quarta-feira, 30 de abril de 2008

Um último sopro

Daqui a uma hora e meia, abril se vai.
Que leve consigo os seus fantasmas, as suas sombras, os seus calvários.
Que leve essas pessoas pequeniníssimas, cobertas de recalques.
Suas palavras vazias, suas necessidades de... nada.
Que leve suas gargalhadas e maldições.
Maio chega, com um novo hálito.
Amigos chegam na cidade, dentro de vinte minutos.
O que se leva desta vida é o que construímos. Daqui a pouco, estarei com mais um tanto do que construí. Rindo bastante.
Os ninguéns estarão sozinhos.
Há uma noite luminosa lá fora, inaugurando um novo mês. E eu me sinto em paz e feliz.
Fora disso, nada fica.
Boa noite aos bons.
Com o resto, só Deus se importa.

Para toda a vida

Há exatos 11 anos, no dia 30 de abril de 1997, eu estava, a estas horas, aguardando o momento de vestir a beca e tomar o rumo do CENTUR, em cujo auditório eu e mais 153 colegas recebemos o grau de bachareis em Direito.
Foi uma bela cerimônia, olhando pela ótica de quem, como eu, tinha o coração aos pulos, imaginando como a vida mudaria e quantas perspectivas se abririam para mim, a partir dali.
Fui o orador da turma. Comecei mencionando dois colegas de turma que faleceram ao longo do curso e isso certamente comoveu muitos. Depois falei de esperanças e emoções, a tal ponto que precisei me desculpar por ser tão passional.
Cada um tomou seu rumo, claro. As diversas carreiras jurídicas foram galgadas, em cidades distintas. Há cerca de um mês, um núcleo mais fiel se encontrou. Em nosso meio, a presença de pais e mães do grupo de amigos não é novidade. E foi um pai que proferiu as mais belas palavras. Nunca antes imaginei que ele tivesse prestado tanta atenção em cada um de nós, ao longo desses anos. Emocionado, falou de sua alegria em ver as conquistas que fizemos. Escutando-o, alguns flashes desse tempo espocaram em minha mente.
Por conta das tantas coisas que temos a fazer, ou sabe-se lá por quais outras razões, este ano ninguém programou de se encontrar, infelizmente. Gostaria muito, imensamente, de vê-los, mas não acontecerá. Por isso, deixo aqui registrado o mesmo de que falava 11 anos atrás: o meu amor imorredouro e minha gratidão, por terem feito de minha vida uma experiência muito, muitíssimo melhor, mais rica e mais bela.
Isto é para sempre.

Que viaaaaaaaagem!

Você conhece este homem?

Já ouviu falar em Albert Hofmann? Ele era um químico suíço e morreu ontem, aos 102 anos, em sua casa, vitimado por um ataque cardíaco.
Sua fama não advém da longevidade, mas do fato de ter sido a primeira pessoa a sintetizar o composto do ácido lisérgico dietilamida, que o mundo inteiro conhece pela sigla LSD (mais fácil de pronunciar do que o seu nome original, em alemão, Lysergsäurediethylamid), considerado um dos mais poderosos psicotrópicos conhecidos.
A molécula do LSD-25

Nos anos 1960, quando a porralouquice tomou conta do mundo, o LSD assumiu um papel de destaque, pois mesmo em pequenas quantidades causa uma intensa excitação dos sentidos. Era assim que os maluco da época faziam as suas viaaaaaaaaaaagens, mano. Leia-se: tinham alucinações. E achavam que era Deus, Rá, os Espíritos, as forças cósmicas ou os alienígenas se comunicando espontaneamente.
Os efeitos do LSD duravam de 6 a 14 horas. Além da alta capacidade de viciar, a droga provoca gravíssimos danos neurológicos e alucinações até mesmo vários anos após a interrupção do consumo.
Mas, por favor, tenham em mente que Hofmann agiu de boa fé. Ele descobriu acidentalmente os efeitos da droga e realizou suas pesquisas com a esperança de que ela pudesse ter aplicações medicinais, no tratamento de doenças mentais. Infelizmente para todos, a droga acabou sendo adotada como mãe pelos doentes mentais.

Melhor que o original

É muito prazeroso ver, nas telas, aquela história que, um dia, você adorou ler. Quando lemos, criamos imagens mentais, vemos as cenas em nossa mente de um jeito muito pessoal. Os personagens têm as caras que lhes damos e até mesmo suas atitudes são filtradas de acordo com nossas próprias impressões, nem sempre de acordo com o que imaginara o escritor. É valioso, por isso, ver um filme bem adaptado da literatura, porque se supõe que houve toda uma consultoria para se compreender o pensamento do autor, a fim de que roteirista e diretor possam depois imprimir sua marca pessoal na obra. E outros artistas participam da composição, através da fotografia, da cenografia, do figurino, da música e de outros elementos, especialmente a interpretação dos atores.
Naturalmente, há muitos exemplos de adaptações cinematográficas tenebrosas, merecedoras de esquecimento. No entanto, mesmo que aprovemos o resultado, na quase totalidade dos casos, acabamos com a sensação de que o filme é bom, mas o livro é melhor. Às vezes, muito melhor.
O livro se beneficia da possibilidade do escritor de narrar muitos fatos mais, revelar os pensamentos dos personagens, descer a inúmeros detalhes que o público normalmente gosta de saber. O cinema impõe as suas limitações - de orçamento, de tempo, de interesses comerciais, de limitações da equipe. Raras vezes vi um filme que considerasse melhor do que a obra literária que o baseou. Cito aqui três casos:

Ligações perigosas
Pierre-Ambroise-François Choderlos de Laclos (Amiens, 18.10.1741 — Taranto, 5.9.1803) pode ser considerado um precursor da imprensa moderna. Não é um elogio. Em 1782, ele lançou um romance epistolar contando as sórdidas tramas de um tal Visconde de Valmont e sua parceira de crimes, Marquesa de Merteuil. Nobres, faziam jogos de sedução para desgraçar as vidas das pessoas. O livro tem como mérito retratar personagens de forma realista, menos romântica, o que ainda era pouco comum. O problema é que Les liaisons dangereuses é um factoide: Laclos jurou de pés juntos, até morrer, que se tratava de uma história verídica, da qual tomara conhecimento porque, de algum modo, todas as muitas cartas escritas pelos protagonistas acabaram em suas mãos. Ele as compilara sob a forma de um romance, como o declara logo abaixo do título. Todavia, ninguém jamais conseguiu aferir a veracidade dos fatos ou sequer a existência das pessoas em questão.
Em 1959, o cineasta fancês Roger Vadim levou às telas uma primeira versão do romance, mas a que me interessa é a produção de Stephen Frears (1988), com Glenn Close arrebentando no papel da marquesa; John Malkovich como o pérfido visconde e a bela Michelle Pfeiffer como a desventurada Madame de Tourvel. O elenco ainda conta com Uma Thurman e Keanu Reeves. O roteiro não foi adaptado diretamente do romance, mas de uma peça do famoso Cristopher Hampton e acabou laureado com três Oscars. O filme, simplesmente maravilhoso, ganha ainda mais vida com a poderosa trilha sonora (uma de minhas favoritas) composta por George Fenton, sobre temas da música barroca, notadamente Bach e Händel, inclusa a ária Ombra mai fù, da ópera Xerxes (interpretada por um brasileiro: Paulo Abel do Nascimento, que aparece no filme e sobre quem pretendo escrever outra hora).
Frears antecipou a estreia de sua obra para passar a perna em outro cineasta famoso, Milos Forman, que no ano seguinte lançou a sua própria versão do mesmo romance: Valmont. Interessante, mas que não chega aos pés do concorrente. Por fim, em 1999, um tal de Roger Kumble lançou uma versão 1990 da obra, ambientada em Nova York, com um elenco de patricinhas famosas na época. Chamou-se, no Brasil, Segundas intenções, mas isso já não conta.

Fim de caso
Sobre este, escrevi uma postagem em outubro passado. Clique aqui para ver minha opinião e uma oportuna contribuição do comentarista Francisco Rocha Júnior. Faço questão de destacar que, em relação a esta obra, faço uma certa concessão às paixões gerais. Afinal, trata-se de uma história de amor. Pessoalmente, detesto finais felizes, mas algumas vezes acabo torcendo pelos personagens. O romance de Henry Graham Greene (Berkhamsted, 2.10.1904 — Vevey, 3.4.1991) é mais duro com os protagonistas, evidenciando compromissos morais fortes o bastante para que os apaixonados não possam ficar juntos. O filme The end of the affair, mesmo título do romance, que Neil Jordan lançou em 1999, procura dar uma chance, ainda que breve, aos apaixonados. Solução para agradar o público que, curiosamente, agradou também a mim. O elenco tem Ralph Fiennes e Stephen Rea, mas quem interessa mesmo é Julianne Moore, liiiiiiiiiiinda e elegante. Dá para entender de onde vem uma paixão tão avassaladora.

O jardineiro fiel
Também já foi objeto de postagem, em dezembro. Em The constant gardener (2000), John le Carré, pseudônimo de David John Moore Cornwell (Poole, 19.10.1931) narra a luta do diplomata de segundo escalão Justin Quayle para elucidar o brutal assassinato de sua esposa Tessa. Enquanto todos censuram o comportamento da vítima, tratada como uma espécie de carreirista social, que teria sido morta por um amante, Quayle descobre que por trás de tudo está a indústria farmacêutica (odiosa no mundo real), usando a população miserável do Quênia como cobaias humanas. Le Carré é famoso como autor de romances policiais, mas sua vigorosa estória é contada de modo um pouco insosso. A narrativa não chega a empolgar. Meu interesse permaneceu vivo porque já vira o filme, lançado em 2005. O brasileiro Fernando Meirelles, competentíssimo, dirige o mesmo Ralph Fiennes e Rachel Weisz num filme belíssimo. Obrigatório, até.

Qual a sua sugestão de um bom filme, ainda melhor do que o bom romance que o inspirou?
Um ótimo dia.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

É cada uma

Acabo de me deparar, em minha caixa de e-mail, com esta gracinha, uma mensagem com o subject "Seu CPF encontra-se pendente de regularização":



Vamos lá:

1. Estamos cansados de saber que Receita Federal e demais órgãos públicos não se comunicam com as pessoas via e-mail, por questões de segurança.

2. Quero crer que a Receita Federal não escreveria "suspenção" em um texto oficial. Esses bostinhas que tentam nos lesar podiam, ao menos, fazer uma revisão ortográfica, se é que querem enganar os outros. Passam tantas horas na frente de um computador que não sabem mais nada.

3. São imbecis, também, quanto a procedimentos. Note que o motivo da suspenção do meu CPF foi uma irregularidade "na apuração do IRPF2008". Só que o prazo para declaração de rendimentos ainda está a dois dias do seu término. O mais interessante é que "o erro foi apurado no dia 3 de março de 2008", mas eu só enviei a minha declaração no dia 26. Essa porcaria de Receita anda tão eficiente que já desenvolveu até dons premonitórios!

