segunda-feira, 31 de março de 2014

Parabéns aos professores da UNICAMP

É contraditório e constrangedor que títulos honoríficos, seja qual for a instituição que os outorgue, frequentemente sejam imerecidos e, pior, tisnem a honorabilidade da própria instituição outorgante. Talvez algumas pessoas pensem (ou eu pense, por ingenuidade decorrente de miopia adquirida ao longo dos anos de docência) que instituições de ensino seriam mais seletivas e responsáveis na escolha dos seus agraciados. Não necessariamente. Mas uma vez concedida, a homenagem fica para sempre, a menos que inesperadas forças contramajoritárias entrem em ação.

É sob esta premissa que parabenizo os professores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que pediram formalmente ao Conselho Universitário a cassação do título de doutor honoris causa outorgado em 1973 ao então Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, coronel reformado (não consegui saber de qual Força) hoje com 94 anos.

A moção dos professores da UNICAMP já começa arrasadora:
Afirmando que a honestidade intelectual é um imperativo nas atividades acadêmicas, entendemos que os recursos teóricos da crítica e da autocrítica devem ser permanentemente exercidos, tanto no plano individual quanto das instituições. Fundados nesta premissa, vimos a esta Congregação a fim de manifestar – nesta conjuntura política em que as diferentes Comissões da Verdade buscam conhecer em profundidade episódios recentes da vida política e cultural brasileira – nosso repúdio em face de um fato que compromete os valores democráticos e científicos perseguidos, ao longo de sua história, pela Universidade Estadual de Campinas. Os signatários desta Moção estão convencidos que a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao então Ministro da Educação Jarbas Passarinho – na reunião extraordinária do Conselho Diretor da Unicamp de 30 de novembro de 1973 – não foi acertada do ponto de vista acadêmico nem pertinente sob a perspectiva dos pressupostos e padrões da convivência democrática.
Foto da Sala de Imprensa da UNICAMP, obtida na internet,
mostra o então ministro da Educação conversando
amistosamente com o reitor daquela instituição.
Os professores destacam o intenso envolvimento de Passarinho com os atos dos golpistas, a ponto de ser um dos subscritores do hediondo Ato Institucional n. 5, cuja adoção foi justificada, por ele mesmo, em reunião do Conselho de Segurança Nacional com uma frase sintomática e escandalosa, hoje muito conhecida: "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência". Ressaltam, ainda, que Passarinho jamais fez qualquer autocrítica e continua se orgulhando das ações dos militares, por meio de manifestações (inclusive livros publicados) que o colocam como defensor do "terrorismo de Estado".

Aduzem que, como ministro de Estado, Passarinho foi responsável direto pela perseguição a intelectuais e a servidores públicos (professores e pessoal administrativo) e estudantes, que foram expulsos das universidades, além de implantar, em 1971, as Assessorias de Segurança e Informações em todas as universidades federais. Não bastasse isso, trabalhou pela privatização do ensino superior.

Se estamos em período de revisão histórica, devemos fazê-la por completo, corrigindo os erros do passado, tais como glorificar o que merece ser execrado. E nada mais adequado do que essa tarefa ter, na dianteira, as universidades, justamente um dos foros mais duramente atingidos pelos governos de exceção e de onde saíram inúmeras de suas vítimas. Inclusive porque possuem o dever institucional de promover o conhecimento e o aprimoramento da sociedade.

Em página do Senado, estão listadas homenagens prestadas a Passarinho, havendo 13 títulos de doutor honoris causa. Além da UNICAMP, também cometeram esse desatino, no Brasil, as universidades do Pará (onde o cidadão foi governador nomeado pelos militares), Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, pelas Católicas da Bahia, Recife e Goiás, e pelas PUC do Rio Grande do Sul e de Petrópolis ; e no exterior, a Universidade Autônoma de Guadalajara (México), esta última por sinal me deixando bastante curioso quanto a sua motivação.

Leia a íntegra da nota dos professores e informações sobre Passarinho clicando aqui.

***

Fica a dica para a minha querida UFPA. Por oportuno, vale a leitura desta postagem do Blog do CJK.

Cinquetenário do golpe

Há 50 anos, os militares iniciavam o golpe de Estado, debochada e ridiculamente classificada como "revolução", que de efetivo trouxe a supressão da democracia no país; a ruptura do modelo republicano, centrado na separação de poderes independentes; a implementação de uma política econômica que culminou no descalabro da década de 1980, a "década perdida"; a institucionalização da violação de direitos individuais, através de prisões ilegais, tortura e execuções, atingindo inclusive parentes dos verdadeiros suspeitos; a contaminação do sistema educacional por disciplinas ideológicas e moralizantes, ao lado da depauperação das universidades, além de outras mazelas.

Tudo isto junto, o Brasil chega ao ano de 2014 com indicadores gerais bastante atrasados, notadamente uma parcela significativa de sua população que continua acreditando em uma suposta ameaça comunista da qual o país precisava ser salvo; em um mundo dividido entre bons (a direita ultraconservadora) e maus (qualquer um que questionasse a direita ultraconservadora); em governos militares nos quais não existiria corrupção e outras falácias e absurdos, mais atrozes do que a burrice desbragada e que tanto custou à nação, ainda não pacificada.

Após ler a biografia de Carlos Marighella, escrita pelo jornalista Mário Magalhães, não fiquei com grande estima pela figura de João Goulart. Concordo com aquele autor que Goulart tinha o ordenamento jurídico do país e forças atuantes em defesa da legalidade, mas preferiu submeter-se à humilhante instauração artificial do parlamentarismo, implantado apenas para solapar-lhe o poder, e o resultado foi que isso não protegeu nem Goulart, muito menos o Brasil.

Mesmo assim, reconheço que o discurso proferido por Jango no Automóvel Clube (Rio de Janeiro), horas antes da deflagração do golpe, permanece absolutamente atual:


A minoria (numérica) de privilegiados continua aí, embora haja outros protagonistas. O olhar cravado no passado, que é onde estão fincadas as raízes de um modelo societário aristocrático e excludente, explica a persistência de discursos escandalosamente incondizentes com a realidade. A democracia segue sendo um valor respeitado mais por quem ainda não conseguiu dela beneficiar-se. E as forças reacionárias querem, com renovados ódio e energia, impedir a integração das classes mais baixas à divisão dos bens, materiais e imateriais, que ensejam o verdadeiro desenvolvimento.

