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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Garimpando as alegrias

A segunda-feira, 7 de fevereiro, terminou neste instante. Contra si, já tinha o fato de ser uma segunda-feira destes tempos pouco auspiciosos. Mas, parando para pensar, foi um dia a ser valorizado. Vejamos.

Pela manhã, realizei uma audiência criminal que envolveu interrogatório dos réus e, pela primeira vez, senti que temos chances nesse processo. Eu realmente acredito que os acusados não merecem a acusação sofrida e que eles chegaram a essa situação por conta de enviesamentos que passam, inclusive, por sentimentos de culpa de terceiros. Alguém que, para suportar essa culpa, transferiu-a para eles dois. Não dá para explicar mais do que isso. O fato é que estou mais animado quanto a uma possível absolvição.

Agora à noite, uma longa conversa com uma pessoa muito querida, com quem se pode compartilhar alegrias, tristezas e até mesmo experiências de vida. Dá uma renovada na alma.

Depois disso, um novo contato, desta feita com alguém que pode me ajudar em minha pesquisa no doutorado. Eu estava preocupado, porque para a pesquisa acontecer eu preciso de ações de terceiros, ou seja, é algo que não depende de mim. É bastante complicado ter algo tão grande em mãos e estar de certa forma à deriva. Contudo, felizmente, esse primeiro passo foi positivo. Não vejo a hora de tornar a pesquisa real.

Era só isso, mesmo. O compartilhamento de breves satisfações pessoais. Espero que vocês estejam bem e com saúde. Abraços.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Novos e queridos advogados

Em uma outra vida, quando este blog era alimentado regularmente, eu adorava retirar, da lista de aprovados no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, os nomes dos meus ex-alunos(as). Era uma forma de continuar acompanhando suas vidas, em uma fase que é tão intensa e transformadora, capaz de determinar muito em tudo que virá.

Com as minhas questões pessoais, fui parando de publicar a lista e, depois, até mesmo de fazer postagens por aqui. Mas hoje, justamente hoje, um dia atípico pelo contato pessoal que tive com um gesto de enorme generosidade e decência, saiu a lista do exame mais recente e pude, novamente, ver a alegria de alguns pupilos, expressa por suas redes sociais ou até mesmo em mensagens diretas.

O problema dessas listas é que, com o tempo, vai ficando difícil recordar os nomes, ainda mais agora que sou um sujeito de meia idade! Até reconheço alguns nomes, porém fico sem saber se é exatamente quem estou pensando. Por isso, sempre faço a ressalva de que estou feliz por todos, mesmo que, eventualmente, minha memória tenha traído um nome que, na verdade, eu adoraria homenagear também. Seguem, então, os nomes que este velhinho de óculos identificou:

Aila Tiemi Werneck de Castro da Silva
Alana Souza Vidigal
Ananda Maria Carmona Guimarães
Beatriz Donza Cancela Guimarães
Beatriz Lima Sherring
Beatriz Ribeiro Ruffeil
Henrique Galate Moraes Lima
Ivna Lobato Pimenta
José Dã Clay Guimarães Ferreira
José Ney de Siqueira Mendes Barbalho
Juliana Corrêa Gonçalves
Marcelle Albuquerque da Silva
Maria Eduarda Amparo das Mercês Pereira Wagner
Maria Vitoria Reis Hesketh
Mayumi Correa Botelho
Pollyana Esteves Soares
Saore da Conceição dos Santos
Teodoro de Souza Neto
Yasmin Coelho Prestes

Desejo a todos e todas, inclusive os não listados, uma belíssima carreira. É motivo de orgulho participar de uma carreira de que essas pessoas tão queridas fazem parte.

Ao futuro!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Registros para minhas filhas

Na noite de ontem, meu amigo Ricardo Dib Taxi, outrora meu aluno na graduação e agora meu professor no doutorado, fez uma alusão a este blog e até recomendou a sua leitura às colegas, dizendo, com a gentileza de sempre, que assim poderiam conhecer "o Yúdice escritor".

Fiquei meio confuso na hora. Por muitas e muitas vezes, registrei por aqui meu desejo de prosseguir publicando neste blog, que rivaliza com o meu profundo desânimo em fazê-lo de fato. Agora, em 2021, ensaiei um retorno novamente, mas os meses de total silêncio demonstram que a inércia segue vencendo por larga vantagem. A esta altura, outros fatores se somam ao meu desejo, ou até necessidade, de recolhimento, que já dura mais de seis anos.

Acredito, e até já comentei por aqui, que o tempo dos blogs passou. Quando comecei, em 2006, todo mundo estava criando um blog, para tratar de qualquer coisa. Eu mesmo agi assim, para dar vazão a uma compulsão por emitir opiniões que ninguém pediu. Estava ancorado na classificação "blog de opinião", basicamente um modo simpático de descrever a nossa vaidade opiniosa. Mas era um tempo em que as pessoas ainda se preocupavam em checar fontes e em repassar informações minimamente confiáveis. Sempre foi uma preocupação minha. As redes sociais tragaram os blogs, que seguiram mais como uma ferramenta de trabalho, seja para comunicadores em geral, seja para aqueles que desejavam publicar sobre suas respectivas áreas de atuação.

Sempre dediquei este blog a textos sobre meu campo profissional, seja em relação às chamadas ciências criminais, seja em relação à docência. Contudo, o blog nunca teve perfil especificamente profissional, sendo permeado por uma miríade de outras questões, inclusive muita bobagem, que cai bem em ambientes descontraídos, não nos profissionais. Essa falta de identidade não ajuda a tornar o seu trabalho uma referência para o público.

Daí o tempo passou. As redes sociais fizeram os seus estragos, eu me tornei recluso e o mundo a nossa volta se fechou para debates racionais, preferindo a troca de baba hidrofóbica. Hoje, precisamos argumentar para tentar convencer as pessoas de coisas óbvias e outrora pacíficas, como a forma da Terra ou a importância da vacinação. Em um passado nem tão distante, coisas assim não seriam sequer cogitadas. E eu, realmente, não tenho paciência nem saúde para debater temas ou para me demorar em abordagens que, sinceramente, são lunáticas. Com todo o respeito à boa gente selenita.

