sexta-feira, 30 de março de 2007

Pensata

Coloque num mesmo ambiente Jorge Vercilo e Mariana Elali e dessa poética e sensual mistura obterá...

...a certeza de não me encontrar nesse lugar.

Notícias que vão mudar o mundo — 4ª edição

"Preto representa 41% do guarda-roupa feminino"

Viu como não existe racismo no Brasil? Nem na Inglaterra.
Moda é mesmo um universo tão útil, né?
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u61737.shtml

Amigos da saúde

O Bom Dia Brasil de hoje me presenteou com uma adorável matéria sobre cães utilizados como coadjuvantes no tratamento de crianças doentes. Assista.
No dia 1º de dezembro passado, publiquei uma postagem sobre cinoterapia. Se não leu, leia e ganhe de brinde a oportunidade de ver fotos de um cachorro maravilhoso.
Confirma-se, uma vez mais, o papel relevante que essas criaturas exercem em nossas vidas, propiciando-nos alegrias, reconforto e até saúde.

E agora eles também

Sabe quem são os mais novos blogueiros do país? Pois então saiba.
Será que os conflitos das ruas explodirão também na internet?

Vexatae quaestiones

1. Prevista para hoje a remessa ao Congresso, pelo governo, de projeto de lei propondo a fixação de piso salarial nacional de R$ 850 por mês para professores de educação básica que lecionam 40 horas semanais na rede pública. Será que os destinatários da proposta terão a mesma opinião sobre piso salarial que demonstram quando votam os seus próprios?

2. A propósito: os rendimentos destes são escorchantemente superiores aos daqueles por que o trabalho que realizam é mais importante, de maior responsabilidade, por que exige maior qualificação ou por que produz melhores resultados?

3. Se a licitação para concessão de linhas de ônibus era tão necessária e benéfica para a cidade, a ponto de fazer o sedizente prefeito vir de Brasília para lançá-la em cerimônia pública, coberta pela imprensa, por que agora ele pensa em cancelá-la?

quinta-feira, 29 de março de 2007

Por que deixei de ouvir rádio

Postagem corrigida em 30.3.2007, às 8h34, devido à felicíssima correção que me foi feita pelo comentarista Francisco Rocha Jr.

Muitas pessoas se impressionam quando lhes informo que há pelo menos sete anos suprimi rádio da minha vida. Não escuto jamais, sob circunstância alguma (exceto divulgação de listão de vestibular, se eu conhecer algum candidato). Eis uma das milhares de razões:
Antigamente, a sensação de revolta feminina por ter sido abandonada por seu amado era expressa na interpretação devastadora de Elis Regina, em Atrás da porta:

Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso...

Naquela época, uma cantora chamada Amelinha fazia muito sucesso. O maior deles:


Foi Deus que fez você
Foi Deus que fez o amor
Fez nascer a eternidade num momento de carinho
Fez até o anonimato dos afetos escondidos
E a saudade dos amores que já foram destruídos...


Hoje, as mulheres revoltadas por terem sido tratadas indignamente por seus interesses amorosos também têm uma porta-voz e ela se chama Perla, nome de outra cantora famosa naqueles tempos. Só que ela se expressa assim:

Deu mole pra caramba, é um tremendo vacilão
Tá todo arrependido, vai comer na minha mão,
Pensou que era o cara, mas não é bem assim,
Agora baba, bobo
Vai correr atrás de mim

Por isso, há sete anos, só CD.

Notícias que vão mudar o mundo — 3ª edição

"Triângulo amoroso do 'BBB7' vai receber proposta para fazer filme pornô"

Esqueça a interminável crise aérea, a reforma ministerial, o crescimento econômico dos Estados Unidos ou qualquer coisa que tenha sido dita pelos marrentos comentaristas da TV. A única coisa que importa no País do Bundalelê é o desfecho do Big Brother Brasil 7, expressão do culto ao nada que domina a sociedade brasileira hoje em dia. Como cristão, peço a Deus que seja misericordioso com o público desse programa.
A notícia acima mudará o mundo por indicar o futuro dessas importantes pessoas que, se aceitarem o convite da famosíssima empresa Brasileirinhas, estarão fazendo a única coisa para que prestam. Nada como ver alguém trilhando o seu caminho.

Saudade da professorinha

Quem acompanha o blog deve lembrar que no dia 15 de outubro passado postei sobre o dia do professor. Na postagem, usei como exemplo a Profa. Alana Barboza, minha amiga e um exemplo, como professora e como ser humano.

Alana ficou muito doente, há cerca de um mês, e a despeito de todos os esforços, os médicos não conseguiram chegar a um diagnóstico. Na noite da última terça-feira, Alana faleceu, deixando uma filhinha de 6 anos e, com certeza, uma legião de crianças na Ilha do Combu, assim como suas famílias, com uma baita sensação de orfandade.

Ainda que respeitando a privacidade da família, gostaria de tornar públicos os meus sentimentos, somando as minhas preces às das muitas outras pessoas que, neste momento, pedem a Deus por Alana e por seus amados, que ficaram.

"Princeps autem justus
- illi autem sunt in pace"

quarta-feira, 28 de março de 2007

Construindo porcaria

Belém está repleta de edifícios em construção. Repleta mesmo; a quantidade é impressionante e constitui, para mim, um grande mistério. Afinal, considerando o baixo nível de renda do belenense padrão, somado ao fato de que nesta cidade somente se constroi para uma classe média com alta capacidade de endividamento, ou daí para cima, não consigo acreditar que existe público comprador para todas essas unidades em vias de lançamento.
Mas falemos sobre isso outra hora. Escrevo para dizer que, em minhas andanças, tenho vista dezenas e dezenas de canteiros de obras. Nenhum, contudo, tão imundo e pernicioso quanto o que a Village mantém na esquina da Almirante Wandenkolk com a Antônio Barreto, no Umarizal. Ali, a poucos metros de onde a construtora pretende manter seu escritório (basta atravessar a rua em diagonal), a calçada desapareceu: restos de construção, amontoados de pó, pilhas de caixas de papelão rasgadas e muitos pedaços de madeira — perigosos, porque quebrados e cheios de ponta —, isso considerando apenas o que vi numa rápida passada, compõem um cenário tétrico, que ajuda a disseminar o aspecto caótico que toma conta da nossa Belém. Passei por ali há poucos minutos, por sorte de carro. Quem for a pé, tem que descer para a rua e desviar das poças de água suja. Deplorável.
Estive em outras cidades em que uma obra, por menor que seja, só vai adiante se o responsável mantiver contêineres no local diuturnamente. Entulho na rua, nem pensar. Tais contêineres são pagos, claro, e existem empresas cujo objeto comercial é, justamente, disponibilzá-los aos interessados. Essa despesa faz parte do custo da obra e existe fiscalização. Fiscalização que é um dos maiores nós de Belém, para variar. Embora tenhamos lei disciplinando a disposição de entulho na rua.
Considerando que a empreiteira em questão se jacta de que ninguém vende, constrói e entrega mais do que ela, Belém corre o risco de - não bastasse o lixo do cidadão comum, o lixo dos camelôs, o lixo residencial lançado ao Deus dará, o lixo não recolhido pela prefeitura — tornar-se um imenso lixão da construção civil. Graças ao misericordioso Deus, os demais canteiros que vi estão ao menos decentes.
No campo da construção civil, ninguém emporcalha a cidade mais do que a Village. Ninguém.

Atualizado em 4.4.2007, às 12h46:
Esqueci-me de informar que há dois dias passei novamente pela mencionada esquina e observei que ela fora limpa. Não por senso de higiene ou cidadania, mas simplesmente porque a construtora precisava de espaço para acomodar o seu carregamento de tijolos. E providenciou um. Na calçada.

Prosa poética

Se tem um estilo literário que adoro, é a prosa poética. Fascina-me como palavras simples, cotidianas, podem ser arrumadas de modo a compor frases de uma beleza singela, mas arrebatadora. Na poesia propriamente dita, eu já me deliciava quando Vinícius de Morais, um de meus poetas predileitos, arrasava com "Ternura":

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar
[extático da aurora.

Indico dois exemplos de gente nossa explorando a prosa poética. Uma é minha aluna, Alessandra Gorayeb Martins, dona do blog Suspiro do Silêncio, cujo link disponibilizei ontem. Outro é meu irmão, Hudson Andrade, dramaturgo e ator (ele preferiria ao contrário, mas eu gosto assim), que também tem seu blog recomendado e que se tem aprimorado na escrita, como demonstra por meio do comovente ensaio que pode ser lido aqui.
Viva a poesia, em qualquer de suas formas.

Sobre a decisão do TSE

Direito Eleitoral não é minha especialidade. Isso fica para os colegas mais afortunados que ganham muito dindim com causas eleitorais. Todavia, baseando-me numa interpretação da Constituição e em alguns fatos que me parecem óbvios, posso afirmar que a decisão do TSE está correta pelos seguintes argumentos, dentre outros:

1. A fidelidade partidária é o único meio de dar racionalidade a um sistema político representativo. Afinal, afronta a lógica mais elementar que uma função pública possa ser privatizada, que o indivíduo eleito aja como se fosse dono de um mandato que, por definição, é popular. Isso contraria a própria ideia de "representação". Um diplomata também é um representante — de seu país. Todas as prerrogativas da função diplomática, dentre elas a imunidade penal, pertencem ao cargo e estão sob a ingerência do país a que o diplomata serve. Ele cumpre regras, não as dita.

2. O único motivo pelo qual essa discussão é tão polêmica é que a Constituição não contém norma dizendo que o parlamentar perderá o mandato, se deixar o partido por qualquer motivo. Aqui, incorre-se numa das mais irritantes "interpretações" jurídicas: aquela que nega um princípio simplesmente porque não há lei expressa. Uma certa concessão à preguiça mental. No Direito, pouca coisa me enfurece tanto quanto alguém cruzar os braços diante de um problema grave sob a alegação de que não há lei regulamentadora, embora uma solução possa ser extraída do sistema.

3. A prova de que o mandato pertence ao partido se extrai dos diversos dispositivos legais citados no voto, que deixam isso bem claro. Se isso não basta, lembre-se que a filiação partidária é pré-requisito para qualquer candidatura; que o candidato, ao menos em tese, se elege favorecido pelos recursos que a sua agremiação recebe junto ao Fundo Partidário ou, seja lá qual for a fonte, por uma captação financeira que o partido conseguiu; que o candidato se promove no horário eleitoral concedido pela Justiça Eleitoral não a ele, por ser candidato, mas ao partido, a fim de que este resolva como distribuir tal tempo entre seus candidatos.