As palavras acima poderiam ser ditas hoje, em qualquer foro, e seriam atuais. E o pior: hoje, o pensamento retrógrado e segregatório está amplamente disseminado por toda a sociedade, causando estupor que os alijados das benesses defendam os mesmos pontos de vista, notadamente a violência. Mas é como acontece.

A noite da exceção pode ter acabado, mas o dia não raiou. Até porque os mecanismos democráticos ainda são severamente incipientes, na realidade. Então é como se estivéssemos no final da madrugada, vendo os albores ao longe. Mas bem ao longe. Só podemos desejar que a luz vença.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Leis da natureza

Júlia, mais uma vez, pedindo um irmão e reivindicando o direito de escolher o nome da tal criança.

Eu: Você escolherá os nomes dos seus filhos. Se você tiver um irmão, eu e sua mãe é que escolheremos o nome.

Ela (assumindo o habitual tom de condescendência): Pai, quando as pessoas decidem ter um filho, até podem escolher o nome sozinhas. Mas quando elas decidem ter um irmãozinho, a criança também pode escolher o nome. São leis da natureza!

Ah, tá.

Os dois pesos e as duas medidas, novamente

Há muito que se consolidou uma regra segundo a qual uma pessoa não pode ser processada por crime tributário se o valor sonegado for inferior ao que a Fazenda Pública considera o mínimo para ajuizamento de execução fiscal. A ideia é que se o titular do crédito não se motiva a persegui-lo em juízo, não existe justa causa para a ação penal. Trata-se de uma aplicação do controverso princípio da insignificância, de tão incipiente aplicação no Brasil, porque aqui ninguém gosta de passar a mão na cabeça de ladrão vagabundo, malandro, safado.

Assim, embora o brasileiro médio considere perfeitamente natural e desejável mandar para a cadeia um fulano que furte (delito cometido sem violência contra pessoa, faço questão de ressaltar) a vítima, dela subtraindo, digamos, 50 reais, o próprio poder público se exime de cobrar valores devidos, porém sonegados, em montante bem superior. Não por generosidade, decerto, mas porque os ônus decorrentes do ajuizamento da execução fiscal, nesses casos, não seriam compensados pelo proveito obtido, se obtido. E como me explicou, certa vez, uma ex-aluna que é auditora da Receita Federal, esta regra existe porque o prejuízo provocado pelos (chamemos assim) pequenos sonegadores é superado com folga pelos grandes sonegadores. Assim, o que a Receita quer é acertar os grandes. Reavendo esses ativos, os débitos menores nem fariam falta.

A questão que chega a surpreender é o valor adotado como parâmetro pela Fazenda Pública. Até recentemente, a Lei n. 10.522, de 2002, estabelecia um teto de 10 mil reais. Achou muito? Pois saiba que as Portarias 75/2012 e 130/2012, do Ministério da Fazenda, subiram para 20 mil reais o valor mínimo para ajuizamento de execuções fiscais.

Seguem-se as consequências penais: o Supremo Tribunal Federal já concedeu ordens de habeas corpus sob o argumento de insignificância da conduta, nestes moldes, a mais recente em favor de acusado de descaminho (trouxe muamba do exterior, sem pagar os impostos devidos), em valor abaixo desse montante.

Enfim, não sou contra esta regra. Sou contra a desproporção: a rejeição a parâmetros de razoabilidade para reagir à criminalidade menor, porque nestes casos vigora um discurso moralizador abusivo que, para piorar, nem sempre corresponde ao senso ético que os críticos empregam em suas vidas pessoais.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-mar-27/declaracao-insignificancia-vale-debitos-fiscais-20-mil

Reforma do Código Penal XLVI: o esforço dos criminalistas

Com a minha, já são 977 subscrições ao manifesto dos criminalistas brasileiros contra o PLS 236, sobre o novo Código Penal, criticado desde a origem e muito prejudicado pelas alterações feitas no Senado. Eis o teor da petição pública:

Os Professores, Magistrados, Advogados, Defensores, membros do Ministério Público e Juristas que abaixo subscrevem, na ocasião da homenagem à vida e obra do eminente Doutor e Juiz da Corte Constitucional Alemã Winfried Hassemer, em Congresso realizado na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, nos dias 20 e 21 de março de 2014, manifestam seu veemente e inequívoco repúdio ao texto revisado do Projeto de Lei 236, objeto de Parecer de autoria do Senador Pedro Taques, cujo conteúdo é absolutamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. 

O texto que precedia a revisão, produto dos esforços da chamada "Comissão Sarney", foi, desde cedo e merecidamente, criticado por criminalistas de todo o país, especialmente por suas grosseiras deficiências técnicas, em boa medida determinadas pelo Programa de Política Penal que tem por base, tão conhecido quanto atrasado. 

Na tentativa de salvar um Projeto de Lei além de qualquer possibilidade de salvação e após sucessivos encontros com especialistas em Direito Penal, o trabalho de revisão coordenado pelo mencionado Senador vem agora a público e surpreende ao manter inalterado ou mesmo promover e incrementar seus vícios primitivos mais evidentes. Neste sentido, ao contrário do que afirma, o texto não constitui a síntese das críticas e colaborações científicas que lhe foram dirigidas. 

Nele se descobre, infelizmente e mais uma vez, que a classe política brasileira é carente da mínima informação científica em matéria criminal, impedindo qualquer elogio dogmático ao texto. Alguns pontos são graves: no que se refere à distinção entre dolo eventual e culpa consciente, o texto adota a ultrapassada "teoria da indiferença", superada há mais de 100 anos e historicamente resgatada pelos juristas nazistas para facilitar a imputação dolosa contra os "inimigos" da "comunidade do povo", tragédia que agora corre o risco de se repetir como farsa. Mas a filiação a categorias privilegiadas por fascistas - justificada porque "mais precisa", segundo os termos do Parecer - está longe de esgotar seu conteúdo antidemocrático. De fato, o mesmo se pode dizer em relação à definição de autoria, onde se pretende incorporar a chamada "teoria do domínio do fato" para ampliar o alcance da lei penal e estender aos crimes comuns a figura duvidosa dos aparelhos organizados de poder, que só poderia caber nos regimes políticos autoritários. Temos, aqui, aliás, possível caso de erro legislativo inescusável, pois bastaria ler a obra do autor que desenvolveu a teoria - o celebrado Professor alemão Claus Roxin - para perceber que seu objetivo fundamental é restringir, ao invés de estender, o chamado conceito unitário, previsto no artigo 29 do atual Código Penal. 

