sexta-feira, 27 de abril de 2007

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos



E como hoje é sexta-feira, estou com amigos muito amados hospedados em casa e, à noite, entregarei as notas da primeira avaliação para meus alunos, nada melhor do que a poesia para revigorar todas as energias, para o bom e para o belo.








Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!


Mário Quintana
30.7.1906 - 5.5.1994

P.S. em 5.5.2007, às 14h08:
Hoje está fazendo 13 anos que o nosso poeta faleceu. Espero que, do céu dos poetas, onde se encontra, ele nos mande muita inspiração e beleza.

E eles fizeram, claro

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, ontem, o projeto de emenda constitucional destinada a reduzir a maioridade penal para 16 anos. O relator da matéria, o democrata Demóstenes Torres, emitiu parecer favorável, alinhando-se assim com a postura esperada de um membro de um partido de direita, mais preocupado com a proteção da propriedade privada do que com essa verborragia toda sobre justiça social.
Os debates foram acirrados, mas o nível não foi lá essas coisas, como era de se esperar. Nós, latinoamericanos, temos esse defeito terrível da passionalidade. Não conseguimos manter uma discussão em alto nível por muito tempo, pois logo entram em cena os argumentos dramáticos, chorosos, religiosos, ufanistas — e o cerne da discussão se desloca para bobagens subjetivistas. No final das contas, a medida foi aprovada por apenas dois votos de vantagem (12 contra 10), sendo que três votos favoráveis foram dados por parlamentares da bancada de sustentação do governo, que ignoraram a recomendação de rejeitar a proposta.
Mais uma vez, tive que aturar alegações estúpidas. O relator levou a taça com a seguinte pérola do retardamento: "Dizem que a cadeia não educa. E as ruas, educam?"
Sua Excelência, beociamente, demonstrou assim toda a sua familiaridade com os problemas socioeconômicos brasileiros, que o habilitam ao exercício da função. Afirmou que a cadeia educa melhor que as ruas e que os jovens vão para estas, provavelmente, porque querem, por simples safadeza.
Não faltou, também, o mais famoso e, até aqui, o mais idiota dos argumentos: se o adolescente de 16 pode votar, então também pode ser responsabilizado criminalmente. Esta idiotice, agora superada pela inteligência democrata, poderia ser comparada à situação de um pai que exigisse de um filho adolescente começar a trabalhar apenas porque ele passou do ensino fundamental para o médio. Seria o caso de perguntar: o que uma coisa tem a ver com a outra?
Mas agora a maioria da sociedade brasileira, os parlamentares preocupados com as futuras eleições e a imprensa respiram aliviados. Venceram o primeiro round e agora veem o governo se desgastar, assumindo o compromisso de derrubar a PEC em plenário. Mais um prejuízo à imagem do governo Lula.
Na reportagem que vi esta manhã, no Bom Dia Brasil, vi a jornalista Renata Vasconcellos frisar que há resistências para a redução da maioridade penal no Brasil, embora outros países já tenham adotado tal medida. É o estilo Globo, insidioso, mostrando que seremos civilizados se copiarmos esses outros países — especificamente estes, no caso.
Levada a plenário, pelo menos veremos a discussão ganhar a sociedade civil. Só não espero que seja uma discussão de nível, porque nunca é. Muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte, já que para aprovar uma PEC são necessários dois turnos de votação nas duas Casas do Congresso. Nesse meio tempo, fico aqui levando pancada de todos os lados, já que não faltarão os moralistas de plantão para refutar os meus argumentos e tentar derubá-los com fatos e estatísticas sangrentas. Mal sabem que sou vacinado contra tudo isso.
À medida que me esculachem, vou oferecendo meus argumentos para ser contra essa nefasta redução da maioridade penal. Aqui no blog, o debate já começou. Pode vir quente, que eu estou fervendo.

