimento? Não, não devem fazer. Mas eu lhes afirmo: é insuportável. De qualquer maneira é fácil de perceber que o que falta é boa vontade da parte dos humanos. Nós podemos até compreender que a vida moderna exige que os alimentos de cães sejam práticos e que a nossa necessidade de nutrientes esteja plenamente satisfeita com as rações atuais. Ei, não precisa cozinhar para nós! Nós entendemos. Só o que pedimos é o desenvolvimento de rações com sabores, cheiros e consistências diferentes. Por que não uma ração com sabor pizza de calabresa? Ou de nhoque com porpeta? Lasanha seria espetacular. Sushi, frango assado com farofa. Ou ainda rações com aparência de um bolo de mil-folhas com profiteroles ou uma Lagosta ao Termidor. Por Snoopy, será que isso é pedir muito?
O cinofilismo dialético também trata de outra questão de suma importância para todos nós, membros da raça canina: o uso inadvertido, obrigatório e não-autorizado de roupas. Nós não queremos nem temos a menor vontade de nos vestir, principalmente aquelas roupinhas em que se lê SEGURANÇA. Pelo amor de Lassie, será que vocês não percebem que não fomos feitos para usar nenhum tipo de vestimenta? Já não nos basta a vergonha de ter de caminhar ao lado de seres bípedes com roupas, em geral de péssimo gosto? Olha, sou um intelectu-au, tenho amestrado, mas às vezes não consigo me controlar. Me pego em ataques de fúria e só consigo me acalmar com minha bolinha de borracha.
O cinofilismo dialético também dá rápidas pinceladas em questões menos importantes, mas não menos críticas, como a incompreensível proibição de cães em certos locais, a inaceitável obrigatoriedade de banho e tosa, a insistência dos humanos em jogarem coisas fora (nós corremos, buscamos e vocês pegam de nossa boca e jogam de novo), solicitações estúpidas como nos obrigar a fingir de morto, as vacinas dolorosas, o uso de enforcadores, as broncas que levamos quando cheiramos as partes íntimas das visitas, etc, etc, etc.
Após anos de estudos e desenvolvimento do cinofilismo dialético, a conclusão a que se chega é que se o ser humano considera que o cão é seu melhor amigo e nos trata de forma tão displicente, discriminatória e indigna, imagine quem ele considera inimigo. Bom, nem precisamos imaginar, não é verdade? Basta abrir os jornais todos os dias.

Max é cão de guarda de Henrique Szklo, que é cronista do Blônicas.

Mulher traída deve ser indenizada pelo ex-marido adúltero

Desde que tenha havido sofrimento moral em decorrência da traição e que isso tenha conduzido à dissolução da sociedade conjugal.
A decisão foi proferida pela 3ª Vara de Família de Campo Grande. Trata-se, portanto, de uma sentença de primeiro grau, que ainda passará pelos crivos recursais, onde poderá ser alterada. Mesmo assim, já é um precedente. Clique aqui para conhecer maiores detalhes do caso.
Comentário inevitável: se a moda pega...

Dois cartuchos de Nintendo

E essa, agora? Dois irmãos, de 15 e 12 anos, sequestraram uma criança de 11 na cidade paranaense de Apucarana e ligaram para os parentes da vítima, exigindo um resgate de dois mil reais! É a criminalidade teen. E olha que o mais velho, provável mente criminosa da dupla, já teria sequestrado pessoas em três ocasiões anteriores. A polícia encontrou o cativeiro, onde havia um telefone celular, uma faca de cozinha e algemas de plástico e de madeira. O refém foi libertado. É o mundo cão!
Esses moleques são tão sem noção que o valor exigido a título de resgate chega a ser risível, mesmo num presumível contexto de vítimas pobres. É um caso claro de imitação daquilo que se vê a todo momento na imprensa, que adora dar enorme destaque ao crime, inclusive contando detalhes. Qualquer um lê e imita, com as adaptações e limitações que suas condições concretas imponham.
Eu me imagino negociando com os sequestradores:

— Olha só, garoto: dois mil reais é muito! Eu te ofereço dois cartuchos de Nintendo e olhe lá! Do pirateado!
— Pô, tio! Não dá pra ser quatro, não?
— Tá bom, tá bom, quatro. Mas tem que ser pirateado.
— Tudo bem, eu só tenho piratex, mesmo.
[Voz do segundo sequestrador.] — Pelo menos isso acaba logo. Daqui a pouco a mãe chama pra janta!