Como não existe norma clara sobre fidelidade partidária no Brasil, os Ministros do TSE usaram um jogo de palavras, dizendo que a decisão não se pautava nisto, mas numa "fidelidade ao eleitor". Chamem do que quiserem, essa deliberação — que ainda não é definitiva e dará fábricas e fábricas de pano para manga — é a única chance de este país de ter futuro, livrando-se dos mercadores de mandato, dos prostitutos que vendem a mãe e os filhos por regalias pessoais.
Os partidos, no Brasil, não possuem uma verdadeira ideologia. Porém, ainda que grosseiramente, espelham algum tipo de convicção segmentada. Por isso, quem se filia ao partido deve defender o ideário do grupo e cumprir as suas determinações. Ou então cair fora, sem nada.
Peço a Deus que o Supremo Tribunal Federal sustente o mesmo entendimento.

O TSE merece ser aplaudido de pé

Sessão de ontem do TSE

Reprodução de notícia oficial publicada no sítio do Tribunal Superior Eleitoral: http://agencia.tse.gov.br/index.jsp?pageDown=noticiaSearch.do%3Facao%3Dget%26id%3D17104


Mandatos obtidos por deputados e vereadores pertencem aos partidos e não aos eleitos, define TSE

27 de março de 2007 - 23h34

Por maioria de 6 votos a 1, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiram que os mandatos obtidos nas eleições, pelo sistema proporcional (deputados estaduais, federais e vereadores), pertencem aos partidos políticos ou às coligações e não aos candidatos eleitos.

A decisão foi proferida como resposta à Consulta (CTA) 1398 do Partido da Frente Liberal (PFL). “A decisão que foi tomada hoje pelo Plenário do Tribunal Superior Eleitoral representa uma fidelidade à Constituição Federal”, definiu o presidente da Corte, ministro Marco Aurélio, no encerramento da sessão. “Em segundo lugar, o Tribunal deu uma ênfase maior à vontade do eleitor que vota, em primeiro lugar, na legenda”, concluiu.

O TSE respondeu a uma pergunta formulada em tese pelo PFL (artigo 23, XII, do Código Eleitoral). Assim, a decisão funciona como precedente para eventuais situações futuras. Nesses casos, a legenda que se sentir prejudicada poderá reclamar a vaga do desertor do mandato perante o Poder Judiciário.

A pergunta do PFL era a seguinte: “Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”


Voto do relator

“Os partidos políticos e as coligações conservam o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda”, determinou o ministro Cesar Asfor Rocha, relator da matéria, na conclusão do voto, acompanhado por cinco ministros.

O ministro começou o voto lembrando que a Constituição Federal, no artigo 14, parágrafo 3º, item V, estabelece, como condição de elegibilidade do cidadão, dentre outras, a filiação partidária. Assim, sem o partido, o candidato não pode concorrer nem se eleger. Também assinalou que no artigo 17, parágrafo 1º, a Constituição assegura aos partidos estabelecer normas de fidelidade e disciplina.

O ministro pontuou que o vínculo partidário é a identidade política do candidato. “Ora, não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no plano prático, que o vínculo de um candidato ao Partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, se não o único elemento de sua identidade política”, afirmou. "O candidato não existe fora do Partido Político e nenhuma candidatura é possível fora de uma bandeira partidária”, enfatizou.

Nesse sentido, o ministro considerou equivocada a suposição de que o mandato político eletivo pertence ao indíviduo eleito. "(...) é como se o candidato eleito se tornasse “senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não apenas transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre ela podendo exercer (...) todos os poderes inerentes ao seu domínio, inclusive o de dele dispor”.

O ministro ressaltou que não é ilícita a troca de partidos. "O cidadão pode filiar-se e desfiliar-se à sua vontade, mas sem que isso represente subtração à ao partido que o abrigou na disputa eleitoral”.

Nesse ponto, o ministro lembrou os artigos 108, 175, parágrafo 4º e 176 do Código Eleitoral, para demonstrar que “os votos pertencem ao partido político”. O artigo 175, parágrafo 4º, por exemplo, diz que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o registro do candidato, quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato.


Estatísticas

Ao longo do voto, o ministro citou levantamento de que no início da atual legislatura, 36 parlamentares deixaram os partidos pelos quais se elegeram. Destes, somente seis se filiaram a partidos que integraram as coligações pelas quais se elegeram. E 28 passaram para o lado dos partidos opositores.

O ministro também citou que dos 513 deputados federais eleitos em outubro, apenas 31 (6,04%) tiveram votos suficientes para se eleger. Todos os demais alcançaram o quociente eleitoral por meio dos votos atribuídos aos partidos.


Votos convergentes

Segundo a votar, o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, citou a Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), cujos artigos 24, 25 e 26 estabelecem regras de fidelidade e disciplina partidárias, salientando que não se ousa “colar a pecha de inconstitucional” a esses dispositivos.

O artigo 24, por exemplo, diz que “o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes” estabelecidas pela legenda. O artigo 26 determina a perda automática da função ou do cargo que exerça, “na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito”.

O ministro Marco Aurélio também lembrou os princípios constitucionais que norteiam a matéria. O ministro invocou o artigo 37 da Constituição Federal, o qual prevê que a administração pública, direta e indireta, será regida pelos princípios de “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Esse artigo também disciplina o acesso aos cargos e funções públicas.


Soberania do eleitor

Terceiro a votar, o ministro Cezar Peluso destacou que a resposta a essa Consulta não se restringe à discussão sobre fidelidade partidária, esta uma mera questão interna entre partidos e filiados. O ministro pontuou que a questão diz respeito à vontade do eleitor, à soberania do titular do direito ao voto nominal e secreto.

O ministro ressaltou, também, que a filiação constitui requisito e pressuposto constitucional do mandato. “O cancelamento dela ou a transferência do partido, quando não seja justificado, tem por efeito a preservação da vaga no partido de origem”. “A vinculação candidato-partido é ínsita ao próprio sistema representativo proporcional adotado pelo ordenamento jurídico”, registrou.

O ministro Peluso acentuou, ao final, que os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, diante de injustificado cancelamento de filiação ou transferência para outra legenda.

Na mesma diretriz, os ministros Carlos Ayres Britto, José Delgado e Caputo Bastos, que votaram na seqüência, acompanharam o entendimento firmado nos votos antecessores.

O ministro Carlos Ayres Britto chegou a ressalvar que o artigo 55, da Constituição Federal, que contempla as hipóteses de perda de mandato, não abriga a situação de troca de partido do parlamentar. No entanto, optou por acompanhar a maioria.


Voto divergente

Autor do único voto divergente, o ministro Marcelo Ribeiro afirmou que, em sua convicção, não há norma constitucional, tampouco ordinária, que estabeleça a perda do mandato do parlamentar diante da situação de troca de partido ou cancelamento da filiação partidária.

Para embasar o argumento, o ministro invocou precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) – Mandados de Segurança 2927 e 23405. Essa jurisprudência mostra, segundo o ministro, que com as conseqüentes reformas constitucionais, foi excluída da Constituição em vigor a regra segundo a qual a mudança de partido era causa de perda de mandato.

Nesse contexto, o ministro invocou o artigo 55 da Constituição, afirmando considerá-lo exaustivo. O artigo relaciona os casos que geram a perda do mandato parlamentar, como a falta de decoro ou a suspensão dos direitos políticos, entre outras. Como o rol não abriga a troca de legenda ou cancelamento da filiação, o ministro considerou que não há base legal para se afirmar que a titularidade do mandato é do partido e não do eleito.

terça-feira, 27 de março de 2007

Vergonha de ser rico


O cantor britânico Robbie Williams, 33 — sinceramente, não sei se já ouvi alguma música desse cara —, esteve na mídia recentemente, não por sua carreira, mas por ter se submetido, nos Estados Unidos, a um tratamento de desintoxicação de drogas e álcool, concluído na semana passada. Agora, ele vem a público dizer que sente vergonha por ter revelado há mais de 5 anos ter recebido 160 milhões de dólares para fazer 3 discos.
Enquanto isso, no Brasil, não faltam pessoas enriquecendo à custa do sofrimento e morte de milhares e milhares de seres humanos, que não sentem o menor constrangimento. Pelo contrário, exibem "suas" fortunas onde podem e são muito bem recebidas pela imprensa, pelos meios empresários, nas carreiras políticas, nas carreiras judiciárias ou afins e até nas igrejas.
Esses artistas não se cansam de excentricidades!
De minha parte, sou um cristão. Eu faria o sacrifício, pelo meu irmão Robbie, de dividir essa vergonha com ele.

Zelo profissional

"Com todas as vênias imagináveis e possíveis, após estudar detidamente os presentes autos, não podemos nos escusar de consignar o mais respeitoso parabéns ao defensor do recorrente uma vez que, em nosso juízo, independentemente do livre exercício do sagrado munus advocatício, o mesmo pode ser também aclamado como o 'Pai' de todos os procrastinadores, eis que, por mais de 12 anos, através de todas as chicanas processuais conhecidas, conseguiu impedir que o réu GERALDO DE OLIVEIRA BRAGA sentasse no banco dos réus do Tribunal Popular e desse sua satisfação a sociedade paraense pelo crime de homicídio encomendado."