Acréscimo em 16.9.2011
Ao afirmar que "outros países já adotaram a medida", a reportagem dá a entender que outros países reduziram a maioridade penal, o que não é verdadeiro. De fato, na maior parte do mundo, a maioridade penal é alcançada mais cedo, havendo diferentes idades para isso. No entanto, elas foram definidas de acordo com as experiências de cada nação, não sendo caso de redução.
Além disso, mesmo que a maioridade penal aos 18 anos esteja acima da média, não podemos ignorar que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (aprovado no Brasil através do Decreto n. 4.388, de 2002), ratificado por dezenas de países, reconhece a inimputabilidade do menor de 18 anos, "à data da alegada prática do crime" (artigo 26), o que denota uma tendência da ONU a reconhecer esse como um parâmetro adequado.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Projetos de lei de iniciativa popular

O brasileiro é um povo despolitizado. Não gosta, não sabe e tem raiva de quem sabe alguma coisa de política, seja porque costuma entendê-la sob sua perspectiva menor (em todos os sentidos) de política partidária, seja porque está mais interessado, mesmo, em falar de futebol. Aí vale a máxima: o problema das pessoas que não gostam de política é que serão governadas pelas que gostam.
Diante disso, raramente se veem projetos de lei de iniciativa popular. Muito mais difícil é que sejam aprovados. Quando aparecem, em geral representam a movimentação de algum setor organizado da sociedade, como a OAB. É mais eventual a sociedade como um todo se interessar por algum assunto e, quando acontece, para variar, é de natureza penal. Por isso, a única lei penal de iniciativa popular é a de n. 8.930, de 1994, que incluiu o homicídio qualificado no elenco dos crimes hediondos.
Fora do âmbito penal, encontraremos duas leis de iniciativa popular aprovadas e em vigor: a de n. 9.840, de 1999, em matéria eleitoral, para dificultar a vida dos safardanas de plantão; e a de n. 11.124, de 2005, que "Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social — SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social — FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS" e, portanto, pretende influenciar positivamente no déficit habitacional brasileiro.
Quem sabe, se o povo brasileiro se mobilizasse menos pelo Big Brother e mais por coisas úteis, não tivéssemos um país melhor?

Acréscimo em 16.9.2011
Um diploma que não poderia ser citado ao tempo em que esta postagem foi escrita, porque ainda não existia, tornou-se um dos mais importantes e polêmicos do país: a "Lei da Ficha Limpa", que vem a ser a Lei Complementar n. 135, de 4.6.2010. Foi aprovada graças à intensa pressão popular, não apenas para captação das assinaturas necessárias, mas também já durante a tramitação perante o Congresso Nacional. Afinal, lá cerca de um um terço dos parlamentares tem alguma complicação com a Justiça. Logo, legislaram contra os próprios interesses, mas só porque não tiveram escolha.

Projetos de lei do "pacote de segurança"

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, ontem, 8 projetos de lei integrantes do preocupante "pacote de segurança" em tramitação no Congresso Nacional. E deixou para a reunião de hoje (com início previsto para as 10 da manhã) a decisão sobre a proposta de emenda constitucional destinada a reduzir a maioridade penal para 16 anos, já tendo manifestação favorável do relator, senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
Dentre os projetos aprovados, três me parecem muito interessantes:

1) Estabelece o monitoramento eletrônico de condenados beneficiados com liberdade condicional, regime semiaberto ou saída temporária. O uso de tecnologia de rastreamento já é popular nos Estados Unidos, com várias finalidades. Recentemente, a atriz problemática Michelle Rodriguez, que viveu a também problemática policial Ana-Lucía no festejado seriado Lost, foi presa por dirigir embriagada e teve que usar uma tornezeleira rastreadora, que também servia para medir, periodicamente, o nível de álcool na corrente sangüínea. Debochada, ela não se preocupou em esconder o acessório, nem mesmo nas badaladas premiações americanas de cinema e TV.
Considero salutar a implantação da medida no Brasil. Só me preocupam as bandalheiras que proporcionará, tais como licitações fraudulentas para adquirir o aparelho, conivência dos agentes penais para retirá-lo por algum tempo, falsificações, comercialização no mercado negro, etc.