4. O meu título de eleitor também foi suspenço. Os retardados acabaram de ampliar as competências da Receita Federal. A Justiça Eleitoral faz o quê, agora? Emite passagens de avião?

Eu realmente gostaria de saber quem são esses caras, para externar a minha pena, no mau sentido. Infelizmente, ainda tem tanta gente que cai numa asneira dessas...

domingo, 27 de abril de 2008

Redefinindo a paternidade

O excesso de violência no mundo, e particularmente no Brasil, vai calejando nosso espírito, de modo que deixamos de nos impressionar à altura da gravidade de certos fatos. Alguns, contudo, são tão aberrantes, tão anormais, tão antinaturais, tão inacreditáveis que conseguem ultrapassar a barreira de segurança (ou de indiferença) que criamos ao nosso redor.
Hoje, larguei a caneta com que trabalhava e cravei os olhos na TV, para acompanhar a história do austríaco que manteve a própria filha em cárcere privado, no porão de sua casa, por nada menos do que 24 anos. E o fez porque queria tê-la à disposição, para estuprá-la sempre que quisesse.
Ao longo dos anos, a desventurada Elisabeth teve nada menos do que sete filhos incestuosos, um dos quais morto, que teve o cadáver queimado pelo pai-avô. Tão certo estava o sujeito do que pretendia, que construía novos quartos naquele mundo subterrâneo, à medida que a família crescia.
Para mim, é o bastante. Não há o que dizer. O agressor está preso. O sistema legal austríaco certamente funciona muito bem, mas decerto que, aos 73 anos, não há uma pena condizente para a enormidade dos crimes desse senhor.
Saiba mais aqui e aqui.

Quem sabe?

Antônio Carlos Gomes (Campinas, 11.7.1836 — Belém, 16.9.1896) dispensa apresentações como expoente da música erudita brasileira. Sobre ele, direi apenas que teve uma vida muito sofrida, perdendo a mãe ainda criança e sendo criado por um pai pobre, com 26 filhos para sustentar. Esse pai criou uma banda com os filhos e, graças a isso, Gomes um dia pode tornar-se o primeiro brasileiro a ter obras suas apresentadas no Teatro Alla Scala de Milão. Gomes, após sua jornada pela Europa, voltou ao Brasil ressentindo-se por haver abandonado o pai, mas este o perdoou e mandou que seguisse adiante em sua carreira. Uma história pessoal bonita, que merecia ser conhecida, além de sua obra musical.
Ainda jovem, enamorado de Ambrosina Correia do Lago, inspirou-se nela para compor uma de suas famosas modinhas, legando ao mundo a maravilhosa Quem sabe?, que mesmo os aversivos à musica erudita conhecem.
Saudoso de minhas amadas, escuto a modinha, numa bela versão de Ney Matogrosso, integrante de seu projeto Pescador de pérolas, lembrando que o avô de Polyana, o Maestro Isoca, tocava essa em seu piano. Que privilégio!

Tão longe, de mim distante
Onde irá, onde irá teu pensamento?
Tão longe, de mim distante
Onde irá, onde irá teu pensamento?


Quisera saber agora
Quisera saber agora
Se esqueceste, se esqueceste
Se esqueceste o juramento


Quem sabe se és constante
S'inda é meu teu pensamento
Minh'alma toda devora
Da saudade, da saudade
Agro tormento


Vivendo de ti ausente
Ai meu Deus, ai meu Deus
Que amargo pranto!
Suspiros, angústia e dores
São as vozes, são as vozes
Do meu canto


Quem sabe, pomba inocente
Se também te corre o pranto?
Minh'alma cheia d'amores
Te entreguei já neste canto!

No Veroca

Vez em quando, eu e minha mãe vamos ao Ver-o-Peso comprar peixe no Mercado de Ferro. Sempre em manhãs de domingo. Pode não ser o melhor dia, mas é quando posso. Em nossas andanças, já encontramos de tudo: mercado desabastecido ou fartura; pouca ou muita variedade de peixes à venda; preços elevados ou em conta. Até hoje, graças a Deus, só não vimos confusão. Nossas idas lá têm sido marcadas pela tranquilidade.
Hoje foi dia de comprar mais um estoque e, desta vez, valeu muito a pena. O mercado estava abastecido e tínhamos à disposição várias opções: pirarucu, tambaqui, dourada, pescada amarela, tucunaré, gurijuba, tamuatá, mapará e pargo, este oriundo de alto mar. E os preços estavam convidativos. O quilo da dourada, por exemplo, estava 6 reais mais barato do que na feira da Tavares Bastos, o que deixou a d. Jacimar indignada. Sábado que vem os peixeiros vão escutar...
Dividindo a quantidade de peixe que compramos pelo dinheiro gasto, concluímos que, em média, gastamos R$ 5,91 por quilo. Duvido que pudéssemos fazer uma tal economia em outro lugar. Por isso, o bom e velho Ver-o-Peso, definitivamente, não é apenas um ponto turístico (maltratado). Ele ainda é — e espero que seja sempre — uma alternativa de real para adquirir alimentos frescos por preços condizentes.
E, de quebra, ainda nos permite ver algumas cenas pitorescas que, infelizmente, deixei de registrar porque não tinha uma câmera fotográfica no momento. Não sou do tipo que gosta de sair para fazer compras mas, abstraindo o cheiro, eu até me divirto nessas idas ao Veroca.
Depois, foi só passar no japonês que vende frutos do mar e completar a festa. Neste momento, olho com prazer para quatro dos alimentos que mais me deixam feliz: salmão, pirarucu, tambaqui e camarão, não necessariamente nessa ordem. Para mim, um deleite.
Bom domingo a todos.

sábado, 26 de abril de 2008

Extorquidos. Todo dia

Esta manhã, numa concessionária de automóveis, enquanto eu comprava uma borracha para limpador de vidro traseiro por 16 reais, um amigo fazia uma pesquisa de preços. Vai comprar um carro novo para seu irmão, que possui síndrome de Down e do qual é tutor. A condição de portador de Down dá direito a comprar automóvel sem pagar o imposto sobre produtos industrializados (IPI). Ele me mostrou o resultado do levantamento.
O modelo mais barato por ele pesquisado (o Honda Fit mais simples) custa 7 mil reais a menos sem o imposto. E o mais caro (um Civic), 17 mil reais mais barato!
Todos sabemos que a carga tributária brasileira é extorsiva e criminosa, como criminosa é a utilização que se lhe dá depois. Mas ser confrontado com a realidade desse abuso, assim, em números reais, nos dá uma dimensão catastrófica do país em que vivemos.
Como contribuinte sem acesso a isenções, eu me senti roubado. Aliás, esfolado, já que no próximo dia 30 tenho que deixar, mais uma vez, a minha contribuição cidadã para a vindoura campanha eleitoral.
Esta época do ano é insuportável. Coitado do brasileiro.

Uma realidade para ser vista

Ótima a entrevista que o Diário do Pará publicou hoje com o deputado federal Domigos Dutra (PT-MA), relator da CPI do Sistema Carcerário, que há sete meses vem percorrendo o país e vendo os horrores de que o Estado brasileiro é capaz. A seguir, alguns dos melhores trechos:

"A média nacional [custo de um preso] é de R$ 1.500,00. (...) Mas os Estados não cuidam dos presos. Nós temos uma herança de que preso não é gente. É bicho humano. Então se criou essa cultura que a própria sociedade quer que o preso seja morto. Muitos defendem a pena de morte ou querem que o preso seja tratado como fera. É uma visão equivocada. As autoridades, por sua vez, não querem saber de presídio."

"Quase 100% dos presos no Brasil são pobres e não têm dinheiro para pagar um advogado. A maioria tem o advogado que o juiz dá. Esse advogado que não recebe nada faz de conta que defende. E à medida que o preso não tem uma defesa técnica efetiva, que o Ministério Público tem a mentalidade de só acusar e se pega um juiz indiferente, que não gosta de pobre, a pena tende a ser mais alta que o razoável. (...) as autoridades não se preocupam com os presos. Primeiro porque são pobres. Segundo: têm medo, porque se passa a idéia de que todos os presos são feras, são violentos. É um engano: a grande maioria é de pessoas que praticaram pequenos delitos. Terceiro: as autoridades têm nojo de preso. Nojo. Essa é a palavra."

"Não há ressocialização se a pessoa não estuda e não trabalha. A conseqüência disso é que a reincidência é de 80%¨. Quem paga a conta? Todos nós: em vidas, em patrimônio ou em tributos."

"Eu posso lhe adiantar, sem pré-julgamento, pelos dados que a gente tem, que não tem como a doutora Clarice [Maria de Andrade, do caso da menina de Abaetetuba] não responder a um processo, não ser indiciada. Primeiro porque ela sabia que havia uma mulher presa: foi ela que homologou o flagrante. Segundo: ela sabia que só havia uma delegacia em Abaetetuba. A distância da delegacia para o fórum é de mil metros. Eu fui lá e calculei. Da delegacia para a Defensoria dá 1.200 metros; e 2.000 metros da delegacia até o Ministério Público. Portanto, todo mundo sabia que só tinha uma delegacia. Todo mundo sabia que tinha uma mulher presa. (...) A idade da mulher foi só um agravante a mais."

"Teria sido melhor se todos eles tivessem reconhecido que foi um erro e pedissem desculpas. Não só a juíza, mas outras pessoas também deverão ser indiciadas. (...) A promotora, a defensora pública, os delegados. Não tem como escapar. (...) o Pará é o Estado em que mais se encontrou mulheres presas junto com homens."

"A gente viu, no interrogatório (da CPI), a indiferença da juíza. A senhora que veio aqui (a servidora) também prestou depoimento com a maior indiferença. Então há uma coisa estranha na cultura do Pará: essa frieza - pelo menos dessas mulheres, não digo de todas - diante de uma situação grave que deixou todos, no Brasil e no mundo, horrorizados. E depois teve declarações como a da delegada que disse que a menor se insinuava para os presos."

Como a maioria da população é adepta da política do esfola e mata, Dutra não deve deixar muitas simpatias por aqui. Se lhe valer de alguma coisa, tem a minha. Mas me pergunto como reagirão advogados, Ministério Público e Judiciário ante suas palavras duríssimas, sobre defensores que não defendem (existe isso, claro; vejo toda hora nos autos que manuseio), promotores que só querem acusar (grande verdade) e juízes indiferentes (idem).
Uma coisa é certa: se a entrevista de Dutra não sacudir ninguém, os efeitos do seu trabalho hão de fazê-lo. Felizmente.