Trecho do parecer exarado pelo Procurador de Justiça Ricardo Albuquerque da Silva, nos autos de recurso em sentido estrito da 1ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. A vítima foi um um mecânico de automóveis, barbaramente assassinado num crime de encomenda. Acima, o nome do réu, contra o qual pesa, também, a acusação de haver encomendado a execução dos irmãos Canuto, um dos crimes mais rumorosos de toda história judiciária do Pará.
O mecânico foi assassinado em 3 de abril de 1990. Daqui a sete dias, completar-se-ão nada menos que dezessete anos. E o réu jamais se sentou no banco dos réus, graças ao ardoroso trabalho de seu advogado.
Não duvido que me critiquem pelo que vou dizer, mas o fato é que não me limito a ensinar técnicas e teorias aos meus alunos. Falo muito em ética e limites. E sempre lembro que nos dois lados da corda há seres humanos. Não admito advocacia como vale tudo. Há colegas que me envergonham, porque por trás de sua retórica cínica de "defesa dos direitos constitucionais do meu cliente" há um bolso endinheirado de onde saem sem parar as moedinhas. E outro bolso, ávido, que não se cansa de agasalhá-las.
É a lógica do pagando bem, que mal que tem? E danem-se os outros.

segunda-feira, 26 de março de 2007

O valor da ciência

Reprodução de reportagem que pode ser encontrada em http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,AA1300510-5603,00.html


Como os pica-paus podem não ter dor de cabeça depois de passarem um dia todo bicando troncos de árvores? Qual é o critério que leva um besouro a escolher estrume para comer na hora do almoço? Massagens no reto podem curar o soluço? Essas importantes questões foram alvo de muitas horas de estudo, e agora os cientistas que se desdobraram para resolver esses grandes mistérios da ciência foram finalmente reconhecidos. Cada um deles recebeu, nesta quinta-feira, o Prêmio Ig Nobel, uma sátira ao Nobel, entregue anualmente em Cambridge, Massachussets, nos Estados Unidos, por ganhadores do próprio Nobel.
A pioneira pesquisa com os pica-paus, de Ivan Schwab e Philip May, da Universidade da Califórnia, foi premiada na categoria Ornitologia. Os kuaitianos Wasmia al-Huty e Faten al-Mussalam, que mostraram que besouros que se alimentam de estrume são, na verdade, muito exigentes na hora de escolher o que comem, receberam o prêmio de Nutrição.
O Ig Nobel de Medicina foi para Francis Fersmire, da Universidade do Tennesseee, que descobriu que massagear o reto com os dedos é um tratamento eficaz contra soluços. Lynn Halpern, Randolph Blake e James Hillendrand ganharam o Prêmio Acústico. Eles se debruçaram sobre um grande mistério da humanidade: por que as pessoas não suportam o barulho de unhas arranhando um quadro negro?
Os australianos Nic Svenson and Piers Barnes levaram o Prêmio de Matemática ao descobrir quantas fotos é preciso tirar para que ninguém em um grupo pisque. O de Física foi para os franceses Basile Audoly e Sebastien Neukirch, da Universidade de Paris, que desvendaram porque o espaguete seco costuma se quebrar em mais de dois pedaços.
Os resultados do Ig Nobel de Química e Biologia mostram que o queijo é o objeto de pesquisa do momento. O primeiro foi para um grupo de cientistas espanhóis, da Universidade de Valência e da Universidade das Ilhas Baleares, que estudaram a velocidade supersônica do cheddar quando afetado pela temperatura. O segundo, para o holandês Bert Knols, da Universidade Agrícola de Wageningen, que comprovou que a fêmea do mosquito da malária é atraída pelo cheiro do queijo limburguer — e também pelo chulé.
O laureado com o Ig Nobel da Paz foi Howard Stapleton, de Gales, que inventou um repelente de adolescentes — um aparelho que emite um barulho extremamente irritante, que não pode ser ouvido por adultos. Infelizmente, no entanto, Stapleton não pôde comparecer à cerimônia por motivos familiares.
A cerimônia do Ig Nobel 2006 segue as tradições do passado. O limite de tempo de um minuto dado a cada vencedor para fazer seu discurso de agradecimento é rigidamente controlado por uma menina de oito anos. Os espectadores, como em anos anteriores, assistem à cerimônia atirando aviõezinhos de papel no palco — varridos pelo professor de Harvard Roy Glauber, que cumpre a função com diligência há 10 anos, mesmo depois de ter ganhado o Nobel de Física, no ano passado.

...

Enquanto isso, no Brasil, não há dinheiro para pesquisa séria. Mas, pelos menos, aqui nóis também se diverte.

Imobilizada além da perna?

Jornais e até blogs começam a subir o tom contra o governo Ana Júlia, considerado inerte até o momento. Os advérbios estão piorando. Honestamente, não sei o que esperavam. Ainda não acabou sequer o terceiro mês. Duvido que, nesse meio tempo, muita coisa pudesse ser feita.
Faz parte do discurso de 11 em cada 10 novos chefes de Executivo dizer que, devido aos desmandos do governo anterior, o primeiro ano é só para botar ordem na casa. Falácia óbvia, essa desculpa cretina esconde as artimanhas a que o novo dono do cofre pode aspirar para si e os seus. Em um ano dá para agir, sim, e quem não o fizer nesse período provará incompetência, más inclinações ou ambas.
Porém, falo de um ano. Três meses me parece um tempo razoável para botar ordem na casa, mormente após 12 anos de oba-oba de um só grupo político. Já foi divulgado o rombo financeiro deixado pelos honestíssimos tucanos, a comprometer a capacidade de investimento do Estado. Sabemos que, por toda parte, desapareceram sem deixar rastro documentos e discos rígidos. Quanto às obras, temos o nó deixado pelo Hangar, p. ex. Quanto aos aspectos operacionais, está prevista para o próximo mês a votação da lei que altera a infraestrutura do governo, reorganizando as secretarias. Só depois disso é que se conhecerá o verdadeiro ritmo do ainda novo governo. Se a partir daí as coisas andarem, as críticas serão de todo justas.
Ana Júlia já cometeu uns tantos erros em sua curta estada no poder, como a nomeação de suas esteticistas para assessorias especiais, atos de nepotismo e uma bisonha utilização de aeronaves. Vá lá. Penso que certos deslumbramentos com o poder podem ser corrigidos.
Da minha parte, tenho visto a polícia nas ruas e me sentido mais seguro, como cidadão. Não sei como andam as coisas nesse quesito fora de Belém, mas a visão do policiamento ostensivo me deixa mais aliviado. A imprensa já apontou uma redução nos crimes, nesse trimestre. Não era uma das respostas que se esperava do governo?
Como diz a cantora Ana Carolina, "hoje eu não vou falar mal nem bem de ninguém". Só quis ponderar que, talvez, haja uma certa pressa entre os críticos. Demos mais três meses e, depois deles, se a re-estruturação administrativa tiver ocorrido (ou, se não, por culpa do próprio governo), terá sentido apontar imobilidade na gestão estadual.
E para os que estão ávidos por atacar Ana Júlia ou o PT, saibam que José Serra, atual estrela maior do PSDB no país, não foi além de 39% de aprovação no seu primeiro trimestre, com índices ainda mais baixos na capital, onde comumemente se sente com mais facilidade a presença do governo. Saiba mais.
Pelo visto, novos governos de pernas quebradas são mais frequentes do que se pensa.

Uma análise do "Portal da Amazônia"

O magistrado trabalhista José Maria Quadros de Alencar publicou em seu blog uma excelente análise, a partir da visão de um urbanista, sobre o "Portal da Amazônia", aquele projeto graças ao qual o sedizente pretende re-eleger-se. Leia, porque é uma valiosíssima contribuição para todas as pessoas que pensam Belém com visão de futuro — um futuro além de outubro de 2008.
Não entendo do assunto, por isso não direi que apoio o "Via Metrópole", até porque o mesmo foi desenvolvido sabe-se lá com que critérios, na época em que a tucanalha acreditava que seu poderio no Pará duraria os mesmos mil anos que Hitler sonhou para o III Reich. Conhecendo o ideário tucano, que promoveu 12 anos de obras megalomaníacas porém não necessariamente corretas do ponto de vista da funcionalidade — e certamente não quanto à economicidade —, temo que o "Via Metrópole" também seja um equívoco.
Afora isso, a opção pelo "Portal da Amazônia" é, de fato, mais eleitoreira do que solucionadora de problemas. E olha que defendo a construção de uma orla desde criancinha! É um sonho meu. No entanto, não podemos ser românticos e deixar de considerar as prioridades de uma cidade sem dinheiro no bolso, com um povo tão necessitado.
A sandice tucana ficou na cabeça do sedizente prefeito, mesmo que ele tenha abandonado seus padrinhos. A começar pelo nome — "Portal da Amazônia" —, indicando que nós somos a porta de entrada de toda a Amazônia. Arrogante, sem dúvida. Para mim, "Av. Beira Rio" era mais do que suficiente — desde que ela existisse.

domingo, 25 de março de 2007

Cores de Belém


Amar Belém. Depois de mais ou menos 15 anos, retornar ao Bosque Rodrigues Alves, hoje Jardim Botânico, e encontrar a belíssima Fonte dos Intendentes.
Caminhar pela areia com aquela enormidade verde ao redor. Lembrar o quanto eu me divertia caminhando no prédio do aquário, terror das velhinhas. Saber que existe essa joia, incrustrada no metal, no concreto, no asfalto e no vidro da cidade.

sábado, 24 de março de 2007

Expropriação de terras escravagistas

Do Repórter Diário de hoje:
Trabalho escravo
A primeira ação da subcomissão, criada no Senado para tratar do combate ao trabalho escravo, será desengavetar a proposta de emenda constitucional que prevê a expropriação de terras onde for comprovada a presença de trabalhadores em situação degradante. A PEC tramita na Câmara, mas o senador José Nery, que preside a subcomissão, anunciou que marcará audiência com o presidente da Casa, Arlindo Chinaglia, para pedir agilidade na votação em segundo turno, já que a proposta foi aprovada numa primeira votação. O projeto enfrenta forte oposição da bancada ruralista.

