domingo, 20 de abril de 2008

Quem faz propaganda não mata

Quem vende o revólver não responde pelo homicídio que tenha sido cometido com ele, certo? Sem dúvida, correto. Mas não se pode negar que a comercialização de armas tenha repercussões sérias e graves sobre a criminalidade. Não à toa, o Estatuto do Desarmamento foi concebido para ser um instrumento de retirada desses artefatos mortais das mãos do cidadão comum.
Há alguns dias, comecei a ver uma chamada posta no ar, em horário nobre, pela Associação Brasileira de Agências de Publicidade, furibunda porque pretendem acabar com a publicidade de cerveja. Os argumentos, toscos, sustentam que não é a publicidade que deve ser responsabilizada pelos atos de uma minoria que desrespeita as leis.
É, pode ser. Mas se alguém me disser que a publicidade não induz o consumidor do produto a adquiri-lo, então simplesmente não sei mais para que serve publicidade.
Sejamos francos: publicidade de cerveja existe para uma finalidade só, que é vender cerveja. E quanto mais cerveja for vendida e consumida, maior será o número dos atos randômicos de violência a ela relacionados, particularmente no trânsito que, neste país, todos os anos, mata mais do que guerras, segundo estatísticas oficiais. É isso ou então declarar que, definitivamente, o consumo de bebidas alcoólicas não tem relação alguma com a violência. E só um cara muito, mas muito bêbado defenderia uma asneira dessas. Por interesse pessoal.
E já que estamos no plano da sinceridade, vale lembrar que a publicidade de cerveja envolve contratos milionários. Basta lembrar a confusão que deu a instabilidade de Zeca Pagodinho em relação a duas marcas diferentes. Ou então que Ivete Sangalo só assina contratos publicitários acima de um milhão de dólares. Fica claro, portanto, o real (e único) motivo do desespero dos publicitários.
Outro aspecto a lembrar é que, há vários anos, o Ministério da Saúde promoveu uma agressiva redução da publicidade de cigarro. Restrição de horários e de temas (não se podia mais associar o fumo a sucesso econômico, atividades esportivas ou desempenho sexual), além das novas embalagens, com mensagem e imagens educativas. Também houve grita, mas o tempo passou e a indústria tabagista, desgraçadamente, sobreviveu. Assim como os publicitários. Penso que a história pode se repetir.
Podemos, e deveríamos, acabar com a publicidade de bebida alcoólica e nem por isso as pessoas deixariam de beber. E se os publicitários sentirem saudade de seus contratos milionários, podem vender outros produtos, que também vendem muito, como carros, eletroeletrônicos, telefonia, planos de saúde, futebol, sexo, etc.

7 comentários:

Aldrin Leal disse...

Yúdice,

O Brasil é um país engraçado. Tal coisa não está funcionando? Pera, me deixa redigir um projeto de lei e... pimba! Algo é proibido.

Remonta aquela história: No Brasil tem dois tipos de lei. As que colam e as que não colam. Um exemplo de lei que cola, e adequada ao contexto, é a lei do menor esforço. ..

Eu sou contra a proibição na margem da estrada, e também contra proibição da venda de bebidas. Por um motivo simples: Soa mais fácil proibir setores da sociedade que funcionam bem do que por pra funcionar os que não funcionam.

E quais são os que não funcionam? Vejamos... Você já foi parado pra fazer o teste no bafômetro? Mais ainda: Você andou vendo campanhas regulares contra a direção embriagada?

A Lógica de Proibir o Anúncio de Bebidas é tão efetiva quanto proibir propaganda de celulares. Afinal, eles também respondem por uma parcela significativa dos acidentes. Já pensou se a idéia pega? Ah, vamos proibir também a propaganda de carros e bicicletas. Afinal de contas, são os veículos que causam acidentes de trânsito.

Melhor: Vamos banir todo o tráfego, e impedir que as pessoas saiam a pé na rua. Assim, acabamos com todos os índices de atropelamento no Brasil!

Estes setores geram empregos. Realmente, tem os eventos randômicos, mas não é melhor você colocar a polícia rodoviária e os guardas de trânsito pra fazer adequadamente a responsabilidade deles?

Ok, o álcool é responsável por 61% dos acidentes de trânsito. Mas, quando você realmente quer beber, precisa ver anúncio?

Porque não deixar de mirar nos 61%, e sim querer os 100%, afinal de contas?

Os recursos já estão aí. Falta apenas organizá-los.