Dito tudo isto (não consigo deixar de ser prolixo), a persistência deste blog e sua errática alimentação  passou a cumprir uma outra finalidade. Muitas vezes me peguei lendo textos antigos e sorrindo, porque eram registros de vivências cariciosas, mormente as familiares. O blog passou a ser, de fato, um diário, no sentido de relicário de memórias. Serve para mim mesmo, mas sobretudo para minhas filhas. Se eu morresse hoje, elas teriam este espaço como um modo de conhecer um pouco mais o pai que tiveram, por suas ideias - as boas, as ruins, as tolas. Sim, esta é minha principal motivação atual. Mesmo com a plena consciência de que os textos deste blog foram produzidos por uma pessoa muito, muito diferente. A maior diferença, sobretudo em relação às publicações mais antigas, reside no fato de que o Yúdice atual abandonou, há muito, as proclamações absolutas e a facilidade de ofender quem pensa diferente. Até sinto vergonha desses meus comportamentos pretéritos, mas para mim é uma questão de princípio não apagar nem alterar os textos. Eu era aquela pessoa e publiquei os textos. A cara foi dada a tapa. Acho justo arcar com as consequências.

Em suma, não concordo mais e nem me orgulho de boa parte do conteúdo do blog. Entendo-o, apenas, como expressão de um ser humano, em seu próprio tempo e de acordo com suas próprias circunstâncias.

Quanto ao "Yúdice escritor", isso entra na conta da extrema gentileza do Dib. Eu gostaria de ser um escritor, mas não sou. Poderia tornar-me, mas não me vejo com recursos para fazê-lo por enquanto. Objetivos, inclusive. Tempo. Nível de dedicação. Mas quem sabe ainda contarei uma boa história. Por ora, agradeço.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Tempo seguindo

Faz dois meses e meio que publiquei pela última vez aqui no blog, em 24 de junho. De lá para cá, umas tantas coisas aconteceram, entre boas e más. Em suma, o óbvio: o mundo seguiu seu curso, como sempre, indiferente às nossas preferências.

Dentre as ocorrências que para mim são relevantes, fiz aniversário, concluí minhas duas primeiras disciplinas no doutorado, tomei a segunda dose da vacina contra covid-19 e vi minha filhinha se desenvolver. Tudo sem publicidade, exceto a vacinação, porque a compreendo como uma questão de motivação de terceiros, pois a imunização não é apenas interesse individual: toda a sociedade se beneficia.

Quanto aos problemas, podem ser enormes, mas não merecem menção. Você cuida deles, mas ao mesmo tempo lhes dá o desprezo a que fazem jus. E segue adiante.

Ainda estamos vivos, por mais que haja muita gente, Brasil afora, querendo acabar com tudo, só porque sim. Eles também passarão.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

O privilégio de ser vacinado

Minha mãe se preocupava demais com a nossa saúde. Ela providenciou que meu irmão e eu, quando crianças, tomássemos todas as vacinas disponíveis na rede pública (em uma época anterior ao SUS). Somos muito gratos por isso. Eu nasci em 1975 e, na segunda metade daquela década, certas doenças ainda não estavam erradicadas no Brasil. Portanto, não é demais dizer que o zelo materno nos protegeu do risco de sofrer danos diversos. Valeu, mãe.

Eu me recordo de estar na quadra da escola junto a um mundaréu de crianças. Os vacinadores nos colocavam em fila e usavam a assustadora pistola que inoculava o imunizante ao estilo linha de produção, a mesma agulha sendo utilizada incontáveis vezes. Algo impensável, hoje!

Por toda a minha vida, vi pessoas reclamando de vacinas apenas devido ao fato de serem injetadas e muita gente tem horror a injeção. O que não existe em minha memória são pessoas dizendo que vacinas matam, que são estratégias de uma conspiração comunista ou questionando nível de eficácia, muito menos país de procedência. Campanha contra vacina, para mim, só existia em livros de História (a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, entre 10 e 16 de novembro de 1904).

Com amarga ironia, ponho-me a pensar (isto é apenas uma elucubração; posso estar constrangedoramente equivocado!) que, nos tempos de minha infância, a população em geral era mais pobre, porém menos afetada por doenças infectocontagiosas; mais desprovida de acesso à educação, porém menos anticiência; menos guarnecida de políticas públicas, porém mais consciente da importância delas.

Quatro décadas se passaram e vacina se tornou o desejo mais profundo de milhões de pessoas, mundo afora. A ciência aplicou conhecimento acumulado e, em tempo recorde, surgiram os imunizantes contra o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, que tem amaldiçoado o planeta há mais de um ano e meio. Era para ser um capítulo trágico da História humana, com um desfecho esperançoso, se não estivéssemos vivendo no Brasil da pós-verdade, na República das Milícias ou outro nome que lhes apeteça.



Há cinco dias, em 19 de junho, recebi a primeira dose da AstraZeneca (que não me provocou nenhuma reação). Foi um momento de grande alívio para mim e para as pessoas que se importam comigo, várias delas já vacinadas também. Usei o cronograma normal: pessoas nascidas até 1976 (depois estendido para 1978), sem comorbidades. Levei menos de 50 minutos para resolver tudo e voltar para casa. 

Como mostra a segunda foto, fiz meu protesto, obviamente. Postei em meu perfil no Instagram para não perder a piada segundo a qual sem postagem a vacina não funciona. E posto agora no blog, pois ele é meu diário eventual, realmente, e vou gostar de ver este registro daqui a alguns anos. Ou minhas filhas, talvez.

Mas como na República das Milícias não há um só instante de paz, no mesmo dia em que me vacinei, o país alcançou a marca, esperada e anunciada, de meio milhão de mortos, segundo os números oficiais. É sempre importante recordar isto, porque, como não tivemos testagem massiva da população, a covid-19 sempre esteve subnotificada entre nós. Os óbitos também, em consequência. Por isso, minha postagem foi, acima de tudo, uma declaração de solidariedade às vítimas, seus familiares e amigos. É um horror indizível ver tantas vidas desperdiçadas, um caos que ainda sequer foi dimensionado, inclusive porque os números seguem avançando.

No futuro, veremos estudos sobre os impactos econômicos, que tanto interessam aos políticos pilantras e aos brasileiros desviados à direita, mesmo quando pobres. Veremos, também, estudos sobre orfandade, um tema que me interessa, já que conheço casos muito tristes de crianças que perderam o pai, a mãe, ambos ou outros responsáveis. Terrível. Uma dor sem precedentes.

Com um abraço fraterno renovado em quem chora vidas por causa da pandemia, desejo tempos melhores à frente. Mas, para isso, precisaremos remover obstáculos, baixar a guarda e recobrar a lucidez.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Já é junho?

A coisa está decididamente péssima quando o mês de junho começa e eu nem me dou conta disso. E mesmo observando algumas pessoas fazendo publicações a respeito, não me animo.

