quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Contando os minutos...

...para este ano lazarento terminar!

Intervenção menos agressiva

Enquanto o povo grita "corrupto" de um lado para o outro, parece ter passado batido o fato de ter entrado em vigor, no último dia 23, a Lei n. 13.060, de 22.12.2014, que "Disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o território nacional".

Por meio da nova norma, fica estabelecido que o uso de arma de fogo deixa de ser a primeira opção dos agentes de segurança pública, que devem preferir, se possível, é claro, armas não letais ou menos letais. Nos termos da lei (art. 4º), artefatos "projetados especificamente para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas". Trata-se de medida de grande impacto prático, se cumprida, além de ter o poder de forçar uma reflexão sobre os métodos da polícia que mais mata no planeta.

De acordo com a nova lei:

Art. 2º Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios: 
I - legalidade; 
II - necessidade; 
III - razoabilidade e proporcionalidade. 

Parágrafo único.  Não é legítimo o uso de arma de fogo: 
I - contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e 
II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros. 

A partir de agora, fica pré-determinado, ex vi lege, que o agente de segurança não pode mais fazer o que se faz hoje, com a maior naturalidade: atirar nas pessoas, visando a matá-las ou feri-las sem necessidade jurídica, ou pelo menos como forma de impor autoridade, como bem explicou Howard Becker em sua célebre obra Outsiders.

Note-se, entretanto, que a norma está redigida em termos que exigem controle da subjetividade: quando é que o indivíduo representa risco imediato? Aparentemente, a lei é um daqueles exemplos de medida tomada para reduzir a discricionariedade, mas que, no final das contas, acaba por ratificá-la, ao mesmo tempo em que mascara o perigo com ares de legalidade. A velha segurança jurídica.

Precisamos ver como a norma será aplicada, para saber se não continuaremos (ou até pioraremos) em termos de estereotipização: o risco imediato se depreende das características físicas ou sociais do indivíduo, ou de eventual acusações anteriores. Isso seria mais do mesmo.

A nova lei também determina (art. 6º) que "sempre que do uso da força praticada pelos agentes de segurança pública decorrerem ferimentos em pessoas, deverá ser assegurada a imediata prestação de assistência e socorro médico aos feridos, bem como a comunicação do ocorrido à família ou à pessoa por eles indicada". Não vale deixar morrer e simplesmente colocar na conta do papa, como sugeria o Capitão Nascimento.

Por fim, a falta de repercussão de uma lei desse teor, envolvendo matéria capaz de despertar o ódio de nossos concidadãos "de bem", honestos, tementes a Deus e saudosos da ditadura, público cativo dos programas televisivos do mundo-cão, já é um sintoma preocupante. Ou as festas natalinas ofuscaram a medida e a mídia ainda se vai encarregar do papel de disseminar o medo e a indignação, ou talvez o sistema de justiça criminal recebeu a novidade com um sorriso de desprezo no rosto, daqueles que damos às pessoas que menos importam para nós, quando tentam se impor.

Vamos ver.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Educação superior no Brasil: até o que é bom nos faz lamentar

Acesso de jovens de baixa renda a universidades públicas no país é 4 vezes maior que em 2004

RIO - O acesso de estudantes de menor renda ao ensino superior aumentou muito na última década, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, divulgada nesta quarta-feira. Nas universidades públicas, os números de 2013 mostram um aumento de quatro vezes em relação a 2004, ano base de comparação usado pelo instituto. Em nove anos, o acesso desses jovens saltou de 1,7% para 7,2%. Nas particulares, o número de alunos pertencentes ao estrato com menor renda per capita da sociedade mais que dobrou. Se em 2004 esse grupo representava 1,3% dos estudantes, hoje já está em 3,7%.
Diminuiu, portanto, a proporção no ensino superior de alunos que pertencem aos 20% mais ricos do país: em universidades públicas, essa participação caiu de 55% para 38,8%, e, no ensino privado, de 68,9% para 43%.
Apesar da melhora na distribuição, o Brasil está em último entre os membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) na proporção de pessoas entre 25 e 34 anos com ensino superior completo. Apenas 15,2% desses jovens concluíram um curso na universidade.
Presidente da Academia Brasileira de Educação e pró-reitor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Antônio Freitas disse que o aumento ainda é “irrisório”. Ele destacou a eficácia dos programas de educação do governo federal, como o Fies e o ProUni, mas se mostrou preocupado com o aumento do uso de cotas para estancar o problema do baixo investimento na educação básica:
— Programas como o Fies e ProUni são absolutamente importantes para o país e o governo merece todo o crédito por isso. Mas o aumento do acesso é irrisório em face das necessidades nacionais. Nós temos 212 milhões de habitantes e 8 milhões de formados. A grande preocupação que tenho é o aumento de alunos por cota, porque o governo deixa de investir na educação básica, o aluno entra na universidade via cota e talvez não tenha condições de acompanhar os cursos. Pode acontecer uma reprovação grande, os professores baixarem o nível dos cursos para não reprovar, ou, como os alunos tiveram uma educação frágil, começam a fazer cursos de baixo valor agregado, terminam a faculdade para ganhar mil reais.
Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/acesso-de-jovens-de-baixa-renda-universidades-publicas-no-pais-4-vezes-maior-que-em-2004-1-14860121

Então, vamos comemorar? Concentre-se nos números. Eles são assombrosos, terríveis. E revelam que, mesmo com expressiva melhoria, ainda estamos quase ao nível do chão em matéria de educação superior. E como é que um país se desenvolve desse jeito?

Aí vêm os babacas falar de meritocracia. Eles que enfiem os seus supostos méritos nesse poço sem fundo de desigualdade social.

Pensata de Young

"Tentar aprender controle da criminalidade dos Estados Unidos é como viajar para a Arábia Saudita para aprender sobre direitos das mulheres. A única lição a ser aprendida é não viajar nessa senda de punição, é compreender que se for necessário um gulag para manter a sociedade do vencedor leva tudo. então é a sociedade que precisa ser mudada, e não as prisões expandidas."

Jock Young
A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente
Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 214

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Pós-graduação: mais tempo para avaliação

Uma hora a insanidade em que se converteram os processos de avaliação do ensino superior no Brasil se tornariam um tiro no pé. Após engendrar um sistema demoníaco baseado em descarado gerencialismo, que mede "qualidade" a partir de uma infinidade de parâmetros basicamente quantitativos, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) finalmente descobriu que não dá conta de supervisionar o próprio monstro, nos moldes atuais. Resultado? Aumentou o tempo das avaliações.

Eis a notícia oficial, na página da própria CAPES:

O Conselho Superior da CAPES, em sua 68a reunião, realizada no dia 11 de dezembro, decidiu que a avaliação do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), a partir da próxima edição, passa a ser quadrienal. A decisão do colegiado foi tomada considerando a proposta apresentada pela Diretoria de Avaliação (DAV), acordada com a Comissão Especial de Acompanhamento do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) e com Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop).

A primeira avaliação quadrienal está prevista para ser realizada em março de 2017, versando sobre dados e informações dos anos 2013, 2014, 2015 e 2016.

O Conselho também aprovou a proposta de realização, no meio do período quadrienal, de uma análise que aponte tendências dos programas de pós-graduação. Esta análise será feita durante os "seminários de acompanhamento", que a DAV introduziu e passou a realizar desde o ano de 2011. Os 48 seminários de acompanhamento, em cada uma das áreas de conhecimento, do atual quadriênio, deverão ocorrer entre abril e junho de 2015.

A nota não informa o motivo verdadeiro da mudança, mas ele tem natureza operacional: com o aumento do número de programas de pós-graduação no país, a CAPES já não dispõe de infraestrutura suficiente para manter a avaliação trienal. Saiba mais lendo aqui.