Sempre digo aos meus alunos que há um só delito em relação ao qual sou veementemente a favor do endurecimento da lei penal: é o do art. 149 do Código Penal, redução à condição análoga à de escravo. Atualmente, a sanção desse delito é de 2 a 8 anos de reclusão, além da pena prevista para a violência que porventura tenha sido perpetrada contra a vítima. Tal sanção se aumenta de metade se a vítima for criança ou adolescente, ou se a motivação envolver preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
São muitas as distorções na lei penal. Se um sujeito me rouba 10 reais, está sujeito a uma pena de 4 a 10 anos de reclusão, mais multa. Se, para tanto, puxa uma faca ou conta com a ajuda de alguém, a pena pode subir de um terço até metade, chegando a 15 anos, além da multa, mesmo que eu não seja ferido. Mas se um sujeito rico, latifundiário, influente, em geral envolvido com política — ou seja, com diversos tipos de blindagem pessoal — desrespeitar a função social da propriedade (que é imperativo constitucional) e colocar seres humanos em situação análoga à escravidão, talvez a máxima expressão de indignidade, de desprezo pela condição humana, a pena não irá além de 12 anos de reclusão (mais a violência, o que pode ser muito pouco).
Posso dar-lhes diversos exemplos de que o Direito Penal brasileiro protege muito mais o patrimônio, o vil metal dos que foram afortunados em possuí-lo, do que o próprio ser humano, a quem deveria servir. Isso me revolta. Por isso, neste delito em particular, proponho o aumento das penas. E um bom aumento. Algo como 8 a 15 anos de reclusão, que é a pena inicial da extorsão mediante sequestro. Mais multa. Mais a pena da violência pessoal que seja praticada. E mais, principalmente, isto: a expropriação das terras em que o trabalho escravo tenha sido confirmado. Se podemos expropriar em caso de plantação de maconha, por que não fazê-lo aqui?
Sou contra a Lei de Crimes Hediondos, mas se ela existe, por que o trabalho escravo não foi incluído nela?
Tudo isto mostra por onde vai o nosso Congresso Nacional, quando vota leis penais. O interesse não é do povo em geral, muito menos das sempre ignoradas vítimas. Há sempre algum interesse ilegítimo, não republicano, por trás. Por isso desprezo essa famigerada bancada ruralista, que usa a política não para assegurar o desenvolvimento das atividades agropecuárias ou a proteção do meio ambiente. O discurso meloso e desenvolvimentista mal esconde uma canalha ávida por manter seus privilégios indecentes, freqüentemente desumanos, a qualquer custo.
Daí a minha proposta: vergastá-los na parte mais sensível do corpo humano. O bolso. Até porque somente assim se poderá retirá-los do ambiente criminógeno, ou seja, deixarão de delinquir por não disporem mais de condições para repetir o dito crime.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Vitimização secundária sob o signo da legalidade

Tramita no foro criminal de Belém, sob segredo de justiça, uma ação penal em que um homem é acusado de praticar atentado violento ao pudor contra seu próprio filho, um menino de 3 anos. A acusação foi comprovada por perícia médico-legal, a qual atestou lesões no ânus da criança, inclusive antigas, demonstrando que o abuso vem-se repetindo há tempos. Molestador preso, vítima encaminhada ao Programa Pró-Paz, do governo do Estado, onde tem recebido acompanhamento psicossocial. Foram necessários meses de trabalho persistente para angariar a confiança do menino, que começou a contar o que lhe fora feito.
Mas eis que, iniciada a instrução criminal, o promotor de justiça, sequioso de provar a acusação contra o réu, pediu que a vítima fosse chamada para prestar depoimento. Isso mesmo, a vítima, de 3 anos! E como desgraça nunca vem sozinha, o juiz deferiu o pedido!
Imaginem a cena: um garoto dessa idade, na presença de estranhos (o juiz, o promotor, o secretário de audiência, o defensor do réu — este, único que pode estar ausente — e quiçá algum estagiário), tendo que contar como seu pai abusava sexualmente dele. E o inteligentíssimo juiz convocou a psicóloga do fórum, para que ela participasse da audiência e fizesse o menino falar. Como se fosse só chegar e dizer "aí, amiguinho, conte para a titia o que o seu papai fazia com você!"
A psicóloga obedeceu, claro, porque tinha que obedecer. Mas ficou indignada, já que tem sangue nas veias. E quando alguém com acesso à informação me contou a história, meu sangue igualmente ferveu, ante a absoluta incapacidade de dois agentes públicos, incumbidos de proteger a sociedade, de perceber o óbvio: que eles lidam com seres humanos, não com leis, processos e papeis.
A atitude da dobradinha promotor-juiz é revoltante porque revela absoluto despreparo para compreender a gravidade do ato e suas implicações. Tem-se aqui, pelas mãos de quem deveria proteger a criança, a prática do que chamamos de vitimização secundária.
Chama-se primária a vitimização quando a pessoa sofre o crime propriamente dito. Secundária, quando passa a amargar consequências outras do delito, decorrentes das reações da sociedade (p. ex., preconceito, estigmatização) ou da imprensa (exploração irresponsável do drama pessoal), ou ainda do mau aparelhamento do Estado para lidar com a situação (p. ex., constrangimentos quando procura a polícia, o vexame de ser submetido a uma perícia sexológica, a assunção do ônus de forçar as autoridades a punir o agressor, etc.), sem falar nos riscos de retaliação do próprio criminoso. Naturalmente, são efeitos que não precisavam existir e que servem apenas para aumentar o sofrimento, a humilhação, a vergonha e a revolta da vítima.
Como se não bastasse sofrer um dos mais terríveis tipos de violência, no comecinho da vida, quando os traumas mal podem ser verbalizados e tendem a se esconder no subconsciente, gerando graves dificuldades na vida adulta; como se não bastasse ver ruir a própria família, essa criança ainda precisa estar à disposição de uma curiosidade insana, de um tecnicismo processual pervertido, de uma falta de bom senso imperdoável. Não basta um laudo dos psicólogos? Será que eles são tão inconfiáveis que os lobos precisam beber a verdade direto da boca do ofendido?
Membros da magistratura e do Ministério Público frequentemente caem no despautério de se considerar sobre-humanos. E, com isso, tendem a perder a noção de uma realidade: que precisam estudar, aprimorar-se, não apenas na frialdade das leis, mas acima de tudo no humanismo, o mais importante conhecimento que deveria ter um jurista, mas sistematicamente ignorado e até mesmo negado.
Desculpem, mas fiquei revoltado com esse caso.

Art. 227 da Constituição Federal: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

O mito do senhor da lide

O Comando da Polícia Militar deste Estado instaurou sindicância para apurar irregularidades no Batalhão de Polícia Ambiental. Um dos investigados alegou que o comandante da unidade e alguns apadrinhados abasteciam seus automóveis particulares com o combustível destinado às lanchas, carros e roçadeiras do quartel. Surgiu assim uma acusação de peculato. Ao final da sindicância, 54 castrenses haviam sido ouvidos. Apenas um fazia a tal acusação. Os demais ou não sabiam absolutamente nada a respeito, ou negavam a ocorrência. Os mapas de consumo de combustível nada indicavam de anormal. A autoridade sindicante concluiu pela inexistência de provas do fato.

Os autos da sindicância então chegaram às mãos do Promotor de Justiça Militar, que resolveu denunciar vários militares por crimes diversos. Um dos denunciados foi um tenente de carreira elogiada, que na época se encontrava licenciado, para fazer um curso em tempo integral na UFPA. Ou seja, nem ia regularmente ao BPA. A única acusação que pairava contra ele eram as palavras do sargento investigado que, segundo consta, estava inconformado com o comandante do quartel por ter sido transferido contra a sua vontade.

O denunciado teve impetrado em seu favor um habeas corpus para trancamento da ação penal, em cujos autos o Ministério Público defendeu que fora correto denunciá-lo já que havia "indícios mínimos de materialidade e autoria do crime". Na sessão de julgamento, o órgão ministerial fez questão de sustentar suas razões oralmente, dizendo que o colega tivera que denunciar, sob pena de incorrer em delito de prevaricação.

Lamentável, detestável mesmo que no ano de 2007 o Ministério Público continue menosprezando tanto a liberdade e a honra dos cidadãos. Reedita-se, assim, o antiquíssimo mito de que o papel do órgão é acusar, o que autoriza acusar por acusar, fazendo interpretações forçadas e tecnicistas da lei, sem qualquer preocupação com as consequências do ato sobre a vida das pessoas. É o dominus litis, o senhor da lide, que faz e acontece.

Felizmente, à unanimidade de votos, as Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça excluíram o acusado da ação penal, por constatar que não havia elementos mínimos a justificar o constrangimento de ser processado. Destaque para as duas desembargadoras oriundas do Ministério Público, que bateram firme no colega.

Embora a titularidade da ação penal pública seja a primeira atribuição do Ministério Público citada pelo art. 129 da Constituição de 1988, sabemos hoje que ele é, antes de tudo, defensor dos interesses da sociedade e, para isso, deve exigir o cumprimento das leis, não apenas pelos cidadãos, mas pelas próprias instituições públicas. As exigências para a propositura da ação penal também constam da lei; logo, compete ao MP assegurar que uma pessoa somente seja processada quando haja elementos honestos a justificar a acusação que sofre. Afinal, o processo penal é instrumento de garantia dos direitos do cidadão.

A atuação do MP nesse caso foi integralmente centrada na ideia de que uma simples acusação, sabe-se lá com qual motivação, autoriza o processo penal. O que mais me revolta nisso é que o mesmo raciocínio não se aplica a todos indistintamente. Frequentemente, são feitas acusações contra juízes, promotores de justiça, políticos e ricos empresários. Às vezes, elas vêm acompanhadas de farta documentação. Mas os acusados não são denunciados ou, se o são, os processos não andam. Se andam, ninguém é condenado. Se há condenação, ela não é cumprida. E assim vamos até que ninguém mais tenha fé nas instituições brasileiras. São acusados privilegiados, de costas larguíssimas, acima do bem e do mal, que ganham beijos da juíza diretora do fórum quando chegam para depor. Protestam, protegem a si mesmos e processam o acusador por calúnia, tornando-se vítimas. O acusador se torna o criminoso.

A regra de que basta uma alegação verbal, infirmada por todos os demais fatos, para processar um indivíduo só se aplica aos indivíduos de ombros estreitos, que chegam às prisões muitas vezes sem ter quem fale por eles. Prova-se, assim, que justiça e lei, no Brasil, são artigos interpretados, valorados e aplicados conforme a cara do freguês.

O personagem desta história tinha condições financeiras e advogados na família, que zelaram por sua situação. E o brasileirinho comum, que não dispõe disso?