Mas não é só: preso à obtusa e reacionária ideia de pena como "vingança social", o Parecer também pretende justificar a criação de novas hipóteses qualificadoras do homicídio de natureza puramente subjetiva, ataca o princípio da legalidade ao admitir expressões elusivas como "grave lesão à sociedade" para agravar punições e propõe a criminalização temerária do terrorismo e pormenorizada da eutanásia. 

Para piorar, em relação ao mais importante ponto do sistema de justiça criminal contemporâneo, distancia-se da pesquisa criminológica das últimas décadas e aumenta a pena cominada ao tráfico para até 21 anos, ao mesmo tempo em que "descriminaliza" o consumo não ostensivo, perpetuando com isso uma Política Criminal de Drogas contraditória, classista, fracassada e perigosamente suscetível a oportunistas oscilações interpretativas.

Esse é, a propósito, o traço distintivo do Projeto, com ou sem revisão: todo e qualquer aparente avanço é imediatamente anulado por uma medida draconiana - por todas, o aumento do tempo necessário para progressão de regime na execução da pena privativa de liberdade, que passa de um sexto para um quarto da pena, mesmo para réus primários em crime doloso. 

Da mesma forma, se, por um lado, o Projeto propõe abolir a lei de contravenções, por outro, transforma em crimes a "exploração de jogos de azar" e a "perturbação do sossego", o que é simplesmente irracional. 

O caráter meramente retórico da tentativa de democratização do sistema penal, anunciada como propósito do Projeto de Lei, é igualmente visível na ampliação do rol dos crimes hediondos, no irresponsável desrespeito à proporcionalidade entre penas, bens jurídicos e graus de lesão descritos nos tipos legais; no retrocesso quanto aos casos de descriminalização do aborto; no aumento da pena de quase todos os crimes; na eliminação da prescrição pela pena em concreto depois de transitada em julgado a sentença para a acusação; na exclusão da circunstância atenuante especial (hoje prevista no art. 66 do Código Penal); ao impedir a combinação de leis mais favoráveis; ao eliminar a diminuição de pena para fato dolosamente distinto; ao restaurar a antiga categoria da multa temerária, que é tipicamente de direito civil; ao adotar no tocante ao erro a teoria extrema da culpabilidade, já abandonada pela doutrina jurídica universal desde 1975; ao aumentar o valor do dia-multa, considerando que para isso o valor máximo de referência será de 720 dias e não 360; ao abolir a distinção entre reclusão e detenção e de institutos democráticos como o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, teses defendidas sem qualquer prognóstico realista sobre suas consequências humanas e financeiras. 

Mas, esforçando-se para soar suficientemente "contemporâneo" e fugir de seu paradoxal anacronismo, o Parecer defende adiante a criação de "novos crimes", tão desnecessários quanto caricatos, em mais uma demonstração de vulgar adesão ao populismo penal. Assim, diante dos delitos de "stalking", "bullying", "corrupção entre particulares" e "crimes cibernéticos" não parece desarrazoado supor o predomínio da vontade de atrair atenção midiática em detrimento do propósito real de efetivamente atualizar o ordenamento jurídico-penal. Nem isso se conseguiu. 

Em conclusão, considerando que nenhum avanço eventualmente trazido pelo texto justifica os gravíssimos erros e retrocessos que endossa, aqueles que insistirem em sua tramitação e eventual aprovação prestarão um verdadeiro desserviço à democracia e à ciência jurídico-penal. 

Logo, este manifesto, abaixo assinado e abraçado pelo sempre combativo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, não se resume à declaração de inconformismo com um projeto de lei autoritário por parte de juristas politicamente comprometidos com democracia, reunidos para homenagear um dos maiores expoentes na defesa de um Direito Penal submetido à razão e coerente com a promoção dos direitos fundamentais. À sombra dos 50 anos do golpe militar, esta declaração pública de repúdio ao absurdo codificado também estende um convite a todos os criminalistas brasileiros, para que resistam intransigentes à escatológica possibilidade de ceder a mais essa tentação punitiva que se gesta no Congresso Nacional: este Código não é digno do povo brasileiro. 