2) Determina a separação dos presos por grau de periculosidade. Medida indispensável, tanto para assegurar o princípio da individualização da pena como para dificultar que delinquentes recuperáveis sejam influenciados (ou coagidos) pelos incorrigíveis.

3) Prevê o exame criminológico para progressão de regime, livramento condicional, indulto e comutação de pena, quando se tratar de preso condenado por crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. Também indispensável, para mensurar o grau de assimilação do indivíduo às regras de convivência social. Bem aplicado, pode ajudar a antecipar o retorno dos que merecem à liberdade, com menos risco de reincidência.

Entretanto, desconfio do projeto que permite a suspensão do cargo, emprego ou função pública durante o processo que julgar crime praticado por servidor público. A ideia atende ao gosto de sangue do cidadão comum. Não é de todo má. Afinal, eu me recusaria a ser julgado por um dos desembargadores presos na Operação Hurricane e alegaria falta de idoneidade (conduta ilibada é exigência do cargo). A iniciativa, porém, cria condições para antecipação de pena, que causa danos por vezes irreparáveis quando o réu acaba inocentado. Além disso, afeta toda a família do acusado, pelos danos financeiros que provoca.
Também recebeu parecer favorável a proposta de emenda à Constituição que assegura o ensino fundamental em período integral. Educação, como é óbvio, constitui um dos instrumentos mais valiosos para combater a criminalidade no nascedouro.
Portanto, essa leva de projetos não me faz arrancar os cabelos que me restam. Graças a Deus.
Fonte: http://www.senado.gov.br/jornal/noticia.asp?codNoticia=57230&dataEdicaoVer=20070426&dataEdicaoAtual=20070426&codEditoria=22&nomeEditoria=Comiss%F5es

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Não estamos sós


Nem nunca estivemos. Que estarão pensando os nossos vizinhos?

Que bicho é esse?


Teste seus conhecimentos sobre o mundo, animal. Originários do oeste e de algumas regiões centrais da África, considerados uma praga devido a sua voracidade alimentar, destrutividade e capacidade de escapar de armadilhas, os simpáticos animais da foto acima são filhotes de:

a) porco africano
b) javali do deserto
c) suricato
d) potamoquero
e) tapir
Saiba aqui, mas não vale olhar sem antes deixar um comentário com a sua resposta.

Dilema de Tostines

O jornal Folha de S. Paulo estampa em sua edição de hoje, com destaque, a seguinte manchete: "Escola que melhorar terá mais dinheiro do governo". Segue-se o texto:

Além de destinar R$ 1 bilhão neste ano aos mil municípios com piores indicadores no setor, o Plano de Desenvolvimento da Educação, apresentado ontem pelo governo, premiará escolas públicas que conseguirem melhorar seu desempenho. Para isso, haverá acréscimo de 50% no orçamento do Programa Dinheiro Direto na Escola, que transferiu R$ 327 milhões em 2006.

Sem qualquer intenção apologética ao governo federal, louvo a iniciativa porque finalmente, na área da educação, não se colocou o carro diante dos bois, instituindo aqueles famosos dilemas de Tostines que o poder público brasileiro sempre apreciou e provocou, do tipo: a escola que melhorar, terá mais dinheiro. Mas cadê o dinheiro para que a escola comece a melhorar?
Basta lembrar que o então presidente Fernando Henrique Cardoso — acadêmico com horror à Academia, porque sucateou as universidades públicas e não me digam que não, porque eu estive em uma de 1992 a 1997 — determinou que as universidades só receberiam investimentos fora de seus minguados orçamentos se mostrassem produtividade, especialmente nos campos de pesquisa e extensão. Mas ora, direis, ó safardana cínico, como podem as universidades fazer pesquisa e extensão sem dinheiro? Como podem tirar seus professores de sala de aula para redirecioná-los a tais atividades ou liberá-los para pós-graduação, se o corpo docente está reduzido?
Lembre-se, também, que foi na presidência de FHC, de triste lembrança, que se criou a regra de permitir a abertura de vagas de professor, de provimento efetivo, à razão de 3 para 1, ou seja, abre-se uma vaga a cada três professores que se aposentem. Sou ruim de Matemática, mas creio que, com isso, teríamos uma drástica e generalizada redução do corpo docente, certo?
O mérito da iniciativa sob comento é que, primeiro, o governo fornecerá os recursos para o incremento da educação e, depois, com base nos resultados, aplicará uma política de produtividade. Parece justo. Espero que saia do papel e que os malfeitores do dinheiro público sejam inviabilizados em tempo hábil.