"A senhora jurou sobre a cruz"


O grande Honoré de Balzac (Tours, 20.5.1799 — Paris, 18.8.1850, advogado e um dos maiores expoentes do romantismo francês) legou ao mundo obras maravilhosas, aclamadas pelo público e pela crítica. Destaco A comédia humana, coleção de contos, novelas e romances escrita entre 1829 e 1848. Dentre os contos, figura um chamado "A Grande Bretèche", que conheço numa tradução de Celina Portocarrero, parte integrante do livro Os cem melhores contos de crime e mistério da literatura universal, organizado por Flávio Moreira da Costa (Rio de Janeiro: Ediouro, 2002).
Tentei encontrar uma versão digitalizada dele, na internet, em português, mas não foi possível. Em inglês, fica acessível, porque a obra de Balzac, de domínio público, faz parte do acervo da biblioteca digital do Projeto Gutemberg.
Tentando evitar qualquer informação que possa estragar o prazer da leitura desse instigante conto, direi apenas que narra a grande desventura da Senhora de Merret, casada com um homem que não amava e que vivia viajando, deixando oportunidades abertas para que a infeliz esposa conhecesse algum outro homem.
Quando li o conto, anos atrás, senti que podia lhe dar uma utilização maior do que a do deleite da literatura. Em função das circunstâncias narradas, levei-o para minha sala de aula. Mandei que os alunos lessem o texto que lhes dava, pois seu conteúdo seria utilizado na prova. Supuseram que eu lhes fornecia um trabalho técnico e se surpreenderam quando se depararam com o conto. Teve gente que me perguntou se era o texto certo. Era, claro. Entendendo ou não minhas razões, a obra foi lida e, no dia da prova, apareceu a questão perguntando se certo personagem havia ou não cometido um crime e, em caso positivo, se tinha sido doloso ou culposo. Aí fez sentido e alguns alunos, dentre eles o valoroso Ricardo Dib Taxi, agradeceram a oportunidade de conhecer a obra em questão (ele até comprou o livro depois).
Há alguns dias, voltei a utilizar "A Grande Bretèche", desta feita com um grupo menor de alunos. Ainda não corrigi seus trabalhos. Mas me sinto feliz de apresentar Balzac para a grande maioria deles. Mais ainda por lhes mostrar que a literatura pode nos fornecer um riquíssimo e vasto material para nossa formação jurídica. Tenho uma esperança de lhes estimular o gosto pela leitura.
Semana passada, durante o V Congresso da Associação Brasileira de Ensino do Direito, uma palestrante falou sobre a importância de usarmos a arte, em todas as suas formas, em nossos cursos de Direito. Explicou que a arte sensibiliza e prende a atenção do aluno como poucas coisas seriam capazes de fazer e, assim, motiva-o aos estudos que dali se podem originar.
Dei um pequeno passo. Agora meu interesse é avançar para o teatro.

Faz falta

Madrugada de sábado, acabei de embarcar minha esposa em um avião. Leva consigo minha filha, embarcada nela. Faz cerca de 40 minutos e já sinto muita falta. Tudo tranquilo, tudo natural, mas há algo de estranho no ar. A ausência é palpável. Felizmente, durará apenas dois dias.
Que vão e voltem em paz.
Boa noite.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Apelação de réu foragido

O Código de Processo Penal determina que "o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livra solto" (art. 594). Determina, também, que "se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação" (art. 595). E para quem não sabe, deserção é uma condição que impede o conhecimento do recurso.
O CPP, que é de 1941, mostra nitidamente que a regra do processo penal era a prisão. Bastava o sujeito ser acusado de um crime e poderia ser preso, tanto é que uma das condições por meio das quais pode responder ao processo solto se chama "liberdade provisória", como se um direito fundamental do indivíduo pudesse ser concedido de forma provisória.
Nesses 67 anos, o CPP sofreu diversas alterações pontuais, mas uma reforma de verdade, jamais. Há projetos e mais projetos, porém nada que mereça a atenção dos senhores congressistas, ocupados com assuntos que julgam mais relevantes. Com isso, permanecemos com uma legislação arcaica, que emperra o processo, num mundo que viu explodir a quantidade de seres humanos, de criminosos e de ações penais.
Nenhuma mudança de fundo foi feita sequer com a Constituição, que já vai completar 20 anos, e que mudou a sistemática, sedimentando que a liberdade do réu, até a condenação transitar em julgado, é a regra.
Enquanto a lei não muda, o Judiciário faz o que pode. Há dois dias, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, consolidando jurisprudência já firmada perante as 5ª e 6ª Turmas daquela Corte, aprovou a Súmula 347, com a seguinte redação:

“O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.

O Supremo Tribunal Federal tem-se pronunciado sobre a desconformidade do art. 595 do CPP com a Constituição, por violar a garantia constitucional da ampla defesa. Afinal, fugir também faz parte da defesa, como recentemente foi destacado pelo Ministro Marco Aurélio, numa declaração que irritou os brasileiros em geral, mas que tecnicamente está correta. Há quem afirme, inclusive, que a fuga expressa o direito natural do indivíduo de se proteger.
Antes que a tchurma proteste contra mais uma teoria-que-protege-bandidos, a solução é simples, em tese: basta o Estado não dar condições de fuga ao acusado. Mas isso, claro, exigiria um Brasil melhor do que é.

É para isso que serve


Alguém ainda não tinha entendido?

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Também temos processo digital

Há quase dez meses, comentei acerca da instalação do primeiro fórum virtual do Brasil, em São Paulo. Pois bem, é meu dever — e minha satisfação — dizer que, desde o último dia 12 de março, Belém já faz parte de um grupo ainda seleto, que conta com a mesma condição.
A notícia não é nova, como se vê, mas se não lhe foi dada a devida importância, entre os jurisdicionados, é bom dar maior divulgação.
Atualmente, 17 tribunais estaduais já instalaram algum órgão para processo exclusivamente digital, sem papel — essa grande evolução da nossa praxe judiciária, que segundo o juiz Vanderlei de Oliveira Silva, titular da 3ª Vara do Juizado Especial Cível, pode reduzir o tempo de tramitação da causa para 33 dias, que é a média nacional.
Trata-se da implementação do PROJUDI, um software desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça que, com o tempo, deve ser ampliado para um número maior de órgãos jurisdicionais. Fará a diferença, com certeza.
A 3ª Vara do Juizado Especial Cível de Belém funciona na Av. José Bonifácio, 1777, Guamá (entre Conselheiro Furtado e Mundurucus).

quarta-feira, 23 de abril de 2008

De cima para baixo

Pensaram que eu tinha esquecido? Jamais.
Neste país, político é um cara que se acredita dotado de uma espécie de dom, que o capacita naturalmente a tomar decisões pelos outros. É como se o mandato viesse junto com poderes supramundanos, algo de infalibilidade. Daí resulta que não gostam de escutar ninguém, especialmente os destinatários de suas ações.
Durante oito anos, e antes de cair em descrédito por conta do governo federal(*), o PT administrou esta cidade em meio a uma avalanche de críticas, umas tantas merecidas. Todavia, quero centrar-me em algo que apenas mentes muito reacionárias podem negar que seja um grande mérito: a adoção de uma política de participação popular na tomada de decisões. Era uma velha prática do partido, nos locais onde governava. Começou com o orçamento participativo e evoluiu para o Congresso da Cidade. Tinha lá grandes senões, sem dúvida, mas existia. O atual governo do Estado adota prática semelhante, o tal PTP.
Quando a cidade ficou sem prefeito, em 2005, a participação popular foi extinta sumariamente. Automaticamente, como se tal extinção fosse algo óbvio. Não posso dizer sequer que a aboliram "por decreto", porque decreto é um ato formal. Neste caso, ninguém deu a menor explicação. Simplesmente não se falou mais do assunto. O que me causou mais revolta, na época, foi que ninguém protestou. Os setores mais ou menos organizados, que antes participavam do Congresso da Cidade, aceitaram servilmente. Estava reinstaurada a política tradicional do eu-mando-e-você-obedece-calado. As consequências estão aí.
Se o infeliz desgoverno tivesse escutado alguém, a ruinosa operação de compra do Hospital Sírio-Libanês poderia ter sido evitada. A briga com os moradores do Conjunto do BASA, em relação à abertura de acesso à Av. João Paulo II, poderia ter sido resolvida, em vez de engavetada. A confusão por conta das obras da Duque de Caxias, que acabaram envolvendo medidas jurídicas, teria sido prevenida. E o caos na Pedro Álvares Cabral desta semana, por conta da implantação do binário, quem sabe não existisse.
Afinal, custa tanto assim escutar o que a população tem a dizer? Mesmo que o projeto seja tecnicamente irrepreensível, é natural que as pessoas fiquem receosas. Qualquer um teme o que não conhece. Se as pessoas soubessem o que de fato terão de ônus e de bônus, bem menos protestos ocorreriam. E o próprio governo se desgastaria menos. Mas até para perceber isso são inábeis.
O recado, contudo, foi dado: obras de impacto na cidade, iniciadas sem que a população receba algum tipo de esclarecimento concreto, vai acabar em transtornos, dos quais todos nós seremos vítimas.

(*) Para esta assertiva, abstraiam-se os índices de popularidade de Lula.

Ninguém merece

Imagine um cidadão precisando resolver um problema num cartório de registro de imóveis e depois em um banco, com urgência, tudo isso percorrendo as naturalmente engarrafadas ruas de Belém.
Esse sou eu, hoje. Definitivamente, hoje não dá. Depois eu lhes conto qual é a do cartório. Considero de utilidade pública informá-los sobre como essas coisas funcionam.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Ritmo leeeeeeeeento

Lamento, mas hoje não garanto nada. Se tiver uma folguinha, passo por aqui.