Mas como é mais fácil mandar nos outros que fazer o governo funcionar de maneira organizada, pimba, toma-lhe lei, né?

Yúdice Andrade disse...

Aldrin, neste caso não se trata de uma lei, mas de diretrizes de publicidade definidas pelo próprio governo federal, sem a necessidade de intervenção do Legislativo. Tudo bem, é norma de qualquer jeito.
Peço que ponderes apenas o fato de que vivemos uma sociedade de risco, expressão hoje muito em voga. Como não podemos escapar desses riscos, eles se dividem em "permitidos" e "proibidos". É por isso que não podemos acabar com o transporte por veículos automotores, já que a sociedade depende deles para seu funcionamento. Assim, temos que aceitar o risco dos atropelamentos. Todavia, precisamos de regras para minimizar esses riscos.
Do mesmo modo, o consumo de bebidas alcoólicas é socialmente assimilado e também constitui um risco permitido. E igualmente precisa de contenções, que podem ser a restrição à propaganda. Por que não?
É verdade que se toda a publicidade do mundo fosse retirada, as pessoas não deixariam de consumir bebidas, Coca Cola, carros, roupas, etc. Não há propaganda de cocaína e nem por isso o consumo caiu. Mas seria ingênuo negar os efeitos da publicidade, sobretudo em relação às pessoas mais sugestionáveis. Nunca ficaste desejoso de algo que a publicidade pôs na tua cabeça. Eu já. E esse fator de estímulo, somente isso, que se quer proibir.
Uma vez que ele acabe, o consumo dependerá de iniciativas meramente pessoais e como tal serão tratadas. Um abraço.

Carlos Barretto  disse...

Embora compreenda e principalmente respeite o ponto de vista do Aldrin, na certeza de que de fato existe muito do que ele diz em relação a falência de variadas políticas públicas neste país ao longo de décadas, rendo-me à suas preocupações em relação a uma certa normatização da atividade publicitária, a exemplo do que aconteceu com o tabagismo em vários países do mundo.
Em favor do interesse público, vejo como salutar uma certa contenção na publicidade. Mas perecebo que de alguma maneira ela já se auto-regula através do CONAR.
Mas vez por outra, é preciso que a sociedade ajude com novas propostas, aperfeiçoando o que já existe.
Salvo melhor juízo, apoio a crítica embutida nos comentários do Aldrin mas alinho-me com suas conclusões.
Abs aos dois.

Polyana disse...

O raciocínio do Aldrin é muito válido. Mas acho que as principais prejudicadas com a propaganda da cerveja são as crianças, e é por eles que a propaganda deve ser limitada num veículo tão acessível quanto a TV. Elas se vêem num mundo onde aquele líquido amarelo é associado com praia, sorrisos, festas, baladas, enfim, felicidades do mundo dos adultos. E, sem ter maturidade suficiente para saber que o álcool é uma droga como tabaco, cocaína, maconha ou qualquer entorpecente, acham que é muito normal consumi-lo, por que não é contra a lei. E, como entre os jovens o bacana é beber muito sem ficar porre (definição de "saber beber"), quem se dá bem na frente dos colegas são justamente os suscetíveis à dependência pesada, pois a primeira característica dos alcóolatras é que eles bebem muito e não se embriagam fácil.
A falta da propaganda não vai fazer com que os adultos deixem de beber cerveja. Mas pode ajudar a impedir que crianças e adolescentes adentrem neste mundo de droga lícita cada vez mais cedo, já que os pais de hoje em dia não conseguem (ou nem querem) filtrar o que chega aos seus filhos.

Aldrin Leal disse...

Yudice,

Ainda sobre o Brasil, acho que as vezes, é bastante natural esquecermos de quem é a responsabilidade.

Certamente a Propaganda (ou mais particularmente, o Marketing) trabalha a idéia de Criar a Necessidade. Certo, isto é fato. Mas não gosto de acreditar que eu seja vítima disso. Acho que ninguém aqui é ingênuo a ponto de ser engabelado por uma propaganda. Ao menos, não mais :)

Acho que é bastante adequado ter esta educação de casa: Identificar e inibir o impulso a comprar. Afinal de contas, gerenciar o patrimônio deixou de ser uma obrigação da escola e passou a ser da família (aleluia).

Você fala em sociedade de riscos. Ótimo, eis que estamos em um bom terreno: O fato é que boa parte dos acidentes devido a direção sob o álcool são oriundas da sensação de impunidade.