Mas se aquela instituição quisesse mesmo contribuir para a educação superior no país, poderia deixar um pouco de lado o estilo neoliberal de medir a vida humana por números, como denunciam diversos autores (dentre eles, Garapon), e pensar em mecanismos de avaliação que privilegiem a qualidade, a constância, o comprometimento institucional. Mas acho que estou sonhando demais,

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Insignificância em discussão no STF

Venho repetindo isso faz tempo: a insignificância da lesão ao bem jurídico é uma questão afeta à tipicidade penal e esta corresponde a um elemento objetivo do conceito de crime. Por conseguinte, a conduta é típica ou não é típica. Assim como uma pessoa não pode ser adulta apenas à tarde ou virgem somente às terças e quintas, um fato não pode ser típico a depender de circunstâncias acidentais.

Explico-me melhor: se entendermos que a subtração de um objeto cujo valor seja equivalente a 10 reais, por exemplo, é insignificante, não existe crime de furto e ponto final. Não faz a menor diferença se o sujeito é reincidente, se o furto foi cometido em concurso com outra pessoa ou se o tipo penal em apreço admite alguma qualificadora (como, no furto, situações de escalada ou rompimento de obstáculo). Parece-me bastante elementar que se subtrair 10 reais não é furto (premissa objetiva), não poderia passar a ser somente porque o indivíduo pulou um muro para ter acesso ao dinheiro (circunstância acidental). Esse tipo de interpretação tendenciosa me soa tão inaceitável quanto dizer que uma bicicleta não é um automóvel, a menos que esteja guardada em uma concessionária de automóveis.

A despeito disso, o judiciário sempre foi reticente em aplicar o princípio da insignificância (já abordamos isto algumas vezes, aqui no blog) e, para operacionalizar essa resistência, engendrou algumas condições, às vezes apelando até para o famigerado direito penal do autor. Graças a isso, se eu subtrair uma caneta mixuruca de alguém, não cometo crime, mas um sujeito reincidente que fizesse rigorosamente a mesma coisa poderia responder pelo "crime". Isto é, pelo fato que não é típico, mas será considerado típico por causa da reincidência. Grotesco, não?

Tal interpretação, contudo, tem sido sistematicamente chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, que deveria guardar a Constituição. Uma boa explicação para isso é assegurar a punição de pessoas que, embora sem reincidência ou mesmo sem antecedentes criminais, cometem o mesmo fato diversas vezes. É a pergunta que sempre escuto em minhas salas de aula: mas e se o sujeito subtrair 10 reais de diversas pessoas? Para punir a todo custo, transforma-se o atípico em típico, não pelo fato em si, mas pela reiteração. Aviso aos homens comprometidos: cumprimentar a colega bonitona de trabalho não configura adultério. Cumprimentá-la todo dia, entretanto...

Mas eis que, finalmente, acendeu-se uma luz em meio ao nevoeiro, que atende pelo nome de Luís Roberto Barroso. Preocupado com as implicações do caso, o ministro avocou ao Pleno o julgamento de três habeas corpus que discutem a mesma questão e, graças a isso, teremos uma decisão que não será formalmente vinculante, mas que terá efeitos intensos, como bem sabemos.

Por isso, merece encômios a lucidez de Barroso, que ontem proferiu um longo e minucioso voto, sustentando exatamente a linha de raciocínio acima sintetizada. Após o seu voto, o julgamento foi encerrado e deve ser retomado na próxima quarta-feira. Mas é cedo para comemorar: há uma grande chance de o STF, mais uma vez, abandonar o lógica e manter tudo como está, para homenagear o espírito punitivista desenfreado do brasileiro, do qual aquela corte é uma expressão.

Aguardemos o final do julgamento. Sem dúvida, ele será histórico para a questão. Para o bem ou para o mal.

Fontes: 
  • http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=281650
  • http://www.conjur.com.br/2014-dez-10/reincidencia-nao-impedir-aplicacao-bagatela-afirma-barroso

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O auxílio-reclusão no Senado

Maioria de internautas, que opinou na enquete, afirma ser a favor do auxílio-reclusão
O DataSenado, em parceria com a Agência Senado, realizou, de 3 a 16 de novembro, enquete sobre o auxílio-reclusão. No Senado, tramita proposta de emenda à constituição (PEC 33/2013) que dispõe sobre a extinção do benefício. A proposta é de autoria do senador Alfredo Nascimento (PR-AM). O internauta foi convidado a se posicionar sobre a seguinte pergunta: “Você é a favor ou contra o auxílio-reclusão, benefício previdenciário pago à família do trabalhador de baixa renda preso (PEC 33/2013)”. No total, 1.962 internautas opinaram, sendo que 82% votaram a favor, enquanto 18% foram contra.
A referida emenda propõe acabar com o auxílio-reclusão, suprimindo a previsão contida nas garantias previdenciárias, artigo 201, da Constituição Federal. O benefício é pago aos dependentes do preso que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto. De acordo com a justificativa, há muito se protesta, especialmente por meio de correntes de e-mails e redes sociais, contra o auxílio-reclusão. Ainda, afirma-se que os protestos pontuam que os trabalhadores que contribuem para o Regime Geral de Previdência Social pagam a conta para que os dependentes do detento usufruam o benefício. Por fim, é lembrada a difícil aceitação por parte da sociedade diante da concessão de um benefício àqueles que cometeram crimes.
No espaço Comente o Projeto, inúmeras mensagens foram registradas. O cidadão, Gilson Miguel Peixoto, de São Paulo/SP, registrou manifestação contrária ao benefício: “Eu acho um absurdo e um incentivo ao crime este benefício. O estranho é que para os bandidos e familiares, toda a assistência, desde o governo até os direitos humanos, mas para as vítimas e familiares desses mesmos bandidos, nenhuma ação, nenhum benefício, nenhuma ajuda”. Por outro lado, a cidadã Marcela Sousa da Silva, de Fortaleza/CE, defende a manutenção do auxílio-reclusão: "O trabalhador, por mais que tenha cometido algum crime, continua tendo família e responsabilidades para com esta. Além disso, contribuiu com a previdência e deve ter o seu direito assegurado”.
As enquetes são uma forma de levantar o debate a respeito de temas em tramitação no Senado Federal, contudo não representam a opinião de todos os brasileiros, sendo apenas a posição de internautas que entraram na página do Senado Federal e votaram. Em contrapartida, as pesquisas de opinião têm validade cientifica, sendo aplicadas por meio de amostra aleatória em todo território nacional, o que abrange capital e interior. O DataSenado realiza semestralmente sondagem da opinião do brasileiro sobre sua condição de vida, interesse por política, democracia, impressões sobre o Senado Federal, entre outros pontos. Essa sondagem terá inicio no começo de dezembro e, em um dos blocos, o DataSenado irá averiguar a opinião dos brasileiros sobre a PEC 33/2013, que dispõe sobre o fim do auxílio-reclusão. Em breve, os resultados serão divulgados.
Os resultados da enquete representam a opinião das pessoas que votaram, não sendo possível extrapolá-los para toda a população brasileira.
Fonte: http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/noticia.asp?not=128

O blog já tentou explicar um pouco sobre o auxílio-reclusão aqui.

Macarronada

Como tudo que o PT faz ganha uma dimensão enorme para fins de crítica, percebi ontem que o Facebook se enchera de referências a uma lei instituindo um tal "dia do macarrão". E haja críticas à presidente da República. Não faltaram, também, manifestações de apoio e minimizações do caso. Como é moda hoje em dia, eu digo: haja preguiça para aturar tanta baboseira!

Sejamos honestos: em toda e qualquer casa legislativa brasileira são fartos os exemplos de leis tolas, estúpidas, sem sentido, inócuas, etc. Pode consultar o arcabouço legislativo de qualquer assembleia legislativa ou de qualquer câmara municipal. Não é apenas na esfera federal que isso acontece. E por que acontece? Certamente, por diversas razões, mas eu — que já trabalhei na Câmara Municipal de Belém e vi a coisa "funcionando" — diria o seguinte: porque os parlamentares querem fazer média com seus currais eleitorais, querem afagar quem os apoia de algum modo, querem promover alguma atividade econômica que lhes possa ser rentável ou querem, simplesmente, babar ovo de pessoas ou grupos de quem são capachos.