O advogado do diabo

Anos atrás, eu era estagiário num escritório com atuação predominante na Justiça do Trabalho. Nossas advogadas trabalhavam para um sindicato e, por causa disso, tínhamos várias ações contra a mesma empresa, a qual tinha por hábito recorrer sem recolher o depósito recursal. Seus recursos eram trancados, então ela agravava para o TRT e depois para o TST. Com isso, emperrava o processo por anos a fio, sem gastar um tostão. Era nitidamente procrastinatório e tinha efeitos drásticos: os trabalhadores ficaram anos sem ver a cor do dinheiro e eram cento e muitas pessoas, que nos ligavam dia sim, outro também. Além disso, tínhamos que contra-arrazoar uma penca de recursos inúteis. Aquilo me enfurecia, a ponto de eu nutrir raiva da advogada da empresa. Um dia, recebi um recado dela: não tenha raiva de mim; estou apenas fazendo o meu trabalho.
O tempo passou e hoje essa advogada mora no meu coração e, sem saber, ensinou-me uma lição. Tudo bem que é uma lição fácil de eu assimilar, porque também sou advogado. Mas quem não é não compreende nem está disposto a fazê-lo. Daí resulta a péssima fama de que a nossa classe sempre gozou — muitas vezes, injustamente. E quanto mais escandaloso o caso a ser defendido, tanto pior a reação das pessoas em relação aos advogados.
Fica no ar, portanto, o questionamento sobre os nossos limites éticos. O problema é que o cidadão comum acha que o simples fato de defender o lado errado de uma causa já é passível de sonora reprovação. Mas isso é um exagero, já que o funcionamento do sistema jurídico exige que ninguém seja sancionado sem defesa. O cônjuge culpado, o devedor do contrato, o empregador inadimplente, o poder público sem vergonha, o criminoso — todos devem ser defendidos. Logo, o advogado precisa lançar mão de alguma estratégia e isso será, só e simplesmente, fazer o seu trabalho, sem que mereça ser execrado por isso.
O questionamento passa a ser, assim, até onde podemos ir para fazer uma defesa.
Semana passada, o defensor de um dos matadores dos irmãos Novelino abandonou o tribunal do júri, alegando que o juiz presidente não o deixava trabalhar, pois cerceava a defesa.
O defensor de Valentina de Andrade, suposta mentora intelectual das emasculações de meninos em Altamira, encheu o processo com milhares de cópias de documentos inúteis, que sozinhos formaram mais de 20 volumes, e exigiu a leitura das peças na abertura do julgamento, com o objetivo evidente de esgotar física e mentalmente a todos, especialmente os jurados, que deveriam ficar longe de suas famílias e atividades até o final dos trabalhos. E deu no que deu.
O advogado da desembargadora aposentada Murrieta, que já atacou de suspeição do juiz, exige a oitiva de uma testemunha que mora em Miami, para forçar a expedição de uma carta rogatória, que o Poder Judiciário dos Estados Unidos não tem prazo para cumprir, emperrando ainda mais o processo, para levá-lo à prescrição.
O advogado e tutor de Suzane von Richthofen maquinou a ensaiadíssima entrevista que ela concedeu à imprensa, com direito a roupinha cor de rosa e fala infantilizada.
Afinal, esse tipo de procedimento torna o advogado meio culpado, também, como se ele assumisse não apenas a causa, mas também as más inclinações de seu constituinte? Penso que não. E suponho que os advogados que passem por aqui tenderão a pensar do mesmo modo. Já as demais pessoas terão uma opinião diametralmente oposta.
Não sendo possível a ninguém dar uma opinião definitiva sobre uma questão ética, acredito que seja razoável propor a seguinte regra: se a manobra do advogado envolver estratégias técnicas — e aí cabem todos os exemplos acima —, a conduta pode ser considerada dentro dos limites de sua atividade profissional, mesmo que merecedora de censura no plano moral. É por isso que tais profissionais não são punidos pela Ordem dos Advogados, já que não incorreram em falta disciplinar.
Por outro lado, há abuso quando se envereda pelo crime, por meio de falsidades — documentais ou ideológica, corrupção de agentes públicos ou de testemunhas, adulteração de fatos ou de cenas de crime, etc., além de situações em que se apela para agressões à parte contrária ou para a desqualificação gratuita da testemunha. Estas situações, sem dúvida, merecem punição exemplar.
Num sistema como o norteamericano, plantar uma prova, ou suprimi-la, é o bastante para que o advogado perca a sua licença. Mas isso acontece porque, lá, o cidadão comum ainda respeita as autoridades e as instituições. Afinal, em geral elas se dão ao respeito. No Brasil, tudo fica mais difícil.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Que maravilha!

Os amigos, após uma temporada de férias, estão voltando ao blog. Percebe-se pelos comentários que vão chegando, em substituição à profusão de malas sem alça que, à falta do que fazer, entenderam de estacionar aqui nos últimos dias e ficar me dando pretensas lições de moral.
Fortuna rota volvitur.
Bem vindos, amigos. É uma alegria tê-los por perto. A casa é de vocês.

Bom exemplo

Nunca tive razões para gostar de Fernanda Lima. Afinal, não acompanho a vida e a carreira de celebridades e, em que pese ela ser uma profissional competente em sua área (exceto como atriz, pois Bang Bang é coisa para dar vergonha), para mim era apenas mais uma no meio artístico.

Agora ela merece o meu respeito, ao dar à luz seus filhos gêmeos por meio de parto normal. Tudo bem que gêmeos tendem a ser menores e, por isso, o nascimento é mais fácil. Mesmo assim, neste mundinho em que as mulheres buscam a cesariana de caso pensado, a atitude de uma pessoa tão exposta ao público de preferir o parto normal é meritória, um exemplo a ser seguido.

Espero que ela inspire muitas mulheres. Tomara, inclusive, que mais à frente ela diga à imprensa o porquê dessa sua escolha, ajudando a esclarecer algumas futuras mães.

Parabéns a Fernanda Lima e a Rodrigo Hilbert pelo nascimento natural e saudável de seus filhos. Uma vida abençoada para eles.

domingo, 20 de abril de 2008

Quem faz propaganda não mata

Quem vende o revólver não responde pelo homicídio que tenha sido cometido com ele, certo? Sem dúvida, correto. Mas não se pode negar que a comercialização de armas tenha repercussões sérias e graves sobre a criminalidade. Não à toa, o Estatuto do Desarmamento foi concebido para ser um instrumento de retirada desses artefatos mortais das mãos do cidadão comum.
Há alguns dias, comecei a ver uma chamada posta no ar, em horário nobre, pela Associação Brasileira de Agências de Publicidade, furibunda porque pretendem acabar com a publicidade de cerveja. Os argumentos, toscos, sustentam que não é a publicidade que deve ser responsabilizada pelos atos de uma minoria que desrespeita as leis.
É, pode ser. Mas se alguém me disser que a publicidade não induz o consumidor do produto a adquiri-lo, então simplesmente não sei mais para que serve publicidade.
Sejamos francos: publicidade de cerveja existe para uma finalidade só, que é vender cerveja. E quanto mais cerveja for vendida e consumida, maior será o número dos atos randômicos de violência a ela relacionados, particularmente no trânsito que, neste país, todos os anos, mata mais do que guerras, segundo estatísticas oficiais. É isso ou então declarar que, definitivamente, o consumo de bebidas alcoólicas não tem relação alguma com a violência. E só um cara muito, mas muito bêbado defenderia uma asneira dessas. Por interesse pessoal.
E já que estamos no plano da sinceridade, vale lembrar que a publicidade de cerveja envolve contratos milionários. Basta lembrar a confusão que deu a instabilidade de Zeca Pagodinho em relação a duas marcas diferentes. Ou então que Ivete Sangalo só assina contratos publicitários acima de um milhão de dólares. Fica claro, portanto, o real (e único) motivo do desespero dos publicitários.
Outro aspecto a lembrar é que, há vários anos, o Ministério da Saúde promoveu uma agressiva redução da publicidade de cigarro. Restrição de horários e de temas (não se podia mais associar o fumo a sucesso econômico, atividades esportivas ou desempenho sexual), além das novas embalagens, com mensagem e imagens educativas. Também houve grita, mas o tempo passou e a indústria tabagista, desgraçadamente, sobreviveu. Assim como os publicitários. Penso que a história pode se repetir.
Podemos, e deveríamos, acabar com a publicidade de bebida alcoólica e nem por isso as pessoas deixariam de beber. E se os publicitários sentirem saudade de seus contratos milionários, podem vender outros produtos, que também vendem muito, como carros, eletroeletrônicos, telefonia, planos de saúde, futebol, sexo, etc.

Abordagem cuidadosa?

Hoje a Rede Globo tirou o dia para defender o próprio jornalismo, sustentando a cautela com que tem coberto o caso Isabella Nardoni, evitando pré-julgamentos e sensacionalismos. Realmente, não me parece que, desta vez, os abusos de outros casos estão ocorrendo. Há uma certa contenção no que se diz, apesar da exploração maciça do caso.
Gostei da matéria exibida no Fantástico, mostrando psiquiatras a explicar o impacto emocional do caso sobre as pessoas. Plausível. Todavia, ficou faltando um reconhecimento: se as pessoas estão acompanhando o caso de modo quase psicótico, não é apenas porque temem a possibilidade algo semelhante acontecer perto ou com elas mesmas; é também porque a mídia está servindo esse prato para consumo permanente. Se a abordagem fosse menos intensa, certamente as reações populares seriam menos extremadas.
E agora mais pessoas estão citando um aspecto importante: todos os dias, crimes horrendos são perpetrados contra crianças e ninguém toma conhecimento. Às vezes, a postura das pessoas que tomam conhecimento é de indiferença. Por isso, a repercussão tem a ver com algum aspecto do caso que pegou as pessoas de jeito. Mas isso não explica por que a violência excessiva de todos os dias passa despercebida.
Diferença entre varejo e atacado?

PS — Resta esperar as reações à entrevista do casal, que ainda está sendo exibida. Argumentos repetitivos, terço na mão, muito choro. Alheamento quanto aos aspectos essenciais da acusação (eles alegam desconhecer os laudos periciais). Sem dúvida, elementos a serem altamente explorados. Amanhã será um dia cheio.

Arqueologia revisionista

A Igreja Católica não gosta muito de certas categorias, dentre elas a dos arqueólogos, que volta e meia fazem anúncios capazes de prejudicar os pilares da História ou da Teologia católicas. A bola da vez é Moisés, protagonista de uma belíssima história de libertação de todo um povo, um libelo contra a escravidão e, mais particularmente, o instrumento de que Deus se teria servido para cumprir os desígnios divinos. Sem ele, o que dizer dos célebres 10 mandamentos? Existe toda uma trajetória de leis do mosaísmo, que seriam precursoras do Cristianismo, tratando de autoridade, ao passo que Jesus tratou do amor.
Agora há arqueólogos dizendo que Moisés pode não ter existido. Tem gente que não vai gostar.