PS — Reconheço que a piadinha, além de infame, está muito urbana. Não sei se refletiria a realidade da aprazível cidade de pouco mais de 120 mil habitantes, cuja economia depende basicamente da agricultura e de uma indústria de bonés. Caso não, podemos adaptar. Algum cidadão apucaranense (é esse o gentílico?) se habilita?

Cara de maçaranduba

A ponte, eu não sei, mas a cara do prefeito de Alenquer deve ser 100% maçaranduba. Só isso para explicar que, segundo o alcaide, ainda seja possível a algum pescador passar por baixo da ponte que você vê aí ao lado. Tudo bem que a foto pode ter sido tirada num momento de maré cheia, mas maré é isso mesmo: sobe e desce duas vezes ao dia. Nas condições que vemos aí, o pescador pode até passar por debaixo da ponte, mas a nado, jamais em sua canoa, levando o pescado do dia para vender e garantir sua subsistência.
A ponte de 360 metros — que o prefeito quer inscrever no Guinness Book por ser, supostamente, a maior do mundo inteiramente de madeira — está no centro de um conflito jurídico na cidade. O Ministério Público pediu o embargo da obra nos autos de uma ação civil pública mas, para variar, a decisão demorou, dando margem a que o prefeito mandasse acelerar os trabalhos e a inaugurasse. Agora o MP quer provas de que a obra obteve licença ambiental, sob pena de demolição. Situação grave, que conduziria inclusive a uma ação de improbidade, para que o prefeito (que concluirá seu mandato em 1º de janeiro próximo) restituísse aos cofres públicos o dinheiro empregado em empreendimento irregular e desfeito.
Não se trata apenas da altura da ponte e seus efeitos sobre a navegação. A promotoria de justiça também questiona a origem da madeira. Segundo o prefeito engraçadinho, a ponte ainda estará de pé daqui a "mil anos", por ser toda de maçaranduba, alegadamente extraída de diversas propriedades da região, tendo sido doada pelos proprietários, interessados na contrapartida, que seriam melhoramentos nas estradas.
Esse tipo de confusão ocorre porque as pessoas se recusam a trabalhar direito. Sabemos que a integração é uma das maiores necessidades dos Municípios do interior paraense. Uma ponte, sem dúvida, é necessária. Mas como os fins não devem jamais justificar os meios, era só fazê-la bem feita e dentro da lei. Como não se quis assim, agora precisamos ver autoridades se confrontando, causando perplexidade no humilde cidadão comum e ainda tendo que aturar o previsível e insuportável discurso desenvolvimentista e de menosprezo pelo meio ambiente, como se vê nas palavras do prefeito.

Aquela da ambulância

[Postagem de conteúdo mais palatável aos iniciados no Direito Penal. Minhas desculpas àqueles para quem ela parecer nebulosa.]

É também por isso que leio jornais. Acabei de encontrar uma notícia que me ajudará em minhas aulas sobre o tema relação de causalidade (teoria da equivalência dos antecedentes causais) — por sinal, acabei de tratar disso em três turmas.
Todos os autores, quando abordam esse tema, ao explicar o fenômeno da superveniência causal, citam um exemplo clássico e batidíssimo: "A" fere "B" e este é conduzido a um hospital de ambulância. A certa altura, a ambulância colide (ou capota, dependendo da versão), vindo "B" a morrer dos ferimentos decorrentes desse sinistro e não do provocado por "A". Consequência: "A" responde apenas por lesão corporal ou tentativa de homicídio. A morte não lhe pode ser imputada, já que o acidente constitui causa superveniente que produziu o resultado de forma autônoma. Todo aluno conhece essa.
Se você, como eu, já se cansou desse exemplo, a realidade agora nos fornece um muito bom, justamente por ser verídico:
Em (mais) um atentado a bomba em Bagdá, uma ambulância foi atingida. Ela transportava um paciente cardiopata que, devido ao previsível estresse, morreu. Pronto: agora podemos dizer que "A" fere "B", cardiopata, e este morre de susto quando a ambulância que o leva ao hospital é atingida por uma bomba. Sem dúvida, um exemplo perfeito e com o selo de qualidade da vida real.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Debate sobre o direito de morrer

