quinta-feira, 10 de abril de 2008

Condenado, mas nem tanto

Um velho tema ganhou a ordem do dia no plenário do Supremo Tribunal Federal. Tudo começou quando o Ministro Eros Grau sustentou, em voto proferido em habeas corpus, que "Nem lei, nem qualquer decisão judicial, podem impor ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A não ser que o julgador seja um desafeto da Constituição Federal. Caso contrário, não se admite qualquer entendimento contrário ao inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna, que estabelece o princípio da presunção de inocência".
A contundente manifestação não foi unânime. O Ministro Carlos Alberto Direito pediu vistas do feito e adiou o julgamento. Aliás, graças ao mesmo Direito está suspenso o julgamento da ADI contra a "Lei de Biossegurança". Alguém precisa lembrá-lo de devolver os autos, para que os julgamentos possam ser concluídos.
Aos estudiosos do Direito Penal, notadamente do processo penal, é possível clicar aqui e conhecer melhor a polêmica.
Uma coisa, contudo, precisa ser ressaltada: defender que uma pessoa somente possa ser presa após o trânsito em julgado da condenação — que é um grande ideal desde o iluminista século XVIII — esbarra no caos do sistema de justiça brasileiro, no qual os processos se arrastam por longos anos. É isso que provoca, no cidadão comum, compreensivelmente, perplexidade e indignação.
Eros Grau não está errado. Mas está num plano utópico. Errado está o sistema que, vale lembrar, não tem existência própria.

4 comentários:

Anônimo disse...

Celeridade não é precipitação. Duração razoável do processo não significa julgar de modo írresponsável, sem reflexão. O Ministro Direito, paraense, aliás, pediu vista regimental para estudar os autos e refletir sobre a matéria. Calma!... Até pra nascer a gente espera 9 meses. O mundo não foi feito num só dia. Tudo tem um ciclo. Você certamente sabe a quantidade de processos no STF, não é? Pois é. Por que tanta precipitação? Ah! mas tem o interesse público da sociedade, das pessoas que aguardam a decisão do STF. Tudo bem. O magistrado, para decidir, precisa, não raro, ler os autos, ler e reler doutrinas, jurisprudência etc. Ainda mais nesse caso novo. Não vamos logo PUNIR o Ministro Direito. Ele é muito direito, a partir do nome. Se você vier aqui no STF, ficará estarrecido de ver como se trabalha, com centenas de milhares de processos, todos muito importantes para o povo brasileiro. Portanto, calma...

Yúdice Andrade disse...

Caro anônimo
1. Reconheço que o meu texto passa a impressão de açodamento, por isso me apresso a corrigir a falta. De fato, muito mais importante que a celeridade é a qualidade da decisão, em que pese a celeridade não poder ser olvidada. Lamento, não quis parecer precipitado.
2. Conheço a realidade dos tribunais em geral e dos superiores, particularmente. No caso do STF, nossa legislação permite que seja usado como uma instância recursal para causas comuns, quando deveria funcionar de fato como Corte Constitucional. Não consigo imaginar como vocês trabalham aí, tão assoberbados.
3. Preciso, entretanto, repetir uma crítica já formulada aqui no blog, especificamente quando ao caso da ADI contra a Lei de Biossegurança. Sei que as vistas são um direito regimental e jamais criticaria isso. Todavia, o que se divulgou foi que o ministro pediu vistas para poder rebater ponto a ponto o voto do relator, já que ele é católico praticante e tem ligações com a Igreja. Não sei se é verdade, porque a imprensa não é confiável. Mas se for verdade, repito a crítica: o ex-procurador geral da República não podia ter usado o cargo para propor uma ação que espelhe suas preferências religiosas, nem pode um magistrado incorrer na mesma falta. Morro de repetir que este é um Estado laico, mas nossas autoridades não querem escutar.
4. Sei que é muito difícil avaliar o que é análise jurídica de um caso (que naturalmente requer uma série de elementos para além do Direito) e o que é a influência de pessoalidades do magistrado. É que sinto uma angústia atroz com autoridades que querem impor suas verdades religiosas ao país inteiro. Se não for o caso, peça desculpas ao ministro em meu nome. Se for, deixe consignada a minha irresignação de cidadão.
5. Não considero relevante o ministro ser paraense, até porque ele se mudou muito cedo. No fundo, é mais carioca do que paraense. O povo aqui na taba dá o maior valor para isso, mas não sou tão provinciano. A mim basta que seja um bom juiz.
Saudações respeitosas.

Anônimo disse...