No caminho

Há pouco mais de dois anos, fui convidado por uma equipe da Justiça Federal, que organizava um evento para o seu corpo de servidores, a proferir uma palestra. Como boa parte deles é composta por acadêmicos e bachareis em Direito, os temas pelos quais manifestaram interesse eram um pouco mais sofisticados do que os de rotina. Pediram-me que falasse sobre a teoria da imputação objetiva, que no Brasil ainda é chamada de "nova", mas que começou a ser sistematizada na década de 1940 — claro, por autores alemães.
Comprei mais livros sobre o assunto e pedi ajuda a meu monitor, para que me auxiliasse a levantar material que pudesse ser usado na montagem da palestra. Ele me atendeu. No dia da palestra, lá estava eu no auditório da Justiça Federal começando a minha exposição quando, de repente, vejo o monitor sentado ao fundo da sala. Fiquei surpreso, não apenas porque nada me dissera, mas porque estava em horário de aula. Motivo de ter faltado: mesmo sem me avisar, quis me prestigiar e ainda ficar à disposição, se eu precisasse de algo.
Este monitor se chama Eduardo Neves Lima Filho, que naquele dia me deixou muito feliz com sua dedicação e senso de responsabilidade, fazendo espontaneamente mais do que lhe foi pedido. Contei essa história no final do ano passado, após a defesa de sua monografia de conclusão de curso, da qual fui orientador (se é que ele precisou de orientação), para a mãe dele e demais pessoas que assistiram à defesa do trabalho. Disse à mãe que ela podia se sentir orgulhosa do filho, porque motivos havia.
O tempo passou e, no dia 25 de janeiro último, por ocasião de sua colação de grau, onde eu estava todo prosa na condição de paraninfo da turma, tive a alegria de vê-lo receber a placa de honra ao mérito, pelo primeiro lugar em desempenho acadêmico no curso de Direito, dentre as três turmas que se formavam na oportunidade. E agora fico sabendo que foi, também, o primeiro lugar no último Exame de Ordem.
Não se trata de títulos, nem de persegui-los psicoticamente. Mas de merecê-los naturalmente. Merecê-los porque se é sério, responsável, dedicado. Porque essas são condições inerentes à pessoa.
Minhas felicitações, Eduardo. Nada disso me surpreende. Só fico muito, muito feliz de ver um dos meus pupilos dando tão bem os primeiros passos de uma longa caminhada, que será muito profícua, claro. Um forte abraço.

Acréscimo em 22.10.2011: Eduardo tornou-se professor do CESUPA, há mais ou menos dois anos. Somos colegas, agora, o que me dá grande alegria. Ele fez o caminho das pedras e agora colhe seus frutos.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Esquartejador

Conduta ilibada, profissional bem sucedido, um homem de bem. Os clichês de sempre. Mas foi um homem assim que assassinou a amante após sedá-la e, para ocultar o seu delito, valeu-se de sua condição de cirurgião para cortar o corpo em pedaços, para mais facilmente se desfazer dele.
Assim pode ser resumida a história do ex-cirurgião plástico Farah Jorge Farah, que ontem foi condenado a 13 anos de prisão e multa pelos dois crimes, após cinco anos (o crime ocorreu em 24.1.2003). Posso contar a história assim porque esse foi o entendimento do tribunal do júri.
Lembro-me de ter recebido um e-mail, há muito tempo, com supostas fotografias do cadáver de Maria do Carmo Alves, a vítima, morta aos 46 anos. Difícil saber se eram autênticas, mas quem se dispuser a tanto pode vê-las clicando aqui (olhe por sua conta e risco; não me acuse depois). Para chegar ao ponto de danificar um corpo daquele jeito, é preciso ter muita motivação, para dizer o mínimo.
O caso de Farah também serve para as minhas análises criminológicas, por meio das quais reajo ao maniqueísmo e aos absurdos sensos comuns com que o povo em geral costuma tratar as questões criminais. Vamos a elas:

1. Quem é o tão decantado homem de bem, idealizado pelos maniqueístas, que dividem a sociedade entre esses e os bandidos, os primeiros merecendo toda a proteção do Estado e os demais, os quais não merecem nada além de castigos medievais e morte? Até cinco anos atrás, Farah era um desses impolutos brasileiros, pagadores de impostos, dono de status social que lhe conferia uma automática respeitabilidade. Merece tratamento diferente dos arrastadores de crianças? Se merece ou não, ele o teve. Prova o que repetimos à exaustão: direito é para os endinheirados; pobre ganha é o Direito Penal.

2. Em sua trajetória como acusado, não foi espancado pela polícia e aposto que o delegado o tratou com bastante consideração. Logo, respeito à integridade física do preso nada tem a ver com a natureza e gravidade do delito perpetrado.

3. Para ele, funciona a regra da excepcionalidade da prisão, assegurada para todos pela Constituição de 1988, mas para ele chancelada pelo Supremo Tribunal Federal. Cadeia, só depois de transitar em julgado a sentença condenatória, para o que não se pode estipular nenhum prazo. Isso mostra que Constituição é coisa que funciona apenas quando possível.

4. Como quase sempre ocorre quando um bem aquinhoado cai nas garras do Direito Penal (e sempre, em se tratando de delitos aberrantes), se praticou o fato, foi porque não estava no seu juízo perfeito. Depressão, transtorno bipolar, surto psicótico, intoxicação por medicamentos tomados de boa fé, etc. Para esse tipo de público, tais teses sempre parecem plausíveis. Mesmo que não emplaquem, sempre são defendidas com elegância e razoabilidade.

5. Respondendo ao processo em liberdade, pode até prestar vestibular novamente. Desde agosto de 2007 é acadêmico de — adivinhe? — Direito. Não direi o nome da faculdade.

6. Condenado à unanimidade por um tribunal composto por leigos, a pena imposta foi a mínima para cada crime. Fosse ele mais escurinho, mais analfabeto, mais desdentado, estou certo de que o juiz encontraria algum artifício para impor sanção mais pesada. Posso até dizer qual: uma tal de "conduta social desfavorável" ou de "personalidade voltada para o crime", coisa sempre lembrada nas sentenças que condenam a clientela habitual do sistema penal. Mas um homem desses não pode ser considerado especialmente perigoso. Ele apenas usou seu material de trabalho para dopar uma mulher indefesa, matou-a, passou uma noite cortando-a em pedaços e levou-os para o porta-malas do seu carro. Deu-se ao trabalho de cortar as pontas de todos os dedos das mãos e dos pés, além de pele do rosto, para restringir a possibilidade de identificação. Não é um sujeito que faria isso com outras pessoas. Nesse caso, vigora uma certa presunção de inocência, mesmo com diversas acusações de abuso sexual, que pacientes alardearam após o homicídio.

7. Proferida a sentença, o juiz fez questão de afirmar que proferiu a sentença "sem se deixar levar pela comoção social". Engraçado como às vezes, apenas às vezes, os juízes precisam justificar as suas decisões. Em geral, repetem aquela frase que lhes provoca orgasmos: decisão judicial não se questiona; se cumpre ou se recorre!!!!!! O clichezão da otoridade. Mas às vezes, surpreendentemente, eles sentem necessidade de dizer publicamente que decidiram "de acordo com a consciência". Então tá. Mas nos processinhos do dia a dia, adoram decretar uma prisão preventiva com base na gravidade do crime, na sua repercussão, num tal de clamor social, na periculosidade (presumida) do agente e até, suprema ironia, na necessidade de proteger a integridade física do acusado!

É fundamental, para qualquer discussão séria sobre o Direito Penal, o processo penal, a execução penal e todos os seus penduricalhos, que as diferenças reais no trato dos cidadãos, dos menos cidadãos e dos não-cidadãos sejam escancaradas e discutidas como fatos. Não se trata de teoria nem filosofismo. É fato. Negar isso é insanidade, burrice ou má fé.
Então tratemos a questão com os pés no chão. Somente aí poderemos tirar conclusões realistas, por mais duras que sejam.

Surreal

Imagine a situação: a pessoa encontra nos classificados o contato de um(a) vidente, marca uma hora e tem sua consulta. Escuta coisas sobre seu passado, presente e futuro. Aqui, sobretudo, o ápice da questão: revelações lhe são feitas. Entretanto, o tempo passa e as previsões não se confirmam. Ou acontece justamente o contrário. Ou seja, o(a) vidente falhou. É possível acioná-lo(a) judicialmente, para reclamar eventuais danos? E com base em que um tal processo poderia basear-se?
Se você morar na Grã-Bretanha, os dois questionamentos se tornam fáceis de responder: sim e com base no direito do consumidor. Clique aqui para entender.
De outro mundo...

Dialogar é preciso

O chato dos paineis simultâneos é que obrigatoriamente você perderá boa parte do que um evento lhe oferece. No caso do V Congresso da ABEDi, em todos os casos eu gostaria de assistir a ambos os paineis do mesmo horário, restando-me ficar na vontade e aproveitar aqueles dos quais puder realmente usufruir.
Esta manhã, assisti ao painel sobre "Metodologia da pesquisa e interdisciplinariedade", com meu querido Prof. Antônio Maués, Deisy Ventura e José Luiz Bolzan, estes dois da UNISINOS (RS). A dengue impediu a presença da quarta painelista.
O primeiro usou sua experiência no Direito Constitucional para demonstrar a importância da Filosofia, na construção de conceitos que não podem ser criados pela ciência jurídica.
A segunda, enfaticamente, defendeu o uso de métodos de outras ciências, quando necessário, citando o exemplo de sua própria tese de doutorado, na qual precisou buscar na Química, na Física e na Economia, fixando-se na segunda sobretudo, para encontrar um método capaz de analisar as assimetrias entre o Mercosul e a União Europeia. Isto porque, nas ciências sociais, ou pelo menos na jurídica, ainda não foi desenvolvido um método para investigar assimetrias entre objetos cognoscentes.
O terceiro mencionou uma experiência de sua IES, na qual se concebeu um curso de Direito sem disciplinas, mas com programas de abordagem — algo tão revolucionário que a ideia sequer foi oficializada numa proposta, porque a sua novidade (!) faria com que o MEC e a OAB jamais a aprovassem, além de motivos operacionais, tais como encontrar professores capacitados a lecionar de um modo completamente inusitado.
Esta é uma síntese altamente superficial, mas o tempo não me permite aprofundar melhor o conteúdo discutido esta manhã. Mas ainda tenho esperança de arrumar uma folga, no final de semana prolongado, para registrar algumas impressões mais detalhadas.

PS — O painel de hoje foi um soco no estômago daqueles que acham que alguma disciplina jurídica é a "essência da alma humana" ou coisas metafísicas do gênero. Bobagens, para ser mais exato.
Para muito além das vaidades de quem ama a sua área de atuação, resta cada vez mais claro que o Direito, mesmo, sozinho não é nada. Imagine as suas particularidades.

Uma questão de desejo

O V Congresso da Associação Brasileira de Ensino do Direito — ABEDi começou ontem com uma excepcional palestra do Prof. Agostinho Ramalho Marques que, além da formação jurídica, é psicanalista e conseguiu reunir, numa hora luminosa, sua experiência no Direito, na Educação e na Psicanálise. Aplausos de pé ao final, merecidamente.
As lições hauridas ontem nos levaram a pensar atitudes concretas para a nossa praxe docente, por enquanto num nível de reflexão. Nos próximos dois dias, os temas em discussão nos levarão a aspectos mais pragmáticos.
Tentando ser um bom aluno, tomei nota de algumas informações importantes. Adiante, com mais tempo, procurarei sintetizar o pensamento da nossa conferência de abertura, o que explicaria o título desta postagem.
O encontro promete, ao contrário do que pensam (se é que pensam) os críticos infelizes, que já começaram a aparecer, como você pode ver na caixinha de comentários da postagem Ensino do Direito, aí abaixo. Mas é melhor ler essas coisas do que ser cego, não?

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Entenda e faça

Malo mori quam foedari.