CTBel: do leviano ao criminoso

É proibido estacionar ao longo da Av. Gov. José Malcher. Sabemos disso. Assim como sabemos que as pessoas sempre tentam burlar qualquer proibição, especialmente essa, que envolve o gosto por comodidades e uma boa dose de medo de ser assaltado no perigoso quadrilátero completado pela 9 de Janeiro, João Balbi e Alcindo Cacela. Ocorre que a fiscalização de trânsito, em Belém, nunca foi séria, por isso as pessoas se acostumam a fazer o que bem entendem e, quando chega o dia em que a fiscalização decide aparecer, os problemas se tornam maiores do que deveriam ser.
Chegava eu ontem à faculdade em que leciono, localizada naquele logradouro, por volta de 19 horas, no momento em que colocavam um Celta vermelho num caminhão reboque para recolhê-lo ao curral da CTBel. Enquanto isso, duas ex-alunas minhas acossavam o seu gualda.
O carro não pertencia a nenhuma delas; apenas ficaram indignadas com a atuação daquele órgão público. Mesmo lembrando que o cidadão deve cumprir as leis, todas elas, sou forçado a dar razão às meninas.
Em outras épocas, agentes da CTBel ficavam no perímetro da faculdade, impedindo que se estacionasse. Bastava demorar um instante a mais para o passageiro descer e eles começavam a apitar. Entravam pela noite e, quando o tráfego diminuía, surgia a tolerância velada em favor de quem resolvesse estacionar. Mas essa fiscalização desapareceu e agora é esporádico aparecer algum gualdinha por aquelas bandas, mais à tarde e nunca à noite.
Ontem, porém, um apareceu. E já veio de reboque. Escolheu o primeiro carro de uma fila de dez, mais ou menos, recolheu e pronto. Nenhum aviso, nenhuma advertência, nenhuma ação preventiva. Nenhuma responsabilidade. A marca registrada da CTBel.
Imagine o dono do veículo, após sua aula: chega ao local e apenas o seu carro sumiu. Até que alguma alma boa apareça, sabe-se lá de onde, e informe que foi a CTBel, ele pensará no óbvio: foi roubado! Como não se sentirá?
Não tenho interesse pessoal na questão, eis que a faculdade possui estacionamento para professores. Logo, não defendo a ilegalidade por uma espúria conveniência. Apenas quero insistir na leviandade da CTBel, que jamais atua de forma preventiva ou educativa; ao contrário, sempre escolhe medidas de força, que lhes renderão moedas no cofrinho.
Sabemos que a faculdade causa transtornos ao trânsito. Eu mesmo sou vítima diária deles. Mas se a CTBel decidiu recolher os veículos irregularmente estacionados, por que não oficiou a faculdade, pedindo que avisassem aos interessados que, no dia 22 de março, estariam ali para multar e recolher automóveis? Por que os próprios agentes não pediram licença à faculdade para ir de sala em sala, fazendo um trabalho de conscientização? Ah, claro, porque daria trabalho. E trabalho não é a meta da CTBel.
Ontem, havia vários infratores. Mas apenas um foi punido. O efeito disso, não duvidem, é que ele não sentirá que falhou e que deve reajustar sua conduta. O efeito da punição não será educativo. Ele sentirá apenas raiva, por ter sido escolhido para pato. E essa raiva não lhe dará respeito pelas instituições, mas talvez o desejo de afrontá-las. No mais, amargará um prejuízo de cem reais pelo reboque, mais a diária do curral, sem o que não poderá reaver seu patrimônio. E ainda tem a multa. Com sorte, encontrará dentro do veículo tudo que deixou, mas eu não teria tanta certeza.
Ontem, a CTBel dormiu tranquila: não fez nada para disciplinar o trânsito. Não educou ninguém. Mas garantiu a cervejinha.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Réus feios têm mais chances de ser condenados

Não é novidade, mas uma pesquisa realizada pela Universidade de Bath, no Reino Unido, e com resultados apresentados na Conferência Anual da Sociedade Britânica de Psicologia, mostrou que o indivíduo comum fica inconscientemente mais propenso a condenar um acusado de crime se o considera feio. Leia mais.

Agora imagine o resultado desse processo mental quando lembramos que, mundo afora, os crimes são cometidos, na sua ampla maioria, por pessoas pobres e por isso mesmo sem acesso às comodidades que garantem a beleza física. No final, casos em que não haja provas suficientes para uma condenação, se analisados friamente, podem acabar numa condenação porque a aparência do acusado provoca, no julgador, um sentimento íntimo, uma inclinação a acreditar que o mesmo é culpado.

Acautelem-se todos que se envolverem com parceiros violentos, se eles forem bonitos. Suas chances estão reduzidas.

Adiamento

Atualizado em 23.3.2007, às 12h07:
O sedizente prefeito de Belém adiou, pela segunda vez, para o dia 3 de abril, a reunião que agendara com representantes da Associação Comercial do Pará, interessados em cobrar-lhe uma solução para a dominação de Belém por camelôs. Talvez seja o horror que lhe cause a idéia de alguém lhe cobrar para fazer o seu próprio trabalho. Ou talvez o apagão aéreo tenha inviabilizado a sua vinda de Brasília, onde pode ser habitualmente encontrado.
Ou talvez ele mesmo já esteja convencido de que o início do mandato de prefeito, após as eleições de outubro de 2004, é coisa adiada. Para 1º de janeiro de 2009.
Ontem, por fim, um terceiro adiamento, agora para o dia 4 de abril. Qual é mesmo a definição de "levar em banho-maria"?

O isolamento cultural de Belém


Em 2004, Belo Horizonte assistiu à montagem de minha ópera favorita, Turandot, obra monumental e inacabada de Giacomo Puccini, que fora montada poucos anos antes no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro. Já se apresentaram no Brasil grandes nomes da música pop, como Michael Jackson, Madonna e U2. O papa (o anterior, que também era pop), veio três vezes e andou por estas bandas em 1980, mas não passou nem perto nas incursões de 1991 e 1997. São Paulo — que leva a maior fatia de qualquer manifestação cultural — acabou de usufruir das exposições sobre a obra de Leonardo da Vinci e sobre o corpo humano, que eu daria um dia da vida para visitar.
A vida cultural de Belém é pobre. Dizer isso não é faltar ao respeito com a infinidade de artistas talentosos e sérios que se esfalfam por um espaço, mas não vão além da performance em barzinho, da gravação de um CD que não terá maior divulgação, da peça que não viaja nem para Ananindeua e tem poucas apresentações, do livro de tímida tiragem que será lido pelos parentes e uns poucos amigos. Não falo de talento ou capacidade: falo de oportunidades e de compromisso. E excluo de minha abordagem, naturalmente, as manifestações culturalescas de caráter popularíssimo, que rendem fortunas aos envolvidos exatamente porque não têm valor artístico e apenas exploram o lado selvagem da vida.
Belém está separada dos grandes centros culturais por imensidões geográficas. Isso naturalmente pesa. Basta pensar que os custos de produção de um espetáculo qualquer aumentam consideravelmente, para que ele ganhe vida a milhares de quilômetros de seu local de origem. Calculam-se as despesas com deslocamento de pessoas (passagens aéreas), de cargas (caríssimos fretes rodoviários), despesas com seguro (já que as estradas são perigosas, tanto por acidentes quanto por assaltos) e tantas outras e, lá no fim, a relação custo-benefício se revela inviabilizadora. Daí nos resta pegar um avião para ver o espetáculo que nos interessa ou acompanhar pela televisão, mesmo.
As duas únicas tentativas de inserir Belém num contexto nacional de produções culturais ocorreram no campo musical, através do Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão e dos festivais de ópera, que o governo do Estado manteve até 2006 e que não se sabe, por enquanto, que rumos tomarão; e no campo do cinema, por meio da iniciativa diletante de Dira Paes com o Festival de Belém do Cinema Brasileiro, com duas modestas edições nessa roupagem.
Não tratarei aqui dos méritos e dos pecados da iniciativa governamental (entre aqueles, permitir eventos valiosos a preços acessíveis e, entre estes, ser elitista e privilegiar somente os membros da panelinha), nem tentarei avaliar os resultados obtidos pela querida atriz abaetetubense, em reconhecimento ao fato de que nada entendo de música, de cinema nem da organização de eventos.
Meu interesse é destacar que a distância que realmente mata Belém não é geográfica. Estamos a anos-luz de políticas culturais e dos empresários que movimentam o setor. Não existem, em nossa cidade, verdadeiros empreendedores culturais. O que existem são grupos econômicos polivalentes que, dentre outras atividades econômicas, promovem aqui e ali eventos de apelo popular, que lhes renderão lucros pela grande vendagem de ingressos. Porém, dá-se o evento, o promotor recolhe o vil metal e a cidade mergulha novamente no marasmo de sempre. Além do fato de que as famigeradas micaretas e o show da banda teen RBD nada acrescentam ao caráter de quem quer que seja, a maior constatação é que a cultura ou a arte, nesses casos, quando existem, não são o fim perseguido pelos promotores; são apenas uma forma a mais de ganhar dinheiro, em meio às outras atividades que fizeram suas fortunas, tais como comércio supermercadista, imprensa, construção civil e/ou envolvimentos de todo tipo com o poder público.
Faltam em Belém empreendedores que pensem na cultura pela cultura, com consciência de sua relevância para o ser humano; que invistam em grandes eventos com o propósito de médio a longo prazo de inserir a cidade, definitivamente, nos calendários do gênero. Empreendedores que se esforcem, p. ex., para trazer uma grande exposição para cá contando que, se ela for um sucesso de público, talvez adiante seus curadores queiram voltar e outros tenham interesse em vir também, não apenas a convite, mas tendo a iniciativa de oferecer o seu produto, por reconhecer que vale a pena pôr, em seus currículos, “expus em Belém do Pará, aquela aprazível cidade amazônica cujo povo dá grande valor à arte”.
Muitos dirão que de nada adianta fazer investimentos se o belenense gosta mesmo é de festa de aparelhagem e da periquita, periquita, periquita. Discordo. Belém tem um público cativo para a arte, especialmente para a música. Não há uma só apresentação erudita em que a casa não fique cheia, mesmo que não lote. E é interessante ver gente de todas as idades assistindo. Quando vou a exposições, p. ex., vejo pelos livros de assinaturas que houve público. Estive nas exposições das fotografias de Pierre Verger (no Palácio Antônio Lemos) e de reconstituição dos campos de concentração nazista (no Palácio Lauro Sodré), uma seguida da outra na mesma manhã de domingo há mais de dois anos, e ambas estavam movimentadas. É como o anúncio profético de uma voz ao fazendeiro Ray Kinsella (Kevin Costner), no filme Campo dos sonhos (de Phil Alden Robinson, 1989), para que ele construísse um campo de beisebol em seu milharal: “se você construir, ele virá”.
Se alguém construir espetáculos em Belém, o público virá, com certeza. Precisamos encher nossos teatros, levar a música aos coretos das praças, projetar filmes ao ar livre, como fazem várias cidades, inclusive umas bem pequenas. Ou transformar uma celebração de Natal numa festa para os olhos dos habitantes e dos turistas. Sempre que iniciativas assim acontecem, a imprensa nacional está lá para registrar e louvar. Já era tempo de nos inserirmos nesse contexto.
Já era tempo de possuirmos uma agenda de eventos — populares, eruditos, étnicos — de todas as manifestações culturais, pensados como obras para ficar não apenas em memórias felizes, mas principalmente para formarem um sistema que se retroalimenta e que cada vez mais produz mais, aparece mais e cresce mais.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Seus problemas se acabaram-se!