Aqui em Belém, a moda dos xerimbabos era nomear ruas para homenagear senhores de engenho de diversos setores econômicos. Muito mais nocivas são as leis que concedem títulos de utilidade pública para pessoas jurídicas, pois esses títulos autorizam tais entidades a captar recursos junto à iniciativa privada, em troca de compensações tributárias.

De fato, a Lei n. 13.050, de 8.12.2014, institui o dia 25 de outubro como Dia Nacional do Macarrão. Ela contém apenas dois artigos: o primeiro, instituindo a data, e o segundo, definindo sua vigência na data da publicação. Ponto. É isso. Ou seja, uma lei que não serve para coisa nenhuma. Dilma Rousseff merece alguma crítica por isso? A meu ver, não. Por um motivo singelo: parlamentos detestam vetos. Em princípio, um veto pode representar um desgaste institucional. Se eu fosse prefeito, governador de Estado ou presidente da República e pousasse sobre minha mesa um projeto de lei desses, eu o sancionaria na hora, com o único propósito de me liberar para voltar a trabalhar em algo importante.

Mais crítica merece o Congresso Nacional, que gastou o seu tempo originando e analisando uma proposição desse jaez. Aliás, para sua informação, o projeto de lei em apreço foi proposto pelo deputado federal Luiz Carlos Hauly, do PSDB (opa!) do Paraná. Formado em Economia e em Educação Física, o parlamentar de 64 anos está em seu sexto mandato consecutivo na Câmara Federal, tendo sido também secretário da Fazenda do Paraná e prefeito de sua cidade natal (Cambé). Ele já conseguiu aprovar uma lei que tornou 2011 o "Ano da Holanda no Brasil", mas você pode clicar no link em seguida e constatar que ele também propõe normas úteis.

Mas e o macarrão? Na justificativa do projeto de lei, no já longínquo ano de 2004, Hauly assim se manifestou:

A data de 25 de outubro foi escolhida por fabricantes de diversos países do mundo durante o 1º Congresso Mundial de Pasta, no ano de 1995, onde o macarrão foi mostrado como um produto amplamente consumido e prestigiado, que está inserido na cultura alimentar em todo o mundo.

Vale ressaltar que neste evento em 1995, O Sr. John Lupien, então diretor da Divisão de Alimentação e Nutrição da FAO - Food and Agricultural Organization of the United Nations, ressaltou que o produto é extremamente alinhado às diretrizes da FAO com a campanha "Extraia o melhor dos alimentos" ("Get the best from your food") e que as qualidades do macarrão atendem à determinação de uma dieta nutritiva e saudável. E o Sr. Francesco Strippoli, do Serviço de Arrecadação de Fundos do Programa Mundial de Alimentação, das Nações Unidas (Resource Mobilization Service of the World Food Programme United Nations) afirmou que "o macarrão é um dos produtos utilizados pela WFP para distribuição à populações carentes e ideal para programas assistenciais, tendo em vista que ele constitui uma refeição completa, é fácil de cozinhar e de armazenar e é adaptável às mais diversas dietas em todo o mundo", além do que foi incluído no rol de alimentos que devem compor a alimentação do trabalhador pelo Decreto Lei n° 399/38.

Esta data é comemorada no Brasil desde 1998, com a realização do evento “Macarrão Gourmet Fashion”, recebendo ampla divulgação da mídia nacional. Esta data, inclusive, tem um grande significado no contexto da responsabilidade social das empresas produtoras de macarrão, pois no dia 25 de outubro as mesmas fazem doação de macarrão a entidades beneficentes de todo o país.

A Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias - ABIMA que congrega 66 empresas, distribuídas em todas as regiões do país, de pequeno, médio e grande porte, responsáveis por 71% do volume de macarrão produzido no País. O setor industrial produz cerca de um milhão de toneladas de macarrão por ano, o que representa um faturamento, hoje, na ordem de R$ 2,1 bilhões e contabiliza a geração de 25 mil empregos diretos.

O Dia Mundial do Macarrão é comemorado em vários países como Estados Unidos da América, Itália, México, Turquia, Alemanha e Venezuela, que organizam comemorações e eventos especiais para prestigiar este importante alimento.

Assim, de modo a transformar essa data num verdadeiro compromisso de responsabilidade social das empresas do setor, através da Associação Brasileira das 3 Indústrias de Massas Alimentícias- ABIMA, entidade que representa todas as indústrias fabricantes de massas alimentícias, que produzem cerca de um milhão de toneladas de macarrão por ano, contribuiremos para divulgar amplamente a importância do macarrão na cadeia alimentar do povo brasileiro, encaminho a presente proposição à consideração dos nobres pares.

Portanto, meus queridos, deixem d. Dilma em paz. O deputado Hauly deve ser amigo do pessoal da ABIMA e quis lhes fazer um afago. Além do mais, se os americanos celebram o macarrão, nós temos mais é que seguir o seu sempre benfazejo exemplo! Como visto, isso é uma questão de responsabilidade social. E, além disso, vai dizer que você não gosta de comer uma massinha de vez em quando?

A crítica final, e séria, que se pode fazer à lei é: o que se pode esperar dela, em termos de eficácia, se não foi proposta nenhuma atividade que promova a divulgação do alimento? Criou-se o dia e mais nada. E agora, acontece o quê?

Muito boa

UFPA recebe conceito “muito bom” do MEC


A Universidade Federal do Pará (UFPA) recebeu a visita de avaliação externa do Ministério da Educação (MEC) e, pela primeira vez na história da instituição, recebeu o conceito 4, correspondente a muito bom, numa escala de indicadores em que a pontuação máxima é 5.
A avaliação é feita pelo MEC com o auxílio da Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (Proplan), por intermédio da Diretoria de Avaliação Institucional e frente operacional da Comissão Própria de Avaliação (CPA-UFPA). O foco dessa avaliação tem caráter estritamente institucional e não é pontual como a de cursos, ou seja, todas as dimensões, ensino, pesquisa e extensão são focalizadas, pois são apresentados documentos e relatórios de todos os projetos da Instituição de Ensino Superior (IES).
A avaliação in loco foi feita entre os dias 25 e 29 de novembro. Três avaliadores designados pelo MEC foram acompanhados pela diretora de avaliação institucional e presidente da CPA, profa. Scarleth O’Hara, que os conduziu em visita aos Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), e Tecnologia (ITEC). Os avaliadores também realizaram entrevistas com gestores e técnico-administrativos de diversos setores da Universidade e ainda realizaram reuniões com dirigentes, docentes e alunos para constatar o que a Instituição tem oferecido nas diversas categorias.
Segundo a professora Scarleth O’hara, a avaliação tem como referência as diretrizes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e apoia-se em cinco eixos específicos para gerar os indicadores observados, quais sejam: Planejamento e Avaliação Institucional; Desenvolvimento Institucional; Políticas Acadêmicas; Políticas de Gestão e Infraestrutura Física. Em todos os eixos, a UFPA recebeu notas muito boas, o que gerou o conceito final positivo.
 (DOL com informações da UFPA)
Fonte: http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-311989-ufpa-recebe-conceito-%E2%80%9Cmuito-bom%E2%80%9D-do-mec.html

É grande a minha alegria ao ler esta notícia, não apenas porque sou cria daquela instituição e com ela mantenho uma relação fortemente emocional, mas sobretudo porque o aprimoramento de nossas instituições de ensino é um dos caminhos mais importantes e eficientes para o desenvolvimento de nossa região.