Rio de Janeiro, 21 de março de 2014 

Juarez Tavares (UERJ) 
Juarez Cirino dos Santos (ICPC) 
Nilo Batista (UERJ) 
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR) 
Geraldo Prado (UFRJ) 
Maurício Dieter (USP) 
Sergio Verani (UERJ/Diretor Geral da EMERJ) 
Jacson Zilio (MPPR) 
Antonio Martins (Uni-Frankfurt) 
Ulfrid Neumann (Uni-Frankfurt) 
Dirk Fabricius (Uni-Frankfurt) 
Sebastian Scheerer (Uni-Hamburg) 
Rubens Casara (TJRJ/IBMEC) 
Marcelo Semer (TJSP) 
Alexandre Morais da Rosa (TJSC) 
Ana Elisa Bechara (USP) 
Cezar Roberto Bitencourt (Advogado) 
Leonardo Yarochewsky (PUCMG) 
Vera Regina Pereira de Andrade (UFSC) 
Salo de Carvalho (UFSM) 
Marcio Sotelo Felippe (Ex-Procurador Geral do Estado de São Paulo) 
Pedro Estevam Serrano (PUC-SP) 
Amilton Bueno de Carvalho (TJRS) 
Katie Arguello (UFPR) 
Ademar Borges (UNB) 
Alexandre Mendes (UERJ) 
Patrick Cacicedo (DPSP) 
Fauzi Hassan Choukr (MPSP) 
Isabel Coelho (TJRJ) 
Fernanda Tortima (OABRJ) 
Reinaldo Santos de Almeida Júnior (UFRJ) 
Luis Greco (Uni-München) 
Alaor Leite (Uni-München) 
Patrícia Kettermann (DPRS) 
Tiago Joffily (MPRJ) 
Marcos Peixoto (TJRJ) 
Felipe Caldeira (Advogado) 
Antônio José Pêcego (TJMG) 
Maria Lucia Karam (LEAP) 
Denis Sampaio (DPRJ) 
Carol Proner (UFRJ) 
Bartira Macedo de Miranda Santos (UFG) 
Christiano Fragoso (UERJ) 
Heloisa Estellita (FGV) 
Bruno Cava (UERJ) 
Alexandre Leite (TJRJ/EMERJ) 
Leonardo Costa de Paula (UCAM) 
Antônio Pedro Melchior (IBMEC) 
Kenarik Boujikian (AJD- presidente) 
José Henrique Torres (AJD-PUCCAMP) 
Alexandre Mallet (UCAM) 
Davi Tangerino (UERJ) 
Mariana Sousa Pereira (Advogada) 
Antonio Sergio Altieri de Moraes Pitombo (Advogado) 
Luciano Cirino dos Santos (Advogado) 
Soraya Vieira Gomide (Advogada) 
Simone Dalila Lopes (TJRJ) 
Julia Thomaz Sandroni (Advogada) 
Wadih Damous (Advogado) 
Maria Gabriela Peixoto (Advogada) 
Gisela Baer (Advogada) 
Janine Fernanda Fanucchi de Almeida Melo (Advogada) 
Nathalia de Paula Moreira Frattezi (UFMG) 
André Lozano Andrade (Advogado) 
Gabrielle Stricker do Valle (UFPR) 
Jair Cirino dos Santos (MPPR) 
Denise Maldonado Gama (PUCMG) 
André Vaz (TJRJ) 
André B. do Nascimento (Advogado) 
June Cirino dos Santos (UFPR) 
Ellen Rodrigues (UFJF) 
Caio Patricio de Almeida (UNICURITIBA) 
Ricardo Krug (UNICURITIBA) 
Elisa Blasi (PUCPR) 
Wanisy Roncone Ribeiro (Advogada) 
Leomar Wittig (Advogada) 
Carlos Eduardo Machado (Advogado) 
Luiza Labatut (MPPR) 
Carla Viana (DPRJ) 
Fernando Augusto Fernandes (Advogado) 
Vitor Barra Veiga (Advogado) 
Marcia Dinis (Advogada) 
Lourinelson Vladmir (Advogado) 
Priscila Pedrosa (Advogada) 
Mayra Cotta de Souza (UNB) 
Ana Carolina Andrade Carneiro (DPU) 
Michel Asseff (Advogado) 
Ana Cláudia Pinho (MPPA) 
Patrick Mariano Gomes (RENAP) 
Giane Ambrósio Álvares (RENAP) 
Thiago Araujo (Advogado) 
Lucas Sada (Advogado) 
Frederico Figueiredo (UFRJ)

Para conhecer o texto original e votar, clique aqui.

Desvio produtivo: Oi?

Talvez você, assim como eu, jamais tenha ouvido falar em desvio produtivo do consumidor. Trata-se de uma tese, de receptividade crescente nos tribunais brasileiros, segundo a qual o consumidor merece ser indenizado pelo tempo que perdeu para resolver problemas criados pelos fornecedores de produtos e serviços.

Trata-se de uma forma de indenização por dano moral. Nas palavras do advogado Marcos Dessaune, estudioso do assunto: “O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”.

Saiba mais lendo esta matéria aqui.

Adorei a novidade e acho que ela precisa ser amplamente disseminada, a fim de mais e mais pessoas buscarem, em juízo, esse tipo de reparação, tornando a questão pacífica. Somente assim os prestadores canalhas vão começar a se mexer para nos atender melhor, já que por convicção e respeito raramente é.

***

O título desta postagem é uma alusão à empresa que mais aborrecimentos me causou até hoje.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Modelos penitenciários

É possível manter um sistema penitenciário humanizado, embora, como é óbvio, ele custe muito caro. Vale a pena ler esta reportagem, que mostra prisões europeias. Melhor dispensar qualquer comparação com o Brasil.

Acima de tudo, fica evidente que a questão não é de infraestrutura, nem sequer de dinheiro: é uma questão de atitude. As prisões mostradas na matéria são como são porque aqueles países decidiram apostar na recuperação do condenado e não em sua punição. É isso que muda totalmente no Brasil. Por aqui, não se quer recuperação alguma; o que se quer é o sofrimento, a aviltamento, a vingança desmesurada, como se a execução penal (ou mais especificamente como se viver em sociedade) fosse uma rinha de galos: vence quem permanecer de pé.

Lamento, inclusive, a falta de inteligência dos muitos que ignoram que um sistema penitenciário monstruoso não produz sofrimento apenas para os presos. Ele afeta os familiares desses presos, que não são criminosos, mas se isso não bastar aos donos da verdade, ele afeta também a cada um de nós, pela violência que, gestada no cárcere, vem parar nas ruas. Pelas imensas estruturas de corrupção. E pela imagem de degradação que ele traz ao nosso povo.

Pena que a maioria não queira ver isso.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Égua!!!

Faço o meu mea culpa: critico tanto o governo do Pará pelo gasto absurdo com publicidade, que deveria ser institucional mas é de autoglorificação, que nunca parei para pensar que o governo federal gasta verba semelhante e os valores são inacreditáveis.

Em 2012, a União desembolsou:

  • 495 milhões de reais para a Globo;
  • 174 milhões de reais para a Record;
  • 153,5 milhões para o SBT!
Ao todo, são 822,5 milhões de reais só de verba publicitária e somente para as três maiores emissoras de TV do país. Não estão contabilizadas outras empresas nem outros meios de comunicação. Somos, de fato, um país riquíssimo para gastar toda essa dinheirama com publicidade.

