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sábado, 8 de maio de 2021

Leitura profunda, empatia e humanidade

Vi este vídeo agorinha (clique na imagem para assistir) e gostei tanto que senti necessidade de compartilhá-lo. Afinal, não apenas sou um sujeito que ama ler desde a infância, mas que entende absolutamente necessário defender certas práticas que hoje estão atropeladas pela sociedade do desempenho (Byung-Chul Han) e acabam por nos comprometer, enquanto pessoas, enquanto sociedade, enquanto espécie.


Não se trata de menosprezar, e muito menos demonizar, as tecnologias de comunicação que aceleraram o mundo mais do que podemos suportar. Cuida-se, isto sim, de mostrar que ser um incluído digital não é incompatível com a leitura; que ser ativo e proativo não é incompatível com momentos de desaceleração e recolhimento. Aliás, cuida-se, sobretudo, de recordar que um pouco de tédio, um pouco de ócio e um pouco de fantasia sempre foram ingredientes importantes para o nosso desenvolvimento pleno como pessoas.

Algumas pessoas estão impedidas, por circunstâncias da vida, de usufruir do tédio, do ócio e da fantasia. Mas se você é um dos privilegiados que pode se permitir isso, não abdique dessas dádivas, ainda mais por conta própria. A vida é mais do que as urgências que ninguém disse serem obrigatórias, mas que assumimos como tal mesmo assim.

Leia. Os bons e velhos livros de papel. Com capa, projeto gráfico, textura, cheiro, lombada, volume, barulhinho de página sendo virada. E cuide-se. Estamos todos precisando.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Descobrindo Vargas Llosa

No começo deste ano, em uma de minhas habituais devassas por livrarias, deparei-me com um livro do escritor peruano Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura em 2010. Estava na sessão infantil. Pensando de imediato em minha filha, passei a mão no volume e li a sinopse aposta à contracapa:

Da janela de casa, Fonchito observa um solitário homem que contempla o oceano. A cena se repete todos os dias até que, não se aguentando de curiosidade, vai ao encontro do velho senhor e pergunta o que ele procura com tanta insistência.

Com um sorriso nos lábios, o velhinho promete lhe contar uma história. A cada manhã, antes que o ônibus da escola chegue, Fonchito ouve um novo capítulo das aventuras de um barco cheio de crianças que, desde o século XII, singra os mares do mundo.

Encantado instantaneamente, comprei o livro, já pensando em fazer dele a leitura de antes de dormir com minha Júlia. Seria uma oportunidade de apresentá-la a um dos maiores escritores vivos, estimulando o gosto por um nível superior de literatura, como antes já fizera com A maior flor do mundo, de José Saramago.

Dias atrás, iniciamos a leitura. Eu não tinha a menor ideia de por onde iríamos, até porque, confesso, não lera nada de Vargas Llosa. Mas a proposta do livro se mostrou muito sedutora logo de saída. Voltamos ao século XII, ao tempo das cruzadas, quando exércitos marchavam a Jerusalém para libertá-la dos muçulmanos. Em meio àquele cenário, sem qualquer explicação possível, crianças de todas as partes da Europa decidem participar da retomada da Cidade Santa, mas não com luta. Diz o autor:

 Ao contrário dos cruzados, que partiam com escudos, cavalos, lanças, espadas, arcos, porretes e todo tipo de armas, essas crianças queriam realizar a façanha de salvar a cidade onde Cristo morreu munidos apenas de seus cantos, suas súplicas e suas orações. Todos eles usavam uma túnica branca com uma cruz bordada. Levavam nas mãos, também, uma cruz tosca de madeira fabricada por eles mesmos e uns cajados de pastor para abrir passagem nas difíceis trilhas cheias de mato e de bichos.

É assim, atendendo a um impulso sobrenatural, que milhares de crianças marcham até Marselha, onde embarcam em navios doados para sua extraordinária expedição. Contudo, adverte o narrador, aquela é uma história triste. Ele logo avisa que nenhum dos barcos chegou à Terra Santa.

Naturalmente, não fornecerei maiores detalhes que possam comprometer o imenso prazer de ler este livro belíssimo. Compartilho apenas a viva impressão que me ficou desse anúncio, feito pelo autor logo ao começo da trama, e que realmente me despertou um profundo desejo de saber qual teria sido o destino daquelas crianças.

O barco das crianças foi lançado em 2014, quando seu autor já contava 78 primaveras. É seu segundo romance infanto-juvenil (o primeiro é Fonchito e a lua e, sim, trata-se do mesmo Fonchito, personagem d'o barco, que é filho de Don Rigoberto, protagonista de outro romance do autor). Foi inspirado no conto A cruzada das crianças, de Marcel Schwob (falecido em 1905), obra citada em epígrafe.

O romance integra um projeto da editora de oferecer literatura infanto-juvenil escrita por grandes escritores, sem linguagem infantilizada, permitindo um verdadeiro mergulho no prazer da leitura. Posso dizer que o texto de Vargas Llosa é adorável, envolvente e muito terno. Além de propiciar curiosidade histórica para os pequenos leitores. Quando cheguei ao final, Júlia estava com os olhos arregalados, digerindo as palavras que acabara de ouvir.

Para tornar a experiência ainda melhor, temos as lindas gravuras da premiada ilustradora polonesa Zuzanna Celej, que você vê nesta postagem. E ainda temos a elevada qualidade da edição, com capa dura costurada, papel de primeira e capricho em todos os detalhes.

Estou realmente feliz de ter encontrado esta pequena joia e feito dela um momento carinhoso com minha filha. Por isso, estou compartilhando esta experiência com você, que também tem uma criança em casa. Pegue-a pela mão e vá ver se o tal barco aparece.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Pensata do inferno

"Tudo fadiga com o tempo e começa a buscar alguma oposição para salvar-se de si próprio."

Clive Barker
Hellraiser


sábado, 12 de dezembro de 2015

Palavras ao vento, quando minhas

Desde criança, escrevi muitas estórias. Contos, projetos de romances. Já naquela época, leitor convicto, eu sonhava em ser escritor. Achava que podia produzir livros incríveis.

Ainda criança, houve um concurso de redação na escola. Podíamos inscrever mais de um trabalho, então tirei o segundo e o primeiro lugar. No dia da proclamação do resultado, recebemos a visita do grande Ruy Paranatinga Barata. Ele me entregou o prêmio, que muito acertadamente era um conjunto de livros, inclusive livros dele, um dos quais foi autografado. No autógrafo, ele me sugeria: "agora escreva um conto". Ingênuo, bobo mesmo, achei que um conto era pouco e comentei que pretendia escrever um romance. Sábio e paciente, ele apenas respondeu que eu devia começar por um conto.

Lá pelos 10, 11 anos, ganhei uma pequena máquina de escrever manual. Entenda: era o ano de 1985 ou 1986, então não há como pensar em microcomputador. Aquela maquininha sem nada de especial significou muito para mim. Talvez tenha sido o melhor presente de aniversário que ganhei de minha mãe. Ingênuo, bobo mesmo, eu achava que, a partir daquele momento, poderia escrever romances magníficos e me tornar um escritor rico. Mais ou menos como acontecera com Stephen King, que se tornou milionário graças a seus livros de terror, alguns dos quais eu adorava na época.

O destino de todos aqueles escritos foi o mesmo: as chamas. Bastava passar um pouquinho de tempo e eu me envergonhava daqueles exercícios canhestros. Não suportava a ideia de que alguém pudesse lê-los, então os queimava. Comigo é assim: nada de jogar no lixo; o negócio é queimar. Adoro fogo. Além disso, o fogo tem uma simbologia interessante e, no contexto, adequada. O fogo foi exorcizando aquele meu sonho de infância que, juntamente com todos os outros, ficou para trás.