Nós realmente precisamos de educação de qualidade e do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. E a UFPA é a instituição de ensino superior mais importante da Região Norte, por isso é fundamental, para todos nós, nortistas, que ela cresça e ganhe cada vez mais respeitabilidade.

Parabéns à UFPA.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O que a América Latina pode ensinar ao mundo

O querido Pepe Mujica (79) está nos últimos momentos de seu mandato como presidente do Uruguai mas, mesmo de saída, deixa a sua marca de humanismo e solidariedade. Admiro profundamente esse homem e lamento que, no Brasil, não exista nenhum político que seja digno de comparar-se a ele.

Ex-detentos de Guantánamo agradecem aos uruguaios por acolhida

Refugiados afirmam que desejam refazer suas vidas e agradecem aos uruguaios e ao presidente Mujica por "ato de solidariedade". Eles viverão em liberdade no Uruguai.
Por meio de uma carta publicada nesta segunda-feira (08/12) no jornal uruguaio El País, os ex-detentos de Guantánamo que foram enviados a Montevidéu agradeceram ao Uruguai pela oportunidade de refazer suas vidas. A carta foi ditada pelo sírio Abdelhadi Omar Faraj, prisioneiro de número 329 em Guantánamo, ao seu advogado. "Se não fosse pelo Uruguai, hoje ainda estaria naquele buraco negro em Cuba", afirmou.
Ele, ao lado de três compatriotas, de um tunisiano e de um palestino, chegou no domingo à capital uruguaia, a bordo de um avião militar dos EUA, como parte de um acordo entre os presidentes José Mujica e Barack Obama. O acerto determina que os presos serão refugiados livres. Por enquanto, eles estão internados em dois hospitais uruguaios, enquanto são submetidos a exames médicos que descartaram, por ora, anemia, desnutrição e problemas respiratórios.
"Não tenho palavras para expressar o quão agradecido estou pela imensa confiança que vocês, o povo uruguaio, têm depositado em mim e nos outros prisioneiros ao abrir para nós as portas de seu país", acrescentou o ex-detento, que esteve 12 anos detido em Guantánamo sem ser submetido a julgamento.
O subsecretário de Saúde, Lionel Briozzo, disse à rádio Montecarlo, de Montevidéu, que "a situação médica [dos refugiados] é estável", mas "se está monitorando sua situação, [já que] viveram um calvário durante mais de dez anos".
A maioria dos uruguaios é contrária à presença dos ex-detentos por temer que eles representem uma ameaça, apesar de o governo dos Estados Unidos assegurar que eles não são um problema para a segurança do país sul-americano. O ministro da Defesa do Uruguai, Eleuterio Fernández Huidobro, destacou que os cuidados médicos são o único motivo pelo qual os seis homens não estão andando livremente pelas ruas.
Em sua carta, Faraj afirmou que ele e os demais ex-detentos desejam apenas refazer as suas vidas. Ele ainda elogiou Mujica "por seu ato nobre de solidariedade conosco e por seu compromisso de tratar-nos como seres humanos plenos, em vez de atuar como mais um carcereiro".
A advogada do ex-detento Jihad Ahmed Mujstafa Diyab, que foi alimentado à força durante uma greve de fome, disse que o refugiado planeja levar sua família para o Uruguai e trabalhar num restaurante, como fazia quando vivia no Paquistão.
AS/efe/rtr/dpa
Fonte: http://www.dw.de/ex-detentos-de-guant%C3%A1namo-agradecem-aos-uruguaios-por-acolhida/a-18117450

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Eras de um hotel

Houve uma época em que o progresso constituía uma obsessão generalizada e, infelizmente, era percebido como uma ruptura com o passado: você só se tornaria grande e moderno se demolisse, inclusive no sentido literal da palavra, as estruturas e as aparências dos tempos idos. Devido a essa mentalidade hoje execrável, muitas edificações antigas, que hoje teriam valor histórico inestimável, foram arrasadas. Em uma cidade como Belém, que até o presente momento não aprendeu a valorizar o próprio patrimônio, essa realidade é particularmente angustiante.

O tempo passou e, atualmente, vive-se o confronto entre os desenvolvimentistas a todo custo, que são burros, mal intencionados ou ambas as coisas, e aqueles que tentam defender os patrimônios natural e histórico-cultural. Mudanças importantes aconteceram, como as normas sobre tombamento, a despeito de sua baixa eficácia, em muitos casos, por inoperância dos entes responsáveis. Isso explica, p. ex., a perda dos casarões que deveriam ser marca registrada de nossa cidade. Ou o dono os derruba na marra ou os deixa ruir sob o peso do tempo.

Mas é fato que a mentalidade mudou, por isso se pode perceber uma certa consternação a respeito do passado que se perde. A questão vem sendo debatida nestas plagas, recentemente, por conta de um episódio aparentemente prosaico: a expiração de um contrato para exploração de uma marca de hoteis. Voltemos no tempo.

Em 1913, a ainda pujante Belém do ciclo da borracha ganhou uma edificação deslumbrante: foi inaugurado o Grande Hotel, cujo proprietário, Teixeira Martins, também era dono do cinema mais antigo do Brasil ainda em operação, o Olympia, logo ao lado. Foi o primeiro empreendimento concebido no nascedouro para fins de hospedagem e chegou como maior hotel da Região Norte, com cem quartos, restaurante, bar e um famoso Terrasse, repleto de luxo, conforto e inovações, voltado para a lateral do Theatro da Paz1.

A muito conhecida fotografia do Grande Hotel.

Em uma época em que Belém era uma das cidades mais importantes do país, sinônimo de elegância e modernidade, grandes e singulares empreendimentos não surpreendiam por aqui. E eram bem explorados, como o próprio Grande Hotel, que ainda em 1913 ganhou o Palace Theatre, o qual não ficava a dever ao ilustre vizinho da frente em matéria de espetáculos de alta qualidade. Aos domingos, funcionava como cinema.

Pelo ângulo, a foto abaixo2 foi tirada do Edifício Manoel Pinto da Silva (na década de 1970, considerando a demolição do prédio). Mostra o Grande Hotel à esquerda e o Theatro da Paz, à direita, separados pelo túnel de mangueiras da Av. Presidente Vargas. Restaurado, esse monumento traria uma imponência singular àquela região da cidade.


Ainda segundo a matéria jornalística que consultei, o Grande Hotel foi vendido em 1948 para a rede InterContinental Hotels Corporation, o que foi um exemplo da tal modernidade: era a globalização chegando. O nosso foi o primeiro hotel do grupo construído fora de sua sede, Londres3. Mas o seu preço foi começar a adaptar o prédio "aos padrões americanos de conforto, praticidade e eficiência".

Não sei dizer se isso comprometeu o que hoje chamaríamos de valor histórico da edificação mas, seja como for, o pior estava por vir: na década de 1970, o empreendimento foi vendido para dar espaço ao Hotel Hilton Belém, parte da segunda maior rede hoteleira do mundo.

Em 1979. a obra de arte foi demolida, para dar lugar a uma americanidade: uma torre que nada mais é do que um retângulo cheio de quadradinhos como sacadas. Mas dotada de 361 apartamentos e, em minha opinião, decorada com um gosto muito duvidoso. Muito pouco inspirador. Abaixo, uma foto externa bonita, para tentar minimizar o desalento:


E assim, para pessoas de minha geração, o Grande Hotel é apenas uma memória jornalística ou de ouvir falar. Para mim, é como se aquela torre bege estivesse ali desde sempre. Mas a era Hilton, apesar de seus altos (em 2008, o hotel local foi premiado pela matriz como o melhor das Américas em atendimento aos hóspedes), entrou em declínio e agora acabou.

Em seu lugar, a partir de hoje começa a funcionar o Hotel Princesa Louçã. O nome, pomposo e em português castiço, provavelmente será considerado esquisito por muitos. Faz sentido, entretanto, para quem conhece o hino do Pará ("Salve, ó terra de rios gigantes/ D'Amazônia, princesa louçã!"). Segundo o novo empreendedor, trata-se de uma referência às qualidades de nossa região e à hospitalidade do povo paraense. Então tá. Legal mesmo seria o endereço na internet: www.princesalouca.com.br!