Com essa grana, daria para construir quase duas vezes o BRT Belém, mesmo com os indícios de superfaturamento (valor da obra: R$ 496,8 milhões, cf. http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-174625-OBRA+DE+BELEM+CUSTA+O+DOBRO+DO+BRT+DE+RECIFE.html). Daria, também, para sustentar a Universidade Federal do Pará por um ano inteirinho (orçamento de 2012: R$ 821.013.578,00, cf. http://www.portal.ufpa.br/imprensa/noticia.php?cod=5571). E dava para fazer aproximadamente dois terços do asfaltamento da Rodovia Cuiabá-Santarém, obra de grande impacto que todo ano se promete e nunca sai do papel (custo estimado em 2013: 1,5 bilhão de reais, cf. http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/15-obras-milionarias-ou-bi-que-envergonham-o-brasil?p=14).

Mas não daria, é claro, para construir um estádio para a copa do mundo, que é prioridade absoluta porque deixará um tal de "legado" para o Brasil, em obras permanente, divulgação do turismo (inclusive o sexual) e outros que tais que, alegadamente, vão nos colocar no primeiro mundo. Afinal, não há nada mais importante do que o Remo jogar em um estádio bilionário, mesmo que depois da copa ele não sirva para merda nenhuma, não é, brasileirada?

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/03/sbt-pode-perder-dinheiro-governo-por-causa-de-sheherazade.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+PragmatismoPolitico+%28Pragmatismo+Pol%C3%ADtico%29

Implante para orgasmo

A manchete trombeteia: "Implante que leva ao orgasmo deve ser testado em mulheres ainda este ano". Logo abaixo, esta imagem, aqui reproduzida, reforça a curiosidade imediatamente nascida. Mas somente lendo a matéria você percebe que a coisa não é exatamente como supôs, na pressa. Não se trata de um aparelho por meio do qual toda e qualquer mulher possa provocar orgasmos, e sim de um verdadeiro tratamento de saúde, indicado exclusivamente para pacientes com diagnóstico de anorgasmia.

Leia a matéria para entender a parte técnica da questão. Esta postagem tem outro mote. Eu me pergunto se, uma vez homologada a maquininha, como tantas outras coisas que não deveriam cair em qualquer mãos mas caem, este invento não acabaria popularizado. Assim como não é difícil encontrar médicos que receitem anabolizantes ou que façam cirurgias plásticas desnecessárias e até inconvenientes, também não seria muito difícil encontrar um para implantar a maquininha do prazer em pacientes ansiosas e dispostas a pagar.

Se isso ocorrer, imagino que o equipamento entraria na lista dos sintomas destes tempos doentes. É como os remédios de que as pessoas se entopem hoje em dia, principalmente para transtornos (ou supostos transtornos) mentais ou comportamentais: o sujeito transfere para as pílulas a solução de problemas que deveriam ser enfrentados com autoestima, autoconhecimento, responsabilidade, etc. Afinal, tomar um comprimido e ficar leve é muito mais fácil, rápido e eficiente, além de que traz muita grana para a indústria farmacêutica, que é quem fomenta essa triste realidade, com a conivência da Medicina.

De modo semelhante, segundo consta, um aparelho desses garante o prazer, dispensando o indivíduo de construir relações baseadas no respeito, mesmo que o objetivo seja apenas sexo casual. E interagir com pessoas sem precisar reconhecê-las como pessoas é bem mais fácil. Aldous Huxley já nos falava sobre isso em seu livro Admirável mundo novo (que é de 1932!). O escritor inglês se preocupou em mostrar como seria o sexo nesse outro mundo e ele não era nada íntimo.

A bem da verdade, um aparelho desses dispensa até mesmo um parceiro, o que torna a coisa ainda mais interessante. Prazer garantido sem ter que aturar as manias e bizarrices alheias. Não é um sonho? Para mim, um pesadelo. A trama proposta por Huxley me incomodou profundamente na adolescência. Odiei o cenário e por isso não terminei de ver o filme e nunca me animei a ler o livro. Agora pretendo fazê-lo.

Espero que os testes sejam bem sucedidos e as mulheres que precisam desse apoio tecnológico possam ter maior qualidade de vida e felicidade. Quanto ao mais, o tempo dirá.

terça-feira, 18 de março de 2014

Formatura "simbólica"?

Sendo eu e minha esposa professores universitários, fácil concluir que participar de solenidades de colação de grau faz parte de nossa rotina. Ao menos uma vez por ano, lá estamos. Eventualmente, não na condição de professores, mas de amigos de formandos. Assim, ao longo dos anos, vi uma ou outra situação que me pareceu indevida, pelo simples fato de que as regras do jogo devem ser cumpridas. Logo, se você não concluiu seus créditos, não tem por que comparecer à solenidade, senão para prestigiar seus antigos companheiros de curso.

Sim, eu entendo os sentimentos envolvidos, porque o evento é único. Mesmo que você se formasse em outro momento, com a mesma solenidade, não seria mais o momento previsto e nem haveria mais o conjunto dos amigos por lá. E de modo algum embarcarei no barco moralista que considera o aluno não aprovado como fracassado ou de má fé. Não estou aqui para julgar os motivos que retardam a conclusão do curso. Só acho muito estranho, incômodo mesmo, que a pessoa não tenha a capacidade de aceitar a sua condição e seguir adiante.

Já estive em solenidades nas quais o sujeito vestiu beca, sentou-se junto aos colandos, prestou juramento e tudo, submetendo-se ao constrangimento de não ser chamado por ocasião da outorga do grau. Já me disseram, mas não posso afiançar (embora não duvide), que um sujeito chegou a se levantar sem ser chamado e cumprimentar cada componente da mesa dirigente dos trabalhos, tudo devidamente registrado por fotos.

Ah, perdoem-me, mas eu não me prestaria a um papel desses! E não compreendo como a família endosse esse tipo de atitude. Não se trata de uma crítica raivosa minha; eu apenas acho isso triste, porque não é verdadeiro. Se eu tivesse perdido a formatura por alguma razão, estaria mal, mas me sentiria pior ainda fazendo uma encenação dessas. Penso que o melhor seja admitir o revés, fortalecer o espírito e tocar a vida adiante.