Cheguei em casa há pouco mais de uma hora. No caminho, vim matutando sobre a última aula que ministrei. Na verdade, tivemos algumas exposições de trabalhos e um pequeno debate.
Como se trata de uma turma de Direito Penal III, oportunidade em que estudamos os crimes contra a vida, resolvi que daríamos ênfase à Bioética. Afinal, o que menos me importa é estudar a lei — coisa que, para ser secamente honesto, qualquer um minimamente iniciado na disciplina pode fazer. A questão mais relevante é fazer os alunos refletirem sobre o que há acima, abaixo e para os lados da lei. Por isso, após estudarmos os crimes em si, abri espaço para outros elementos.
Começamos assistindo ao maravilhoso filme Mar adentro (Espanha, dir. Alejandro Amenábar, 2004), o qual reconstroi a história verídica de Ramón Sampedro (magnificamente interpretado por Javier Bardem e cuja imagem real você vê ao lado, na capa do livro que escreveu), que em sua juventude sofreu um acidente, tendo ficado tetraplégico. Apesar de contar com todo o apoio e amor de sua família, Sampedro foi dominado por uma infelicidade absoluta e se tornou obsessivo com a ideia de morrer, para se livrar de seus infortúnios. Foram quase duas décadas de apego a esse pensamento, chegando ao ponto de propor uma ação judicial pedindo o direito de morrer, o que lhe foi negado. O jeito, então, foi apelar para o suicídio assistido. Gravou a própria morte, com um protesto por ser forçado, pelo Estado, a agir clandestinamente, como um criminoso, já que o seu direito à vida fora transformado numa obrigação de viver.
Após dividir a turma em equipes, pedi que estudassem o tema, em seus aspectos filosóficos, sociais, religiosos, estatísticos, etc. A intenção era que cada equipe fizesse uma curta apresentação e depois debateríamos. Levamos dois dias para concluir a empreitada e saí dela bastante satisfeito.
Tivemos a oportunidade de conhecer vários aspectos importantes: desde a evolução da concepção de eutanásia na História, passando pela comparação dos diferentes ordenamentos jurídicos mundo afora, até chegarmos a números que mostram efeitos estarrecedores da eutanásia e do suicídio assistido, nos países que os adotam, tais como:
  • idosos têm medo de ser mortos pelos familiares e migram de países como Holanda e Suíça para a Alemanha, onde se sentem mais seguros, porque as leis são proibitivas;
  • surgem propostas para que sejam distribuídas pílulas letais a idosos que tenham perdido o gosto pela vida, mesmo que não sofram de nenhuma doença que lhes comprometa as condições de viver dignamente;
  • já existe um turismo suicida na Suíça, para onde vão pessoas que desejam morrer e, naquele país, protegidas pelas leis mais liberais da Europa (mais liberais até que as holandesas), contam com o apoio de uma ONG para consumar seus planos.
Observamos que a cada vez maior insistência em se debater o assunto pode estar relacionada ao envelhecimento da população, que é uma tendência mundial. Com isso, aumenta o número de pessoas consideradas improdutivas, pressionando os sistemas previdenciários até níveis intoleráveis. Eliminá-las seria uma solução eficiente.
Finalmente, no Brasil, temos a eutanásia como prática consagrada e corriqueira, praticada a todo momento nos hospitais, sobretudo nos públicos, onde a carência de leitos, medicamentos e equipamentos pode despertar um nefasto utilitarismo nos profissionais: matar os pacientes considerados casos perdidos, para recambiar a infraestrutura para um dos muitos que aguardam nas filas. Ou até mesmo para traficar órgãos. O cenário é mais assustador do que qualquer filme poderia sugerir.
Não faltaram vários casos para exemplificar os pontos de vista, tanto de pessoas que morreram quanto de outras que, reputadas em estado irreversível, acabaram voltando. E referências a Dworkin e Alexy, autores sobre lembrados nesse tema. Não faltou também a controvérsia interminável: não se chega a um consenso sobre isso, de modo algum.
Acima de tudo, é gratificante ver alunos dizendo terem mudado de opinião durante a execução do trabalho, ou seja, graças ao que leram e discutiram, finalmente eles alcançaram uma dimensão mais clara do assunto e firmaram uma opinião mais consciente, seja contrária ou a favor do direito de morrer. Com isso, fica-me a sensação de ter construído algo real na formação dessa turma, ou ao menos de algumas pessoas. Algo em suas mentes, em suas almas. É para isso que deveria destinar-se toda e qualquer instituição de ensino, não?
Hoje durmo satisfeito, agradecendo aos meus alunos pela atenção dada à atividade. Espero que tenham aproveitado.