Mas que coisa, mestre Yudice...
Cê tá dando tapa até no ministro?
Você sabia que isso de ser LEIGO também equivale a uma religião. Não existe ninguém leigo. Ser leigo (Estado laico...) já corresponde a ter uma ideologia...
E agora?
O ministro deve estar fulo de raiva contigo.
Como é que tu vais esculhambar o excelentissimo assim sem eira nem beira.
O ministro é muito paidégua, cara.
E a realidade lá do Supremo não é a mesma aí do Pará. Nem se compara. Aí parece brincadeira, comparando com o movimento gigantesco de processos no STF.
Deixa o ministro estudar o processo.
Você acusa o homem sem provas. Diz que ele se sujeita à igreja católica. O que é isso?
Cada qual tem a sua convicção.
E agora eu pergunto porque os juizes usam togas e colocam crucifixos nas salas de audiências?
Porque todo esse latinório. Porque o conceito de culpa, perdão, erro etc...
Você, como professor, deve saber que tudo isso é influência da religião.
Enfim, não vamos crucifixar o ministro Direito.
Olha, ele é paraense, sim, e tem muito orgulho disso. Foi estudar no Rio, mas não nega as suas origens. Os paraenses deveriam se orgulhar disso.
Se houver divergência, o que que tem isso? Não é coisa normal em qualquer órgão colegiado? Ou você sempre deseja que haja unanimidade. Ou decisões sempre de acordo com as tuas próprias convicções.
Ah! Mas isso já é demais. É muita arrogância.
Vamos parar com isso.
(Pelo visto, há gente que pensa que o nobre ministro se chamada Errado, mas ele é bem DIREITO).
Tenho dito.
E, olha: vamos aguardar o voto dele depois da vista regimental. Vamos deixar que ele estude o processo tranquilamente.
Não tenta apressar, não... Que a pressa é a maior inimiga da perfeição.

Yúdice Andrade disse...

Meus Deus! Quanto enxame! Vamos nós de novo.
Anônimo:
1. Não dei tapa em ministro algum. Não disse que ele precisa devolver os autos ontem, mas apenas que a lide não deve ser perenizada. Isso me parece meio óbvio. Como o ministro é novo no STF, nem posso afirmar que tenha um histórico de lentidão. As reações ao meu curto comentário estão, a meu ver, exageradas. Começo a achar que é o velho pudor do brasileiro em fazer críticas ao Poder Judiciário, como se fosse intocável.
2. Sobre sua afirmação de que a laicidade equivale a uma religião, para mim não faz nenhum sentido. Se você se refere aos ateus histéricos, não tenho nada a ver com isso. Eu, p. ex., sigo uma religião cristã.
3. Se o ministro está "fulo" comigo, agradeço por me dar tanta atenção, ms prefiro que use seu tempo estudando os autos processuais. E não vejo razão para se aborrecer. Críticas, todos recebemos e precisamos saber conviver com elas. Como estou tentando, agora. Não tenho nenhum motivo para não o considerar "pai d'égua" e não acho que o tenha "esculhambado". Insisto, isso é um exagero.
4. Sobre o volume de trabalho no STF, já comentei.
5. Não o acusei sem provas. Fiz uma afirmação condicional (perceba o "se" na frase) e me louvei em ampla divulgação jornalística, dando-me ao trabalho de ressalvar a pouca credibilidade da imprensa brasileira. Portanto, a crítica sobre o uso do cargo para sustentar opiniões religiosas pessoais vale apenas - só e somente se - o fato proceder. Do contrário, o comentário se desvanece no ar. Creio que a lógica da linguagem confirme o que digo.
6. Sim, o Direito está repleto de provas da influência religiosa, o que é inevitável, porque faz parte do processo histórico. Isso não significa que decisões precisem ser tomadas com base em preferências religiosas. Uma coisa não conduz à outra.
7. Fico feliz que o ministro aprecie suas origens paraenses. Isso é ótimo para ele. Não vejo, porém, como isso possa fazer a diferença para o nosso Estado. Deixo isso para os provincianos, que adoram dizer coisas como "ele está levando o nome do Pará para Brasília"...
8. Eu seria maluco se esperasse unanimidade nos tribunais. E, sim, seria muito arrogante se esperasse que os tribunais decidissem de acordo com minhas convicções. Como não espero, a carapuça não me serve. Mas acho que também é arrogância atribuir, peremptoriamente, idéias ou afirmações a uma pessoa, falsamente.
Espero que isto sirva de esclarecimento. Já comentei muitas decisões judiciais e já citei nominalmente muita gente, mas nunca fui tão combatido assim. O ministro deve ter um grande fã clube. Ou muitos assessores.
Deixo agora que o ministro trabalhe, com toda a concentração de que precisa. Leve a ele um abraço paraense, de quem torce para que todos os ministros - todos, sem exceção - tenham a paz, a serenidade e a ciência necessárias para dar ao país a jurisdição de que tanto necessitamos.
Isto, para mim, encerra a questão.