Segurança no trânsito

Se campanhas educativas dessem certo no Brasil, dentre outras possíveis consequências, o número de fumantes e de adolescentes grávidas não viveria em ascensão, a AIDS teria declinado e os acidentes de trânsito teriam decaído em proporções impressionantes. Afinal, estatísticas que vejo há muitos anos apontam o mesmo resultado: excesso de velocidade, desobediência à sinalização, embriaguez e falta de manutenção do veículo sempre foram, e continuam sendo, as principais causas de acidentes. Nos últimos anos, o uso de celular engrossou a lista, mas embora seja uma das infrações mais freqüentes hoje, não creio que seja o real responsável por muitos acidentes. Asseguro, contudo, por experiência própria, que a desatenção momentânea por olhar o aparelho, ou ver quem está chamando, ou digitar um número, é suficiente para levar a um acidente. Mas sempre achamos que não acontecerá conosco, certo? Que é só um momentinho, uma bobagenzinha, etc.
Diante disso, acho oportuna a exposição de veículos acidentados que está desde ontem na Almirante Barroso, em frente à Praça da Leitura. Lamento apenas que seja de pequenas dimensões, com apenas quatro automóveis e uma motocicleta. Penso que deveriam ter posto mais veículos, incluindo ônibus e caminhões, ocupando todo o perímetro, e que ao lado das faixas com frases de efeito — "este motorista achou que não estava embriagado" e "este morreu porque estava sem cinto de segurança", p. ex. — deveria haver cartazes com maiores informações sobre o acidente real, a fim de dar credibilidade.
O choque provocado pela visão dos veículos pode influenciar de verdade. Lembro-me que, quando criança, adorava viajar com o braço para fora e, quando advertido por algum adulto, sentia prazer em desafiá-lo. Anos depois, vi uma grande exposição fotográfica na Praça da República, organizada pelo DETRAN. Depois dela, nunca mais pus meu braço para fora. Uma imagem me educou por toda a vida.
Terrorismo, porém, não adianta sozinho. Nem adianta se vier acompanhado de moralismo. A conscientização advém da conversa franca, da apresentação de dados concretos e da ausência de posturas de donos da verdade. E quanto mais cedo começar, melhor, daí que são bem vindas as atividades com as crianças, na praça, comandadas por educadores.
Espero que iniciativas assim se repitam, mas que os organizadores se dêem ao trabalho de entrevistar o público, a fim de constatar que efeitos elas realmente tiveram, podendo-se organizar melhor os eventos futuros.