Sacou? "Princesa louca"! Mas a pessoa que pensou nisso já foi checar e disse que o endereço será outro.

Como não podemos ter o Grande Hotel de volta, só posso desejar sucesso ao Princesa Louçã. Que gere empregos e promova a nossa cidade. Afinal, somos conhecidos como a "terra do já teve". Não vale a pena perder mais do que já se perdeu.

___________________________
1 Cf.
http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-126319-GRANDE+HOTEL++APENAS+HOSPEDES+DA+MEMORIA.html [acesso em 1º.12.2013]

2 Créditos da imagem: http://fauufpa.org/2012/04/30/rara-panoramica-de-belem-grande-hotel-e-reservatorio-paes-de-carvalho/ [acesso em 1º.12.2013]

3 Atualmente, o grupo é dono da marca Crowne Plaza, que mantém três operações no Brasil, uma delas em Belém. Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hotel_Hilton_Bel%C3%A9m [acesso em 1º.12.2013]

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Um grave desperdício

Brasil desperdiça um dia de aula por semana

Alunos brasileiros perdem em média um dia de aula por semana por conta de desperdício de tempo em sala de aula, gasto com atrasos, excesso de tarefas burocráticas (fazer chamada, limpar a lousa e distribuir trabalhos) e em aulas mal preparadas pelo professor - tempo este que deixa de ser gasto com o ensino de conteúdo.

Essa foi uma das principais conclusões de um estudo recém-lançado pelo Banco Mundial que analisou o trabalho de professores na América Latina e seu impacto sobre a qualidade do aprendizado, a formação dos alunos e o desempenho desses países em rankings internacionais de educação.

A pesquisadora Barbara Bruns, uma das autoras do estudo, lembra que o tempo de interação entre aluno e professor é o momento para qual se destinam, em última instância, todos os investimentos em educação. "Nada desse investimento terá impacto na melhoria do aprendizado, a não ser que impacte sobre o que ocorre na sala de aula", diz ela.

O Banco Mundial avaliou 15,6 mil salas de aula, mais da metade delas no Brasil (classes dos ensinos fundamental e médio em MG, PE e RJ), e calcula que, em média, apenas 64% do tempo da classe seja usado para transmissão de conteúdo, 20 pontos percentuais abaixo de padrões internacionais.

Confira a entrevista que Bruns, estudiosa da educação brasileira há 20 anos, concedeu por telefone à BBC Brasil:

BBC Brasil - O fato de um tempo tão significativo de aula ser perdido ajuda a explicar o desempenho abaixo da média dos países latino-americanos em avaliações internacionais?

Barbara Bruns - Sim, definitivamente é um fator. Em escolas no leste da Ásia, Japão, Cingapura, Finlândia e Alemanha, você não vê professores chegarem à sala de aula sem um material pronto, sem essa percepção de que o tempo precisa ser usado para ensinar e manter os alunos engajados, algo crucial para o aprendizado.

E com frequência nas salas de aula da América Latina parece haver uma falta de organização por parte do professor. Não parece haver a percepção da limitação do tempo e do que economistas chamam de custo de oportunidade de não usar esse tempo para o ensino.

E o tempo entre alunos e professores na sala de aula é o ponto em que culminam todos os investimentos em educação: gastos com salários dos professores, com a formulação do currículo escolar, infraestrutura, material, gerenciamento. Nada desse investimento terá impacto na melhoria do aprendizado, a não ser que impacte no que ocorre na sala de aula.

Vemos que na América Latina muitos países gastam uma proporção alta de seu PIB na educação, e não estão obtendo resultados porque esses investimentos não estão sendo usados (para aprimorar) o momento que os professores têm com os alunos.

Se professores estão perdendo 20% do tempo de instrução com os estudantes, é como dizer que estão sendo perdidos 20% dos investimentos em educação, porque não estão sendo usados para o ensino.

BBC Brasil - Como resolver isso?

Bruns - Primeiro, mudar a forma como o professor é preparado antes de entrar ao sistema de ensino. Na América Latina, há muito pouca ênfase (nos cursos preparatórios) sobre como gerenciar uma sala de aula, como ser um professor eficiente. Ouço com frequência de ministros e autoridades: as faculdades de pedagogia falam muito de filosofia, história da educação, das disciplinas (do currículo), mas muito pouco sobre a prática do ensino.

Fazendo uma analogia com a medicina, ninguém ia querer um médico que fosse treinado apenas em história da medicina e em questões teóricas. Médicos passam vários anos aprendendo como lidar com pacientes reais. Os professores precisam dessa mesma oportunidade de praticar.

E o que vemos em sistemas educacionais de alta performance, desde Cuba – que tem boa tradição de treinamento de professores – ao leste da Ásia e ao norte da Europa, é que professores em treinamento passam muito tempo observando outros professores e sendo orientados. Isso quase não ocorre na América Latina.

Outra coisa que precisa mudar é o apoio a professores que já estão em sala de aula. Eles precisam receber "feedback" sobre sua performance, ver bons exemplos e ser estimulados a compartilhar conhecimento.

O Rio está fazendo isso no Ginásio Experimental Carioca (projeto que traz mudanças em gestão e currículo escolar nos anos finais do ensino fundamental da cidade), mudando o calendário escolar para criar momentos em que os professores se reúnem para trabalhar juntos; ou colocando professores novos para observar os melhores e mais experientes.

Uma das descobertas mais importantes e surpreendentes de nossa pesquisa é que, dentro de uma mesma escola, há grande variação na forma como os professores ensinam – desde o professor excelente até o que é muito pouco eficiente.

Por isso, é preciso encontrar formas de estimular os professores a trabalhar juntos na escola, como fazem no Japão e na Finlândia.

O Banco Mundial tem um projeto com a Secretaria de Educação do Ceará para criar uma comunidade de aprendizado dentro de cada escola. Daqui a um ano saberemos que tipo de impacto isso terá (no ensino) de 350 escolas.

BBC Brasil - A preparação de professores é um dos maiores desafios educacionais da América Latina?

Bruns - Uma das estratégias mais importantes de curto prazo na região deve ser o treinamento de professores para que eles usem o tempo de aula de forma mais eficiente e, além disso, mantenham os estudantes engajados.

Ao observar as salas de aula, descobrimos que, mesmo enquanto os professores estão ensinando, metade do tempo eles não conseguem manter os alunos focados no conteúdo.

Víamos os estudantes dormindo, digitando no celular, conversando entre si, olhando pela janela. E isso jamais seria permitido pelos professores do leste asiático, por exemplo – eles estariam dando um jeito de fazer com que todos estivessem engajados. Sabemos que, para aprender, os estudantes têm de estar engajados.

No longo prazo, porém, o desafio é atrair um novo tipo de profissional à carreira de professor: fazer com que ela seja uma carreira atraente para os formandos de melhor performance (acadêmica), como acontece na Finlândia e Cingapura. Daí ficará muito mais fácil obter professores excelentes.

Já na América Latina e nos EUA, a profissão ficou tão degradada que os professores acabam sendo recrutados entre estudantes de pior performance. Ou seja, é necessário criar incentivos para que pessoas com bom desempenho escolham a carreira.

E também acho que, quanto aos aumentos salariais – e há muitas evidências de que os salários dos professores precisam aumentar para atrair pessoas competentes -, eles devem ocorrer de forma diferenciada (de acordo com o desempenho). Não pode ser que professores bons e professores ruins ganhem a mesma coisa.

É preciso criar incentivos para que as pessoas trabalhem melhor e para que os mais inteligentes entrem na profissão. Na América Latina, a maioria das promoções de carreira é com base em tempo de casa, em vez de desempenho. Então em alguns casos, dois professores ganham o mesmo salário, mas um faz um trabalho excelente e outro não faz nada.