Santos de junho, valei-me!



segunda-feira, 24 de maio de 2021

Você pode ir

Li matéria sobre o adolescente Tomás Covas (15 anos), filho do recentemente falecido prefeito de São Paulo, Bruno Covas, vitimado por câncer. A reportagem (que pode ser lida aqui) enfatiza o fato de o jovem ter dito ao pai que ele poderia ir tranquilo. Que poderia descansar.

Inevitável pensar que, um dia, também precisei fazer algo semelhante. E eu posso dizer a data com precisão: 28 de setembro de 2015. Abracei minha mãe (segundo o prontuário, consciente, porém totalmente não comunicativa) e disse a ela as coisas que me haviam sido sugeridas por meu irmão ― ele, por sua vez, auxiliado por uma linda rede de apoio que tínhamos à época. A diferença é que ele acreditava naquelas ideias e eu, claro, não. Estava revoltado demais para acreditar em alguma coisa. E duvido que meu discurso tenha enganado minha mãe. Espero que, ao menos, tenha ajudado de algum modo o seu processo de desligamento, que durou quase seis dias.

Eu disse que ela precisava descansar e que podia fazê-lo, pois nós ficaríamos aqui e cuidaríamos de tudo. Dando a entender que cuidaríamos bem. Isso se revelou uma mentira de variadas formas, porém, naquele momento, nem eu mesmo possuía essa compreensão. Concentrei-me, em especial, em prometer a única coisa que eu acho que cumpri minimamente: cuidar de Júlia, a netinha por quem minha mãe queria tanto viver. Não acho que tenha falhado. Um dia, perguntada, Júlia me disse que se considerava feliz. As coisas andam complicadas no mundo, mas espero que ainda seja.

Enquanto as pessoas morrem a rodo por causa da pandemia do novo coronavírus, o planeta segue girando, o que significa que pessoas seguem morrendo de outras coisas. Os dramas antigos continuam todos aí, provocando-nos essa sensação pesada de perdas que se amontoam, pressionando nossas mentes, esgotando nossos sentimentos. Alivio-me na autopercepção de conservar a capacidade de empatia, de ainda me importar com o que é simplesmente humano. E, por razões que me parecem óbvias, separações familiares me tocam muito diretamente.

Curioso que, desta vez, senti vontade de escrever, pois a quase totalidade dos meus impulsos emotivos, que considerei compartilhar, foram engavetados. Como diria a canção, "confesso entretanto que sou incapaz/ de exibir assim minhas marcas nos jornais". Hoje, fiz diferente. Talvez como uma forma de dizer aos que estão se separando de seus amores que alguém por aí se importa com eles, mesmo que não nos conheçamos. E que eu realmente desejo que os tempos vindouros possam ser mais leves. Do resto, não sei.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Vivendo como um brasileiro

Começo reconhecendo que se trata de um white people problem. Reconheço e assumo, mas é fato que um white people problem ainda é um problem. E considerando que ele se some a outros, a vida, na parte que poderia ser simples, torna-se desnecessariamente complicada. Quem é que aguenta uma vida inteira de tribulações?

Minha carteira nacional de habilitação venceu. Por lei, posso conduzir veículos por 30 dias após o vencimento. Naturalmente, tratei de providenciar logo a renovação. Acessei o site do DETRAN, emiti o boleto e fiz o pagamento. O serviço está reorganizado por causa da pandemia, então busquei as instruções oficiais, disponibilizadas ao público. De acordo com elas, preciso fazer meu agendamento por meio do call center (número 154). Você já deve saber ou, no mínimo, pode imaginar o que significa telefonar para um órgão público.

Na sexta-feira, escutei toda a mensagem pré-gravada, digitei meu CPF, acessei todas as opções e somente lá no final a gravação me informou que, devido à pandemia, o horário de atendimento está reduzido. Podiam ter informado isso logo de cara, não? Mas porque alguém se importaria com isso? Resignado, voltei a ligar hoje. Foram mais de 26 minutos de espera, ouvindo um curto trecho musical que se repete à exaustão. 26 minutos, em um momento em que preciso preparar duas apresentações acadêmicas, uma sustentação oral e uma petição, além de responder duas consultas. Estas são as demandas deste momento, não as do dia inteiro. Sim, eu sei que deveria estar fazendo isso em vez de escrevendo no blog, mas um ser humano, às vezes, precisa por para fora.

Enfim, consegui meu atendimento e até recebi uma boa notícia: devido à pandemia, não haverá coleta de dados biométricos. Eles reutilizarão a minha foto horrorosa da CNH atual. Com isso, pulamos uma etapa e passamos logo ao agendamento do exame médico. Quando faltava apenas confirmar isso, adivinha? O sistema ficou inoperante! É isso mesmo! Aquela coisa que sempre acontece em serviço público ou em bancos, aconteceu de novo! Ou seja, a minha meia hora de atendimento serviu para nada, pois preciso fazer tudo de novo. Supostamente, posso agendar pelo site, assim que o sistema retornar.

Então tá. Agora resta esperar que, com diversas clínicas na cidade, uma delas bem aqui pertinho de casa, eles me agendem para uma do outro lado da cidade, pois a distribuição dos usuários é feita aleatoriamente pelo sistema. Sei como é. Anos atrás, a distribuição aleatória do ENEM colocou uma pessoa de minha família, que mora na Marambaia, a 5 minutos a pé de uma escola e menos de 10 de outra, para fazer prova no Jurunas, em uma escola a poucos metros da Av. Bernardo Sayão. Mas é desse jeito. Não adianta buscar motivos. Podemos reduzir a um motivo só: ninguém se importa.

Se bem que, sobretudo em se tratando de DETRAN, uma outra explicação nunca pode ser desconsiderada: criam-se dificuldades para se vender facilidades. Basta um contatinho e uma ética frouxa para a tampa fechar a panela.

Cansativo.

sábado, 13 de março de 2021

O falso é mais realista

Embora o resultado tenha sido publicado em 22 de fevereiro último, somente ontem, 19 dias depois, a Universidade Federal do Pará, por sua Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, formalizou e divulgou a inclusão dos novos acadêmicos em nível de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Direito. Sou, oficialmente e mais uma vez, calouro daquela instituição.