Cidade do México descriminaliza o abortamento

Há alguns dias, Portugal. Agora, é a Cidade do México, sede da Assembleia Legislativa do Distrito Federal, que descriminaliza o abortamento voluntário, até a 12ª semana de gestação. A decisão foi tomada ontem, com 46 votos favoráveis, contra 19 contrários e uma abstenção. E não foi fácil. Foram 5 horas de debate acalorado, garantido por força policial composta por mais de 400 homens.
Protagonistas da discussão, grupos antiabortistas apoiados, como sempre, pela Igreja Católica, que jamais desistirá de interferir em questões de fora de sua alçada, especialmente o governo das nações, mesmo em se tratando de Estados declaradamente laicos, como México ou Brasil. Do outro lado, pessoas ligadas a partidos de esquerda, majoritários, naquele parlamento.
A legislação mexicana se assemelhava à brasileira na autorização para abortamentos em caso de gestação decorrente de estupro ou que provocasse risco de morte para a gestante. Era mais ampla, contudo, pois já permitia a medida em casos de inseminação artificial não desejada, de malformações congênitas — situação que envolve a anencefalia, polêmica superlativa no Brasil — e, até mesmo, o abortamento social, motivado por dificuldades financeiras da família que já tenha mais de 3 filhos. Podemos dizer que os mexicanos já eram bastante liberais. Tornaram-se ainda mais, por meio dessa lei, que só vigora na Cidade do México, que tem 8 milhões de habitantes. Há uma proposta para nacionalizar a permissão. Esta é outra diferença em relação ao Direito brasileiro pois, aqui, matérias cíveis, comerciais, penais, processuais, eleitorais, agrárias, marítimas, aeronáuticas, espaciais e trabalhistas só podem ser regulamentadas por lei federal, de modo que vigoram indistintamente em todo o território nacional.
A interminável discussão envolve duas concepções divergentes sobre o que é o ser humano. Os
conservadores e a Igreja sustentam-se numa lei natural imodificável. Filósofos, cientistas e políticos liberais negam que os seres humanos tenham destino predestinado, pois ele se modifica diariamente. De um lado, fala-se em "cultura de morte". De outro, "esta iniciativa muda a história" da capital do país "porque leva as pessoas a considerarem a mulher como sujeito de direito e não como objeto de proteção", palavras da deputada esquerdista Carla Sánchez.
Enquanto isso, no Brasil, a iminente visita do Papa Bento XVI deve reforçar os movimentos antiabortistas. A aguardar-se as manifestações.

terça-feira, 24 de abril de 2007

STJ condena clínica ao pagamento de indenização

Notícia oficial do STJ:

Um grave erro médico ocorrido em uma clínica de Minas Gerais durante os procedimentos de parto gerou uma indenização de R$ 200 mil e pagamento de uma pensão de um salário mínimo mensal para E. N. B. O valor foi estabelecido pelo ministro Humberto Gomes de Barros, relator do processo, e acatado por unanimidade pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Mater Clínica Ltda., condenada a pagar a indenização, ficou liberada de pagar plano de saúde para a vítima.
A paciente alega que se queixou desde o início dos procedimentos ambulatoriais de fortes dores, fato que não foi levado em consideração pela enfermeira, que alegou que os procedimentos executados eram normais.
A paciente foi então levada até um médico que teria declarado: “vamos tentar salvar pelo menos a criança”. O parto foi feito, mas, segundo ela, não teria havido uma tentativa imediata de reverter os efeitos das queimaduras causadas por formol utilizado indevidamente. A clínica nega essa versão, afirmando que, assim que o erro foi detectado, todas as medidas necessárias foram tomadas. O erro médico, segundo perícia, deixou seqüelas, como incapacidade de controlar a defecação, perda de parte do reto e intestino, perda de controle do esfíncter e prejuízos à vida profissional e sexual.
Inicialmente, a clínica foi condenada ao pagamento de R$ 200 mil por danos morais e igual quantia por danos materiais, que englobariam danos estéticos. E. N. B. pediu o pagamento das despesas médicas, mas o tribunal concedeu o pagamento de plano de saúde. A Mater e a vítima apelaram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que determinou a redução da indenização por danos morais para R$ 40 mil e afirmou que os danos estéticos já estariam inclusos nestes. Além disso, a clínica não precisaria pagar o plano de saúde, pois isso não estava no pedido original.
Ainda insatisfeita, a defesa da clínica apresentou recurso ao STJ, no qual alegou que o valor das indenizações era excessivo e que não havia prova de que E. N. B. exercia alguma atividade remunerada antes, o que afastaria a pensão mensal. O estado de saúde da vítima seria bom, apenas com algumas limitações de esforço. Além disso, as seqüelas não seriam visíveis, o que descaracterizaria o dano estético.
Em seu voto, o ministro Humberto Gomes de Barros considerou os fatos “impressionantes”, ainda que controversos. Destacou que a jurisprudência do STJ admite a análise separada de danos morais e estéticos, ainda que oriundos do mesmo fato. As seqüelas, mesmo não visíveis, causariam sofrimento à vítima, pois ela teria tido prejuízos, inclusive, em sua vida sexual. Ele também considerou que era “óbvia” a redução da capacidade laboral da vítima, o que justificaria a pensão de um salário mínimo.
O ministro considerou adequado o pagamento de R$ 50 mil pelos danos morais, pelo sofrimento e dor causados a E. N. B., quantia que seria ainda adequada para punir a clínica. Além disso, considerou que os danos estéticos deveriam também ser levados em conta, apesar das complexidades na jurisprudência do próprio Tribunal. Ele destacou que o dano estético causa danos materiais e morais, não tendo previsão própria no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto o magistrado admitiu que a orientação da Terceira Turma tem sido de conceder a indenização, que fixou em R$ 150 mil.
Por fim, o ministro considerou que não seria possível obrigar a clínica ao pagamento de plano de saúde, pois isso não foi pedido no início do processo, portanto sua concessão seria extra petita [além do pedido].
Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=84032