Tenho lido inúmeras críticas, de todos os lados e com todos os conteúdos, contra a "nova Av. Duque de Caxias", "primeiro corredor ecológico de Belém". Mas se os problemas detectados são verdadeiros — por exemplo os engarrafamentos, que antes não existiam e agora são diários, em certos cruzamentos —, por outro lado está tudo resolvido. Acabei de ver que começaram a ser instalados nos postes novos suportes para as luminárias, na cor laranja!!!
Com a nova cor dos suportes, todos — absolutamente todos — os problemas da Duque estão definitivamente resolvidos. Viu como foi fácil?

Já que o Ministério Público resolveu investigar os desmandos do nosso desgoverno municipal, talvez fosse o caso de incluir nessas investigações o seguinte ponto: trocar uma coisa que funciona por outra nova, apenas para produzir um certo estilo visual, de acordo com o padrão adotado pessoalmente pelo "prefeito", atende aos princípios da razoabilidade e da economicidade na Administração Pública? Não seria melhor empregar esse dinheiro em outra atividade, por exemplo na aquisição de lâmpadas novas, para instalar nas áreas da cidade que padecem de deficiente iluminação pública?

Não destes, certamente

No dia 22 de outubro do ano passado, publiquei uma postagem sobre o perfil dos congressistas brasileiros, de abastados para cima. Há um grupo de milionários no meio. E a pergunta inevitável: essa gente vai representar os interesses do povo? É com o povo que eles se preocupam? Eles, que não andam de ônibus, que têm acesso à saúde, que estudam nas melhores escolas e universidades, a quem nada falta, materialmente falando?
Hoje, deparo-me com reportagem colocando o Brasil em um dos últimos lugares no ranking de representatividade parlamentar das minorias sociais. O óbvio: o Congresso Nacional não representa os brasileiros, especialmente aqueles que mais necessitam de atenção.
Vale lembrar que o vocábulo "minorias" significa, no contexto, grupos de pessoas mais afastadas (alijadas seria mais correto) dos centros de decisão, aquelas que não atuam como sujeitos dos processos políticos, econômicos, culturais, etc., monopolizados pelas elites do país. Servem como meros objetos ou, frequentemente, nem isso, de modo que tais políticas são concebidas ignorando completamente a existência dessas pessoas, em condições de intensa fragilidade social.
No mais, vale lembrar que, quantitativamente falando, as minorias são a maioria da população. Se o que está aí é o Congresso Nacional que nós queremos, precisamos urgentemente redefinir o significado do pronome "nós".

terça-feira, 20 de março de 2007

Empresários liberais

Nem só de atrelamento a grupos políticos de direita vive aquele grupo jornalístico familiar. Nos últimos dias, tenho percebido, por meio de uma sucessão de pequenas notas, a tentativa de convencer seus leitores de que o empresariado paraense tem sido bom para o meio ambiente. Hoje, por exemplo, o destaque é para o suposto plantio de "627 mil hectares de florestas industriais", ou um bilhão de árvores na Amazônia, só em 2006. A par disso, são constantes as afirmações de que as atividades econômicas têm garantido o desenvolvimento da região.
Claro que atividades econômicas geram emprego, renda e arrecadação tributária. Mas será que nos níveis sugeridos pelo jornal? Quanto ao meio ambiente, duvido. Pode ter certeza de que duvido.

Vara de marmelo, arame farpado, cipó camarão...

A blogosfera local repercute o palpitante escorraçamento do sedizente prefeito do bairro da Terra Firme, semana passada, fato sumariamente ignorado pelos dois jornais político-familiares da cidade.
De passagem por estas bandas, o inimigo público n. 1 inventou, sabe-se lá por quê, de ir ao perigosíssimo bairro para lançar um projeto de qualquer coisa. Porém, os próprios líderes comunitários que um dia o apoiaram trataram de correr com ele dali. Segundo Quinta Emenda, Blog do Barata, Flanar e Nec Plus Ultra, que foram os que vi, o malsinado foi salvo pelos seguranças, mas não cumpriu a agenda.
E eu me dano de rir disso. Algo assim, claro, não ajuda a construir um futuro melhor para Belém. Como, no entanto, Belém não tem futuro com ele, melhor rir e cantar. Dá-lhe, Zeca Pagodinho!

Eu moro numa comunidade carente
Lá ninguem liga prá gente
Nós vivemos muito mal
Mas esse ano nós estamos reunidos
Se algum candidato atrevido
For fazer promessas vai levar um pau
Vai levar um pau prá deixar de caô
E ser mais solidário
Nós somos carentes, não somos otários
Prá ouvir blá, blá, blá em cada eleição
Nós já preparamos vara de marmelo e arame farpado
cipó-camarão para dar no safado
que for pedir voto na jurisdição
É que a galera já não tem mais saco prá aturar pilantra
Estamos com eles até a garganta
aguarde prá ver a nossa reação

Veja o que publicou o jornal maiorânico hoje:

As obras do programa 'A Prefeitura no meu Bairro' foram iniciadas ontem na Terra Firme. O programa foi anunciado para a comunidade na sexta-feira, 16, pelo prefeito Duciomar Costa, em um encontro com as lideranças da área.

Mais adiante, há uma declaração atribuída ao "presidente de honra da Associação de Moradores do Bairro da Terra Firme", dizendo que as obras são uma conquista de suas lideranças. Nenhuma palavra sobre a confusão havida. Mas, pelo menos, a matéria não incluiu nenhuma suposta declaração do sedizente. Pelo menos isso ela reconhece que não houve.
Atualizado em 20.3.2007, às 13h10:

segunda-feira, 19 de março de 2007

Vêm aí as súmulas vinculantes

O Supremo Tribunal Federal está ansioso pelo dia de amanhã, quando entra em vigor a Lei n. 11.417, de 19.12.2006, que autoriza a edição de súmulas vinculantes, antigo sonho dos Tribunais Superiores, mas vista com desconfiança e uma boa dose de horror pelos juízes mais de baixo e principalmente por advogados.
Há pelo menos seis súmulas engatilhadas, já com manifestação do Procurador Geral da Justiça. A presidente do Excelso Pretório, a adorável Ellen Gracie, não quis dizer quais serão os temas, mas deixou escapar que envolvem preferencialmente matéria... Adivinhem? Tributária e previdenciária, claro! Exatamente as de maior interesse do governo. Coincidência?
Aguardemos os próximos emocionantes capítulos dessa novela.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u90420.shtml

Notícias que vão mudar o mundo — 2ª edição


"Naomi Campbell começa a cumprir pena de limpar chão em NY"

Ela é uma das top models mais famosas do mundo, porém atirou um celular no rosto de uma empregada, o que lhe rendeu cinco dias — isso mesmo: cinco dias — de serviços comunitários!
A apenada se apresentou hoje ao Departamento de Saneamento da Big Apple, trajando roupas caras, óculos escuros e salto alto, além de um par de botas, com que varrerá o chão ao lado de delinquentes sem qualquer glamour.
Tendo atribuído o seu famoso temperamento insuportável ao trauma de ter sido abandonada pelo pai na infância, a top ainda terá que se submeter a um tratamento para aprender a controlar a própria raiva.
Envio daqui minha solidariedade a essa pobre coitada. Não dormirei por cinco dias. Prometo.


Atualizado em 20.3.2007, às 11h54:
E ela agradou.

Dramaturgia

Demos um tempo nos assuntos conflituosos de que temos tratado.

É extremamente comum encontrar pessoas que afirmam não gostar de novelas. Quando afirmam isso, fazem cara de desprezo ou um certo ar de superioridade. Suscitam argumentos-clichê sobre serem repetitivas, banais, repletas de lugares-comuns, imbecilizantes e inversoras de valores. Há um pouco disso tudo, certamente. Não há como acolher em parte tais argumentos, se basta ver um segundo de Pé na jaca para duzentos neurônios se suicidarem.
Eu poderia listar incontáveis títulos da mais rematada porcaria. Porém, também sou capaz de fazer uma lista, menor sem dúvida, porém longa, de glórias da teledramaturgia. Não precisaria citar os ícones, como Malu Mulher, Roque Santeiro ou Selva de Pedra. Qualquer intelectual-de-orelha-de-livro sabe fazer citações óbvias. Poderia citar o romantismo desbragado de uma Direito de amar das seis (1987), o humor meio nonsense de uma Vereda Tropical das sete (1984/1985) e as tramas maduras e de responsabilidade social de uma Corpo a corpo (1984/1985).
Engana-se quem deduziu daí que minha opinião é que apenas as novelas antigas eram boas. Em tempos mais recentes também tivemos obras de valor, tais como O cravo e a rosa às seis (2000), Da cor do pecado às sete (2005) e Senhora do destino às oito (2004/2005). Isso sem falar nas séries, que costumam ser bem mais elaboradas, merecendo menção Hilda Furacão (1998), a injustiçada pela audiência Os maias (2001) e Cidade dos homens (2002). E olha que não assisti à maior parte do que citei, títulos que escolhi com base no sucesso que tiveram junto ao público, à crítica ou ambos.
Eu gosto de novelas. E lamento pelas pessoas que precisam não gostar (ou ao menos declarar que não gostam) para parecer mais inteligentes ou sofisticadas.
O mundo inteiro adora dramaturgia. Se o teatro é menosprezado pelo povo, infelizmente, as obras audiovisuais são um sucesso absoluto em toda parte. Bastaria citar o cinema para provar o alegado. Mas o cinema fica de fora, por hoje, eis que os filmes consomem em média duas horas ou pouco mais. Ocupo-me neste momento apenas da teledramaturgia, que ocupa meses ou anos da vida de um ser humano. É um fenômeno.
Eu citaria dois modelos:
1. o brasileiro, de novelas, histórias contínuas que duram de seis a oito meses, com capítulos diários, tramas mais populares e grande influência da opinião pública no desenvolvimento da história;
2. o norteamericano, de seriados, histórias contínuas (como Lost) ou descontínuas, ligadas por um fio condutor (como Arquivo X), exibidas em temporadas com no máximo 24 episódios anuais, forçando o espectador a esperar outros tantos meses para saber o rumo dos acontecimentos.
Qualquer um dos modelos é vendido para o resto do mundo, com absoluto sucesso, gerando uma cultura de celebridades e glamour. E também manifestações verdadeiramente artísticas, como no Brasil se podem citar O auto da Compadecida (1999) e Hoje é dia de Maria (2005).
Será que podemos dizer, sem cairmos nas generalizações ridículas, que esse sucesso todo deriva apenas do mau gosto do cidadão comum, especialmente no Brasil e nos Estados Unidos? Somos uma humanidade constituída de néscios, ignorantes convictos, sem classe e perspectiva? Duvido.
Gostamos de dramaturgia porque é delicioso acompanhar histórias dia a dia, ou semana a semana. Porque precisamos nos importar com as vidas fictícias, para dar um tempo nas nossas. E porque é uma das opções de lazer mais divertidas e seguras que existem.
Infelizmente, há mais de uma década que não acompanho mais os rumos da teledramaturgia brasileira — e estritamente por motivos de trabalho. Não fosse pela incompatibilidade de horários, eu estaria lá, de cara para a TV, adorando.
Eu vejo todos os telejornais que posso. Mas nem só de telejornal vive o homem. Tem que haver um sabor e uma descontração também.