O mais perto que cheguei de ser um escritor, afora algumas incursões pela redação acadêmica, foi este blog. Aqui me permiti falar, exercitar estilo, experimentar algumas vezes, testar a ironia, abrir combate direto. Um blog pode funcionar como um repositório de crônicas, então, com excesso de boa vontade, posso me considerar um cronista. O detalhe é que sou eu mesmo a fazer esse julgamento.

A propósito, neste blog, tive o atrevimento de publicar quatro textos de minha autoria: "Abandono" (28.7.2007), "Na sacada do sétimo andar" (30.6.2007), "Miniconto psiquiátrico" (23.11.2007, uma brincadeira de apenas 49 palavras) e "O desejo" (10.8.2012). Estão aí, dispersos na internet, onde sequer posso defender meus direitos autorais. Mesmo que alguém diga o contrário, esses textos são meus. Para o bem ou para o mal.

Esta semana, li matéria sobre pintura hiperrealista, uma forma de arte que me interessa bastante. Curiosamente, ela me inspirou uma ideia. Esta manhã, a ideia cresceu em minha mente a tal ponto que precisei me sentar à frente do computador. Ao que escrevi, chamei de "prólogo". Ingênuo, bobo mesmo, estou dizendo a minha própria vaidade que a coisa terá desdobramento, talvez vire algo grande. Tolice. Todas as minhas ideias fantásticas definham em alguns dias. A se repetir o que sempre aconteceu, nenhuma inspiração virá para completar o tal prólogo e, dentro em breve, a premissa extraordinária parecerá, tão somente, uma bobagem.

E assim deixamos de ter uma estória sobre arte, assassinato e remorsos, por um motivo trágico, que foi explorado pelo escritor e filósofo Jostein Gaarder, em seu romance O vendedor de histórias (2001): as ideias maravilhosas estão por aí, à procura de um escritor que as realize. Mas se falta o talento, elas morrem.

domingo, 1 de novembro de 2015

Necessárias tintas vermelhas ― Sugestão de leituras críticas


Preocupadas com a necessidade de suscitar debates sobre temas pouco explorados e, em geral, dominados pela ignorância e pelo preconceito, a Boitempo Editorial e a Carta Maior lançaram, em 2012, a coleção Tinta Vermelha, autodefinida como um conjunto de "obras de intervenção e teorização sobre acontecimentos atuais". Bem na linha crítica segundo a qual mais importante do que explicar a realidade é transformá-la, ou seja, nós estudamos e teorizamos sempre com a intenção de modificar o que precisa ser mudado na sociedade.

A editora explica que o título da coleção alude ao discurso do filósofo esloveno Slavoj Žižek, aos participantes do Occupy Wall Street, ocorrido na Liberty Plaza, Nova Iorque, em 9.10.2011, que se tornou um marco porque originou um novo modo de fazer protesto popular, tendo como foco as políticas neoliberais que regem o mundo. Disse ele: "Temos toda a liberdade que desejamos ― a única coisa que falta é a 'tinta vermelha': nos 'sentimos  livres' porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade".

A proposta de esquerda fica clara no próprio modo de produzir a obra coletiva: a partir da seleção do tema, alguns autores são convidados a produzir seus artigos, mas os direitos autorais são cedidos (assim como sobre fotografias) e o responsável pela arte gráfica também abre mão de remuneração, tudo para baratear o preço de venda ao público, permitindo maior difusão das ideias. Nem por isso a qualidade cai.

A obra de lançamento (2012) teve como tema Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, que me foi apresentada por minha querida monitora Vitória Monteiro e por ela utilizada em sua excelente monografia de conclusão de curso, assim como o título seguinte, Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (2013). Depois vieram Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? (2014) e, finalmente, Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação (2015).

Acabei de ler Bala perdida, uma interessante compilação sobre violência policial, a violência que tanto é legitimada pelo Estado por meio de mentiras sobre fatos (os autos de resistência são a expressão formal mais extrema disso) e ideologias ligadas ao tema da segurança pública quanto, sobretudo, pela própria sociedade, tendo em vista um fenômeno que considero da maior importância em nosso tempo: a legitimação social da barbárie pela progressiva perda dos vínculos comunitários, o que repercute na produção de normas jurídicas crescentemente negadoras de direitos fundamentais.

Bala perdida reúne 17 ensaios breves, que dão voz não apenas a estudiosos, profissionais e acadêmicos, mas também aos familiares das vítimas da violência policial e a um oficial da própria Polícia Militar. As abordagens versam sobre a falência do modelo organizacional adotado no Brasil, herança dos desvarios dos militares que comandavam o país sob a forma de um Estado de exceção: foi em 1970 que surgiu a Polícia Militar, como força auxiliar do Exército, treinada para a solução de conflitos pela lógica do enfrentamento bélico ― algo completamente incompatível com um Estado democrático de Direito.

Além disso, a obra também versa sobre a violência inerente às práticas policiais, a guerra às drogas, a militarização do cotidiano e a exploração midiática, terminando com uma comovente narrativa sobre mais uma das vítimas do que, não à toa, Zaffaroni chama de genocídio ― que, em nosso país, assume a feição de extermínio institucionalizado de jovens pobres e negros (ou, como diriam Caetano e Gil, "quase pretos de tão pobres").

De modo mais pontual, esta leitura fornece importantes informações para entendermos a importância da desmilitarização da polícia, proposta com a qual mais de 74% dos membros da própria PM concordam (exceto, como é previsível, entre os oficiais de mais alta patente, sequiosos de conservar seus privilégios). Esse é o conteúdo da Proposta de Emenda à Constituição n. 51, de 2013, que teve como última movimentação uma audiência pública em 21 de outubro passado. Trata-se da mais completa proposta disponível sobre unificação das carreiras das polícias civil e militar, que hoje estão organizadas de modo a competir e a atrapalhar uma à outra, sendo essa uma das causas dos números pífios de elucidação policial de crimes no Brasil, abaixo de 10%.

A quem se interessa pelos temas e pelo tipo de abordagem, vale muito a pena ler.

Em tempo:

Justamente hoje, o Empório do Direito publicou artigo contendo uma crítica feroz aos principais aspectos da PEC acima referida: a desmilitarização e a unificação das polícias, estabelecendo o chamado "ciclo completo", por meio do qual a mesma corporação exerceria as atividades de policiamento ostensivo, prevenção e investigação criminal (leia aqui). Invocando fundamentos da criminologia crítica, o autor sugere deslumbramento e ingenuidade por parte de quem defende essas propostas, desde a premissa de que seriam meras importações acríticas de modelos estrangeiros, algumas oriundas de países subdesenvolvidos.

Como acadêmico, entendo ser da maior importância debater os diferentes enfoques que um tema permite, ainda mais em se tratando de questão assaz delicada e polêmica. São oportunos os senões suscitados no artigo, mas devo admitir o meu saco cheio com essa mania de criticar o status quo, criticar a crítica e depois criticar a crítica da crítica, que nos mergulha em uma regressão infinita que somente poderia interessar a quem não tem um problema a resolver.

Parece-me bastante óbvio que qualquer assunto sempre pode ser aprofundado em um nível mais sutil do que o da discussão atual. Contudo, as grandes mudanças que o país reclama exigem tempo para virarem leis e, depois, para serem implementadas. Precisamos começar em algum momento. Não podemos permitir que vidas continuem sendo perdidas a rodo enquanto não atingimos o nível de satisfação plena dos teóricos (nível que, provavelmente, não existe). Estamos cientes de que mudanças estruturais nas polícias são insuficientes para resolver o descalabro que vivemos, mas entendo que são medidas importantes e urgentes. No mesmo livro Bala perdida, Maria Lúcia Karam é enfática em asseverar que, sem o fim da política de guerra às drogas, a desmilitarização seria inútil. Mas ela não menospreza a desmilitarização por causa disso.