A cidade de Washington fez uma grande reforma educacional, estabelecendo claros parâmetros para a excelência de professores e avaliando professores segundo esses parâmetros. Os que não os cumprissem eram demitidos ou tinham um ano para melhorar seu desempenho. Já os excelentes tiveram seus salários dobrados. Passados quatro anos, mesmo em meio a polêmicas, os professores gostaram (do projeto), e o desempenho dos alunos de Washington passou a estar entre os melhores do país.

Mas é bom acrescentar que o Brasil vive um momento empolgante: muitos secretários de educação e prefeitos querem fazer mudanças. Vemos diversas experimentações e inovações promissoras pelo país. Se conseguirmos medir esses experimentos, teremos (armas) poderosas. Nos 20 anos que estudo o Brasil, pude ver muitos avanços. Mas obviamente há muito a melhorar.

Fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/brasil-desperdica-um-dia-de-aula-por-semana,369198a6b4cc9410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Idiomas sem Fronteiras

Mais uma ótima iniciativa federal na área da educação: o Ministério da Educação lançou ontem o programa Idiomas sem Fronteiras, de formação e capacitação em sete línguas estrangeiras: inglês, francês, espanhol, italiano, japonês, mandarim e alemão. Também haverá curso de português para estrangeiros. O público-alvo são estudantes, professores e corpo técnico-administrativo de instituições de educação superior, bem como professores de idiomas da rede pública de educação básica.

Há bolsas de estudo envolvidas. Saiba mais clicando aqui.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Em imagens, um horror tradicional

Repare no semblante dessas meninas. São pré-adolescentes da tribo Pokot, no Quênia, e acabaram de sofrer a mutilação clitoriana, uma tradição considerada de extrema necessidade para controle da libido da mulher, que assim fica apta ao casamento, único futuro que a vida lhes reserva.

O fotógrafo Siegdfried Modola, da agência Reuters, foi autorizado a registrar o ritual, produzindo imagens que maltratam qualquer mínima sensibilidade, além de desvelar o confronto entre uma lei que proíbe expressamente tal prática e os costumes locais. Uma prática que opõe valores internos de povos e a concepção internacional de direitos humanos. Uma luta que ainda vai durar muitos anos.

Veja a sequência de fotos, com legendas, clicando aqui.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Plano de fuga

A notícia (vista em http://noticias.band.uol.com.br/brasil/noticia/100000719442/assassino-pedofilo-neozelandes-foge-da-prisao-e-se-esconde-no-brasil.html):

Assassino pedófilo neozelandês se esconde no Brasil

Philip John Smith, de 40 anos, aproveitou indulto para escapar do país

A Polícia Federal e a Interpol tentam capturar um criminoso da Nova Zelândia que fugiu para o Brasil. Ele foi condenado à prisão perpétua por abusar sexualmente de um menino e matar o pai da criança.

Philip John Smith, de 40 anos, cometeu o crime em 1995. Na semana passada, ele recebeu o direito de deixar a cadeia por três dias para visitar parentes e aproveitou o benefício para fugir.

O passaporte do assassino foi renovado enquanto ele estava na cadeia, contrariando as leis neozelandesas. Investigadores acreditam que outras pessoas tenham dado apoio na fugado criminoso, que de Auckland pegou um voo na quinta-feira passada para Santiago, no Chile, e embarcou para o Brasil na sequência.

O assassino chegou ao país aqui pelo aeroporto internacional de Guarulhos, onde ficou por três horas e meia antes de seguir num voo doméstico para o Rio de Janeiro.

O Brasil já foi usado como refúgio de vários bandidos estrangeiros, entre eles o narcotraficante colombiano Juan Carlos Abadia e o britânico Ronald Biggs, conhecido como o ladrão do século 20, que viveram no país às custas do dinheiro de seus crimes.

O caso de Philip Smith é ainda mais complicado, porque o Brasil não tem acordo de extradição com a Nova Zelândia. Se ele for preso aqui, pode até ser enviado para o país de origem, mas sua pena será reduzida.

Além do desconforto pelo fato em si de termos um pedófilo-homicida sofisticado, com a maior cara de estrangeiro, solto nas ruas do Rio de Janeiro, há o incômodo de saber que o Brasil sempre foi um país considerado por criminosos, em face de particularidades de nossa legislação (sobretudo a inexistência de pena de morte para crimes comuns ou mesmo de prisão perpétua) e também, não se pode negar, pela baixa de credibilidade de nossas instituições.

A matéria cita Abadia, preso no Brasil em 7.8.2007 e extraditado para os Estados Unidos em março de 2008, a pedido do próprio criminoso. Não sei qual era o esquema que ele possuía, mas tendo uma pena centenária para cumprir, decorrente de diferentes processos, não se sabe ao certo por onde anda.

Cita também Biggs, carpinteiro inglês que teve uma participação secundária no célebre assalto a um trem postal (Buckinghamshire, 1963), protagonizando depois uma cinematográfica fuga da prisão, com direito a atravessar o Oceano Atlântico e fazer um filho no Brasil, para ter como dependente um cidadão brasileiro e, com isso, ganhar o direito de permanecer por aqui, como de fato aconteceu. Retornou à Inglaterra em 2001, por vontade própria, banzo talvez. Passou oito anos na prisão e ganhou a liberdade devido a suas más condições de saúde. Morreu em dezembro de 2013.

Mas a condição do Brasil de destino dos grandes criminosos é mais antiga. Não podemos nos esquecer do criminoso nazista Josef Mengele, o Todesengel, "anjo da morte" do campo de concentração de Birkenau, onde atuava como oficial médico e desempenhava pesquisas crudelíssimas com seres humanos vivos. Esteve em nosso país desde a década de 1960, exercendo ilegalmente a medicina, e morreu absolutamente impune em 1979, ao se afogar quando nadava nas hoje valorizadas águas de Bertioga.

No que diz respeito a Philip John Smith, ainda jovem e saudável, dá para viver um longo tempo por estas bandas, mas sempre terá sobre si a pressão de regularizar a sua permanência, já que é um estrangeiro. É nesse ponto que talvez ele esteja considerando a ausência de tratado de extradição entre Brasil e Nova Zelândia, seu país de origem.

Lembremos, contudo, que o tratado de extradição não é uma condição indispensável, pois essa forma de saída compulsória pode ser autorizada pelo Brasil sob o fundamento da promessa de reciprocidade. É o que dispõe o art. 76 da Lei n. 6.815, de 1980 (Estatuto do Estrangeiro). O extraditando pode ficar preso enquanto perdurar o processo de extradição, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal (EE, art. 84, parágrafo único).

E aqui está o pulo do gato pedófilo, que pode explicar o último parágrafo da reportagem: a comutação da pena.

O EE não permite a extradição para um país que possa aplicar a pena de morte sobre o extraditando, já que a pena capital é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ocorre que o STF acabou ampliando os efeitos dessa regra e passou a decidir que nenhum estrangeiro será entregue a país se isso implicar em sofrer pena superior ao que seria permitido pela lei de nosso país, ou seja, um máximo de 30 anos de reclusão.

Em julgado recente, de 29.10.2013, a Suprema Corte voltou a decidir que "a entrega do extraditando fica condicionada à formalização de compromisso, pelo Estado requerente, de comutar em pena não superior a 30 (trinta) anos, as penas de prisão perpétua eventualmente impostas ao extraditando e a observância da detração em relação ao período de prisão preventiva no Brasil" (STF, 2ª Turma, Ext 1306/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski).