O que sou, também: um grande privilegiado. Tenho o privilégio de integrar um grupo de apenas 19 pessoas, que foram habilitadas a galgar o último estágio da formação acadêmica e, ainda por cima, em uma universidade pública, onde estão os melhores índices de qualidade e as maiores oportunidades de realizar pesquisa de verdade. Mas como cheguei a isso? Sozinho? Esforçando-me muito, individualmente? Acreditando com toda a força do meu coração? Lógico que não. Na vida real, não há espaço para as tolices de coaches, os romantismos a la Disney e, em especial, para a mentirosa e nefanda ideologia da meritocracia.

Sou privilegiado por dispor de uma fonte de renda que me permitiu concentrar os meus esforços no processo seletivo, que teve como maior exigência a elaboração de um projeto de pesquisa que, no meu caso, alcançou a nota 9,7 (no intervalo de 0 a 10). Para elaborá-lo, apliquei uma década de estudos em criminologia (privilégio), consultei um monte de livros que já possuo (privilégio), comprei livros em caráter emergencial (privilégio), usei equipamentos e outros recursos de boa qualidade, que tenho diuturnamente à disposição (privilégio), e em especial debati minhas ideias e fui orientado por pessoas de alta qualificação, inclusive no que tange à metodologia (privilégio de fazer parte do círculo dessas pessoas e de dispor do tempo delas).

Acha que acabou? Sou privilegiado por morar em uma casa própria, em região não sujeita a riscos significativos (por aqui não há sequer os alagamentos generalizados de Belém), dispor de carros para resolver tarefas que exigem deslocamento (como comprar remédios às duas horas da madrugada, há poucos dias), ter comidinha boa e nova todos os dias, que não preparo pessoalmente, além de outras comodidades domésticas. Acima de tudo, ter uma família que apoiou abertamente o meu projeto de vida e me favoreceu tempo e condições para me dedicar a ele.

Estes são os privilégios mais evidentes. Procurando, decerto eu encontraria vários outros. E, com certeza absoluta, meus 18 colegas estão em situação semelhante. A turma do mestrado também. Sim, também há os que precisam da bolsa, mas essa já é uma necessidade altamente privilegiada. Ou você acha que necessitar de bolsa para cursar pós-graduação está no mesmo nível das necessidades prementes e diárias de uma legião de brasileiros crescentemente empobrecidos (sem nenhum demérito, claro)?

Em suma, não existe o mérito dos meritocratas. Há, no máximo, merecimento em um sentido metafísico, se você for daqueles que acreditam em certas religiosidades. E tudo isso para levar adiante um projeto que não é exatamente uma unanimidade. Afinal, para que serve, realmente, um doutorado? Sei o que eu espero dele, em particular. Mas o que será que esperam as demais pessoas que trilham essa senda? E o que elas encontram?

Segundo reportagem de maio de 2019, baseada em dados oficiais, o Brasil possuía 7,6 doutores para cada 100 mil habitantes e precisava dobrar esse número para chegar ao nível mais baixo dentre os países desenvolvidos. Trata-se do Japão, no qual havia quase 13 doutores para cada 100 mil habitantes (mas no Japão não há necessidade de escolarização como estratégia de sobrevivência). A Itália era o país com o pior cenário na Europa, mas mesmo assim eram 17,5 doutores por 100 mil habitantes. E se você compreende a importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento de um país, fica fácil concluir porque o índice de doutores é relevante.

Em setembro de 2019, outra reportagem informa o lançamento de um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apontando que, entre 35 países com dados disponíveis sobre o tema, o Brasil estava entre as três nações com menor número de doutores no mundo: uma proporção de 0,2% de sua população, contra 1,1% dos países integrantes da OCDE. O dado positivo foi o aumento do número de docentes com mestrado ou doutorado, conforme dados de janeiro último, divulgados pelo Instituto Nacionais de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Mas antes de comemorar qualquer coisa, saiba que, no Brasil, em março de 2019, o desemprego entre mestres e doutores chegava a 25%, contra 2% em nível mundial. Além da indignidade contraintuitiva que isso representa ― pois somos levados a supor, ingenuamente, que a maior qualificação importa acesso a melhores condições no mercado ―, essa conjuntura leva à evasão desse grupo especializado para outros países, quando conseguem, além de que se perde a oportunidade de viabilizar pesquisas que busquem soluções para muitos problemas da realidade brasileira. Uma universidade dos Estados Unidos não há de priorizar as necessidades do semiárido brasileiro, p. ex. É triste ver que quando reportagens, com um tom frequentemente ufanista, celebram um brasileiro participando ou até comandando uma pesquisa ultraimportante, na maioria dos casos tal pesquisa está sendo realizada em outro país.

O prognóstico não é de melhora. Desde 2016, o orçamento federal para a educação tem despencado, confirmando o que os setores progressistas da sociedade sempre repetem: isso é um projeto. Os decisores têm envidado esforços para que os brasileiros tenham cada vez menos acesso a educação, notadamente de qualidade. Mas se estamos todos de acordo ― inclusive aquele gênio do WhatsApp, que adora dizer que os pobres não quiseram estudar ou não se esforçaram o suficiente para isso ―, que a educação desenvolve pessoas e países, qual pode ser, então, o resultado esperado dos investimentos e das escolhas aqui na outrora República das Bananas, hoje República das Milícias?

Ao fim e ao cabo, como se costuma dizer, somos um país de autoproclamados doutores. Basta uma graduação ―ou às vezes nem isso, bastando algum sinal de riqueza material , e o sujeito já vira doutor. É chamado assim pela imensa legião de trabalhadores em postos subalternos e em especial pelos excluídos do mundo do emprego, os quais reproduzem, a cada vez que doutorificam um espertalhão sem essa qualificação, um ciclo de distinção entre indivíduos menos distintos do que se reconhecem. Renovam a massagem no ego de uma classe média que se entende e percebe como aristocracia e quer ser tratada com mesuras e floreios. Não à toa, muitos deles se ofendem de verdade se o título não lhes é dado. Sem olvidar, claro, os casos clássicos e patológicos dos profissionais de Medicina e Direito.

Do jeito que as coisas vão, ser um desses doutores de coisa nenhuma tem dado mais certo do que dedicar muitos anos de sacrifícios pela titulação acadêmica. Resulta daí que um protesto como este visa repor um pouco as coisas aos lugares que elas deveriam ter e isso significa, inclusive, não glorificar doutor nenhum. Ele é só mais um sujeito que estudou e, talvez, esteja fazendo umas coisas bacanas e úteis de sua vida. Não é isso que o inscreve entre os bons seres humanos. Caráter e empatia deveriam ser os requisitos.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Um dia para os humilhados serem exaltados

Não se trata de meme de internet, tampouco de piada. Apesar da aparência lúdica, o título da postagem tem a sua razão de ser.