Você gosta de novela? Clique aqui.

sábado, 17 de março de 2007

Estado proíbe fumo nas escolas

Segundo a imprensa, hoje, foi sancionada a Lei estadual n. 6.944, publicada no Diário Oficial de ontem, que proíbe "a prática do fumo em escolas públicas e conveniadas de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e técnico e estabelecimentos congêneres, inclusive cursos diversos, onde seja preponderante a presença de crianças e adolescentes".
A lei prevê que os infratores sejam retirados do recinto.
É pouco. Nossos ilustres deputados — boa parte fumantes, certamente — deveriam ter mais coragem e proibir o fumo em todo e qualquer estabelecimento educacional no Estado do Pará, sob pesadas sanções, especial para os dirigentes das instituições. A medida deveria alcançar as instituições públicas e privadas, inclusive de ensino superior, já que essa maldição não faz mal à saúde apenas de crianças e adolescentes.
Trata-se de uma intervenção na atividade econômica admitida por nossa Constituição, pois de fato não interfere sobre a atividade em si, não cria ônus para ninguém (é só cumprir a lei) e se justifica como política de saúde pública.
Vale lembrar que nos Estados Unidos — sempre lembrado pelos deslumbrados de plantão como modelo de civilização —, em certas cidades, como Nova York, não se pode fumar em nenhum tipo de estabelecimento, por isso as pessoas vão para a rua quando querem fumar — e são proibidas de fazê-lo paradas: têm que andar de um lado para outro, a fim de dissipar melhor a fumaça. Taí: serei mais condescendente com os americanos doravante.
Em suma, todo castigo para fumante é pouco. Já que não existe educação, ética, respeito ou solidariedade que dê jeito, então que seja a lei a castigar esses sociopatas viciosos, que a sociedade tem tratado com insuportável e injustificável brandura desde sempre. Está na hora de isso mudar.

Antes tarde que em 2009

A Prefeitura vai colocar quase quatro mil agentes de saúde nas ruas, a partir de segunda-feira, para atuar no combate à dengue.
Que bom. Pensei que algo assim só fosse ocorrer em 2009, quando a bodega estiver sob nova direção. Claro que a iniciativa chega com alguns anos de atraso, mas considerando que boa parte da população, assim como eu mesmo, jamais teve a doença, talvez ainda seja tempo hábil.
Nada, nada, está provado que, para alguma coisa de bom acontecer no (des)governo municipal, só com muuuuuuuuuuuuuita pressão — da imprensa, dos setores envolvidos e, principalmente, das autoridades. Ou vocês acham que, sem aquele bloqueio na Justiça Federal, esses novos agentes teriam sido chamados?

sexta-feira, 16 de março de 2007

Saúde piorando

Doenças da chuva
Dados do Hospital Barros Barreto indicam que o índice das doenças associadas ao período de chuva cresceu. Em relação ao mesmo período do ano passado, o número de casos de meningite aumentou de 35 para 38. A leptospirose cresceu de oito para quinze, e a hepatite pulou de quatro para oito casos.

Sem investimentos e sem ações-macro concretas do poder público municipal, a saúde em Belém vai piorando. Perde-se em qualidade de vida, perdem-se vidas. E a culpa não é da chuva.
Fonte: Repórter Diário, hoje

Notícias que vão mudar o mundo

"Ministra do STF usa calças em sessão pela 1ª vez"

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia Antunes Rocha, foi trabalhar nesta quinta-feira de calças compridas e quebrou uma tradição do tribunal. Foi a primeira vez que uma ministra participou de uma sessão do STF sem usar saia. Há sete anos que o uso de calça comprida no plenário foi liberado para as mulheres, mas a saia continuou sendo usada como parte do protocolo da instituição. A presidente do STF, ministra Ellen Gracie, compareceu ao tribunal vestindo saia. Ellen e Cármen Lúcia são as únicas mulheres do STF, composto por 11 ministros.

Graças a Deus, acharam a solução para que o STF consiga julgar rapidamente a sua imensidão de processos. A sociedade brasileira, penhoradamente, agradece.

Atualizado em 19.3.2007, às 12h39:
Constatei há pouco que as desembargadoras paraenses também usam calças. Graças a Deus.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Ele não dá trégua

Atualizado em 16.3.2007, a partir das 12h14:

Eu até quero passar ao menos um dia sem me lembrar desse traste, mas ele mesmo não deixa. O Liberal de hoje publicou que a mais nova grande ideia da Prefeitura é desapropriar todos os imóveis que a SEFIN considere abandonados.
Jaci Colares, presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (CRECI) no Pará, apontou os problemas: nem todo imóvel fechado e aparentemente sem proprietário pode ser considerado abandonado, já que os motivos do fechamento podem ser os mais variados e transitórios. Fazer um levantamento confiável seria quase impossível. Mencionou, também, não acreditar que o Município tenha dinheiro para desapropriar tantos imóveis. Ocorre que o problema não é só ter ou não o dinheiro, mas a necessidade de gastá-lo.
Um dos maiores problemas de nossos administradores públicos é, justamente, gastar bem o dinheiro do contribuinte, evitando excessos e supérfluos. É o oposto do que fazem. Numa sociedade em que as pessoas ainda passam fome, morrem de doenças banais e não possuem sequer a certidão de nascimento, é inadmissível que o dinheiro seja empregado em ações postergáveis.
A justificativa apresentada — ajudar no combate à dengue — não se sustenta. Em vários Municípios brasileiros, inclusive São Paulo, se não me engano, já adotaram medidas coercitivas para garantir a atuação dos agentes de saúde. Mas essas medidas se limitavam à entrada forçada no imóvel, mediante arrombamento se preciso. Esta ideia, sim, é viável, pois prescinde da comprovação de que o imóvel esteja mesmo abandonado, ou apenas fechado por algum tempo. Não há ônus para o Município, nem quanto a indenizações (salvo excessos, naturalmente), eis que o uso da força, se indispensável, constitui o chamado poder de polícia administrativa, legítimo e assegurado pelas leis do país.
Logo, para combater a dengue em Belém, basta lançar mão de uma medida com essa, sem a necessidade de desapropriações.
Pergunta direta: que benefício o Município de Belém teria após gastar todo esse dinheiro? Honestamente, não consigo vislumbrar que problema local seria resolvido com isso. Sequer a regularização da propriedade imobiliária, já que o grande nó nesse campo são as ocupações irregulares.
Como me cansam os desatinos desse (des)governo!

As pérolas mais poderosas do mundo

Você é daqueles que adoram malhar o Presidente Lula por conta de suas frequentes gafes, dos infelizes improvisos, das metáforas futebolísticas e, agora, também de cunho sexual? Você ficou chocado com o "ponto G" das negociações entre os dois países? Pois saiba que o Brasil está no Primeiro Mundo, ao nível dos Estados Unidos.
A Professora Etelvina, inegavelmente uma das melhores e mais sérias partes da revista Época, nas "pílulas de sabedoria instantânea" desta semana (edição n. 460, de 12 de março), conta que George Walker Bush, laureado pela imprensa brasileira com o título de homem mais poderoso do mundo, sempre foi um estudante mediano e, ao submeter-se a um teste de admissão para a Universidade Yale, em 1970, teve um desempenho 15% inferior ao dos candidatos aprovados. Mas ele ingressou naquela faculdade, só que graças ao avô, que era senador.
As influências familiares também lhe permitiram servir na Guarda Aérea Nacional do Texas, onde tinha a garantia de não ser convocado para a Guerra do Vietnã. Sabe como é: Bush só gosta de guerras onde ele não corra riscos pessoais.
Contudo, a parte mais legal do texto são as pérolas proferidas pela boca mais poderosa do mundo, tão famosas que já ganharam nome: bushismos. Veja-se o que o Presidente dos Estados Unidos já disse:
"Homem e peixe podem coexistir pacificamente."
"Já é tempo de a raça humana entrar no sistema solar."
"Muitas de nossas importações vêm de fora."
Edificante, não?

quarta-feira, 14 de março de 2007

Andamento processual

No dia 9 de março último, o juiz federal Antônio Carlos Almeida Campelo concedeu liminar em ação civil pública, bloqueando R$ 17,8 milhões de reais da conta do Município de Belém, face à inadimplência de repasses para custeio de certos serviços de saúde.
No mesmo dia, foi expedido o mandado n. 151053, para intimação do Município, e os ofícios de nn. 38 e 39, do gabinete do juiz, para as instituições encarregadas de cumprir a determinação. O Município foi intimado.
Na segunda-feira passada, às 12h31, Marcus Vinícius Azevedo da Silva, que eu presumo ser um estagiário, retirou os autos da secretaria do juízo, em nome de Gustavo Azevedo Rola, Procurador do Município. Vem aí a defesa.
Dura a vida dos advogados: defender o indefensável e fazê-lo bem feito. Aguardemos o andar da carruagem. Estou de olho.

Fonte: www.pa.trf1.gov.br, consulta ao andamento do processo 2005.39.00.009619-8.