Mas nem todo mundo pensa assim. E sempre aparece alguém querendo judicializar os seus problemas emocionais. Foi o que fez uma jovem lá no Rio Grande do Sul. Ela aforou uma ação na comarca de Santa Maria, com pedido de tutela antecipada, a qual foi indeferida sob argumentos formais: “que a exordial não possui qualquer fundamentação jurídica que acompanhe o requerimento da demandante. Carece, portanto, o pedido de prova inequívoca que enseje a verossimilhança das alegações da parte demandante” (fonte: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI197136,91041-Va+assistir+formatura+da+plateia+decide+TJRS+ao+negar+antecipacao+de).

Irresignada, ela agravou a decisão, mas se deparou com uma desembargadora que nem se deu ao trabalho de florear. Precisa, indo direto ao ponto e tocando o mérito da pretensão, a desembargadora escreveu uma decisão que eu adoraria ter produzido, inclusive quanto ao estilo:

Agravo de Instrumento

Sexta Câmara Cível
Nº 70058418559 (N° CNJ: 0034418-66.2014.8.21.7000)

Comarca de Santa Maria


CLAUDIA BOLZAN

AGRAVANTE
UNIFRA - CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO

AGRAVADO

DECISÃO

Vistos.
Recebo o recurso.
A solenidade de formatura não se constitui em “festa” ou representação teatral, que permita alguém formar-se de forma “simbólica”, e sem qualquer efeito curricular. Se quiser participar da alegria dos formandos que concluíram com êxito o curso, vá assistir a cerimônia da platéia. Se houver festa dos formandos, vá, se receber convite.
Diante do exposto, deixo de conceder a tutela antecipatória recursal pretendida.
Intime-se.
Comunique-se.
Dil.

Porto Alegre, 07 de fevereiro de 2014.

Des.ª Elisa Carpim Corrêa,
RELATORA.

É isso aí. Deixe o judiciário se ocupar de assuntos realmente importantes e aproveite para concluir os seus créditos.

Fico ainda mais aliviado porque o judiciário costuma ser muito receptivo às pretensões deduzidas contra instituições de ensino, limitando-se a aplicar regras ou supostos princípios constitucionais, amplos o bastante para neles caber qualquer coisa. Em se tratando de instituições privadas, a coisa piora, porque os juízes aplicam as regras do direito do consumidor e dane-se o mundo. Já soube de casos em que o aluno estava totalmente errado e a instituição apenas cumpria normas, às vezes regras internas, às vezes determinações do Ministério da Educação. Mas o juiz não quer nem saber e defere. Felizmente, desta vez houve um pouco de bom senso.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Um país de pessoas cada vez mais perversas

Primeiro foi o assalto à casa da atriz Letícia Spiller, que rendeu uma das mais monstruosas demonstrações de perversidade e burrice midiática, ao menos dos últimos tempos, perpetrada por um débil mental que, não com surpresa, escreve para a Veja. Agora foi a vez da deputada federal pelo PC do B gaúcho Manuela D'Ávila sofrer um assalto e, depois, o escárnio de um povo cada vez mais digno de pena.

Eis o desabafo da parlamentar:

Uma reflexão,

Na madrugada de segunda, cheguei da delegacia de polícia em casa, como outros tantos brasileiros chegam, após serem vítimas da violência urbana - cansada, perplexa, triste e contraditoriamente feliz por estarmos ali, vivos. Repassava em minha cabeça detalhes do assalto - como a feliz coincidência de meu enteado não estar no automóvel - quando fui surpreendida por uma ligação de um jornalista. Nosso boletim de ocorrência com todos os seus detalhes - como o fato de reconhecermos ou não os ladrões - estava nas mãos da imprensa e eles, os jornalistas, telefonaram na madrugada. Foi pela imprensa que minha mãe ficou sabendo. Não tive nem sequer tempo de telefonar. Claro, entendo o trabalho dos jornalistas. Tenho dificuldade de entender o vazamento do boletim de ocorrência.

Um pouco depois, fui para a internet agradecer as pessoas que, carinhosamente, estavam preocupadas e nos escreviam.

Tive acesso a comentários inacreditavelmente maldosos relacionados ao que nos aconteceu. Motivados por dois "jornalistas", diziam que, por ser comunista, merecia ser assaltada, pois estava distribuindo renda. Fazendo deboche com o assalto e com a minha ideologia, como se o fato de eu defender distribuição de renda mais justa justificasse a violência que sofri. Um dos jornalistas chegou a chamar de gesto de solidariedade o assalto. Algo tão maniqueísta como dizer que alguém que não é de esquerda defende a miséria ou como defender que alguém de direita seja torturado para ver como a ditadura militar doeu nos comunistas. Um desrespeito com a situação que vivi, típico de quem é totalitário, não me respeitando enquanto indivíduo porque penso diferente.

Li também que o que passamos havia sido pouco. Que deveria ter sido violentada por defender direitos humanos. Não imagino por que minha luta em defesa da livre orientação sexual, direitos das mulheres, condições carcerárias dignas, me faça merecedora de ser morta em um assalto à mão armada. Mais um gesto típico dos que não respeitam quem pensa diferente.

Mais ainda: outros tantos diziam que os ladrões estavam certos em roubar de mim por ser deputada, pois políticos são todos ladrões e apenas estavam pegando de volta o dinheiro roubado do povo. Como nunca roubei um centavo, não tenho centavo algum para devolver. O salário que recebo como parlamentar, há dez anos, devolvo com atuação séria e comprometida. Muitos podem não concordar com minhas ideias, mas ninguém pode questionar com solidez a minha seriedade e honestidade. E mais, os corruptos devem ser tirados da política de forma democrática com julgamento pelos espaços adequados e não sendo vítimas de violência ou bandidagem.

Claro que entendo a indignação da população com os políticos! É essa indignação que me motiva há 15 anos, e me faz lutar para mudar a política e, sobretudo, a forma como são financiadas as campanhas. Entendo as pessoas que pensam diferente de mim. E as respeito. Mas, para mim, o protesto contra a má política deve ser feito, em outubro, nas urnas. Contra as ideias que não concordamos também. Assim é a democracia. Que ela viva!

O que não entendo são as pessoas que reproduzem a violência e escrevem na internet como se isso não significasse nada. Como vamos enfrentar a violência no Brasil com essa postura? Como construir uma sociedade mais generosa, humana, respeitosa?