No dia de hoje, foi divulgado o resultado do processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. É imensa a minha alegria em comentar que fui aprovado para o doutorado, um antigo projeto de vida que, por inúmeras razões, somente será implementado agora. Sem mágoas, eu mesmo acredito que é agora que tenho condições de fazê-lo. Talvez seja verdade que as coisas vêm no tempo certo.

Hoje é dia de comemoração e, a partir de amanhã, de trabalho. Os próximos anos serão muito exigentes, mas tudo faz parte do jogo. Estamos todos cientes disso. Não penso em sacrifícios, mas em todo o aprendizado que este processo traz. Penso na autorrealização, nas oportunidades que hão de surgir, em sair da rotina, da caixinha e do passado. Tudo isso é por mim e por minhas garotas.

Meus agradecimentos por todo o apoio recebido de muitas fontes, desde novembro, quando começou a movimentação em torno desta seleção. 

Recomeçamos daqui. Que venha o futuro.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Uma tarde e tanto

Agora que encontrei um tempo para comentar sobre a experiência inédita que vivi nesta sexta-feira, dia 12. Pela primeira vez tentando ingressar em um programa de doutorado, cheguei à fase final, a entrevista, realizada de modo remoto com quatro outros candidatos. Na imagem abaixo, uma captura de tela, mostrando um momento da atividade, que durou três horas e meia.


Sim, eu sou aquele pontinho no canto superior direito...

Fiquei feliz de ver que todos os projetos apresentados possuíam real vinculação com o projeto de promoção dos direitos humanos, que é uma exigência formal do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD-UFPA). Afinal, precisamos nos precaver de pesquisas fundadas em preconceitos pessoais e no possível objetivo de usar a academia para legitimar subjetividades excludentes e violentas. Falando em abstrato, naturalmente. Assim, foi sem surpresa que vi propostas realmente comprometidas com o aprimoramento das relações humanas, cada uma em uma seara importante: adolescentes submetidos a medidas socioeducativas, violência contra a mulher, ensino do Direito, racismo institucional no júri e, claro, sistema penitenciário (este, por sinal, o meu projeto). Dos cinco projetos, quatro estavam centrados no tema do racismo.

A banca avaliadora foi composta pelos professores Luanna Tomaz de Souza (orientadora pretendida), Ana Cláudia Bastos de Pinho e Raimundo Wilson Gama Raiol (que se lembrou de eu ter sido orador na minha formatura, lá se vão quase 24 anos!). Ao final da sessão, fiz questão de parabenizar os colegas e de agradecer à banca pela arguição extremamente justa, porque baseada no objetivo de nos proporcionar a oportunidade de defender os projetos de pesquisa, exatamente como deve ser. Todas as perguntas, a todos os concorrentes, eram esclarecimentos sobre as propostas apresentadas (além do óbvio questionamento sobre disponibilidade). Não houve nada que nos surpreendesse ou afligisse, o que também não surpreende, dada a lisura e a competência dos nossos avaliadores. 

O resultado disso é que... eu simplesmente me senti feliz com o debate travado! Claro que não sei qual será o desfecho do processo seletivo. Em tese, tenho 20% de chances de aprovação, como os demais, embora a régua varie um pouco, devido às notas atribuídas nas fases precedentes. O fato é que eu posso ser aprovado ou não. Mas, sem clichê algum, valeu demais a experiência de ter tentado. Trabalhei por um antigo anelo que, por variadas razões, nunca levei adiante e agora o fiz. 

Estou feliz porque trabalhei muito e ofereci um projeto de pesquisa que me agradou de verdade, a ponto de romper a tradição de jamais me sentir satisfeito com nada do que faço. Posso não ter chegado ao suficiente, mas sinto que fiz o melhor que podia neste momento, chegando a convencer a mim mesmo de que estou pronto para assumir essa responsabilidade. Enfim, a missão está cumprida. Ao menos, sinto assim.

No próximo dia 22, vamos ver o resultado.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Atendente obstinado

Ontem, não tive escolha senão fazer uma das tarefas domésticas que mais me irritam: ir ao supermercado. Lá pelas tantas, pedi a um atendente dois potes de meio quilo de manteiga. E os minutos começaram a passar, a fila foi aumentando, a preocupação com aglomeração aumentou junto e nada do cara voltar. Naturalmente, isso me exasperou.

Olhei na direção e o sujeito estava diante da balança, pesando os meus potes de manteiga. Ele olhava, ia e voltava, ia e voltava, ia e voltava. Nessas idas e vindas, ele colocava um pouquinho de manteiga no pote ou tirava um pouquinho de manteiga do pote. Sim, meus amigos, por alguma razão que nem o úbere da vaca explica, o sujeito resolveu que ele precisava me entregar dois potes de manteiga com exatamente 500 gramas cada! Nem um grama a mais, nem um a menos. O preço, igualzinho.

Como eu precisava de outros itens, e também pelo fato de eu ser um doce de pessoa, que raramente briga com as criaturas, mesmo que elas mereçam, nada disse, mas desde então não paro de pensar nessa estranha obstinação, que me custou tempo e paciência. 

Tinha que ser comigo, claro. Eu atraio todo tipo de comportamento aversivo. Ô sina!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Para Eduardo

Quando teus sintomas começaram, estavas certo de que não era covid-19, mas tiveste a prudência de te recolher em casa. Foi por isso que, no dia 18 de dezembro, quando fizemos nossa última reunião de trabalho do ano, e aproveitamos para fazer uma pequena confraternização interna, restrita por causa da necessidade de distanciamento social, tu compareceste de modo virtual. E todos percebemos o quanto isso te custou, pois na hora do encerramento estavas em lágrimas. E isso nos comoveu, também, claro. Não fui o único a querer te abraçar naquele momento.

Até então, tudo parecia apenas um contratempo. Não imaginávamos que, na terça-feira seguinte, estarias internado. Mas a máscara de oxigênio era mais uma cautela, porque estavas bem, no geral. Mandaste uma foto, de máscara, sorridente. Eu me sentia só um pouco chateado por estares no hospital em pleno natal. Realmente não me recordo em que hora o apartamento virou UTI. Talvez, àquela altura, tudo fosse uma necessidade contornável. Mas aí começaram a falar em possível intubação e minha inclinação pessimista acendeu todos os alertas.