Entendeu? Não pense besteira. A frase acima significa "Antes morrer do que desonrar-se", uma declaração de princípios que faria bem ao mundo se mais alguém a cultivasse, além dos sicilianos, que usavam tal apotegma em sua divisa. E isso muito antigamente.

Apenas um devaneio

A China, democrática que só ela, anunciou que boicotará os produtos importados dos países que manifestarem apoio à causa do Tibete, em resposta aos protestos que ocorrem em todo lugar por onde a tocha passa.
O Brasil, xerimbabo que só ele, jamais tomaria uma atitude que incomodasse um de seus "parceiros". Nem antes, muito menos agora, na Era Lula.
Se, por uma hipótese irreal, aqui formulada apenas por amor ao debate, o Brasil declarasse apoio ao Tibete, a China deixaria de importar o minério que compra da Vale?

Prefeitos cassados... por um juiz do trabalho

O desembargador federal do trabalho José Maria Quadros de Alencar, em seu blog, conta sobre dois prefeitos do Mato Grosso, que tiveram seus mandatos cassados por uma decisão que não adveio da Justiça Eleitoral, nem da cível nos autos, talvez, de uma ação civil pública, nem da penal, devido a alguma condenação criminal. Os prefeitos foram cassados por um juiz do trabalho e nem é a primeira vez que isso acontece. A situação, decerto inusitada, levou o nosso magistrado a dizer que "Como acontece sempre, matéria jurídica é controvertida. A contradição é a regra. E é também universal. Sempre tem um sentido contrário a ser defendido juridicamente."
Clique no link para compreender melhor essa demonstração da capacidade do Direito de se renovar, mudar e expandir.

PS — Não deixe de ler a caixa de comentários, onde o juiz Carlos Zahlouth postou um acórdão versando sobre o tema, o que ajuda na melhor compreensão do tema.

Ensino do Direito

Começa hoje, em Belém, o V Congresso da Associação Brasileira de Ensino do Direito — ABEDi, sob o tema "Métodos e metodologias do ensino do Direito do século XXI: o futuro do ensino do Direito e o ensino do Direito do futuro". Tendo dois de seus docentes na administração da associação, os professores Daniel Cerqueira (presidente nacional) e Sandro Simões, o CESUPA conseguiu trazer o evento para nossa cidade, na condição de realizador.

Como qualquer evento profissional, este congresso chama a atenção apenas daqueles ligados à área. E talvez não desperte maior interesse, porque os esforços em prol da melhoria da educação brasileira em geral acabam menosprezados. Ainda mais porque está restrito apenas ao universo do Direito. Observei, no próprio alunado, uma postura de grande desinteresse pelo congresso, embora eles também sejam um público esperado. Afinal, é o futuro deles que está em discussão. Mas, no geral, a maior reação que percebi foi a satisfação de ter as aulas suspensas...

Como docente nessa área, contudo, posso afiançar-lhes da extrema relevância do congresso, mormente considerando a explosão de cursos jurídicos no país, com sua confiabilidade crescentemente questionada pelo MEC, pela OAB, pelas instituições do Estado e até pela sociedade, que começa a manifestar sua desconfiança em relação a certos cursos. É o caso de as pessoas se darem conta de que, se muitos profissionais desqualificados chegarem ao mercado, como saber, no dia em que eu precisar de um, estarei sendo bem assistido? Essa deveria ser uma preocupação de todos, em relação a qualquer curso.

Festejando a oportunidade de ter um encontro dessa magnitude em nossa cidade, apresento-lhes a programação:

17.4.2008
18h00
Solenidade de abertura, com a presença dos reitores do CESUPA, UFPA e UNAMA, do presidente da ABEDi e da OAB/PA.

18h30
Entrega do II Prêmio Roberto Lyra Filho

19h00
Conferência de abertura: Rafaelle de Giorgi (Università degli Studi di Lecce)

21h00
Lançamento de livros

18.4.2008
9h00 - Paineis simultâneos
Painel 1: Metodologia da pesquisa e interdisciplinariedade, com Antônio Gomes Moreira Maués (UFPA), Deisy Ventura José Luiz Bolzan de Moraes (UNISINOS) e Enea e Stutz de Almeida (FDV).
Painel 2: Políticas públicas para o ensino superior brasileiro, com representantes do MEC, do Conselho Nacional de Educação e de associações ligadas ao ensino e à pesquisa.

14h00 - Paineis simultâneos
Painel 1: Novas metodologias de ensino, com Angélica Carlini (PUC CAMPINAS), João Virgílio Tagliavini (UFSCAR), Sandro Alex de Souza Simões (CESUPA) e Tânia Mara Fonseca (UNICSUL/FMS).
Painel 2: Perfil dos cursos de Direito no Brasil, com Adilson Gurgel de Castro (UFRN), Daniel Torres de Cerqueira (CESUPA), Elias Manual (FENED) e Lossia Mouse Félix (UNB).

18h00
Assembleia Geral da ABEDi

21h00
Lançamento de livros

19.4.2008
9h00 - Paineis simultâneos
Painel 1: Metodologia de extensão universitária e direitos humanos, com Luiz Síveres (UCB), Alexandre Bernardino Costa (UNB), Paulo Sérgio Weyl (UFPA) e Roberto Dinis Sault (FURB).
Painel 2: Análise dos exames externos: Exame de Ordem, ENADE e concursos públicos, com Aline Sueli (UFT - ENADE), Lédio Rosa de Andrade (TJSC/UNOESC, magistratura), Plínio Antônio Brito Gentil (MPSP/FIPA, Ministério Público) e Elizete Lanzoni Alves (CESUSC, OAB).

14h00
Apresentação de trabalhos científicos, sobre metodologia e avaliação discente; extensão e inserção social; educação à distância; formação docente e pós-graduação; projeto pedagógico; avaliação institucional e gestão acadêmica; pesquisa; estágio e NPJ.

19h00
Conferência de encerramento: O futuro dos cursos de Direito no Brasil, com Celso Campilongo (USP).

Decerto, a cabeça se encherá de ideias e reflexões, que à medida que amadureçam poderão chegar aqui ao blog que, por ora, contudo, sofrerá uma desaceleração, dadas as minhas necessidades de me dividir entre o congresso e a correção de provas.
Abraços. Bom dia.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Adendo

A famosíssima série de TV americana, CSI: Crime Scene Investigation, hoje um dos programas televisivos mais bem sucedidos e assistidos no mundo inteiro (especialmente a versão Miami, que é mais passional), já exibiu casos como o que se supõe seja o de Isabella Nardoni. Ou seja, uma pessoa, supondo que a vítima está morta, acaba matando-a de verdade e simulando uma situação de acidente ou ação de terceiros.
Quem sabe o programa não teria servido de inspiração para o casal acusado, sabendo-se que Alexandre, inclusive, é formado em Direito? Afinal, as situações ali mostradas podem servir de orientação para pessoas mais sofisticadas, que desejem cometer crimes (ou ocultá-los).
Mas se assim for, a principal lição de CSI não foi aprendida: os crimes perfeitos, se não impossíveis, continuam sendo uma raridade. Sempre há uma falha. E quanto mais elaborada a fraude, mais fácil é encontrar algum vestígio.
Se a cena foi inteiramente lavada para ocultar sangue, podemos encontrar gotículas desse mesmo sangue no encanamento da casa. Se impressões digitais foram apagadas, apagaram-se todas, e nenhum ambiente pode ser desprovido de impressões. As suspeitas recairão sobre as pessoas que teriam acesso ao ambiente para limpá-lo. E por aí vai.
Cometer crimes é uma lição que não se aprende com perfeição. Por isso, os criminosos mais audaciosos do mundo não se escondem: eles são escandalosos e matam em público, brutalmente. Confiam na impunidade que obtêm pela força, não pela inteligência.

Ok, eu me rendo

Já disse aqui no blog, antes, que a superexposição de um assunto na mídia faz com que não me sinta propenso a escrever sobre ele. A par disso, por um questão de responsabilidade não apenas pessoal, mas sobretudo profissional, evito tecer considerações sobre casos reais, em relação a aspectos desconhecidos ou duvidosos. Afinal, sou lido por acadêmicos e não devo correr o risco de fazer uma afirmação que, amanhã, poderá ser desmentida. Ou eles verão em mim um sujeito açodado ou então acharão que errei na análise. As duas coisas não contribuem para a sua formação.
Por isso, cheio de dedos, farei uma exceção para comentar um aspecto do caso Isabella Nardoni.
Tomo por base o fato, agora notório, de que a polícia formalizou o indiciamento de Ana Carolina Jatobá (acusada de tentar asfixiar a menina, levando-a a desfalecer e criando a impressão de que estava morta) e de Alexandre Nardoni (acusado de simular um ataque por terceiros, atirando a criança do 6º andar e, com isso, dando causa a sua morte). Faço questão de destacar que o indiciamento está muito longe de ser prova de culpa. Aliás, o indiciamento é apenas um norte para o trabalho da polícia, mas que não vincula ninguém, tanto que o Ministério Público, ao receber os autos do inquérito, pode oferecer denúncia por crime diverso ou nem a oferecer — situações que são corriqueiras no universo criminal.
O fato é que esse indiciamento deve ser recebido com cautela, para evitar os desvarios de vingança a que o cidadão comum facilmente é levado. Aliás, mesmo que o promotor de justiça do caso denuncie nos mesmos termos capitulados pelo delegado presidente do inquérito — que alega agir com suporte nas perícias, mesmo que nem todos os laudos já tenham sido apresentados —, a confirmação de que Isabella morreu nas condições narradas pela polícia não conduz, necessariamente, à condenação exemplar dos acusados.
Se o povo brasileiro espera que os dois sejam condenados por homicídio qualificado, melhor ir com calma. Um advogado em começo de carreira não leva mais do que alguns instantes para vislumbrar mais de uma tese defensória nesse caso específico. E não teses calhordas, daquelas que ofendem a inteligência ou o senso de humanidade (como queimar um índio "por brincadeira" ou estuprar uma criança "porque ela seduziu"). Refiro-me a teses sérias, relevantes e dignas. Quiçá verdadeiras.
A versão de que Isabella foi atacada pela madrasta é plausível e explica a falta de motivo para o crime. Momentos antes, em um supermercado, a família aparecia feliz. Como explicar um homicídio em seguida? Simples: não havia a intenção de matar. Quem sabe Isabella irritou a madrasta, por alguma dessas tolices de criança, e Jatobá então a agrediu, excedendo-se a ponto de asfixiá-la. Uma das versões dos legistas (ainda não definitiva) é de que a criança pode ter sido esganada e desfalecido, levando os adultos a pensar que estava morta.
Se ficar provado que os fatos aconteceram dessa maneira, o crime de Jatobá seria o de lesão corporal, grave talvez, por perigo de morte, mas não homicídio.
Quanto a Nardoni, ele pode ter acreditado na morte acidental da filha e decidido proteger a esposa. Afinal, eles possuem dois filhos pequenos juntos, motivando-o a querer preservar o que restou da família. Aí entra em cena a simulação e, o mais grave, o ato de atirar a vítima do 6º andar, ainda viva, especificamente por supor que já estava morta. Nesse caso, ocorreria o chamado dolo geral ou erro sucessivo. Nardoni poderia responder por homicídio doloso, mas simples, sem nenhuma causa de qualificação. E ainda se pode dizer que o desespero ante a morte da criança o deixou com a capacidade de julgamento prejudicada, o que também soa plausível. Eventual frieza posterior não indica que ele estivesse indiferente no momento dos fatos. O normal é que estivesse violentamente estressado.
Note que, nesta hipótese, não necessariamente Jatobá poderia ser acusada pelo homicídio, se partirmos da premissa de que a decisão de atirar a menina foi unilateral do pai.
Apenas na hipótese de Nardoni e Jatobá estarem cientes de que Isabella ainda vivia quando foi atirada do 6º andar é que pode permitir, tecnicamente falando, que os dois sejam condenados por homicídio qualificado. E provar isso está além da simples vontade de que sejam punidos com o máximo de rigor.
A batalha está apenas começando. Isabella, infelizmente (que isso não é coisa que se sonhe ou se deseje), pode estar prestes a se tornar mais um daqueles casos emblemáticos da história criminal brasileira, extremamente didáticos e importantes para a formação das novas gerações. É o que já acontece com o caso do índio pataxó, em relação à eterna luta entre dolo eventual e culpa consciente. O affair Isabella, pelo visto, permitirá a abordagem de um feixe maior de assuntos.
Espero que, pelo menos, ela esteja em paz.