Alguns podem se perguntar: E sobre os ladrões, ela não vai falar? Sobre esses, falei com a polícia. Quero que todos paguem pelos erros que cometem, quem me assaltou inclusive. Contra a criminalidade, a violência, o tráfico de drogas, que transformam nossas cidades em palco de guerra, luto há quinze anos de minha vida. Há dez anos com mandatos. Apresentei leis, aprovei algumas. Disputei, por exemplo, duas vezes a prefeitura por entender que poderia mudar muitas questões na cidade. Perdi. Respeitei os vencedores.

Inspirada num pensamento de Nietzsche, "Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você", quando fui para Brasília transformei uma frase em mantra - "não vou me transformar naquilo que combato".

Luto por uma cultura de paz, que respeite as diferenças e construa relações mais solidárias e generosas entre as pessoas. Que o abismo não olhe tanto para dentro de nós e que possam refletir sobre a violência que cometeram contra mim e minhas pessoas queridas em cada comentário desses. Lutar para mudar o Brasil, com amor no coração, vale mais a pena.

Manuela d'Ávila

Fonte: http://www.ormnews.com.br/noticia/deputada-desabafa-no-facebook-apos-ser-assaltada

Que moça sensata e serena! Mas ela é exceção em meio à população que hoje pulula nas redes sociais e nos comentários dos portais de notícias. Promover o ódio, a vingança e o menosprezo parece ser motivo de orgulho, agora. Estou cada vez mais envergonhado de fazer parte de uma nação de sociopatas e cada vez mais descrente quanto a mudanças positivas.

Deplorável.

Mea maxima culpa

Terminei de assistir ontem, após o hiato provocado pela viagem, ao excelente documentário produzido pela HBO Mea maxima culpa: silêncio na casa de Deus, de Alex Gibney (2012). O longa investiga os casos de pedofilia dentro da Igreja Católica, a partir do escândalo ocorrido na escola para surdos de St. John's (Milwaukee, Wisconsin, EUA).

O ponto de partida do filme remete à década de 1950, quando o padre Lawrence Murphy estava recém-ordenado e foi designado para cuidar das crianças do St. John's. Essas crianças eram extremamente vulneráveis, porque até a década de 1970 os surdos foram considerados doentes mentais (!!!), incapazes de comunicar as próprias necessidades. Muitas famílias desconheciam a linguagem de sinais e por isso não havia meios de interagir eficientemente com os meninos. Estes dependiam da St. John's para tudo, em suma, e aí entra a figura sombria de Murphy, que mentia aos garotos, dizendo que não eram amados pelos pais. Assim, ele se tornava a principal, quando não a única, figura de apoio.

Lawrence Murphy em foto real, exibida no documentário.
Murphy, com total desenvoltura, entrava à noite no dormitório, escolhia a sua vítima e fazia o que bem queria. Alguns ele selecionava e levava para a sua casa de campo, onde passavam alguns dias. Muitos meninos sequer compreendiam o que estava acontecendo. Outros sentiam medo, raiva, mas ninguém fazia nada. A descrição do temor reverencial frente a um homem que, na verdade, seria um representante legítimo de Deus, é impressionante. Mais impressionante ainda foram as explicações que ele forneceu, anos mais tarde, durante investigações internas da Igreja. Disse que a promiscuidade (homossexual, já que o alojamento era só de meninos) grassava entre os internos e que ele os curara disso. Fora educação sexual.

Inútil nos concentrarmos no que pensa e diz um predador sexual. O grande impacto do documentário está na demonstração de que o Vaticano sempre soube do problema e, de caso pensado, nunca tomou providências concretas. Chegou a criar uma ordem especial para "tratar" o transtorno dos clérigos, internando-os numa ilha do Caribe. Lá, os abusos continuaram. O dever era esconder tudo, a qualquer custo. E assim chegamos ao cardeal Joseph Ratzinger, que por 25 anos comandou a Congregação para a Doutrina da Fé (substituta da Inquisição). Em 2001, Ratzinger estabeleceu uma resolução segundo a qual todos os casos de abuso sexual contra menores, por religiosos católicos, deveriam ser-lhe comunicados. Ele se tornou, assim, o maior conhecedor do assunto no mundo. O documentário até destaca que ele tomou medidas importantes de investigação, mas punição que é bom, nada. Ele foi um dos maiores responsáveis pela impunidade.

Indignados com a omissão do Vaticano, algumas vítimas,
anos depois, começaram a espalhar cartazes de
"procurado" na cidade. Depois disso vieram os processos.
Se você reverencia João Paulo II, saiba que as coisas não ficam boas para o lado dele, também. Um de seus mais idolatrados cardeais era Marcial Maciel, fundador de uma instituição que arrecadava milhões de dólares em doações. Maciel despejava dinheiro no Vaticano e por isso foi blindado. Mesmo quando já havia uma investigação em curso, recebeu uma bênção do próprio papa, devidamente registrada em vídeo. O homem forte do papa, na época, cardeal Angelo Sodano, foi um dos maiores protetores de Maciel. Em troca de alguns milhões de dólares.

Quando os escândalos começaram a se multiplicar, o Vaticano afirmou que aquele era um problema dos Estados Unidos. Uma tentativa de desqualificar os acusadores. Aí surgiram os escândalos da Irlanda, país de população católica praticante (95%), cujos fieis se ajoelhavam na rua à simples passagem de um padre. O pouco caso do Vaticano em um país de alto nível educacional provocou uma debandada de fieis, o que motivou algumas medidas tomadas por Ratzinger, já papa Bento XVI. Entregou alguns aneis, para conservar os dedos.

Eclodiram escândalos também em outros países europeus e, por fim, surgiram casos em diversos países do Terceiro Mundo, mas o documentário sugere que ainda vai demorar para que sejam tomadas providências nestes países, devido à maior influência da Igreja, justamente o temor reverencial.