Então este é o meu ponto: precisamos fazer alguma coisa já. Muito ajudaria, ao menos, que os críticos das propostas existentes fizessem algo mais do que criticar e oferecessem alternativas concretas, viáveis, ao quanto está posto.

domingo, 16 de agosto de 2015

Seria a rosa uma questão de aceitação?

Há dois meses, publiquei uma postagem na qual contei sobre estar lendo O pequeno príncipe para minha filha e, particularmente, como ela reagiu à passagem em que a raposa ensina ao principezinho o significado de cativar. Por razões variadas, ainda não terminei a leitura. Faltam poucas páginas, mas é justamente nelas que encontramos o clímax, quando o menino decide aceitar a oferta da cobra para retornar a seu planetinha e a sua rosa. Estou particularmente interessado em saber como Júlia lidará com o desfecho.


Ontem, fomos ao cinema para assistir à mais nova adaptação da obra imortal de Antoine de Saint-Exupéry. Desta vez, a saga do pequeno príncipe é contada em seus momentos cruciais, para servir de fio condutor à história pessoal de uma garotinha de 9 anos, cuja mãe é obcecada por sucesso (no caso, assegurar que a filha entre para a conceituada Werth Academy). O objetivo final dessa mulher é que a menina se torne "uma adulta maravilhosa" e, para isso, ela elabora um plano de vida, no qual estabelece o que a filha fará, literalmente, hora por hora de cada dia.


Na casa ao lado, porém, mora um homem que claramente é considerado amalucado e uma ameaça à vizinhança. Trata-se do "aviador", ou seja, a pessoa que viveu a estória narrada no livro, que caiu no deserto do Saara e passou uma semana em companhia de uma criança de cabelos dourados oriunda do Asteroide B-612, que vivia um dilema sobre como se relacionar com uma rosa que ele julgava única e que deixara para trás.


O aviador se queixa de que ninguém acredita em sua história, por isso ele conta a uma criança. Claro, os adultos são muito esquisitos e somente uma criança poderia enxergar a verdade. E essa verdade penetra na alma da menina e muda tudo. Aliás, muda não: transforma. Porque transformará também sua mãe e, consequentemente, toda a vida que ela conhece. Aqui, por sinal, vemos uma das decisões cênicas mais inteligentes da produção, ao fundir o universo do pequeno príncipe com os fantasmas interiores da menina, em uma eletrizante sequência completamente nova, em que ela e o príncipe, agora um rapaz fagocitado pelo sistema, tentam reencontrar a si mesmos.


A produção franco-americana The little prince, de 2015, é dirigida por Mark Osborne, um americano prestes a completar 45 anos que traz no breve currículo bobagens como Kung Fu Panda e Bob Esponja. O roteiro é de Irena Brignull (que escreveu o agradável e premiado Shakespeare apaixonado, vencedor de 7 Oscars) e de Bob Persichetti, que participou de diversas produções voltadas para crianças (Gato de Botas, Monstros vs. alienígenas, Planeta do tesouro, A nova onda do imperador, Fantasia 2000, Tarzan, Hércules, Mulan, O corcunda de Notre Dame e filmes da franquia Shrek).

O elenco de dubladores também impõe respeito, a começar pelo veterano Jeff Bridges (o aviador, no Brasil muito bem defendido pelo excelente Marcos Caruso). Ao lado de uma modesta Rachel McAdams (de filmes da franquia Sherlock Holmes e do seriado True detective, como a mãe), os nomes impressionam: Marion Cotillard (a atriz que ressuscitou Edith Piaf, como a rosa), James Franco (uma das vozes da raposa), Benício Del Toro (a cobra), Paul Giamatti (o professor), Vincent Cassell (a outra voz da raposa) e Ricky Gervais (o vaidoso).


Mas o que importa mesmo é a narrativa e a linguagem e, nisso, a equipe acertou em cheio. O filme é belíssimo, dividindo dois tipos de animação; um, mais naturalista, para contar a "vida real" da garotinha (encantador o detalhe dos dentes desiguais, porque ainda crescendo); outra, mais parecida com gravuras de um livro, para contar a saga do principezinho. E o roteiro é magnífico, capaz de mostrar o que afirmei na postagem supracitada: O pequeno príncipe é uma obra imortal "porque toca de imediato o coração, mesmo de uma criança, e produz um significado que pode ser levado para a vida real e se tornar parte do que somos".


Escutando os rumores ao meu lado, fiquei com a sensação de que O pequeno príncipe era, de fato, uma memória querida das pessoas ali reunidas para ver o filme, que levaram suas crianças para introduzi-las nesse mundo de encantamento, mas que é também um símbolo da dura tarefa de amadurecer, essa missão à qual não podemos escapar. O aviador é um idoso solitário, consciente de que seu tempo está chegando ao fim. A garotinha é uma menina que parece ter assimilado a insanidade materna de ser uma miniadulta perfeita, mas que traz em si a dor do abandono paterno e que reage com fúria ao perceber que o seu novo amigo também está prestes a partir.

É hora de partir.

Estamos diante, portanto, de um filme que fala sobre crescimento, em especial sobre a necessidade de lidar com as perdas, que virão inevitavelmente. E por tratar daquilo que diz respeito à vida de qualquer um de nós, emociona profundamente, do princípio ao fim. A moral da história que identifico ali é que não podemos mudar as coisas, mas podemos sobreviver a elas e seguir em frente. Aquilo que se perde não deixa de existir, porque subsiste em nossos corações. Se prestarmos muita atenção, talvez até possamos escutar sua risada ou sentir o seu perfume.


Tudo isso pode parecer um monte de clichês, mas estranhamente eu sinto que também é a mais pura verdade. Recomendo enfaticamente que vejam o filme, de coração aberto.

PS - A raposinha do filme é a coisa mais linda. Se vocês souberem onde posso comprar uma, por favor me informem!

O trailer do filme: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-178545/trailer-19543616/

Postagem elaborada com informações do IMDb.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

"Isso é muito bonito!"

O que torna um obra literária imortal? A beleza? Seu alcance? Talvez esta seja mais uma dessas questões difíceis de explicar, porém fáceis de identificar.

Todo mundo que chegue a ler esta postagem conhece, é claro, O pequeno príncipe, obra-prima do escritor, ilustrador e aviador (não necessariamente nesta ordem) Antoine de Saint-Exupéry. E desde que conheça em algum nível a novela classificada como infanto-juvenil, conhece e toma como síntese a frase "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Mas o esquecimento, a confusão ou mesmo o fato de jamais se ter lido o livro leva muitos a pensarem que a apoteótica sentença acima foi proferida pelo personagem-título. Ledo engano. O autor desse pensamento tão profundo, no texto, é a raposa.


Durante a jornada que empreendeu entre vários corpos celestes (o texto confunde o tempo inteiro planetas e asteroides), o principezinho conheceu uns tantos adultos esquisitos, mas foi na Terra que ele se deparou com essa figura solene e poética, que lhe ensinou a beleza de cativar alguém e, com isso, tornar-se singular entre tantos outros seres iguais a nós.