Agora, a rebarba

Todos sabemos que, para a imprensa, é um delírio quando acontece um fato de enorme repercussão, porque ele garante pauta por dias, semanas ou até, nos casos dos bons, meses (como o "mensalão"). A notícia se vende sem que ninguém precise procurar novidades. Infelizmente, dá-se uma atenção extremada à violência e, por isso, os fatos de maior dominação da mídia acabam sendo crimes terríveis, daqueles de tirar o sono de muita gente.
Passado o crime propriamente dito, é preciso explorá-lo em todas as suas nuanças, para garantir mais algumas pautas. Com o sequestro de Eloá Pimentel não poderia ser diferente. Além dos intermináveis panos para manga que o caso permite, em relação à atuação policial, os veículos de comunicação estão nos brindando com temas correlatos, tais como:
a) Pessoas que não têm relação direta com o crime, mas que o acompanharam intensamente, precisaram fazer terapia de grupo para aceitar o desfecho e tocar suas vidas adiante.
b) O pai de Lindemberg foi encontrado em algum lugar da Paraíba e deu uma inútil entrevista de meia dúzia de palavras apenas para repudiar o comportamento do filho. Filho esse com o qual, diga-se de passagem, perdeu o contato há anos. Terá sido abandono? Terá sido esse abandono determinante na formação ou deformação da personalidade do jovem? Tem esse pai o direito de criticá-lo?
c) O pai de Eloá é acusado de ser membro de uma facção criminosa da Polícia Militar de Alagoas, envolvida em vários crimes, sendo ele mesmo acusado de matar um delegado, irmão de um ex-governador.
d) A cela em que Lindemberg está isolado tem 6 metros quadrados, um catre, uma pia e um sanitário. Já fizeram até uma animação em computador para representá-la.
Considerando que o mundo continua a girar e há coisas acontecendo por toda parte, penso que já chega. Ou não?

Tão somente a palavra da vítima

A 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acabou de proferir decisão, em julgamento de habeas corpus, concluindo que não existe justa causa para a deflagração de uma ação penal quando o único elemento contra o acusado é a palavra da suposta vítima.
Dada a extrema gravidade de uma ação penal, até mesmo o seu começo tem que ser legitimado pela existência de um conjunto indiciário mínimo, seguro, do contrário estaríamos submetendo o cidadão ao constrangimento de se tornar réu — sabe-se lá com quantas implicações disso — para que, somente depois disso, averigue-se a plausibilidade da imputação. Apesar de ser uma situação aberrante, essa é a rotina dos fóruns criminais por todo o país. Se alguém acusa, polícia, Ministério Público e Judiciário normalmente acreditam que a acusação tem lá o seu fundo de verdade. O acusado é que dê o seu jeito de provar a própria inocência (outra rematada sandice).
Há alguns anos, vi uma audiência em um Juizado Especial Criminal, aqui em Belém, onde a juíza coagiu o réu, um moleque de no máximo 20 anos, a aceitar um acordo para indenizar a "vítima". Seu crime: dano. Ele teria quebrado algumas telhas da casa do queixoso, ao subir no telhado para pegar um papagaio (vocábulo paraense oficial para o brinquedo que também se conhece por "pipa"), mesmo já tendo sido advertido pelo prejudicado. Incrível como a juíza lhe apontava o dedo, dando-lhe uma verdadeira lição de moral por ter feito o que fizera (ela obviamente tomou a acusação como uma verdade indiscutível e nem deixou o garoto falar). A briguinha de vizinhos virou ocorrência criminal e, obviamente, entrou na produtividade da magistrada como "feitos conciliados".
Vale a pena ler a decisão do Judiciário carioca, ponderando entretanto que a imputação era de apropriação indébita. Quero ver decisão semelhante em delitos sexuais, cuja natureza levou os tribunais pátrios a sedimentar a ideia de que tais crimes, por sua natureza clandestina, admitem a palavra da vítima como meio de prova para a condenação, ainda que sem outros elementos ratificadores. Esse é um grande nó porque, de fato, não são crimes cometidos às vistas de ninguém. Como então provar? Mas como fazê-lo confiando apenas na afirmação de alguém que pode ter incontáveis motivos ocultos para acusar?