Fico impressionado como o Judiciário ainda é muito leniente com casos de erro médico. Já advoguei para o Sindicato dos Médicos e lhes asseguro que não defendo essa histeria punitiva que existe, hoje em dia, contra a categoria. Pelo contrário, ainda os defendo, nas oportunidades que surgem. Entretanto, quando eles erram, merecem punição à altura do mal que causam.
Veja-se o caso: uso indevido de formol, ou seja, um erro inaceitável. Não foi um simples descuido ou acidente de percurso. E as consequências? Nefastas, atingindo o corpo e a auto-estima de uma mulher. E isso custará apenas 150 mil reais? Para mim, é premiar o malfeitor.
De quebra, os advogados da clínica ainda sustentam argumentos cínicos e ridículos:

1) A vítima não merece pensão porque não comprovou que exercia atividade remunerada. Ah, ela precisa provar, é? Quer dizer que o fato de ela não poder trabalhar, daqui para a frente, não significa nada? Ela sofre um terrível cerceamento de suas capacidades e isso simplesmente será ignorado?

2) Não há dano estético porque ele não está visível? Essa é demais. Ensino a meus alunos, quando tratamos do crime de lesão corporal, que visível é o dano que pode ser observado a olho nu, mesmo que passe a maior parte do tempo oculto. Do contrário, se um cirurgião plástico destruir as mamas de uma mulher, não deverá ser punido, já que o mundo não verá o dano. Mas a própria vítima, não verá? Não se sentirá tolhida em despir-se para um parceiro, viver sua sexualidade, enfim? Honestamente, tem advogado que merece pedrada. E quando eles se juntam a maus médicos, então? É o inferno em Terra.

Senhores juízes, ponham-se no lugar das vítimas. Este é um campo em que, às vezes, o aumento de rigor das punições é bem vindo.

O que você precisa saber para ser Técnico em Regulação de Serviços de Aviação Civil

No último domingo, a Agência Nacional de Aviação Civil — ANAC realizou concurso público para provimento de cargos de Técnico em Regulação de Serviços de Aviação Civil. A prova objetiva continha um trecho identificado como "conhecimentos específicos". As questões são ecléticas. Vão desde qual político dominou os trabalhos legislativos que redundaram na Constituição de 1988; quem substituiu Collor após o impeachment; qual o nome da Ministra do Meio Ambiente; que canção brasileira está entre as mais tocadas no mundo; quem escreveu o romance "Vidas secas" e por aí vai. Há questões sobre o crescimento das cidades, programas de televisão, ditadura militar, consumismo, Henfil, Marx, Tarsila do Amaral, mas a pérola mesmo é esta:

59- A garota de programa Bruna Surfistinha tornou-se um dos maiores sucessos do mercado literário brasileiro, em 2005, com o livro:
a) "A pessoa é para o que nasce"
b) "O doce veneno do escorpião"
c) "O céu de Suely"
d) "No quarto de um motel"
e) "Madame Satã"

Tudo bem, cultura geral é fundamental. Só me pergunto qual a relevância de Bruna Surfistinha para os futuros técnicos em regulação de aviação civil brasileiros. Será que o tema do livro tem a ver com o que eles farão conosco, quando assumirem suas funções? Não se preocupe: esses servidores ficarão apenas no apoio aos serviços principais. Está lá no edital a síntese das atribuições do cargo.
Ah, deixa pra lá. Cultura pop é isso...
Para confirmar o que digo, eis aqui o sítio da ANAC falando sobre o concurso e a prova.