Há alguns dias, comprei O pequeno príncipe para Júlia, por se tratar de uma leitura obrigatória. Naturalmente, decidi ler para ela. Não que ela precise, mas quis que fosse algo nosso. Fui lendo um pouco, nas noites possíveis, até chegar no encantador trecho da conversa com a raposa. À medida que eu lia a explicação sobre cativar, a expressão de Júlia foi-se transformando. Séria, ela subitamente exclamou a frase que nomeia esta postagem. Na singeleza de seus menos de 7 anos, foi capaz de compreender a força daquele discurso. E compreendeu mesmo, porque ainda há pouco me explicou como sua amiga Alice, entre tantas meninas de 7 anos iguais a ela, tornou-se única para a minha pequena.

E assim eu concluí, por experiência própria, que O pequeno príncipe é muito mais do que a leitura favorita das candidatas a miss, que sempre querem a paz mundial. Trata-se de um livro verdadeiramente imortal, porque toca de imediato o coração, mesmo de uma criança, e produz um significado que pode ser levado para a vida real e se tornar parte do que somos. Isto é simplesmente maravilhoso.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Gotas de Galeano

Sobre Direito Penal e sua Seletividade


latuff

Criminologia

A cada ano, os pesticidas químicos matam pelo menos três milhões de camponeses.
A cada dia, os acidentes de trabalho matam pelo menos dez mil trabalhadores.
A cada minuto, a miséria mata pelo menos dez crianças.
Esses crimes não aparecem nos noticiários. São, como as guerras, atos normais de canibalismo.
Os criminosos andam soltos. As prisões não foram feitas para os que estripam multidões. A construção de prisões é o plano de habitação que os pobres merecem.
Há mais de dois séculos, se perguntava Thomas Paine:
“Por que será que é tão raro que enforquem alguém que não seja pobre?”
Texas, século XXI: a última ceia delata a clientela do patíbulo. Ninguém pede lagosta ou filet mignon, embora esses pratos apareçam no menu de despedida. Os condenados preferem dizer adeus ao mundo comendo hambúrguer e batata frita, como de costume.
Este fragmento faz parte de uma compilação que pode ser lida aqui: 
http://justificando.com/2014/11/07/10-cronicas-eduardo-galeano-para-o-direito/

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Quando a ciência se torna coisa de iniciados

"Quando um cientista pode considerar um paradigma como certo, não tem mais necessidade, nos seus trabalhos mais importantes, de tentar construir seu campo de estudos começando pelos primeiros princípios e justificando o uso de cada conceito introduzido. Isso pode ser deixado para os autores de manuais. Mas, dado o manual, o cientista criador pode começar sua pesquisa onde o manual a interrompe e desse modo concentrar-se exclusivamente nos aspectos mais sutis e esotéricos dos fenômenos naturais que preocupam o grupo. Na medida em que fizer isso, seus relatórios de pesquisa começarão a mudar, seguindo tipos de evolução que têm sido muito pouco estudados, mas cujos resultados modernos são óbvios para todos e opressivos para muitos. Suas pesquisas já não serão (...) [dirigidas] a todos os possíveis interessados no objeto de estudo do campo examinado. Em vez disso, aparecerão sob a forma de artigos breves, dirigidos apenas aos colegas de profissão, homens que certamente conhecem o paradigma partilhado e que demonstram ser os únicos capazes de ler os escritos a eles endereçados."

KHUN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 12ª edição, São Paulo: Perspectiva, 2013 (Debates, 115).

Thomas Samuel Kuhn (1922-1996)
À medida que avanço na leitura de A estrutura das revoluções científicas, torna-se claro por que se trata de um dos livros mais importantes já escritos, na área do conhecimento científico. A obra confirma, usando argumentos seguros, que o conhecimento se desenvolve mais graças às dúvidas do que às certezas.

As certezas têm mais a ver com o que chama de ciência normal, aquela que depende de consensos acerca de conhecimentos já produzidos (de onde surge o conceito de "paradigma", tão deturpado). Mas são as investigações sobre o que é desconhecido ou incerto que transforma ou elimina as certezas, elevando a ciência a um novo patamar.

No excerto acima, Kuhn distingue os conceitos objeto de consensos, os quais constam da literatura mais geral, dos compêndios e tratados, e orientam pesquisas cada vez mais específicas, cuja compreensão plena se restringe aos iniciados, na medida em que são apresentadas em artigos que pressupõem a familiaridade com aqueles consensos.

Eis aí mais uma razão para que, hoje, artigos especializados sejam referência teóricas mais valorizadas do que os livros.

Lembremos que Kuhn, ele mesmo um físico, construiu sua obra pensando nas ciências naturais, mas a todo momento ele se questiona sobre as relações com as ciências sociais. Até aqui, suas afirmações mais gerais me parecem passíveis de relacionar tanto às ciências naturais quanto sociais. E, sem dúvida, isso abre as nossas mentes. Vale a pena experimentar.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A literatura já o dizia

Acerca da postagem "Sistema concebido para punir", duas abaixo desta, leitor (infelizmente) anônimo deixou este interessante comentário:

Para mim não é surpresa, pois através dos grandes romances russos como Guerra e Paz e Os Irmãos Karamazov, vi grande semelhança da sociedade russa do seculo XIX com a brasileira da mesma época. Estão lá: o grande proprietário rural, a elite despreparada e descompromissada, os servos (ou escravos), os burocratas e os que sofrem as desgraças da sociedade opressora e desigual. Mesmo depois da experiência russa da sociedade estratificada e o avanço do capitalismo no caso do Brasil, as mazelas aparecem como almas penadas que se recusam a abandonar o estágio atual de desenvolvimento.

Profundo e pertinente. Agradeço.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A guerra santa das biografias

Quando éramos crianças, meu irmão ganhou de presente um livro, uma belíssima encadernação intitulada Grandes vidas, grandes obras (publicação de Seleções do Reader's Digest), que compilava diversos artigos biográficos ilustrados, de diferentes autores, indo de Confúcio a Walt Disney, passando por expoentes das artes e da ciência. Foi através desse livro que tomei conhecimento de personalidades como Florence Nightingale, Francisco de Goya e Gengis Khan, nome este que, até então, eu associava apenas a uma estranhíssima e cafona banda que fazia sucesso no programa dominical do Silvio Santos.

Graças às biografias, escapei do ridículo de
achar que Gengis Khan era apenas isto.
Foi lendo esse livro que descobri o prazer de degustar biografias. Naturalmente, com o tempo, passei a valorizar as biografias alentadas, não simples artigos, mas volumes inteiros e bem fundamentados contando a vida de alguém que, por alguma razão, fez diferença no mundo.

Os motivos que levam uma pessoa a se tornar pública e de interesse para a posteridade são os mais variados. Nestes tempos obscuros em que se cultua tanto o conceito de "celebridade", o qual acabou por estabelecer uma nova doença da contemporaneidade — a obsessão por ser celebridade —, a questão pode ganhar novo fôlego.

O fato é que há mais ou menos três semanas está sendo travada uma batalha pública entre jornalistas e artistas, a respeito do direito que os primeiros reivindicam de escrever biografias não autorizadas, o que faz parte da atividade jornalística e, por isso, regida pelas liberdades de expressão e de imprensa. A premissa é de que a sociedade tem interesse de conhecer certas personalidades e que isso enseja um direito ao conhecimento dessa informação, porque ela diz muito sobre o país como um todo. Quando se escreve sobre uma pessoa, necessariamente se descortina todo um pano de fundo, de modo que o indivíduo se torna o trampolim para a descrição de uma época, de um modo de viver e, em especial, de certos eventos específicos.

Assim, conhecer a vida de um artista, um cantor, p. ex., pode dizer muito sobre um pedaço da história da cultura brasileira. Já escrevi sobre a excelente biografia de Renato Russo, da qual se pode extrair um olhar sobre a década de 1980, sobre aqueles tempos em que a ditadura militar cedia espaço à redemocratização, mas os ranços do passado estavam todos em vigor. Lendo aquele livro, pude ver como a indústria fonográfica já ditava as regras, mas ainda havia uma preocupação com a qualidade, com revelar talentos autênticos, e não essa coisa horrível de hoje, em que o interesse é apenas em produtos comerciais. Outro aspecto relevante a ser considerado é a descrição do comportamento dos jovens de classe média de Brasília, naquele período.