Defendendo o direito de defesa

Tudo bem, podia ser desinformação minha, mas somente agora estou sabendo que existe um Instituto de Defesa do Direito de Defesa, organização que pretende "demonstrar a importância do Direito de Defesa para a formação de uma sociedade mais fraterna e menos violenta". Seus membros não são teóricos: eles realizam ações com as quais pretendem confirmar suas premissas conceituais, notadamente a assistência jurídica gratuita.
Navegando rapidamente pelo sítio, encontrei diversos temas do maior interesse, que decerto preencherão horas futuras de leitura e reflexão, algumas das quais chegarão a minhas salas de aula.
Para lhes dar um aperitivo desse material, segue a transcrição de trecho de um artigo do advogado e professor universitário Theodomiro Dias Neto, doutor em Direito pela Universidade do Sarre (Alemanha), que você pode ler na íntegra clicando aqui. Eis o texto (os negritos são meus):

"(...) Impressiona, contudo, a forma como a sociedade se vale do direito penal para se distanciar de seus conflitos, relegando-os à instância policial. Assim tem sido, no Brasil, com os problemas relacionados ao público jovem ou, na Europa e nos EUA, com a questão da imigração, nos debates públicos cada vez mais associada à criminalidade organizada e ao terrorismo. O discurso sobre os conflitos sociais deforma-se em discurso sobre a criminalidade. Uma sociedade que não explica seus conflitos por fora da linguagem da pena está se omitindo da reflexão sobre suas próprias responsabilidades por tais conflitos, transferindo-as a indivíduos ou grupos isolados. Se o delinquente, o que violou as regras do jogo, é o único responsável por seus atos, não há o que fazer além da punição; quando, contudo, a sociedade se propõe a refletir sobre si própria para entender deturpações na dinâmica do jogo, abre-se o caminho para respostas mais abrangentes. Reflexo dessa leitura criminalizante dos conflitos é a insana ilusão de que o sistema penal possa ser tábua de salvação para todos os males. Como se não houvesse outros meios para expressar sensibilidade às inúmeras manifestações de insegurança no espaço urbano. Como se o argumento pela descriminalização do aborto ou do consumo de certas substâncias equivalesse a uma apologia de tais condutas, e não a uma proposição por outros meios de regulamentação. Segurança não se produz com retórica. Condição de eficácia da intervenção penal é a sua integração com ações públicas voltadas a garantir segurança de todos os direitos. É preciso libertar a imaginação social das travas do discurso punitivo, o que se faz somente pelo "uso público da razão" (Kant), em busca de uma nova cultura de controle da violência. Há tempo se discute a criação de um observatório no Ministério da Justiça para identificar e disseminar as várias experiências brasileiras, estatais ou não, que avançam nesse sentido: projetos de policiamento comunitário, assistência a vítimas, redução de danos na área de drogas, inclusão cultural, desarmamento ou revitalização urbana. O espaço subsidiário que se deseja reservar ao sistema de Justiça criminal não depende de uma mera opção legislativa por mais ou menos direito penal, mas da existência de ações públicas concretas capazes de tornar dispensável o recurso à pena."

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Lentidão

Provas e mais provas para corrigir, uma filha com reações à vacina tomada no sábado, provas, atividades domésticas, provas, um supermercado em pleno domingo à noite e, claro, mais provas são a causa da falta de atualização do blog nos últimos dois dias. Lamento. Marcha lenta até segunda ordem.

sábado, 18 de outubro de 2008

Por favor, não me convide

Quando este filme estrear, pelo amor de Deus, não me convide!
Com certeza, há material para fazer uma obra prima do cinema. Afinal, basta um cara pobre ganhar dinheiro e o enredo está pronto. Principalmente se houver um lance de grande injustiça pelo meio (ainda que a injustiça só exista na cabeça do próprio protagonista).
Wagner Moura foi uma escolha pessoal do autocinebiografado. Mas ele é um cara inteligente.