Em suma, se Smith chegar a ser objeto de um processo de extradição em nosso país, ele somente será entregue às autoridades da Nova Zelândia se sua pena for comutada para um máximo de 30 anos de prisão. Não sei se ele está preso desde que seus crimes vieram a público, em dezembro de 1995. Se estiver, seriam quase 19 anos de encarceramento. Neste momento, restariam pouco mais de 11 anos de cárcere pela frente. Vale dizer, na pior das hipóteses para ele, se for preso no Brasil e extraditado, ele troca uma pena perpétua por uma data certa de liberdade. Um grande negócio, sem dúvida.

O objetivo desta postagem, claro, não é dar margem aos previsíveis ataques à suposta brandura da legislação brasileira, mas tão somente explicar mais ou menos como funcionaria o caso concreto, se houver mesmo um processo de extradição. Juízos de valor deixo a quem quiser, inclusive o próprio pai do criminoso foragido, que declarou à imprensa de seu país: "Letting him out... that was absolute stupidity. (...) The Parole Board still had doubts about him [earlier this year], his risk to public safety. Why they did actually release him is beyond me. Obviously he is a person who is going to be a menace to society whenever he is released."

Acréscimo importante: ontem mesmo (dia 12) o foragido foi preso no Rio de Janeiro, graças a uma cidadã brasileira que soube do caso pela imprensa e avisou a Polícia Federal. Parabéns para ela.

Fontes:

  • http://noticias.terra.com.br/retrospectiva2007/interna/0,,OI2121900-EI10676,00.html
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Juan_Carlos_Ram%C3%ADrez_Abad%C3%ADa
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Ronald_Biggs
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Mengele
  • http://www.stuff.co.nz/national/10731785/Fugitive-Phillip-John-Smith-carried-cash
  • http://www.nzherald.co.nz/nz/news/article.cfm?c_id=1&objectid=11356339

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Quero ver acontecer!

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão, afirmou, nesta segunda-feira (10/11), que os tribunais da Justiça Federal pretendem julgar em 2015 todos os processos relativos ao tráfico de pessoas e a condições análogas à escravidão distribuídos até 31 de dezembro de 2012. Segundo Falcão, esta será uma das metas que serão analisadas nesta terça-feira (11/11) pelos presidentes dos tribunais que participam do VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em Florianópolis/SC. 

“Na Justiça Federal, serão prioritários o julgamento de processos que tratem de crimes relacionados ao tráfico de pessoas e à redução da condição análoga à escravidão”, disse o ministro, ao participar do painel Estratégia Nacional. Falcão destacou ainda a adoção de medidas voltadas para a melhoria do fluxo de informações entre STJ, Tribunais de Justiça estaduais e Tribunais Regionais Federais sobre recursos repetitivos e processos de repercussão geral.

De acordo com o ministro, também foi implantada uma triagem preliminar dos recursos, feita a partir de pressupostos objetivos, tais como defeitos na representação processual, ausência de pagamento de custas, exaurimento e tempestividade dos recursos. “A medição feita no período de teste demonstrou que cerca de 20% da distribuição dos recursos pode ser decidida rapidamente com base nos pressupostos objetivos”, afirmou. As medidas têm por finalidade dar mais agilidade ao julgamento dos processos.

Nesta terça-feira (11/11), os participantes do VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário definirão as metas a serem estabelecidas para o biênio 2015/2016 e apresentarão o cumprimento parcial das metas de 2014. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.


Fonte: http://justificando.com/2014/11/11/trafico-de-pessoas-e-situacoes-analogas-escravidao-terao-julgamento-prioritario-em-2015/

São as regras do jogo

Diante da sucessão interminável de idiotices colossais que têm sido publicadas na internet e repetidas à exaustão por muitos que repudiam o resultado das últimas eleições, tenho estado mais propenso a repensar algumas relações agora do que no calor do período eleitoral. Afinal, não é fácil aturar gente que não sente vergonha de passar recibo de imbecil, p. ex. com essa nova moda de classificar tudo de "bolivarianismo". E o que seria isso, mesmo?

Recentemente, até ministro do STF seguiu essa senda e, claro, atiçou as paixões de muitos. Mas se esqueceu, convenientemente, de que indicar os ministros da Suprema Corte é uma das atribuições constitucionais do presidente da República. Ao criticar o fato de que se pode chegar a uma situação em que 10 dos 11 ministros do STF teriam sido indicados por Lula e Dilma, supostamente retirando a independência da corte, o ministro se esqueceu de indicar uma solução. Qual seria ela? Dilma não indicar mais ninguém? E aí acontece o quê? Ficam cargos vagos no STF, uma corte para a qual é vedada a convocação?

Créditos da notícia e da foto aqui.
Com a autoridade de membro da casa e atualmente seu presidente, Ricardo Lewandowski resumiu a questão com uma simplicidade absoluta: "É uma regra constitucional. O povo brasileiro escolheu determinado partido para permanecer no poder durante esse tempo e a Constituição faculta ao presidente da República indicar os membros do STF. Enfim, é uma possibilidade que a Constituição abre ao presidente. É o cumprimento da Constituição".

Nunca é demais lembrar que existem muitas variáveis em jogo. Enquanto temos ministros veteraníssimos, como Celso de Mello e Marco Aurélio, existem outros que antecipam a aposentadoria, como Eros Grau e Joaquim Barbosa. Grau se antecipou em poucos meses, mas Barbosa abriu mão de 10 anos de função. Não é culpa da presidência da República se a vaga abriu. O que não pode é deixar a corte desguarnecida. E também sou forçado a ponderar que, fosse tucano o presidente, aí não haveria problema algum em 100% das indicações terem a mesma origem, não é?

Agora se fala em modificar o modo de provimento dos cargos de ministro do STF e em aprovar a emenda constitucional que eleva a aposentadoria compulsória, de 70 para 75 anos, tudo para cercear Dilma Rousseff. Mas essas medidas não são simples nem seriam implementadas rapidamente, caso aprovadas. Então o que fazer? Deixar os revoltosos comprometerem ainda mais o funcionamento de nossas instituições, para regozijo de sua má-fé?

Veja-se o caso da aposentadoria compulsória. Sou absolutamente favorável ao seu aumento e, diga-se de passagem, Dilma também. Mas ela está bloqueada no Congresso Nacional há anos, por causa de uma indecente atuação corporativa da magistratura e também da OAB, que usa um tacanho argumento de "oxigenação" para defender algo que se resume a reserva de mercado. Olhos voltados ao próprio umbigo.

O fato, meus e minhas, é que o país precisa continuar caminhando. E que o STF, inclusive por meio dos ministros indicados por presidentes do PT, tem dado diversas decisões contrárias ao interesse do governo e do partido. Falar-se em perda da independência é um exagero, um despautério, que tem bem pouca relação com a realidade.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Gotas de Galeano

Sobre Direito Penal e sua Seletividade


latuff

Criminologia

A cada ano, os pesticidas químicos matam pelo menos três milhões de camponeses.
A cada dia, os acidentes de trabalho matam pelo menos dez mil trabalhadores.
A cada minuto, a miséria mata pelo menos dez crianças.
Esses crimes não aparecem nos noticiários. São, como as guerras, atos normais de canibalismo.
Os criminosos andam soltos. As prisões não foram feitas para os que estripam multidões. A construção de prisões é o plano de habitação que os pobres merecem.
Há mais de dois séculos, se perguntava Thomas Paine:
“Por que será que é tão raro que enforquem alguém que não seja pobre?”
Texas, século XXI: a última ceia delata a clientela do patíbulo. Ninguém pede lagosta ou filet mignon, embora esses pratos apareçam no menu de despedida. Os condenados preferem dizer adeus ao mundo comendo hambúrguer e batata frita, como de costume.
Este fragmento faz parte de uma compilação que pode ser lida aqui: 
http://justificando.com/2014/11/07/10-cronicas-eduardo-galeano-para-o-direito/

Política de extermínio?

Em matéria de hoje, a Folha de S. Paulo noticia que, no espaço de 5 anos, a polícia brasileira matou uma média de 6 pessoas por dia. É para botar ponto de exclamação: a polícia brasileira matou 6 pessoas por dia, em média, no intervalo de 5 anos!!! Isso representa mais do que a polícia estadunidense matou em 30 anos.