Mas alguns artistas decidiram bater o pé e até se organizaram em torno de um movimento, o "Procure Saber", que defende a obrigatoriedade de autorização do biografado ou de seus descendentes, para que a obra seja escrita ou lançada no mercado, assim como compensações financeiras. O Código Civil atual permite a oposição dos atingidos pela obra, que podem impedir a sua divulgação. Como estamos falando de artistas do porte de Roberto Carlos (que já censurou uma biografia sua), Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan e Milton Nascimento, a coisa tomou uma dimensão imensa. E a partir daí a disputa que se travou, longe de um debate qualificado, tornou-se uma sucessão de afirmações toscas e desmentidos.

Djavan, p. ex., alegou que os biógrafos e suas editoras ganham fortunas com tais obras, enquanto o biografado, que teve sua vida explorada, nada ganha com isso e fica apenas com o sofrimento de ter sua vida escancarada. Recebeu respostas contundentes, p. ex. de Mário Magalhães, autor da biografia de Carlos Marighella (minha leitura atual; ver link abaixo), e de Luiz Schwarcz, da Cia. das Letras.

Mais feio ainda ficou para o endeusado Chico Buarque, quando sugeriu que o biógrafo de Roberto Carlos mentira sobre tê-lo entrevistado e, no espaço de poucas horas, tomou pela cara um desmentido com texto, fotos e até mesmo vídeos, levando-o a pedir desculpas públicas. Contudo, no mesmo texto, persistiu negando alguns fatos. Quando li a tréplica do jornalista Paulo César de Araújo, fiquei totalmente convencido. Chico foi de uma infelicidade colossal e inesquecível.

Outros artistas têm-se manifestado, a maioria pela liberdade de escrever biografias. Ney Matogrosso, p. ex., em cuja biografia (disseram-me) há um capítulo dedicado aos seus desafetos, que obviamente o detonam e nem por isso ele tomou medidas de cerceamento, teria perguntado: "De que essas pessoas têm medo?"


A pergunta é pertinente. Afinal, nem estamos falando especificamente de artistas, mas de pessoas públicas em geral, onde também se incluem os políticos. Veja-se, p. ex., o caso de José Sarney: há duas biografias a seu respeito. Honoráveis bandidos, de Palmério Dória (nascido em Santarém e criado aqui em Belém), foi aclamada. Já a outra, quase desconhecida, é exemplo das críticas que têm sido feitas: se somente se publica o que for autorizado, então se pode esperar um texto bajulador, inocente ou, como estão dizendo, "chapa branca". Há muita gente neste país que adoraria deixar quieto, mas é nosso dever não permitir que seus feitos caiam no esquecimento, porque continuam ativos e danosos à sociedade.

Fomentando o debate, o Portal G1 entrevistou biógrafos de sete países diferentes, responsáveis pelos perfis de gente como Vladimir Putin, Paul McCartney e Edith Piaf, dentre outros, e todos se mostraram mal impressionados com a lei brasileira, como era de se esperar, defendendo a liberdade de escrever esse tipo de obra. Seus argumentos são relevantes e não meramente classistas. Que o diga Masha Gessen, biógrafa de Putin, indivíduo que reúne credenciais mais do que suficientes para ser classificado como ditador, embora reinando em um regime formalmente democrático.

Toda essa discussão sobre um tema que nunca antes ocupara meus pensamentos serviu para que eu me informasse e formasse uma opinião esclarecida. Sou pela liberdade, também. Não vi um só argumento que não denunciasse má fé ou interesse pessoal. Pelo lado oposto, a legislação existente permite a repressão a abusos. No mais, nenhum sistema é perfeito a ponto de impedir que ninguém saia prejudicado. Então o sistema menos agressivo ao bem que se pode obter é o das liberdades.

O site da Câmara dos Deputados informa que o PL 393/2011, que modifica o Código Civil e assegura a liberdade de escrever biografias não autorizadas, pode ser votado hoje. Mas acho difícil, porque alguns líderes já disseram que a matéria é importante, porém não urgente, devendo-se dar prioridade a algumas questões bem mais úteis ao funcionamento do país. E me parece que eles têm razão. Enquanto a briga segue, vamos nos divertindo com os exercícios de retórica.

Outros textos interessantes:

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Memorial em Belém

Construção do Convento de Mafra,
fato histórico que inspirou o romance de 1982
Eu realmente gostaria muito de assistir à encenação de Memorial do convento, espetáculo do grupo ÉTER Produção Cultural, de Portugal, em parceria com o Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará.

Memorial do convento foi o primeiro livro de José Saramago que li, tornando fácil entender como o célebre escritor português, falecido em 2010, me cativou de imediato, pela beleza de suas tramas, pelo estilo peculiar e poderoso, pela crítica social aguda e pela finíssima ironia. Trata-se de um de seus livros mais belos e é com orgulho que digo ter fechado o volume, ao término da leitura, com os olhos marejados. Resulta daí que Saramago se tornou meu autor favorito.

O espetáculo será encenado hoje e amanhã, às 19 horas, no Complexo Feliz Lusitânia, usando os espaços da Igreja de Santo Alexandre e do Palácio Episcopal, tornando o evento ainda mais singular. Quem for, por favor depois me conte.

Fonte: http://www.diarioonline.com.br/noticia-258609-espetaculo-baseado-em-saramago-chega-a-belem.html?142813617

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Reconhecimento à Editora Revan

Meu monitor, Adrian Silva, achou de recomendar um livro e acabei comprando cinco... Hoje, as novas aquisições chegaram, o que me leva a esta postagem.

Os livros em apreço foram editados pela Revan, uma editora do Rio de Janeiro que eu já respeitava de longa data e agora quero declará-lo publicamente.

A Revan chamou minha atenção no dia em que prestei atenção em uma mensagem que aparece na última página de suas publicações. Ela diz o seguinte:

AO LEITOR
Se, numa livraria, lhe disserem que um título publicado pela Revan está esgotado, ou que a Revan não faz consignação, ou lhe derem qualquer justificativa semelhante para não ter à venda o título procurado, por favor, comunique-se conosco. A Revan sistematicamente reimprime os títulos de seu catálogo e os oferece às livrarias. Telefone, que teremos prazer em atendê-lo. Ou compre direto em nosso sítio na internet.

Só quem já precisou muito de um livro e não o encontrou em lugar algum, mesmo pela internet, sabe como é desgastante a ideia de edição esgotada. Achei louvável a preocupação da Revan em sempre disponibilizar os seus títulos para os interessados. Mas os elogios não param por aí.

A Revan possui um louvável catálogo de obras de artes e de ciências sociais, com um destaque especial à Criminologia, daí o meu interesse particular. É através dela que acesso a bibliografia de Eugenio Raúl Zaffaroni, maior penalista vivo, e do Instituto Carioca de Criminologia, inclusive a série Discursos sediciosos - crime, direito e sociedade.

Seus impressos têm qualidade e os preços não destoam do mercado. Em alguns casos, podem até ser considerados baixos, por comparação com os de outras editoras. Seu sítio é agradável e de fácil navegação e, amigavelmente, disponibiliza o link "Seja nosso autor". Comprei através dele, sem nenhuma dificuldade. Claro que paguei pelo tipo rápido de remessa, mas isso acontece hoje em qualquer lugar. O fato é que o prazo foi cumprido, ao contrário de certas empresas, que esperam o pagamento do pedido para, somente depois, dizer que um dos itens adquiridos está em falta.