Releituras

Ilustração de José Custódio Rosa Filho

A EVIDÊNCIA - Millôr Fernandes
Ainda que pasmem os leitores, ainda que não acreditem e passem, doravante, a chamar este escritor de mentiroso e fátuo, a verdade é que, certo dia que não adianta precisar, entraram num restaurante de luxo, que não me interessa dizer qual seja, um ratinho gordo e catita e um enorme tigre de olhar estriado e grandes bigodes ferozes. Entraram e, como sucede nas histórias deste tipo, ninguém se espantou, muito menos o garçon do restaurante. Era apenas mais um par de fregueses. Entrados os dois, ratinho e tigre, escolheram uma mesa e se sentaram. O garçon andou de lá prá cá e de cá prá lá, como fazem todos os garçons durante meia hora, na preliminar de atender fregueses mas, afinal, atendeu-os, já que não lhe restava outra possibilidade, pois, por mais que faça um garçon, acaba mesmo tendo que atender seus fregueses. Chegou pois o garçon e perguntou ao ratinho o que desejava comer. Disse o ratinho, numa segurança de conhecedor - "Primeiro você me traga Roquefort au Blinnis. Depois Couer de Baratta filet roti à la broche pommes dauphine. Em seguida Medaillon Lagartiche Foie Gras de Strasbourg. E, como sobremesa, me traga um Parfait de biscuit Estraguèe avec Cerises Jubilée. Café. Beberei, durante o jantar, um Laffite Porcherrie Rotschild 1934.
— Muito bem — disse o garçon. E, dirigindo-se ao tigre — E o senhor, que vai querer?
— Ele não quer nada — disse o ratinho.
— Nada? — tornou o garçon — Não tem apetite?
— Apetite? Que apetite? — rosnou o ratinho enraivecido — Deixa de ser idiota, seu idiota! Então você acha que se ele estivesse com fome eu ia andar ao lado dele?
MORAL: É NECESSÁRIO MANTER A LÓGICA MESMO NA FANTASIA.
Millôr Fernandes, ou Emmanuel Vão Gôgo, nosso grande humorista, pensador, chargista, tradutor, escritor, teatrólogo, jornalista, pintor, é figura indispensável quando se fala de inteligência nacional.

Texto extraído do livro “Fábulas fabulosas”, José Álvaro, Editor — Rio de Janeiro, 1964, pág. 89.
O maravilhoso sítio Releituras oportuniza aos amantes da literatura a fina flor do que já se escreveu no Brasil e no mundo. Cheguei até ele atrás de poesia, porém encontrei muito mais. Vide a série de textos ilustrados, cujo link se encontra à direita da home page. Selecionei este, com o delicioso humor de Millôr Fernandes. Todavia, lá encontraremos do amor intenso de Mário Quintana a crônicas futebolísticas, todas acompanhadas de lindas imagens de grandes nomes do desenho e da pintura.
No mais, há centenas de textos sem imagens, mesmo, que se pagam com as próprias palavras. Agrada-se aos mais variados paladares. Você só precisa ter bom gosto.

Antes que eu me lasque

“Belém, 12 de março de 2007.
Exmo. sr. Prefeito de Belém Duciomar Costa [Formalmente, ele é "excelentíssimo" e é "prefeito"; só formalmente]

Transcorridos mais da metade do mandato de V. Exa [português bisonho], conquistado de forma legítima junto à população de Belém [alguém já disse que a democracia, embora ruim, é o melhor regime que temos], não consigo visualizar as mudanças propostas no seu programa de governo e ansiosamente aguardadas pela população de nossa cidade [jamais houve proposta de mudança; o PSDB só queria tirar o PT da prefeitura].
Áreas estratégicas para o desenvolvimento urbano de qualquer cidade, como a coleta e destino final [mais português bisonho] do lixo, a drenagem e o controle de inundações, não dispõem de projetos ou articulação que possibilitem a participação em programas do Governo Federal, fundamentais para um município [provando-se assim que a influência tucana na "gestão" dudurudúrica causava um divórcio com o governo federal petista, em prejuízo ao Município], que de acordo com a afirmação de V. Exa, não tem recursos nem para coletar o lixo que produz [e o aumento de arrecadação declarado?].
Obras alopradas [eis enfim uma verdade!], como a Duque de Caxias (corredor ecológico?), as calçadas desordenadas e de qualidade duvidosa (faixa cidadão?) [um técnico confirma o que eu, leigo, já percebera], o uso inadequado dos equipamentos da macrodrenagem do Una, repassados pelo governo do estado, e ainda a gestão predatória dos contratos de coleta de lixo e limpeza urbana [seria bom definir "uso inadequado" e "gestão predatória", pois entendo que o ex-secretário sugere a existência de crimes], comprometem a gestão de V. Exa e envergonham os técnicos sérios, competentes e experientes do quadro da Prefeitura Municipal de Belém.
Tendo sido designado por V. Exa para coordenar o Programa Portal da Amazônia, externo minha preocupação com a falta de apoio e prioridade efetiva ao referido programa [ou seja, era só discurso, mesmo; não há empenho pela obra]. A demora para criar e nomear a cooordenação e servidores da Unidade Gestora do programa [inércia atribuível ao prefeito], e principalmente o grande atraso, quase irrecuperável, na elaboração do projeto básico de engenharia, sob responsabilidade da Secretária de Saneamento — Sesan [incompetência do secretário e desídia do prefeito, que não cobra], comprometem o processo e financiamento, junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, e consequentemente a implementação das obras da Bacia da Estrada Nova [incompetência!], que irão beneficiar diretamente cerca de 300 mil pessoas que lá vivem, a maioria em situação precária [falta de compromisso social]. Como agravante e grande empecilho para a concretização do contrato de financiamento, destaco ainda a ausência e omissão do Senhor Secretário de Saneamento a todas as providências e decisões junto a várias missões do BID, que aqui estiveram [qual é a desse cara?].
Face ao exposto e visando resguardar minha responsabilidade como técnico, professor universitário [aqui ele dá a entender que age para defender sua honra, não se envolvendo com gente de índole duvidosa], servidor público e principalmente como cidadão [aqui entendo haver o prenúncio de uma candidatura em 2008], solicito minha demissão do cargo de Secretário Municipal de Urbanismo e também cooordenador da Unidade Gestora do Programa de Recuperação Urbano Ambiental da Bacia da Estrada Nova. Apresento meu apreço a V. Exa, desejando sucesso na segunda metade de seu mandato [aqui ele perdeu todo o meu respeito; apreço por esse sujeito? sucesso no mandato? Ridículo!], que o povo de nossa cidade [desinformado, dominado pela tucanalha, seduzido por manobras eleitoreiras], principalmente os mais humildes [aqueles fáceis de manipular e iludir], lhe delegou [porque não sabia o que fazia].
Cordiais saudações.
Luiz Otávio Mota Pereira, engenheiro civil e sanitarista”.

PREFEITURA — A Coordenadoria de Comunicação Social da Prefeitura de Belém informou, ontem à noite, que Duciomar Costa não irá se manifestar sobre a demissão de Luiz Otávio Mota Pereira e nem sobre a carta que encaminhou ao prefeito. [Claro que não. Ele nunca se manifesta sobre nada. Nunca faz nada.]

Atualizado em 15.3.2007, às 8h42:
No entanto, ele falou. De passagem em Belém para lançar a licitação para concessões de linhas de ônibus, o sedizente declarou que a exoneração do ex-secretário foi “uma opção dele, por se sentir desconfortável com o cargo”, motivada por “questões pessoais com outro secretário”. Disse que os dois mantêm “uma excelente relação de amizade” e que “não haverá alteração no projeto do Portal da Amazônia”, ainda “prioridade da prefeitura de Belém”.
Minimalista, não? Em tudo, com certeza.

Cai oferta de emprego formal na Grande Belém

Foi o pior saldo negativo dos últimos sete anosO ano iniciou com menos empregos formais na capital, com saldo negativo de mais de mil postos de trabalho, de acordo com o Dieese/PA. Segundo o estudo do Departamento, janeiro mostra saldo negativo no emprego formal na ordem de 0,56% em relação a dezembro de 2006, no comparativo entre admitidos e desligados. Foram feitas no período 5.577 admissões contra 6.666 desligamentos, saldo negativo de 1.089 postos de trabalhos. “Este saldo é o pior já obtido na capital no mês de janeiro desde o ano de 2000”, ressalta Roberto Sena, supervisor técnico do Dieese-PA.
Em janeiro, a maioria dos setores econômicos apresentou saldo negativo de emprego formal, sendo que os que mais contribuíram para este resultado no mês foram (ver quadro): construção civil (-7,27%) e serviço industrial de utilidade pública (-2,64%). Nos últimos 12 meses (fev/06-jan/07), os dados do Ministério do Trabalho (Caged) mostram saldo positivo no comparativo entre admitidos e desligados, com crescimento do emprego formal na ordem de 2,01%. As análises do Dieese/PA mostram que foram feitas no período 69.788 admissões contra 66.058 desligamentos gerando saldo positivo de 3.720 postos de trabalhos.
O estudo do Dieese nos últimos 12 meses em Belém por setores de atividades, mostra que duas áreas (contrução civil e indústria de transformação) apresentaram queda no emprego formal. A maior variação positiva do emprego na capital foi alcançado pelo setor extrativo mineral (6,25%), seguido pela administração pública (3,14%) agropecuária (3,09%) serviços (2,76%), comércio (2,63%) e serviços de indústria de utilidade pública (0,44%).
A flutuação do emprego nas sete capitais da região Norte mostra ainda que todas apresentaram resultados positivos de emprego no comparativo entre admitidos e desligados. Em termos nominais, Manaus (AM) foi a capital que apresentou o melhor desempenho (4,61%). Belém ficou apenas na sexta posição, com um crescimento de 2,01%.

O pior desempenho em sete anos, sendo que há mais de dois estamos sob o jugo do tríplice sedizente (se disse médico, se disse advogado, se diz prefeito). Belém jamais teve índices satisfatórios de emprego formal, mas se de 2000 para cá voltamos a ter queda, isto prova por A + B que não há políticas eficientes para geração de emprego e renda na cidade. E que até mesmo o Banco do Povo não funciona mais com os mesmos indicativos de resultados que antes.
Não quero ser chato e bater na mesma tecla, mas tenho certeza que isso é mais um efeito do desastre da atual "administração" municipal. Afinal, ninguém negará que fomentar o desenvolvimento é uma das principais metas de todo o governo.
Mas como o Município não tem governo...
Fonte: Diário do Pará