terça-feira, 15 de abril de 2008

A maior do mundo

Claro que os ingleses não conservariam o título por muito tempo mais. A maior roda gigante do mundo agora é a Syngapore Flyer, com 165 metros de altura. Nela, os passageiros levam trinta minutos para completar uma volta, no interior de uma das 28 cabines, com lotação de 28 pessoas cada.

Os ingressos variam do equivalente a 35 a até 85 reais (neste caso, com prioridade de embarque e bebidas na cabine) e permite que se tenha não somente uma visão de Cingapura, mas até de seus vizinhos, Malásia e Indonésia, desde que em dias claros.
Há dois anos, encarei a Big Tower, no Beto Carrero World, maior torre de queda livre do mundo, com apenas 100 metros de altura. Posso assegurar-lhes que é o tipo de coisa que leva você a refletir sobre por que fazemos o que fazemos. Mesmo no interior de uma cabine, não sei se minha acrofobia me deixaria embarcar numa dessas.
Resta esperar para saber quanto tempo o povo de Dubai suportará uma desvantagem em alguma coisa.

Povos, tremei!

Meta não revelada nas anunciadas propostas do movimento “Alerta Pará”, lançado ontem no Hilton, por entidades empresariais, entre elas a Faepa, indica que os ruralistas vão influenciar ao máximo nas eleições municipais de novembro para eleger o maior número de prefeitos comprometidos com as causas patronais no campo. Fonte do setor da agroindústria avalia que prefeitos aliados serão estratégicos para evitar o avanço do “Estado ambiental e policial” que proprietários rurais vêem em andamento no Pará. (Repórter Diário, hoje)

O "capitalismo moderno" defendido nesse evento de empresários já era moderno no século XVIII. Deter o avanço de um tal "Estado ambiental e policial" significa apenas uma coisa: impedir que leis, regulamentos e políticas estatais de preservação do meio ambiente impeça a única coisa que interessa a essa gente, que é lucrar desmedidamente, sem qualquer tipo de preocupação ambiental ou com custos sociais. Foi assim até aqui e não ainda não apresentaram exemplos de uma mudança de atuação.
Mas o errado é o Estado que coíbe e qualquer um que se insurja. "Prefeitos comprometidos com as causas patronais no campo." Disseram tudo. Prefeitos que não serão eleitos para suprir as necessidades dos povos locais, mas apenas para prestar seus serviços ao agronegócio.
Se a República brasileira ainda vive, estes são seus últimos estertores.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Valor diferenciado por idade é discriminação

É grande a minha satisfação quando a Justiça brasileira dá uma boa lição nos planos de saúde, tanto que volta e meia publico algum assunto do gênero.
A nova é que o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma e acolhendo o voto da Ministra Nancy Andrighi, não conheceu de recurso especial da Amil Assistência Médica Internacional LTDA. e, com isso, manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que condenou a empresa a cancelar reajuste de mensalidade imposto em 185%, sobre o plano de saúde de uma aposentada, especificamente porque ela completou 60 anos, e a devolver em dobro o valor pago em excesso, com a devida correção monetária e juros legais desde a citação.
Lembro que, há alguns anos, quando Sua Magnificência, Dom Fernando Henrique Cardoso, o Inigualável, ainda era presidente, o governo impôs às empresas seguradoras de saúde a obrigação de suportar uma vasta gama de novas coberturas, o que obviamente sempre deixa a turma esbaforida (está acontecendo agora, de novo). Mas para as empresas não ficarem tristinhas demais, foi criada uma escala de progressão de valores dos planos, baseada na idade do segurado. A cada dez anos, pode haver um salto. Eu mesmo passei por isso, pois o plano de saúde de minha mãe custava cento e poucos reais e, quando ela completou 60, disparou para quatrocentos e muitos, de uma só vez.
Infelizmente, naquela época ainda não existia o Estatudo do Idoso (Lei n. 10.741, de 2003), que baseou a decisão do STJ. É que se o consumidor usuário do plano de saúde atingiu a idade de 60 anos já na vigência do Estatuto do Idoso, não lhe poderá ser imposto o reajuste estipulado no contrato e permitido pela lei antiga, o que está sendo considerado discriminação contra os idosos.
Novamente, parabéns ao STJ.

Restrição recursal

Está a uma sanção presidencial o Projeto de Lei da Câmara n. 117, que modifica o Código de Processo Civil, para restringir a interposição de recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça. O projeto atinge os recursos repetitivos, que são aqueles que apresentam teses idênticas e já conhecidas, as quais poderiam ser resolvidas nas instâncias inferiores, liberando o STJ de ter que gastar tempo e recurso com eles. Sabemos que a praxe neste país é recorrer à exaustão, apenas para impedir o trânsito em julgado da decisão, mesmo que se tenha certeza da inviabilidade do recurso e, às vezes, da sua má fé.
A proposição foi inspirada em medida já aplicada perante o Supremo Tribunal Federal (repercussão geral), instituída pela Lei n. 11.418, de 2006. E foi bem recebida, sendo de se destacar inclusive o esforço do Senado em aprová-la rapidamente, graças a um requerimento que a colocou em pauta assim que esta foi destrancada, depois da deliberação sobre medidas provisórias que a trancavam.
Um pouquinho mais de celeridade na complicada marcha processual brasileira. Que bom.

Algo de seu

Não basta comprar coisas para montar o mundinho arrumadinho onde você espera que seu filho viva. Você compra a maioria das coisas, claro. Mas é preciso oferecer algo de seu. Por isso, minha esposa não quis comprar um kit de higiene pronto, e sim algo mais artesanal e cru, para que nós mesmos lixássemos, pintássemos e enfeitássemos. Passamos uma parte do domingo nessa cariciosa missão.
Daqui a poucos meses, quando nossa filha vier ao mundo, seu quarto terá aquelas pecinhas de madeira que nós preparamos para ela, com nossas mãos. Um pouco do nosso tempo e muito do nosso amor.

Impressionante como foi gostoso fazê-lo.

Sufocação

É claro que o povo brasileiro está muito interessado em ver elucidado o caso Isabella Nardoni. Isso que dizer conclusões definitivas e consequências. Não implica, necessariamente, que as pessoas estejam empenhadas num acompanhamento diuturno de todos os passos do casal suspeito, seus parentes e até visitantes. Já vejo muitas pessoas manifestando cansaço, diante da TV, assim que começa o noticiário.
Na cobertura do final de semana, as diligentes equipes de reportagem listaram quantos automóveis entraram ou saíram das residências das famílias Nardoni e Jatobá, sempre com os vidros peliculados para tornar impossível a visualização do interior. Não se sabe onde o casal dormiu, mas na casa do pai de Alexandre as luzes foram totalmente apagadas a uma hora da madrugada!
Não precisamos de tanto.
Pense nas implicações de tamanha voracidade sobre as pessoas que não são suspeitas de nada. O pai de Alexandre foi categórico: estão todos em prisão domiciliar. Não é figura de linguagem. Como por os pés na rua, sabendo que um grupo de desconhecidos não dará trégua, fustigando com intermináveis e delicadas perguntas? É assim que os inocentes vão pagando a pena, também. Sobretudo os filhos do casal, afastados de seus pais por dez dias. Uma criança de três anos, que já entende a ausência, mas não compreende os motivos. E um bebê de seis meses, com necessidades ainda muito primárias, mormente em relação à mãe. Não dar ao casal um mínimo de privacidade, neste momento, é sacrificar essas crianças. Ainda mais porque seu futuro pode conter uma enorme lacuna, se um, ou ambos os pais, vier a ser condenado mais à frente.
E o que dizer do sujeito que sai de casa, percorre sabe-se lá quantos quilômetros, só para ficar na porta dos Nardoni acompanhando pessoalmente os acontecimentos? Só para gritar alguma frase de efeito, quando Alexandre aparece? Esses, decerto, são os consumidores preferenciais dessa imprensa sufocadora.
Felizes também devem estar os senadores e deputados federais. Graças ao caso Isabella, eles andam meio esquecidos. E político esquecido... já sabe.