Qualidade do acervo e das publicações, responsabilidade, preço e respeito pelo consumidor. Tudo isso faz da Revan uma editora que merece o nosso respeito e a nossa fidelidade.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Dia Nacional da Matemática

Entrou em vigor hoje, quando de sua publicação, a Lei n. 12.835, de 26.6.2013, que institui a data de 6 de maio como Dia Nacional da Matemática. Legal, não? Mas talvez você se pergunte: a novidade serve para quê, mesmo? Respondo: para que o Poder Executivo incentive "a promoção de atividades educativas e culturais alusivas à referida data". E só. Esse é todo o conteúdo da lei.

Aliás, leis instituindo dias disso e daquilo são abundantes em todos os níveis federativos e têm em comum o fato de que não servem para nada.

Vale ao menos destacar que o dia 6 de maio foi escolhido por marcar o aniversário de nascimento de Malba Tahan. Os poucos brasileiros que já escutaram esse nome certamente o relacionam ao famoso livro O homem que calculava. Esses poucos brasileiros talvez acreditem que Malba Tahan era algum pensador indiano ou coisa que o valha.

Na verdade, Malba Tahan é o pseudônimo do matemático, professor e escritor Júlio César de Mello e Souza, nascido no Rio de Janeiro em 1895 e falecido no Recife, em 18.6.1974. Este grande e pouco conhecido (pelo público em geral) compatriota ganhou renome internacional por difundir o conhecimento da Matemática de modo leve e lúdico, através de mais de uma centena de livros.

Suas tramas reuniam aventura e recreação matemática, consideradas muito instigantes para fins educacionais.Você pode saber mais sobre ele no site específico, que por sinal disponibiliza desafios matemáticos. Um doce entretenimento para quem gosta e tem cacife.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Boas maneiras roqueiras

Dia desses encontrei lá por casa um livro que se dispõe a ensinar boas maneiras para as crianças, o que é um ótima ideia. Ocorre que quem ensina são as onipresentes e chatíssimas princesas da Disney, que ensinam, às meninas, virtudes sem perder de vista a futilidade.

Acho bom que Júlia leia o livro e já a vi, várias vezes, repetir conselhos que aprendeu nele. Mas não precisamos viver cercados pela ditadura dos fru-frus. Podemos encontrar outros referenciais. E eis que, não mais que de repente, deparo-me com uma reportagem que vem exatamente ao encontro da minha pretensão.

Ela trata do simpaticíssimo Rock para pequenos, escrito por Laura Macoriello, uma cabeleireira paulista formada em Letras e fã de rock. O ilustrador é Lucas Dutra.

Definido como "um livro ilustrado para futuros roqueiros", de cara traz uma vantagem: um livro das princesas tende a afastar meninos, por causa dos preconceitos sexistas que os adultos incutem na cabeça das crianças. O livro de Macoriello, entretanto, pode ser considerado "unissex", sem provocar aversão nos meninos, justamente os que mais precisam ser educados (por conta dos estereótipos em torno do que seria comportamento masculino)!

Outra vantagem é que, além de boas maneiras, o livro também sugere a importância de manter hábitos saudáveis, tais como beber água. Se bem que, neste caso, achei um pouco forçar a barra, porque ela cita como exemplo Janis Joplin, que eu sabia tomar muitas coisas, não necessariamente água.

Para exemplificar a proposta do livro, veja aí ao lado a página dedicada a David Bowie. O texto diz: "Esse moço é um dos cantores mais incríveis que o rock já conheceu. Ele tem os olhos de duas cores, um é castanho e o outro é azul(*). Ou seja, ser diferente também é muito legal. E devemos respeitar as diferenças". Tudo muito direto, mas sem dedo na cara, tornando o livro interessante para crianças menores.

Além do bem que se aprende a fazer, a criançada acaba apresentada a grandes nomes da música mundial. Música mesmo, com letra maiúscula, não essa lixarada que se produz hoje em dia. E cultura geral não tem preço. Espero que seja fácil de encontrar.

_________________________
(*) A autora do livro, assim como eu e um monte de gente, talvez você inclusive, acreditou nessa história de heterocromia. Na verdade, Bowie levou um soco no rosto aos 15, lesão que paralisou a musculatura da íris. Em consequência, sua pupila esquerda ficou permanentemente dilatada, condição conhecida como anisocoria (pupilas de tamanhos desiguais). Como a pupila é negra, temos a impressão de que a íris é castanha, mas Bowie possuía olhos azuis. Há várias páginas na internet contando essa história.

Mais: http://revistatpm.uol.com.br/so-no-site/entrevistas/rock-para-pequenos.html

Nota acrescida em 16.3.2020.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Um pouco mais de Schopenhauer

"...em toda discussão, ou argumentação em geral, é necessário que os contendores estejam de acordo em alguma coisa que se toma como ponto de partida para resolver a questão de que se trata: contra negantem principia non est disputandum (não se deve discutir contra quem negue os princípios)."

Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas (Dialética Erística). 
Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 123

Qual é o foco?

Há coisas que vejo no Facebook e que vou suportando para não gerar mal estar com pessoas pelas quais tenho consideração, mas confesso que tem ficado difícil. Algumas atitudes pedem um mínimo de reflexão e por isso tentarei fazer a minha. Encare como uma crítica estritamente construtiva.

Volto à grande polêmica brasileira do momento: o caso Marco Feliciano, sobre o qual já fiz uma postagem. Como a questão envolve religião - e religião é, provavelmente, a seara que mais deixa as pessoas furiosas e irracionais, o que torna tragicamente compreensível os milhões de cadáveres que a História já contabilizou por causa dela -, os ódios têm-se elevado a níveis superlativos. Em nome da empatia religiosa, muitas pessoas defendem Feliciano mas, não tendo a ousadia de vir a público dizer "sim, eu acho que gays e negros devem ser discriminados", a solução é desviar o verdadeiro foco da discussão. É importante corromper os fatos e impedir o debate esclarecido. Uma das formas de fazê-lo é desqualificar o adversário.

Recordo, uma vez mais, um dos livros mais úteis que já li: Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas (Dialética Erística), de Arthur Schopenhauer, definido pelos próprios editores como um "manual de patifaria intelectual". É o próprio Schopenhauer (1788-1860), célebre filósofo alemão cuja obra mais importante é O mundo como vontade e representação (1819), quem explica: "Dialética erística é a arte de discutir, mais precisamente a arte de discutir de modo a vencer, e isto per fas et per nefas (por meios lícitos ou ilícitos)" (em minha edição da Topbooks, Rio de Janeiro, 1997, transcrito da p. 95). E isto como decorrência da perversidade natural do gênero humano ou de sua vaidade congênita. Diz o autor: "se no fundo fôssemos honestos, em todo debate tentaríamos fazer a verdade aparecer, sem preocupar-nos com que ela estivesse conforme à opinião que sustentávamos no começo ou com a do outro" (p. 96).

Chega-se, assim, à primeira imagem que ilustra esta postagem. Ela mostra, segundo consta, um deboche público no qual homossexuais satirizam a paixão de Cristo. É o mote para a conclusão brilhante: esses, que desrespeitam os outros, exigem respeito, mas não o merecem. Por meio desse tortuoso raciocínio, o que se pretende na verdade é dizer que os homossexuais não devem ser respeitados, independentemente de suas ações, mas por si mesmos. Afirmo-o porque a imagem mostra duas pessoas e, ainda que admitindo que seja uma festa, um desfile, uma passeata, quantas pessoas tomaram parte da coisa? Quantos homossexuais realizaram ou avalizaram o escárnio? Quantos deles mereceriam censura, considerando a esmagadora maioria que não tomou parte de qualquer manifestação do gênero, talvez na vida inteira?