Amigos queridos me lembraram da importância do pensamento positivo e eu me esforcei ― juro, meu amigo, eu me esforcei muito, porque para mim essas coisas exigem esforço ― para não pensar em nada sombrio. Eu me concentrava na tua saúde e em toda a bondade que espalhavas pelo mundo. E as notícias que chegavam eram de alguma melhora, principalmente de estabilidade. Aprendi contigo, em alguma de nossas inumeráveis conversas sobre questões médicas, que um paciente grave, porém estável, é melhor do que um não grave, porém instável.

Daí as notícias já não eram tão auspiciosas. Eu sabia que, ao teu redor, além de muitos médicos, e outros profissionais de saúde, fazendo todo o possível, havia também a rede de orações, impulsionada pelo bem que sempre fizeste a tantos, notadamente os mais necessitados, os mais pobres, os moradores de rua. Eu lutava contra um pensamento que insistia em retornar: aquela sensação angustiante que vivi em 2015, de tensão quando da atualização dos informes médicos e de eles serem sempre frustrantes. Como anos atrás, passei a ter receio de ligações telefônicas ou de mensagens de WhatsApp. E, como anos atrás, fui informado de que seria a qualquer momento.

Em 2015, o "a qualquer momento" durou uns quatro dias. Hoje, foi rápido. Sentado na beira da cama, repeti o meu velho lamento: "As coisas são como são". Era o meu exercício diário de resignação.


Essa doença atroz leva as pessoas que amamos e sequer permite que sejam cumpridos os ritos que nossa cultura desenvolveu para as despedidas. E fechamentos são indispensáveis! Felizmente, tivemos a oportunidade de fazer nosso cortejo. Fizemos a carreata do Eduardo! Um modo de obter o nosso fechamento, mostrando respeito ao teu corpo, cientes de que tua alma já está em paragens muito mais elevadas. Ninguém duvida de que ficarás muito bem. Não há outro destino para quem expressou tanto amor ao próximo e altruísmo como tu. Tomara que por aí haja umas manifestações, para poderes gritar palavras de ordem a plenos pulmões.

Vai com Deus, irmão. Se possível, não te esqueças do que te pedi na despedida. Os que vêm depois, como eu, sempre necessitam dos ensinamentos dos melhores, como tu.

E, claro, obrigado. Por absolutamente tudo.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Retrospectiva 2020

Janeiro. Ano começou comigo de luto, passando uns dias em Santarém, ansioso em relação ao futuro.

Fevereiro. Vendo as pessoas comemorarem o carnaval enquanto o mundo falava cada vez mais do novo coronavírus.

Março. A pandemia se tornou uma realidade por aqui. Começou o isolamento nesta família e todos fomos afetados pelos serviços públicos e privados sendo descontinuados ou tornados virtuais.

Abril. Nasceu Margot, nossa segunda filha e uma alegria exuberante em meio ao caos.

Maio. Já cansado de ouvir falar em lives, mesmo tendo assistido a poucas delas. Vivi a estranha experiência do lockdown, tendo que explicar a policiais militares o que eu estava fazendo na rua (havia ido ao supermercado). Eu me senti dentro da distopia.

Junho. Lamentando a perda das festividades juninas. Aquelas comidinhas que amo, sabe?

Julho. Completei 45 anos me perguntando o que diabos estou fazendo aqui.

Agosto. Mês do desgosto? Como assim, "mês", durante um ano que já era odiado pelo mundo afora? Atividades retornando, mas não retornando exatamente.

Setembro. Administrando uma adolescente se declarando surtada pelo isolamento em casa, embora, claro, sem se dar conta dos privilégios que a vida lhe permitiu.

Outubro. Todo o respeito às pessoas que lamentaram não ver o Círio de Nossa Senhora de Nazaré nas ruas de Belém. A cidade se beneficia da energia das pessoas que vivem esse momento de união.

Novembro. Em uma eleição adiada, corremos risco real de ver nossa cidade ser entregue a mais um projeto oportunista e canalha, mas pelo menos disso escapamos. Passei o mês muito empenhado em um antigo e importante projeto pessoal.

Dezembro. Com um grande amigo internado com covid-19, em estado muito grave, vejo os brasileiros apertarem com convicção o botão do foda-se, porque não podem deixar de celebrar suas vidas miseráveis. Aguardando resignado as consequências.

Muita gente aguarda ansiosa pelo fim de 2020. O fato é que, de acordo com as convenções, o ano acabará inelutavelmente, daqui a menos de 14 horas. Mas o que esperar de 2021, se as condições são as mesmas? Vacina. Por ora, esta parece ser a única variável capaz de fazer alguma diferença.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Terminando. Ou não. Provavelmente não.

Falta pouco mais de 4 dias para 2020 terminar. Difícil encontrar quem vá sentir saudade. Muita gente por aí está dizendo que se trata do pior ano de todos, e não apenas no Brasil, embora por aqui precisemos conviver com o pesadelo permanente do nosso desgoverno genocida. Claro que essa fatura vai para a fatura do novo coronavírus, que ceifou milhões de vidas pelo planeta, isolou as pessoas e causou um sem número de danos, materiais e emocionais. É a maior emergência sanitária da História, se pensarmos no aumento da população mundial e no maior risco de contágio, devido às possibilidades de deslocamento entre os países.

Para mim, não foi o pior ano já vivido. Deixo esse demérito para 2015, com um profundo desejo de que nunca mais precise enfrentar nada parecido. Em relação às ações humanas, a maior violência que sofri remonta ao ano de 2019. Logo, 2020 ficará marcado como o ano de nascimento de minha segunda filha, tão ansiada e intensamente buscada. E mesmo que o isolamento nos tenha afetado a todos, também nos deu, no caso específico de nossa família, a oportunidade de estar em casa, ao lado dela, acompanhando o seu desenvolvimento. Finalmente, a ideia de tirar partido dos reveses funcionou para mim.

Contudo, o alerta vermelho está aceso. Neste momento em que escrevo, um grande amigo, uma das pessoas mais generosas que já conheci, encontra-se internado em UTI com covid-19, em estado grave, intubado. Passo os dias monitorando o celular, com medo de que alguma mensagem do WhatsApp traga informações de que não estamos precisando neste momento. Conheço essa sensação de medo permanente do telefone, do mensageiro. Estamos em uma grande corrente de vibrações positivas. É nisso que precisamos nos concentrar.