PS — Não deixe de ler uma interessante abordagem no Flanar, acerca dos efeitos que o caso estaria provocando sobre as crianças, que poderiam comprometer a relação com os pais.

domingo, 13 de abril de 2008

"Capital e Trabalho em Parauapebas"

Excelente a postagem que Juvêncio de Arruda escreveu sobre as implicações sociais, e mais especificamente sobre a Justiça do Trabalho de Parauapebas, das nefastas ações da Vale, que você pode conhecer clicando aqui.
Trata-se de uma análise que não pode ser encontrada na imprensa comum, sempre sorridente para a poderosa mineradora, mas que precisa ser conhecida por todos, a fim de que se saiba quem joga qual jogo.
Um adendo: o juiz Jônatas Andrade, citado no texto, é outro desses valorosos personagens que escrevem uma história bonita para a magistratura brasileira. E não, ele não é meu parente. Escrevo isto por conhecê-lo, em âmbito estritamente profissional, há alguns anos. Parabéns a ele.

sábado, 12 de abril de 2008

Sim, eles existem

Outro dia, num encontro de alguns amigos dos tempos de faculdade, emocionamo-nos com a presença uns dos outros e apreciamos ver o que cada um fez de suas vidas. Entre os presentes, Erika Bechara, uma das pessoas mais especiais que já conheci. Na vida inteira. Hoje, juíza federal do trabalho, realiza um sonho pessoal e cumpre as promessas que fizemos quando adolescentes, sobre o que poderíamos oferecer ao mundo em nossas vidas profissionais.
É graças a pessoas como ela que ainda mantenho minha fé em antigas crenças, inclusive a esperança de que um Poder Judiciário mais humano é possível. E, para tanto, podemos começar dos mais simples passos, como os gestos que ela retrata:

Sento na maior cadeira de uma mesa em formato de letra "T". O blaiser formal destoa da roupa informal das demais pessoas que também estão sentadas à mesa.
Falo, falo, falo, ouço, ouço, ouço e volto a falar novamente.
Lá pelas tantas a trabalhadora, uma jovem senhora com um constante sorriso no rosto, me diz: "— Sabe como é, né, a senhora que é advogada entende o que eu estou falando."
O sorriso no rosto agora é meu: "— Eu não sou advogada."
A mulher se assusta: "— Não? É o quê?".
"— Sou a juíza que vai julgar o seu processo."
"— Minha liiiiiiiinda, vc é Juíza? Não sabia não... me desculpe minha princesa."
Imagine se eu tinha algo a desculpar.
Mas a conversa prossegue e a tal senhora me afirma com convicção que mantinha um relacionamento amoroso com seu patrão.
Pergunto a ele, o patrão que pela simplicidade e pobreza bem poderia ser o reclamante, e, ao me olhar nos olhos diz: "—Ela disse que me amava, e eu tinha que fazer alguma coisa." A conversa dura horas, mas tudo fica resolvido depois.
Na próxima cena, o acordo é feito em menos tempo e o patrão diz que pode pagar tudo em 48 horas. Perfeito. Perfeito seria se o trabalhador não dissesse: "— Não tenho dinheiro nem para voltar para casa que fica numa cidade aqui perto."
Paro tudo. O pagamento tem que ser feito na hora e por sorte o empregador tinha condições de correr ao banco e voltar com o dinheiro nas mãos.
No outro dia, é uma senhora bem acima do peso e com cabelo desgrenhado que chora em minha frente porque não entende o motivo de não ter recebido os R$-400,00 das roupas que lavou por meses.
Na cena do dia seguinte um não sabia ler — o que é muito comum — outro com dedos cortados aguardava enquanto a empresa se defendia dizendo que a culpa do acidente era dele, e mais um aguardava a indenização pela morte de seu pai.
As cenas da vida real dos trabalhadores brasileiros têm atores com rostos marcados pelo tempo de serviço exaustivo diário, expressões aflitas de fome, pés cansados de caminhar, corações desesperançosos.
Trabalhadores que precisam com urgência de uma solução para seus problemas que vão desde alimentar o filho doente a pagar um guarda-roupas em prestações de R$-15,00. Esses atores precisam também ser ouvidos, precisam falar, desabafar, mostrar suas verdades como se ali pudessem gritar para o mundo e pedir socorro, pedir um minuto, um só, de felicidade para transformar o picadeiro onde sobrevivem a duras penas em um palco digno de viver.


Para minha amiga, o meu amor.

Poemeu — A superstição é imortal

Quando eu era bem menino
Tinha fadas no jardim
No porão um monstro albino
E uma bruxa bem ruim.
Cada lâmpada tinha um gênio
Que virava ano em milênio
E, coisa bem mais perversa,
Sapo em rei e vice-versa.
Tinha Ciclope, Centauro,
Autósito, Hidra e megera,
Fênix, Grifo, Minotauro,
Magia, pasmo e quimera.
Mas aí surgiram no horizonte
Além de Custer e seus confederados
A tecnologia mastodonte
Com tecnologistas bem safados
Esses homens da ciência me provaram
Que duendes, bruxas e omacéfalos
Eram produtos imbecis de meu encéfalo
.Nunca existiram e nunca existirão:
uma decepção!
Mas continuo inocente, acho.
Ou burro, bobo, ou borracho.
Pois toda noite eu vejo todo dia
Tudo que é estranho, raro, ou anomalia:
Padres sibilas
Hidras estruturalistas
Ministros gorilas
Avis raras feministas
Políticos de duas cabeças
Unicórnios marxistas
Antropólogas travessas
Mactocerontes psicanalistas
Cisnes pretos arquitetos
Economistas sereias
Democratas por decreto
E beldades feias
Que invadem a minha caverna
E me matam de aflição
Saindo da lanterna
Da televisão.
Millôr Fernandes

Suspiro de uma noite chuvosa

Esta vida é uma estranha hospedaria,
de onde se parte, quase sempre, às tontas.
E nossas malas nunca estão prontas,
e nossa conta nunca está em dia.
Mário Quintana

Protesto paraguaio

O governo do Paraguai protestou formalmente contra uma ação da polícia brasileira, que invadiu o território daquele país para prender uma mulher paraguaia, em cuja posse estava um automóvel roubado no Paraná.
Muito justo.

O governo do Paraguai, contudo, não se pronunciou sobre as facilidades que concede para a legalização, em seu território, de veículos roubados no Brasil, mesmo diante da notória indústria criminosa que leva o patrimônio dos brasileiros para o país vizinho.
Até o protesto é paraguaio.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Apenas um mito

A vocação natural da mulher para a maternidade, tão decantada em prosa e verso e, mais do que isso, verberada como um atributo que, se ausente, faria da pessoa menos mulher, vem sendo ressignificada nos últimos anos. Cada vez mais, elas buscam outras formas de satisfação e felicidade. O perfil da mulher que somente se realiza como tal quando se torna mãe já não tem a mesma conotação sacral de antes.
Tudo bem quanto a isso. Mas a atriz hollywoodiana Gwyneth Paltrow (35) foi, digamos, contundente demais. O que as mulheres acham disso?
Para Polyana nem pergunto, já que ela não apenas ama a maternidade como odeia Paltrow desde criancinha...

Aviso aos caloteiros domésticos

A cena é por demais conhecida: você chega no prédio e se depara com o quadro de avisos, ostentando a relação de apartamentos ou salas inadimplentes com o condomínio. O constrangimento público, que por sinal a lei não ampara, numa tentativa de receber os valores que o sujeito deve, não paga e nega enquanto puder. Nos edifícios residenciais o problema pode ser ainda mais sério, na medida em que todos os vizinhos veem o fulano trocar de carro, comprar mobília, ausentar-se por um mês inteiro numa fantástica viagem de férias, da qual retorna arrotando caviar. Mas pagar as taxas condominiais é coisa de pobre.
Por se tratar de imóvel residencial, o apartamento pode ser considerado bem de família e, assim, impenhorável em quase todas as ações judiciais de cobrança. Quase todas. E esse "quase" acaba de ganhar o reforço de uma decisão da 3ª Câmara do Tribunal de Justiça de Goiás, que declarou ser possível penhorar o apartamento, ainda quando definido como bem de família, para quitação dos débitos com o condomínio.
Se confirmada em superior instância — haverá recurso, claro —, os síndicos do país inteiro hão de comemorar. É um golpe pesado nos picaretas de plantão, que agora precisarão guardar algum para comprar remédio contra dor de cabeça.

Aprender para criticar

O senador José Nery, do PSol, guindado ao Senado com a eleição de Ana Júlia ao governo do Estado, chegou mostrando serviço. Sua atuação no caso do famigerado Renan Calheiros e seu empenho contra o trabalho em condições análogas à escravidão no Pará (que o colocou em confronto com parlamentares estaduais e federais que lutaram arduamente para inocentar os escravagistas, em mais um capítulo vergonhoso da política local) deram-lhe notoriedade e respeitabilidade. A boa imagem construída, porém, acaba de ser arranhada, desde que o senador compareceu ao sul do Pará, a fim de se reunir com líderes do Movimento dos Sem Terra, para apoiar a causa.
De imediato, críticas vorazes surgiram. Nos blogs, hoje, duas manifestações pretendem esclarecer acerca do sentido real dessa atitude. Uma delas, da assessoria de imprensa do próprio senador, outra da advogada Mary Cohen, assinando como presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA.
O tema não é fácil. Já não é em si mesmo e fica ainda mais complicado com a exploração midiática tendenciosa, vinculada a setores econômicos, que insufla na população ódio aos movimentos sociais do gênero.
Antes que me atirem pedras, pessoalmente não sou favorável à atuação do MST e, como inimigo da violência, não posso de modo algum admitir os meios cada vez mais sórdidos empregados. Tenho que me preocupar com o fato de pessoas se infiltrarem num movimento legítimo com pretensões outras que não a reforma agrária, de obter um trampolim para proveitos pessoais ou para obter meios para criminalidade organizada, pura e simplesmente. Tenho que me preocupar com os fins e os meios.
Mas seria prova de demência ignorar que movimentos como o MST surgem por causa das lacunas do Estado, do Direito ou do próprio espírito de sociedade. Quem nada tem, e precisa sobreviver mesmo assim, lançará mão dos meios de que dispuser. Se a História do Brasil não fosse caracterizada pelo permanente confronto entre uma casta privilegiada e uma multidão deliberadamente prejudicada (nobreza x povo; senhores x escravos; empresários x trabalhadores; militares x civis; católicos x demais religiões; autoridades públicas x cidadão comum; políticos x todo mundo), provavelmente o MST não teria encontrado espaço para se tornar o que se tornou. Ou seria, única e exclusivamente, uma organização criminosa.
Em 1849, o filósofo e ensaísta americano Henry David Thoreau escreveu A desobediência civil, um texto clássico e famosíssimo, que deveria ser discutido nas escolas. Não podemos simplesmente criticar quem se opõe às regras do Estado se este mesmo Estado insiste em não cumprir as finalidades para as quais foi constituído. E não se trata de simples omissão, não. É o Estado a serviço de poucos, porque estes poucos assim o querem. Vale lembrar que, originalmente, a desobediência civil era definida como um movimento pacífico, daí ter inspirado lideranças como Mahatma Gandhi e Martin Luther King.
Enfim, sou professor de algumas centenas de jovens que, tendo acesso ao ensino superior privado, na maior parte dos casos não têm o perfil de quem precisa preocupar-se com a sobrevivência. Por isso, é importante levá-los a refletir sobre o mundo real, visto sob diferentes perspectivas, não somente pela medíocre visão da classe média brasileira. Assim, se quiserem criticar o MST e afins, que pelo menos antes procurem conhecer suas origens e objetivos, suas lideranças, saber o que mudou de 1984 para cá. Aí podemos confirmar ou mudar nossas impressões iniciais.
Mas, pelo amor de Deus, não formem opinião com base na grande imprensa. Isso não é mostra de bom senso.