Eu enxergo mais longe: Todas as estatísticas de acidentes de trânsito só tendem a aumentar diante da leniência do estado.

Vamos usar um exemplo que você não vai gostar: Você tem percebido acidentes na Duque? Eis algo pra perceber. Certamente, e mesmo que o radar só exista aqui e ali, isto introduz nas pessoas a sensação de que estão sendo observadas e que responsabilizar-se-ão pelos seus atos.

Falo mais: Diria que no caso dos atropelamentos, 80% dos casos é por causa do pedestre. Lei do Menor esforço: Posso atravessar aqui, então porque da faixa? Almirante Barroso que o diga.

Infelizmente, a demagogia reinante acha um absurdo punir "O Povo" (aquele ser mítico) por não compreender as regras de trânsito. E até aonde me lembre, o código possui provisão para Multar o Pedestre.

Quer reduzir o número de acidentes no Reduto? Comece a fazer blitz. Saiu do bar com a chave? Faça o teste do bafômetro! Carimbe a mão daquele que passou da conta, de uma maneira que simplesmente manche o volante ou que dê trabalho pra sair no dia seguinte.

A idéia é bastante simples, falta é coragem: Faça a pessoa perceber que não está certo.

Em Medellin, eles adotaram o dispositivo mais simples pra reduzir delitos menores: Um apito e um cartão vermelho. Cidadão cuspiu na rua? Cartão Vermelho e Apito. Já pensou a maravilha que isto seria por aqui?

Porque não começar a fazer as pessoas conscientizarem que o público é "aquilo que não tem dono"?

Não seria disso que realmente precisamos?

Yúdice Andrade disse...

Caro anônimo, agradecemos, eu e minha esposa, as gentis palavras. Todavia, as atuais regras do blog não permitem que eu publique o comentário na íntegra. Conto com sua compreensão.

Yúdice Andrade disse...

Aldrin, meu caro, fiquei com a sensação de que estás com resistência para aceitar a medida no caso concreto, pois os exemplos que dás não destoam tanto assim do que afirmei. Tu disseste: a propaganda cria necessidades. Mesmo que sejamos pessoas mais instruídas e sensatas (supomos), todos caímos um pouco em tentação com o consumo. Eu não sou consumista, mas já me rendi incontáveis vezes a apelos, inclusive supérfluos. Imagine se isto estiver relacionado a algo que desperte o prazer, como o álcool.
Concordo que devemos inibir desde a nossa casa o impulso de comprar. Espero conseguir isso com minha filha. Mas o fato é que a esmagadora maioria das pessoas não pensa nisso, talvez jamais tenha pensado e, o que é pior, ache isso uma completa asneira. Por isso, a relação do governo com a propaganda deve levar em conta como as pessoas são, não como elas deveriam ser.
Também concordo que as estatísticas de acidentes de trânsito sempre aumentarão se o Estado for omisso. Mas quando ele não quer ser, é criticado, como no caso da proibição da venda de bebida em rodovias federais. Precisamos manter o discurso coerente. Ou queremos reduzir os acidentes, ou não queremos.
Outra: sou a favor das faixas de pedestres instaladas na Duque. Não sei porque disseste que seria um exemplo de que eu não gostaria. Sim, as pessoas tendem a conter seus impulsos comente nos lugares em que há vigilância, o que é errado.
Negativo, Aldrin: a devastadora maioria dos acidentes de trânsito é causada por imprudência do motorista, segundo dados oficiais divulgados volta e meia na imprensa. Pedestres, ciclistas e motociclistas são gravemente culpados, também, mas estatisticamente em menor nível, sobretudo os pedestres que, afinal, têm prioridade. Se o sinal abre e o pedestre ainda não acabou de atravessar a rua, os carros avançam e um atropelamento ocorre, a culpa não é do pedestre.
Sim, o Código de Trânsito foi pensado para responsabilizar também o pedestre pelas irregularidades que pratique. Infelizmente, não resolveram onde pendurar a placa nele.
Concordamos com a fiscalização intensa, bafômetro e o escambau. E eu, pessoalmente, aprovo a política do constrangimento que mencionaste: cartão vermelho e apito. Ou o que fosse, usado para fazer o mau motorista (pedestre, etc.) passar vergonha. Eu realmente gostaria de ver isso implantado.
Por fim, também concordo que precisamos nos convencer, a todos, a respeitar o espaço alheio. Viu como estamos de acordo?