No mais, o ano ― essa convenção humana ― acabará em breve, porém o mundo seguirá sendo como é. E nós precisamos desesperadamente que ele mude: que haja mais decência e bondade, pois muita gente renunciou voluntariamente a esses valores, por pura escolha. Precisamos nos reencontrar com nossa humanidade. E estes eventos de fim de ano costumam ser propícios a tais reflexões. Só espero que não sejam promessas de fim de ano. Até porque não estou vendo ninguém prometer nada.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Eterna vigilância contra o inimigo

Ontem eu me deparei com uma reportagem considerando inadmissível mulheres ainda terem câncer de colo de útero. Considerei a manchete contundente e, por razões pessoais, decidi ler o texto. Por sinal, um exemplo cada vez menos frequente de matéria bem feita, porque devidamente explicada (e não reduzida a dois parágrafos, para os preguiçosos fazerem um esforço de ler), detalhada, subsidiada na Medicina e, mesmo assim, com uma linguagem leve, talvez para reduzir o incômodo do assunto. Abaixo o link:

https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/lucia-helena/2020/12/03/nao-e-aceitavel-que-tantas-mulheres-ainda-tenham-cancer-de-colo-de-utero.htm

Como disse acima, tenho razões pessoais para me sentir mexido por esse tema.

Minha mãe morreu em decorrência de um câncer uterino. Faz 5 anos e 2 meses, agora. Ela tinha pavor de câncer. Sequer pronunciava o termo. Chamava de "aquela doença feia". A mãe dela morreu de câncer no estômago e isso aumentou o medo que ela já sentia. Ela se cuidava, fazia preventivo todos os anos. Mas só depois do diagnóstico descobrimos que o preventivo investiga apenas câncer de colo do útero, não da cavidade uterina. E o tumor dela surgiu no fundo (que, contraintuitivamente, é a parte de cima). Eis a ironia: passou anos se protegendo, mas não sabia que a proteção era meramente parcial. 

Pessoas como eu, estudadas em alguma área e com acesso às internets da vida, supõem compreender razoavelmente bem diversos assuntos. Aí vem a realidade e nos atropela, mostrando que somos bem mais ignorantes do que pensávamos. Diante disso, resolvi compartilhar a reportagem com amigos e aqui no blog, pois realmente nunca mais quero ver alguém passar por aquilo.

Cuidem-se. Saúde. Abraços.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Pergunta pra mim!

Nunca fui abordado por algum instituto de pesquisa, para me perguntar sobre intenção de voto. E eu realmente gostaria de participar. No final da manhã de hoje, achei que minha oportunidade chegara, mas não deu.

A pesquisadora disse que ainda precisava entrevistar uma pessoa, mas precisava ser um homem na faixa etária entre 33 e 44 anos. Completei 45 há menos de 3 meses, mas por causa disso eu não me encaixava no perfil procurado. A moça se desculpou pelo incômodo (incômodo algum) e seguiu seu caminho. Naquele calor do cão, ia de casa em casa procurando um respondente adequado. Pelo menos eu a ajudei a pular uma casa, pois sei que entre meus vizinhos da direita ninguém corresponde ao tipo procurado.

O episódio ao menos serviu para demonstrar que, ao contrário do que pensa muita gente desinformada, há sim credibilidade nas pesquisas de intenção de voto. Não me refiro, claro, àquelas pesquisas encomendadas, safadas na origem, que já ajudaram a eleger muita gente. Esse tipo de fraude ficou mais difícil, creio, tanto pela criação de maiores mecanismos de controle quanto pelos poderes fiscalizatórios da internet. Ocorre que há pessoas que duvidam da estatística em si mesma, isso antes mesmo da atual era do negacionismo científico. Por ignorância, naturalmente, pois não entendem como funciona.

Hoje, tive uma pequena demonstração de como a estatística, por meio de parâmetros de sexo, idade, condição financeira, nível de instrução, etc., vai desenhando um perfil da população investigada, que torna possível o recorte ser uma expressão mais ou menos fiel do todo. Já haviam me explicado isso, mas foi interessante ver a coisa funcionar, na prática.

Só espero que chegue o dia em que eu finalmente possa responder.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

EGÍDIO



Egídio Machado Sales Filho PRESENTE!
Em: 03/08/2020

O escritório SÍLVIA MOURÃO ADVOGADAS ASSOCIADAS lamenta profundamente informar o falecimento do advogado EGÍDIO MACHADO SALES FILHO, ocorrido neste domingo (2.8.2020).

Os membros de nossa equipe tiveram em EGÍDIO, em diferentes épocas, um prestativo amigo, um notável colega de profissão, um professor de Filosofia do Direito na Universidade Federal do Pará, e de tantos outros saberes por onde passava, um mentor, um chefe no serviço público, que mantinha sua porta aberta aos colegas e ao povo.

Tivemos nele, sempre, um exemplo de cidadão, aguerrido nas lutas por justiça social, por igualdade de direitos e por assegurar voz aos vulneráveis. Mais do que palavras, EGÍDIO materializava suas convicções, por exemplo, advogando gratuitamente para famílias de vítimas da violência ― um papel que, em uma sociedade convictamente desigual, constitui um ato de doação.

Choramos hoje, porque estamos tristes com a sua partida abrupta. Mas honraremos sua memória e legado, lembrando que EGÍDIO era também um companheiro de gargalhadas, de brincadeiras sagazes e de acolhimento. Por ele, e pelos que ele defenderia, seguiremos perseguindo os sonhos que compartilhamos e brindando à vida, com um largo sorriso no rosto.

Ontem, precisei redigir a nota acima, que foi publicada no site de nosso escritório de advocacia (http://www.silviamourao.adv.br/2020/08/03/egidio-machado-sales-filho-presente/). Acabara de saber que nosso amigo Egídio falecera subitamente. Escrevi o texto supra, então, tentando falar também por meus colegas, que viveram experiências diferentes com ele.

Para mim, Egídio foi professor de Filosofia do Direito II, na Universidade Federal do Pará, na virada de 1996 para 1997. Foi um momento complicado. A disciplina deveria ter sido ofertada no nono semestre letivo, porém a carência de professores levou ao seu adiamento para o décimo, o último. Imagine a aflição que uma situação assim provoca na cabeça de concluintes. Sem falar que aumentou o número de obrigações naquela reta final, pois tínhamos uma disciplina a mais, por sinal cursada no turno da tarde (eu era da manhã). Além disso, estávamos com o calendário acadêmico arrasado por uma longa greve ocorrida em 1996. Nosso curso deveria terminar em dezembro daquele ano, mas nossa última aula ocorreu em 6 de março de 1997.

A última aula, a última obrigação acadêmica, foi justamente com Egídio.