Polícia sob julgamento

Em diversas reportagens, a polícia paulista tem procurado evidenciar os acertos da condução que deu ao caso do sequestro de quatro dias, em Santo André. Não fala em erros, mas em um "teatro difícil". Se o caso teve um desfecho trágico, isso é porque todo sequestro desse tipo pode acabar assim. Não se tomou nenhuma outra medida porque isso implicaria em riscos às reféns, caso o sequestrador percebesse a intenção dos policiais. A jovem Nayara entrou no apartamento de novo por iniciativa própria, contrariando a recomendação de se manter a certa distância. Etc.
Será impossível convencer a sociedade brasileira dessa versão mitigada da atuação policial. Eu também pensei em dar sonífero para o sequestrador, mas me convenci da explicação dada pelo especialista, de que o Lindemberg poderia perceber a manobra e romper com a negociação. De fato, por ter compleição física mais avantajada, é provável que o sonífero demorasse mais a fazer efeito nele do que nas meninas. Quando ele as visse sonolentas, provavelmente entenderia. Concordo que foi melhor não usar tal tática. Por outro lado, jamais concordarei que era razoável expor Nayara novamente. Não se expõe uma vida, ainda mais de uma menina de 15 anos, quiçá se aproveitando da aflição dela diante da sorte da grande amiga. Será que nenhum policial pensou que a menina poderia acabar entrando no apartamento? Deixá-la retornar ao local foi uma insanidade, permito-me dizer.
Toda tragédia traz à baila algum tipo de absurdo. Com essa não foi diferente. Veja só: Lindemberg foi preso e chegou ileso à cela em que agora se encontra isolado, por medida de proteção. O imenso estardalhaço da imprensa com o caso (que não chega à abordagem alucinante do caso Isabella Nardoni, mas é maciço) é mais uma garantia de proteção para ele, pois nenhum policial se exporá ao risco de ser visto como justiceiro. Ou seja, o criminoso tem a garantia, legal e factual, de sua integridade física. As vítimas, contudo, não tiveram e não têm nenhuma — sobretudo Eloá, já declarada em estado de coma irreversível.
Não é à toa que a sociedade clama por vingança e sangue. Não posso concordar com isso jamais, em nome da razão e da minha própria humanidade. Mas sou forçado a entender o ódio disseminado entre os brasileiros. Ele é a consequência previsível da loucura kafkiana que esse drama todo representa.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Deveria a polícia ter agido antes?

Pergunte a um especialista e ele lhe dirá que, em casos de sequestros prolongados, quando sequestrador e refém se encontram sitiados, é muito grande a probabilidade de o sequestrador atentar contra o refém e depois contra si mesmo, principalmente se o delito foi cometido por razões passionais. No caso do sequestro de quatro dias, em Santo André, ainda se tem a agravante de que o agressor, Lindemberg, não fazia exigências. Ele não queria colete à prova de balas, carro abastecido, nada que sugerisse um plano de fuga. Ele apenas cozinhou a polícia em banho-maria por todo esse tempo, coisa que ficou muito clara quando ele anunciou que libertaria a refém quando quisesse, quando bem entendesse, e não avisaria o momento. A polícia deixou que ele se sentisse no comando. E ele estava.
Tudo apontava para o desfecho que, afinal, acabou acontecendo. Mesmo tendo uma resistência enorme, Lindemberg estava cansado, claro. Quando um criminoso chega ao seu limite e acha que não tem mais nada a perder, as consequências costumam ser desastrosas.
Qualquer que seja a explicação que se dê, não me conformo que a polícia tenha permitido o retorno ao apartamento de Nayara, já libertada. Ela é apenas uma menina e foi posta, novamente, deliberadamente, naquela situação. Agora tem uma bala no rosto. Ainda que os médicos anunciem que não haverá maiores danos, não merecia passar por isso.
Sem dúvida que a polícia paulista terá muito a explicar à sociedade sobre sua paciência, suas decisões e sua técnica. Convencer-nos será bem difícil.