Quantos homossexuais simplesmente vivem as suas vidas e, hoje, ainda que poucos e a duras pequenas, conquistando alguns direitos, têm-se tornado mais visíveis (o que deve incomodar muitos!), limitam-se a fazer apenas e tão-somente o que fazem os heterossexuais: estudar, trabalhar, constituir família, ser cidadãos socialmente úteis, etc.? Acaso estes não merecem respeito?

Além do mais, mesmo que tenhamos as nossas preferências morais, agentes públicos não podem levá-las para o exercício de suas funções, de maneira absoluta. No caso, uma pessoa avessa ao pluralismo sexual ou étnico por motivos ideológicos, religiosos ou de outra ordem, uma vez titular de um mandato parlamentar, não pode deixar de agir no interesse dos grupos que pessoalmente repudia porque está jungido ao juramento que fez de respeitar a Constituição da República e esta afirma que o Brasil é um Estado pluralista. Goste ou não, assim que é.

Curiosamente, o que me deixou ainda mais irritado foi a segunda imagem. Nela, uma pseudocomparação entre o atual super-heroi da classe média brasileira (papel que já foi ocupado por Fernando Collor, em fins da década de 1980), o Ministro do STF Joaquim Barbosa, e o deputado federal Jean Wyllys, um dos principais protagonistas internos do esforço contra Feliciano. Wyllys se elegeu graças a uma agenda política em favor dos homossexuais e mais não faz do que ser coerente a ela. Mas é gay, então deve ser demonizado. E o que escolheram para fazê-lo? Sua "origem" no pior programa da TV brasileira (que, provavelmente, o cara que fez essa montagem assiste!).

Esta segunda imagem me irritou mais porque desvarios religiosos são esperados e previsíveis, mas aqui se apelou para a educação, minha área de trabalho, mas não exatamente por isso, e sim porque é o instrumento mais libertador que existe, aqui usado como ferramenta de emburrecimento. É a manipulação mais descarada dos fatos para, deliberadamente, colocar uma venda sobre os olhos alheios e impedir a lucidez.

A trajetória de vida de Joaquim Barbosa é das mais exemplares: negro, num país racista, nascido pobre, fez todos os esforços e conseguiu uma educação muito superior à da quase totalidade dos brasileiros, mesmo os nascidos ricos. Palmas para ele. Mas isso muda o quê, em relação a Wyllys? BBB à parte, Wyllys é jornalista com mestrado e professor universitário. Recebeu, em 2012, o Prêmio Congresso em Foco de melhor deputado federal do Brasil. Não é nenhum gênio, jamais venceu um Pulitzer, mas... é o avesso da educação, por acaso?

Não dá para argumentar nesse nível. Estas duas imagens foram copiadas hoje do Facebook, mas se eu tivesse tempo e paciência para procurar, encontraria muito mais. Schopenhauer, se tivesse vivido para ver o que os novos recursos de comunicação fizeram com o mundo, teria arrancado os cabelos para compor o seu pequeno e profundo manual de patifaria, que não deixou de ser atual. Logo ele, que acreditava no amor como meta da vida.

Termino com a pergunta que deveria conduzir todos nós: qual é mesmo, de verdade, o foco da discussão?

terça-feira, 26 de março de 2013

Viver das letras

Considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos, e por uns tantos como o maior escritor em Língua Portuguesa, o carioca Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) nasceu em uma família muito pobre, frequentou escolas públicas e jamais ingressou em uma universidade. Fora da carreira literária, foi basicamente um servidor público, tendo passado pela Imprensa Nacional e por alguns ministérios. O salário e os direitos autorais lhe permitiram ascensão social. Teve grande projeção social em vida, mas nunca chegou a ser rico. Não se pode negar, entretanto, que teve muito mais sorte de que os demais mulatos nascidos pobres, ainda mais em sua época.

Um dos mais famosos escritores brasileiros, cuja obra foi difundida por diversos países e foi adaptada em diversas ocasiões para o teatro, a televisão e o cinema, o baiano Jorge Leal Amado de Faria (1912-2001), trabalhou como jornalista. Membro ativo do Partido Comunista Brasileiro, que o elegeu deputado federal, não tinha aspirações à fortuna. Consta que viveu exclusivamente dos direitos de suas obras. Um raro privilégio, que entretanto não fez dele um homem rico. A casa onde viveu e sua respeitável biblioteca, até um tempo desses, estavam se deteriorando, pois os familiares não tinham dinheiro para as despesas, nem o poder público manifestou interesse na conservação de um acervo cultural tão importante.

Falecido há pouco mais de um ano e com o nome recentemente em evidência face ao sucesso do filme As aventuras de Pi, baseado em um livro cuja ideia central teria sido plagiada dele pelo canadense Yann Martel, o gaúcho Moacyr Jaime Scliar (1937-2011) era médico e foi professor universitário na área de Medicina durante vários anos. O patrimônio que amealhou, portanto, está relacionado também às carreiras médica e docente. Embora tenha sido um escritor premiado, com mais de 70 livros publicados e ativo cronista, além de membro da Academia Brasileira de Letras, jamais ficou rico, que me conste.

Mais famoso (e controverso) escritor vivo brasileiro, o carioca Paulo Coelho (1947- ) nasceu numa família de classe média e se beneficiou de um tempo em que a indústria do entretenimento e o tal mercado ditam os rumos do sucesso e da fortuna. Escritor brasileiro que mais vendeu livros e também membro da Academia Brasileira de Letras, também se promoveu como parceiro de Raul Seixas, um dos maiores expoentes da música brasileira, nas letras de canções imortais. Mora num apartamento na Avenida Atlântica e tem uma casa nos Pireneus franceses. Vive confortavelmente, sem dúvida, mas eu me pergunto se pode ser considerado rico.

Mas onde, afinal de contas, quero chegar com estas sínteses apertadíssimas, repetindo a todo momento que o escritor não é rico? Façamos comparações.

O estadunidense do Maine Stephen Edwin King (1947- ) foi abandonado pelo pai aos dois anos de idade, tendo sido criado com um irmão adotivo apenas pela mãe, enfrentando grandes infortúnios financeiros. Custeou seus estudos universitários vendendo textos que escrevia e fazendo bicos, p. ex. trabalhando em lavanderia. Teve problemas com alcoolismo. Em 1974 lançou seu romance de estreia, Carrie, e não parou mais. Tornou-se um dos maiores nomes da literatura de terror, com títulos como O iluminado, Christine e O cemitério. Mas produziu também títulos fora do gênero que se tornaram célebres, como À espera de um milagre, Conta comigo, Um sonho de liberdade e Lembranças de um verão. Vários de seus livros foram adaptados para o cinema, lançando-o de vez ao estrelato. Os direitos autorais, pelos livros em si, fariam dele um homem rico, mas o cinema o tornou milionário.

Caso especialmente notável é o da inglesa Joanne Rowling (1965- ). Nascida numa família simples, cursou Francês na Universidade de Exeter e se tornou professora. Passou por um casamento tempestuoso, no qual sofreu violência. Teve uma filha e acabou sem ter onde morar, sem emprego e deprimida. Depois que conseguiu um posto de secretária, ia a bares tomar café e, enquanto sua filha dormia no carrinho, escrevia em uma máquina de escrever Harry Potter e a Pedra Filosofal. O resto da história todos conhecem. A obra e seus desdobramentos, considerada fraca e repleta de plágios, foi logo acolhida pela indústria cinematográfica e se converteu em uma das mais bem sucedidas franquias de todos os tempos. Rowling possui uma fortuna em torno de 815 milhões de euros (dados de 2010) e já foi apontada como a segunda personalidade feminina mais rica do mundo, perdendo apenas para Oprah Winfrey.