A informação é do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, segundo o qual as corporações mais matadoras são do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, nesta ordem. E isso porque o índice de letalidade está diminuindo. Sim, é para colocar novos pontos de exclamação: esses números indicam que a taxa de letalidade está se reduzindo expressivamente!!!

Isso deveria ser roteiro de algum filme de terror, mas é a realidade. É a nossa realidade. E você, como se sente diante disso?

Para ler a matéria, clique aqui.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Coquetelzinho para resolver certas coisas

Uma pequena curiosidade para quem gosta de rock.

A banda californiana de heavy metal Avenged Sevenfold possui, em seu álbum autointitulado (que é um desses raros exemplos de disco excelente da primeira à última faixa; é só colocar e deixar rolar, inclusive em looping), uma canção chamada "Brompton cocktail", que fala sobre alguém muito doente querendo exercer o direito de morrer. Como neste semestre letivo abordei o tema com meus alunos, um dia, escutando a canção, fiquei curioso para saber o significado desse título.

A canção remete ao Royal Brompton Hospital (anteriormente conhecido como Royal Brompton National Heart and Lung Hospital e mais remotamente como Hospital for Consumption and Diseases of the Chest), maior centro de tratamento de doenças do coração e do pulmão, no Reino Unido. Fundado na década de 1840, atendia portadores de doenças infecciosas para as quais não se conhecia cura, como a tuberculose, pacientes esses que deveriam ser mantidos isolados. Trata-se de um hospital histórico e com larga respeitabilidade, hoje um centro de referência também no âmbito da pesquisa.

O "coquetel Brompton" é um elixir usado no âmbito dos cuidados paliativos, ministrado a doentes terminais, mormente os de câncer, para lhes aliviar o sofrimento e permitir alguma interação social no ocaso da existência. É feito com morfina (ou heroína), cocaína, álcool etílico altamente puro e antieméticos (drogas contra náuseas) como clorpromazina. A receita original, surgida no período entre-guerras, foi descrita por Richardson & Baker no livro "A gestão da doença terminal na prática da Medicina" (1956): cloridrato de morfina, cloridrato de cocaína, tintura de cannabis, gim, xarope e clorofórmio.

Pelo que vi nas buscas pela internet que fiz, o coquetel já foi bastante famoso, mas seu uso entrou em declínio à medida que mudava o modo como a Medicina encarava os cuidados paliativos. Talvez para povos de língua inglesa ele seja mais conhecido do que para nós, tornando mais acessível o significado da canção.

Segue um link para um videozinho com a letra: https://www.youtube.com/watch?v=ZPIrGXybLYU

Fontes: 

  • http://apps.nationalarchives.gov.uk/hospitalrecords/details.asp?id=151
  • http://en.wikipedia.org/wiki/Royal_Brompton_Hospital
  • http://en.wikipedia.org/wiki/Brompton_cocktail
  • http://endoflifestudies.academicblogs.co.uk/the-brompton-cocktail-19th-century-origins-to-20th-century-demise/

Princípio da insignificância à americana

Um tema recorrente aqui no blog, agora com um pitoresco e instrutivo caso ocorrido nos Estados Unidos. Lá, a Suprema Corte mostrou uma lucidez que falta, e muito, por estas bandas.

Julgamento de crime de bagatela nos EUA irrita ministros da Suprema Corte

Começaram nesta quarta-feira (5/11), na Suprema Corte dos EUA, as sustentações orais do caso de um pescador que jogou no mar três peixes com menos de 20 polegadas (pouco mais de 50 centímetros), cuja pesca é proibida, para se livrar das “provas”, depois que o tamanho dos peixes fora medido por um agente federal que abordou seu barco. Alguns ministros da corte ironizaram os procuradores do Departamento de Justiça por enquadrar o pescador em uma lei federal que poderia lhe render até 20 anos de prisão, por um crime tão insignificante.
O Departamento de Justiça processou o pescador John Yates, que era o capitão de barco, com base na Lei Sarbanes-Oxley, de 2002. Essa lei tipificou como crime “destruir, alterar ou esconder qualquer registro, documento ou objeto tangível, com o intento de obstruir a investigação de qualquer matéria dentro da jurisdição federal”.
A lei foi criada pelo Congresso Nacional nos rastros do escândalo da empresa de energia Enron. Funcionários da empresa de auditoria Arthur Andersen foram processados criminalmente por destruir documentos que poderiam complicar a Enron na Justiça.
O defensor público John Badalamenti, que representa Yates, alega que a lei não cobre nada mais que a destruição de provas relacionados a crimes financeiros. E que o Departamento de Justiça está “esticando demais” a lei.
Para o Departamento de Justiça, isso não é novidade. Por mais de uma década, os procuradores federais vêm usando essa lei para processar acusados de todos os tipos de crime: de terrorismo a violação da segurança ambiental. Os procuradores alegam que é preciso tomar o sentido pleno do texto da lei. Assim, eles dizem que um “objeto tangível” pode ser “um corpo, mancha de sangue, arma, droga, dinheiro e automóvel” — e, agora, até mesmo três peixes pequenos, de acordo a National Public Radio (NPR), a NBC News e o Washington Times.
A pergunta perante os ministros da Suprema Corte é: “O descarte dos três peixes pequenos no mar pode ser enquadrado na Lei Sarbanes-Oxley de 2002, que proíbe a destruição de qualquer registro, documento ou objeto tangível? Em primeiro grau, Yates foi condenado e sentenciado a 30 dias de prisão. Um tribunal de recursos manteve a condenação e o caso chegou à Suprema Corte, que aceitou julgá-lo provavelmente para discutir — em termos americanos — o princípio da insignificância.
O presidente da corte, ministro John Roberts, perguntou ao procurador Roman Martinez se ele teria coragem de parar alguém na rua e perguntar se um peixe é um “objeto tangível” ou um “documento de registro”, para efeito da Lei Sarbanes-Oxley. Enquanto Martinez buscava uma resposta, o ministro Antonin Scalia interveio, para dizer que ele não obteria uma resposta educada, informou a revista Forbes.
“Que tipo de procurador insensato processa um pescador por jogar três peixes pequenos fora do barco?”, Scalia perguntou. Quando o procurador respondeu que a política do Departamento de Justiça é processar pessoas por crimes sérios, ele retrucou: “Nesse caso, temos de nos preocupar mais com nossas leis”. A ministra Elena Kagan acrescentou: “Isso faz parecer que o Congresso quis estabelecer penas rígidas para qualquer pequena infração”.
John Yates pescava em “águas federais” no Golfo do México, quando o agente John Jones, que fiscaliza a pesca e a vida selvagem na Flórida, abordou seu barco. Yates havia pescado 72 badejos, três dos quais foram medidos por Jones. Como esses peixes não atingiam a medida mínima, ele ordenou a Jones que o seguisse até o porto, onde os peixes seriam apreendidos e ele seria multado — um caso semelhante a uma multa de trânsito.
Em rota para o porto, Yates mandou outro pescador jogar os três peixes no mar. Quando, no porto, o agente recontou os peixes e só encontrou 69, ele percebeu a falta dos três peixes medidos. Interrogou o outro pescador e obteve a confissão de que os havia jogado no mar.
Três anos depois, Yates estava em casa, quando chegaram os policiais em diversas viaturas, com coletes à prova de balas, fortemente armados, o algemaram e o colocaram em um camburão, para levá-lo para a cadeia. Depois dessa cena — e dos 30 dias na prisão —, Yates não conseguiu mais emprego, porque nenhuma empresa de pesca quer contratar alguém “com problemas com os agentes federais”.
Por João Ozório de Melo, correspondente da Consultor Jurídico nos Estados.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-nov-06/julgamento-crime-bagatela-eua-irrita-ministros