O filme se concentra nas ações judiciais propostas contra os pedófilos e a Igreja, que custaram milhões de dólares em indenizações e acordos. Padres foram condenados, mas nem assim o Vaticano admitiu seus erros. Registrou-se um caso de dispensa do serviço sacerdotal, mas apenas depois de uma condenação rumorosa. A ordem sempre foi ocultar tudo, inclusive os criminosos, se necessário. Quando o caso se tornava inocultável, a Santa Sé pedia clemência para esses pecadores. Por mais de cinco décadas, a Igreja não mencionou a existência de vítimas. Mesmo quando reconhecia um caso de pedofilia, tratava isso como violação a deveres sagrados. Esta a fúria das vítimas: a verdade histórica ainda não apareceu.

Recomendo enfaticamente a todos os interessados pelo tema que assistam ao documentário. Destaco que todos os que se envolveram com a causa foram acusados de anticlericalismo, como se tudo não passasse de perseguição à Igreja de Roma. Mas vale a pena lembrar que, segundo foi divulgado pela imprensa comum, Bento XVI teria renunciado por não se sentir em condições de lidar com escândalos sexuais embaixo do próprio nariz. E o papa Francisco teria começado seu pontificado assumindo mais verdades do que seus antecessores. Então é melhor buscar um argumento mais convincente do que caça às bruxas. Até porque, nessa seara, ninguém tem mais know how que o Vaticano.

Em tempo:

Vi o documentário pela TV a cabo, mas você pode encontrá-lo no YouTube, na íntegra ou fracionado em capítulos.

Website oficial: http://www.hbo.com/documentaries/mea-maxima-culpa#/

Do virtual para o real

Ao longo de seus quase 8 anos de existência, fiz minhas amizades aqui pelo blog. Tratavam-se, portanto, de amizades virtuais, porque eram pessoas que eu simplesmente não conhecia, senão por meio dos comentários que me deixavam ou dos que eu escrevia em seus blogs. Assim se deu, p. ex., com o Carlos Barretto, "editor-chefe" do Flanar, que posteriormente me convidou para participar do projeto coletivo (e da maioria dos coeditores do aludido blog). Assim se deu com gente de outros Estados, alguns dos quais desapareceram por completo. É normal, isso: a vida tem as suas fases e a blogosfera, microcosmo, idem. Há pessoas que se tornam comentaristas habituais e depois somente, sem deixar rastro.

Um desses comentaristas, que ainda bate ponto por aqui com frequência, é o advogado Kenneth Fleming, curitibano radicado em Brasília, que por aqui chegou não sei exatamente como, mas que possui relações profundas com o casal Aline e Ramon Bentes, amigos aqui da terrinha.

E eis que neste último sábado, mais uma vez, o personagem virtual se tornou real. Graças a um gentil convite do casal amigo, e à hospitalidade de d. Fátima, mãe de Aline, tive a oportunidade de conhecer o meu comentarista: Kenneth, em pessoa. Devo dizer que uma pessoa da melhor qualidade, uma companhia agradabilíssima, exatamente como pensei que era. O tipo de ser humano que você se anima quando conhece.

A "linha editorial" do blog veda textos semelhantes a colunismo social, mas não posso deixar de registrar, para que se torne público, que o almoço estava delicioso e que eu, Polyana e Júlia não temos nenhuma ressalva a fazer. Muito pelo contrário, o melhor de tudo foi a sensação de acolhimento que tivemos, que nos permitiu ficar tão à vontade a ponto de me surpreender com a hora. Essa é a diferença entre um evento social e um encontro realmente pessoal, com gente de verdade.

A todos os participantes de tão agradável sábado, inclusive os demais convidados, nossos agradecimentos. Um abraço forte.

Retornando

Fiz uma viagem em família, que implicou em 12 dias "fora da base", como os blogueiros locais gostam de dizer. Sim, eu tinha acesso à internet, mas optei por um conceito mais tradicional de férias, aquele que nossos dias ficam diferentes do que são, na habitualidade. Esse negócio de escrever no blog ou ficar postando no Facebook em plena lua de mel, por exemplo, não bate com o meu perfil. Não, eu não estava em segunda lua de mel, mas era uma viagem em família e optei por aproveitar os dias atípicos.

Durante esse período, acessei a internet três vezes, que me recorde. 5, se considerar os acessos no aeroporto, na ida e na volta. Mas sempre rápido e mais lendo do que registrando a minha presença. E o que descobri? Que não sou viciado! Não sou dependente da internet! Ela ocupa um tempo enorme da minha rotina, mas talvez o problema seja justamente a rotina. Fora desta, eu realmente não sentia falta e nem sequer vontade de acessar a internet. No hotel, o computador foi ligado por uma razão específica e, já que eu estava de cara para ele, naveguei um pouquinho. Acredito que isso seja salutar.

A consequência prática é que, se o blog já anda prejudicado há quase dois anos, desde que comecei o mestrado, nesse período ele ficou literalmente às moscas, sem qualquer atividade. E não por falta de assunto. Mas eu encarei a experiência como uma espécie de desintoxicação. Vale a pena. Todo mundo deveria experimentar, de vez em quando. É possível viver sem blogs e redes sociais, embora eu confesse que não gostaria disso em definitivo. São recursos importantes e úteis. Apenas, como tudo mais na vida, devem ser utilizados com moderação.

É bom estar de volta. Grande abraço em todos.

sábado, 8 de março de 2014

Abraços distantes para os novos advogados

Mesmo distante, calhou de eu acessar a internet no dia da divulgação dos aprovados no mais recente exame de Ordem. Então, como sempre faço, mando meu abraço caloroso para aqueles que conheci como acadêmicos e que agora vão trilhar novos caminhos como colegas.

Desejo muito sucesso para todos vocês, em especial para Ana Laura da Cunha Catarino, Arthur Puget Mouta, Domingos Assunção da Silva Neto, Karyme Freitas Carneiro Costa, Lia Vidigal Maia, Paula de Freitas Godoy, Pedro Henrique Costa de Oliveira, Pedro Henrique Nogueira Grobério, Ricardo Santos Dias de Lacerda e Roberta de Oliveira Rodolfi.

sábado, 1 de março de 2014

No Brasil não existe racismo

Daí o cidadão chega no salão de embarque internacional de um aeroporto e constata que, embora o recinto esteja cheio, não há nele nem um só indivíduo negro. Nenhunzinho para contar história.

Mas deve ser coincidência.