A diferença é absurda. Os dois estrangeiros citados, e tantos outros como eles, foram beneficiados por uma indústria que transforma boas ideias em ouro, que enche os bolsos do capitalista, mas enche os do artista também, permitindo-lhe fazer de sua arte um ofício, um estilo de vida, uma conquista definitiva. Mas não é apenas a indústria: é, antes de mais nada, a cultura de seus povos. King e Rowling desfrutaram da possibilidade de receber até dinheiro adiantado, para escrever um livro cujo retorno de público, crítica e finanças era totalmente incerto. E mesmo assim editoras apostaram, porque livros eram produtos de interesse do cidadão comum, que os compra e lê.

No Brasil, isso seria impossível. Era no passado e continua agora. Na prática, qualquer um pode tornar-se "escritor", isto é, pode publicar: é só meter a mão no próprio bolso e custear a edição. Essa é uma das razões pelas quais, hoje, trabalhos acadêmicos são mais respeitados quando de sua bibliografia constam artigos de revistas especializadas (que contam com um conselho editorial capaz de rejeitar trabalhos ruins) do que livros. Mas como poucos podem fazer esse investimento, a maioria daqueles que aspiram a essa carreira está por aí, de pires na mão, aguardando uma oportunidade. O produto que oferecem não interessa ao capitalista porque não tem demanda significativa. Brasileiro não lê.

É triste, profundamente triste. E depõe de forma arrasadora contra o povo que somos mas, acima de tudo, cria obstáculos para o povo que, talvez, queiramos ser um dia.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Paixão que encarcera

Esqueça a poesia: o tema desta postagem é muito triste.

O livro A paixão no banco dos réus, da procuradora de justiça Luzia Nagib Eluf, é bastante conhecido no meio jurídico. Trata sobre crimes passionais, em sua quase totalidade perpetrados por homens contra mulheres. Penso que já chegou o momento de alguém escrever outro livro de impacto sobre a paixão que produz crime e prisão, sob a perspectiva da mulher que se torna criminosa por paixão.

Nos últimos anos, aumentou significativamente o índice de crimes praticados por mulheres, destacando que o crime sempre foi uma atividade predominantemente masculina, com larga (des)vantagem para os homens. Mas enquanto estes delinquem muitas vezes por perversidade, mera conveniência ou irresponsabilidade, é curioso observar como, para muitas mulheres, o crime é uma forma de cuidar daqueles que ama. Isso pode explicar porque há tantas delas envolvidas com tráfico de drogas, prática a que aderem por dois motivos dignos de destaque: conseguir dinheiro para sustentar a família ou levar drogas para um companheiro preso.

Inspirou-me esta reflexão notícia jornalística na qual uma jovem de 24 anos foi presa há algumas horas por  levar drogas para o namorado preso, escondendo o produto dentro de um frasco de creme dental. Ela alega erro de tipo (desconhecia que havia droga), induzida que fora a fazer a entrega pela madrinha do rapaz. É possível. Mas acho até mais relevante a discussão caso ela tivesse decidido levar a droga, para agradar aquele que ama. Já são tantos os casos semelhantes, tanta gente presa, tanta divulgação na imprensa, e mesmo assim as mulheres continuam fazendo a mesma coisa, cedendo, arriscando-se. Tudo pela força da paixão.

Fiquei comovido com a imagem da moça chorando e com sua aflição com o bem estar da filha. Queria ser eu a pessoa com essa responsabilidade, porque mandaria soltá-la de imediato. Parece-me o tipo de pessoa que aprende com um grande susto como esse. É gente simples, boa, que desce aos subterrâneos do crime por pressões que só entende quem vive experiência semelhante. A coisa mais fácil é encontrar gente para criticar garotas como essa, dizendo-lhe todo tipo de desaforo. É fácil não ter empatia. É fácil fingir que somos padrão de moralidade para os outros.

Espero que essa jovem volte logo para casa. Mas tem pela frente autoridades ávidas por consumi-la no punitivismo enlouquecido que governa este país, baseados não apenas no direito, mas sobretudo em argumentos moralizantes e sócio-higienizadores. Triste, tudo terrivelmente triste.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O velho e o mar

Faz muitos anos que li O velho e o mar, um dos mais famosos romances do escritor estadunidense Ernest Hemingway. Publicado originalmente em 1952, conta a estória de Santiago, um idoso pescador que há três meses não consegue pescar nada. Ávido por recuperar a autoestima e a imagem perante os companheiros, ele se lança em uma perigosa empreitada solitária e acaba por realizar um grande feito: fisga um espadarte imenso, o maior peixe já pego por aquelas bandas. Grande o suficiente para resistir por dias, puxando Santiago cada vez mais para alto-mar. Ou seja, as coisas não saem exatamente como planejado.

O belo romance me fez um grande bem quando o li, em sua profunda simplicidade, no estilo e no tamanho, já que possui pouco menos de cem páginas. Mas como tantas coisas que acumulei ao longo dos anos, ele acabou em alguma estante pela casa de minha mãe. Agora, todavia, ele precisa ser reencontrado, porque está em seu destino uma tarefa grandiosa.

Semana passada, enquanto aguardávamos o jantar em meio às peregrinações natalinas, eu precisava distrair Júlia e ela, como de praxe, me pediu para contar uma estorinha. Pediu para que eu contasse de novo a estória da orca e do camarão, que eu inventara uns dias antes, para fazê-la adormecer. Em vez disso, contei-lhe a saga de Santiago, numa síntese bastante apertada, é claro. Ela ficou vivamente interessada e agora, de vez em quando, toca no assunto e já me pediu para contar de novo. Decidi fazer melhor: pedi que encontrassem o livro na casa de minha mãe e, na primeira oportunidade, vou ler para ela. A própria Júlia pediu que eu lesse para fazê-la dormir.

Agora imaginem vocês, este amante dos livros e das boas estórias diante da possibilidade de ler um clássico (e um clássico adulto!) para sua filha de 4 anos!

Embora não goste muito da obra, já tentei ler Alice no país das maravilhas. Foi este ano, mas Júlia não deu bola. Eu mesmo decidi não insistir. Mas O velho e o mar trata de fatos acessíveis à imaginação da criança, exceto pela complexidade psicológica, naturalmente. Decidi então me aproveitar disso e do fato de que o livro contém ilustrações para prender sua atenção. Além do mais, nunca tratamos Júlia como uma criança tola: sempre falamos com ela de modo objetivo e correto. Se ela me pergunta por que chove, não invento bobagens: respondo que o calor faz a água dos rios e mares evaporar, que essa água se concentra nas nuvens e, quando estas ficam muito cheias, chove. Simples assim.

Parto do pressuposto de que devemos oferecer muito às crianças. Se elas não alcançarem tudo, assimilarão uma parte e o restante ficará para o momento oportuno. Mas não sabemos o quanto elas são capazes de assimilar, então não nivelo por baixo. Tem dado muito certo.

Portanto, lerei O velho e o mar para minha pequena Júlia. Lerei exatamente como está publicado no livro, devagar, dando-me ao trabalho de explicar tudo o que ela possa não ter entendido, perguntando de vez em quando se ela está me acompanhando.

Há anos espero pelo momento em que ela, por fim, prestará atenção aos livros que quero ler em sua cabeceira. Talvez essa deliciosa fase se inicie hoje. E eu não vejo a hora!

Deve demorar um tempo. Mas quando terminar, conto para vocês o que Júlia achou do velho Santiago e do poderoso espadarte.