Nosso curso não foi nada regular. Egídio estivera profundamente envolvido com a campanha de Edmilson Rodrigues a prefeito de Belém. Edmilson foi eleito e Egídio se tornou secretário de Assuntos Jurídicos. O resultado disso foi que ele ministrou poucas aulas e aplicou uns trabalhos que precisamos desenvolver em grupos, às cegas. Recordo-me das reuniões para tentar entender os textos requisitados. Estavam em Língua Portuguesa, mas eram tão incompreensíveis quanto sânscrito. Imagine concluintes de Direito, preocupados com formatura, conclusão de estágio, empregabilidade, vida futura, etc., tendo que digerir, fora da época correta e por conta própria, uns textos clássicos. Em caso de insucesso, a consequência seria, somente, não se formar. Povo da minha equipe se entreolhava e ria, mas de nervoso.

Passamos o semestre inteiro sem a devolutiva das avaliações. E assim chegamos ao dia 6 de março de 1997, último do calendário acadêmico, sem saber absolutamente nada sobre nosso futuro. Egídio confirmou aula para aquela tarde e avisou que entregaria os resultados. Quem não estivesse aprovado faria prova naquela mesma oportunidade. Ele apareceu, com seu jeito bonachão, mas acho que estava preocupado naquela tarde. As turmas reunidas naquela disciplina especial continham umas figuraças raras e os caras, sabendo que Egídio adorava uma bebida, levaram uma caneca de cerveja! Egídio ficou super sem graça. Sabia que estava ali como professor. Mas cedeu à pressão e tomou um gole da cerveja. Um só, mas rendeu gritos de comemoração. Então entregou os resultados. Dois alunos precisaram fazer prova final. Os demais, eu no meio, foram aprovados. E, com isso, estavam integralizados os nossos créditos. Podíamos nos formar. Imagine a emoção para aquele bando de garotos.

Houve festa depois, pela conclusão do curso. E a vida seguiu. Quatro anos mais tarde, meu caminho cruzou o de Egídio novamente, quando fui nomeado para o cargo em comissão de Procurador Jurídico do Município de Belém. Ele, secretário, era o chefe. Muitas vezes precisei discutir, com ele, os termos dos pareceres que elaborava na Procuradoria Administrativa. Ele tinha muita responsabilidade com o que assinaria. Mas nem por isso deixávamos de dar boas gargalhadas naqueles encontros. Em um deles, agradeci por ter-me aprovado em Filosofia do Direito. Eu realmente não sabia como consegui e acho que foi gentileza do professor. Acho que o deixei sem graça com o comentário.

Fiquei na secretaria por pouco mais de dois anos e saí para me tornar assessor no Tribunal de Justiça do Estado. Mas ainda tive uma última relação com Egídio: fui professor de seu filho Lucas, um rapaz maravilhoso. Nunca mais o vi, algo que lastimo muito. Mas sei que ele sempre esteve firmemente ligado aos colegas advogados do escritório para onde voltei em 2015, nos campos pessoal e profissional. Ou seja, sempre esteve presente. E sempre estará. Porque Egídio é dessas pessoas que, quando partem, deixam um legado, não apenas palavras.

Um brinde, Egídio. Tudo valeu muito a pena.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Como se fora um jornal vespertino

1

4 horas e 35 minutos. Foi o tempo transcorrido entre a publicação de minha postagem sobre o Prof. Hugo Rocha e a manifestação de um leitor, por sinal um querido amigo, viabilizando o contato. Já tenho como acessar meu mestre. A internet faz maravilhas, quando as pessoas não estão empenhadas em usá-la para o mal.

2

O calor excessivo provoca aumento na evaporação, saturação mais rápida da umidade do ar e, consequentemente, chuva. Esta última parte não estava funcionando. Esta tarde, finalmente, após dias e noites de calor inaceitável, choveu convincentemente sobre Belém. Misericórdia. Espero que o aguaceiro não tenha causado prejuízos, mas o fato é que estávamos precisando desse alento.

3

Embora milhões de brasileiros tenham feito uma opção por renunciar a elas, os funcionários do Banco Mundial estão demonstrando virtudes altamente urgentes: coerência e decência. Enviaram uma carta a seus superiores, opondo-se à nomeação, como diretor, de um dos indivíduos mais repugnantes oriundos do governo brasileiro, pelo menos até que certas posturas sejam revistas. Deixam mensagem clara: se querem ser a maior instituição financeira de desenvolvimento do mundo, seus integrantes devem ter integridade pessoal e comprometimento com as populações a serem atendidas, notadamente indígenas. Eu não passo pano para bancos. Meu elogio vai para esses funcionários. Inspirador.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Salve, Prof. Hugo Rocha!

Eu ainda me recordo de que hoje é dia do aniversário do meu antigo professor de direito penal, orientador de monitoria e corresponsável pela carreira que eu teria ao longo de 20 anos. Também me recordo de que ele nasceu no Município cearense de Russas e que trabalhou muitos anos na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), além de exercer o magistério. E que publicou dois livros, um deles sobre a catedral de Belém.

O que eu não me recordo é o número de anos que não o vejo. E isso me entristece. Homem das antigas, não é possível encontrá-lo pelas redes sociais ― ainda mais hoje em dia, em que eu mesmo já não tenho paciência para o mundo leviano das redes sociais. Fiz uma busca por seu nome no Google e não encontrei referências.

Muitos anos atrás, encontramo-nos casualmente pela rua e ele sugeriu que um dia nos reuníssemos para conversar sobre o que havia mudado no direito penal naqueles anos. Para dois professores da área, tal encontro faria todo o sentido. Mas nunca ocorreu. Foi como aquele "passa lá em casa", que é mais um modo polido de interagir. Ele sempre foi bastante reservado e eu, ainda jovem, comecei um processo de isolamento que se agrava cada vez mais. Então estou achando que o evento não sairá da intenção, mesmo. O que é uma pena. Hoje, quando tudo está tão transformado, eu aproveitaria mais do que nunca a oportunidade de receber mais algumas lições do velho mestre Hugo de Oliveira Rocha, a quem respeito e admiro.

Se alguém por aí ler estas palavras e souber como chegar ao meu querido professor, por favor, faça a gentileza de me por em contato com ele. Caso ele queira, obviamente. Vai chegando uma hora na vida em que começamos a prezar de um jeito inédito as memórias que temos. Em algum momento, elas serão tudo o que teremos.

Feliz aniversário, Prof. Hugo Rocha. Celebro e honro o seu nome, com gratidão por tudo.