Justiça Federal define o que é chope

Afinal de contas, chope deve ter colarinho ou não?
Esta pergunta, que decerto já mobilizou milhões de pessoas ao longo das décadas, em torno das mesas de bares, sem que jamais se tenha chegado a um consenso, agora ganhou uma nova roupagem. Uma roupagem jurídico-processual. Pode parecer surreal, mas quem resolveu se pronunciar sobre o colarinho da bebida foi a Justiça Federal da 4ª Região.
Julgando um recurso, a 3ª Turma do TRF-4 estabeleceu que “chope sem colarinho não é chope, como é conhecido nacionalmente”, segundo o voto da relatora do feito, desembargadora Maria Lúcia Luz Leiria. E assim entendendo, a Justiça livrou um restaurante de Blumenau da multa aplicada pelo INMETRO, que considerou abusivo o estabelecimento vender chope com espuma e cobrar por ela, pois somente poderia cobrar pelo líquido.
Esta não é uma questão restrita a bebuns, não. É uma questão científica. Tanto que a magistrada enveredou pelos estados físicos da matéria, ao explicar que a espuma também é chope, só que em outra forma, devido à pressão a que o produto é submetido durante o preparo.

A primeira sensação, lendo a matéria sob comento, é pensar: será que o Judiciário não tem nada mais importante com que se ocupar? Será que em Blumenau não há crimes, sonegação, problemas eleitorais? Contudo, passada a impressão inicial, temos que ser sensatos: o Judiciário deve responder às demandas que lhe são apresentadas pelos cidadãos e, uma vez provocado, não pode negar uma prestação jurisdicional. Por isso, se há um culpado nessa história, é o INMETRO, cujos fiscais, pelo visto, saíram de bar em bar pela noite da lindíssima cidade catarinense de trena na mão, medindo a espessura da faixa de espuma nos chopes. Ou eles não tinham nada melhor para fazer (de que duvido, considerando a enorme quantidade de indústrias na região), ou estavam interessados em alguma outra coisa. Sim, também existe a terceira hipótese: eles estarem empenhados na defesa do consumidor.
Para os desavisados, INMETRO não é um cara que escreve o quadro "Estamos de olho" do Fantástico, e sim o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, uma autarquia federal criada em 1973, cuja missão é "prover confiança à sociedade brasileira nas medições e nos produtos, através da metrologia e da avaliação da conformidade, promovendo a harmonização das relações de consumo, a inovação e a competitividade do País."

PS — Alô, seu INMETRO, venha medir a quantidade de gelo nos copos de suco vendidos em Belém do Pará, por favor!

Dono de blog não responde por ofensa feita por comentarista

O juízo de Direito da 9ª Vara Criminal de Porto Alegre rejeitou uma queixa-crime oferecida contra o titular de um blog, alegando que ele não poderia figurar no polo passivo do processo, e sim a pessoa que escreveu o comentário considerado ofensivo. Também pesou nessa decisão a existência da ADPF 130-7, que suspendeu a vigência da Lei de Imprensa e, consequentemente, o andamento dos processos cíveis e criminais baseados nela. Saiba mais aqui.
É fundamental ressaltar que se trata de uma decisão de primeira instância, que pode ser reformada em grau de recurso, mormente nos tribunais superiores. Quem tem um blog não deve fiar-se nesta notícia para perder o bom senso. Até porque o acesso a uma ferramenta de comunicação implica na assunção de certas responsabilidades, na lógica dos deveres que vêm junto com os direitos.
Lembre-se, ainda, que a decisão em tela toma por base a suspensão, pelo Supremo Tribunal Federal, da vigência da Lei de Imprensa, a qual previa — dentre outras aberrações, a responsabilidade sucessiva. Assim, caso não identificado o autor do comentário ofensivo, poderia ser responsabilizado o editor, até chegar ao proprietário do veículo de comunicação. Um evidente exemplo de responsabilidade sem culpa.
Não abdique da prudência. Até porque isto é uma regra elementar de civilidade. Se o comentário é ofensivo, não o publique. E mande o desvairado tomar os seus remédios. Do contrário, não reclame das consequências.