Caça predatória

O Repórter Diário de hoje publica as seguintes notas:

Calouros da UFPA estranharam receber, em casa, material do Banco do Brasil propondo abertura de conta. Conforme pai de uma aluna, constam na carta dados sobre curso, turno, endereço e nome completo do estudante.
Muitos estiveram na Reitoria para reclamar que informações prestadas para o vestibular tenham sido repassadas para o banco.

A explicação para esse tipo de procedimento é simples e me foi dada por gerente de um outro banco: caça predatória a novos correntistas.
Os bancos representam Satanás na Terra. Cientes de sua imprescindibilidade, mentem, enganam, espoliam, escorcham, fazem tudo o que podem para lucrar ao máximo, indiferentes aos prejuízos que podem causar aos clientes e à sociedade. Outro dia, fiquei chocado ao ver quanto o meu banco me cobra todo mês pela simples manutenção da conta. Mas se ele faz tanta questão que eu continue correntista, a conta não deveria ser mantida de graça?
E as tais "cestas de serviços", que mais não são do que venda casada de produtos bancários que eu posso não querer? Todo mundo sabe, todo mundo vê, mas ninguém toma providências. Nem o Ministério Público. E eu presumo que seus membros também sejam clientes bancários.
Eu mesmo já fui vítima do que as notas retratam. O banco fixa as famigeradas metas para os seus funcionários. Dentre as metas, conseguir o maior número possível de novos correntistas. O banco não se importa em como isso será alcançado e os funcionários, entendendo a ordem, fazem de tudo, inclusive violar a lei, para ao final do período apresentar o número mínimo exigido de novos clientes para o diabo empregador.
Falo em violar a lei exatamente porque a privacidade dos indivíduos será ofendida, como a minha foi e, agora, como as dos calouros da UFPA. É imperioso que as entidades de proteção ao consumidor sejam enérgicas contra esses predadores vagabundos, criminosos de terno e gravata e largos sorrisos, que geram ônus aos cidadãos sem o conhecimento destes. Conheço uns tantos que só descobriram possuir contas em certos bancos quando começaram a chegar os boletos de cobrança e, em alguns casos, comunicações do SERASA.
Queixar-nos a quem?

Atualizado em 25.4.2007, às 12h09:
O Liberal de hoje publicou uma reportagem informando que até candidatos reprovados no vestibular receberam as tais cartas do Banco do Brasil. A princípio supuseram que teria havido uma repescagem, mas no final tiveram que se contentar com a frustração, mesmo. Ou seja, a sem vergonhice do banco provoca danos até emocionais sobre suas vítimas.
E quem é José Fidelquino Oliveira, zeloso gerente de agência, que assina todas essas cartas? O que ele terá a dizer sobre a palhaçada?
Este fato novo prova por A +B a safadeza acima referida. Afinal, somente com acesso ilegal aos dados dos vestibulandos o banco poderia encaminhar as famigeradas cartas. Algum patife na UFPA disponibilizou as informações e outro se aproveitou delas.
Com a palavra, a polícia. E melhor de tudo: a Polícia Federal!

segunda-feira, 23 de abril de 2007

E para quem se interessar

E a propósito da postagem anterior, para aqueles que estiverem interessados na questão, segue a resolução do Conselho Federal de Medicina. Bom proveito.

RESOLUÇÃO CFM nº 1.652/2002
Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.482/97.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e
CONSIDERANDO a competência normativa conferida pelo artigo 2º da Resolução CFM nº 1.246/88, combinado ao artigo 2º da Lei nº 3.268/57, que tratam, respectivamente, da expedição de resoluções que complementem o Código de Ética Médica e do zelo pertinente à fiscalização e disciplina do ato médico;
CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e ou auto-extermínio;
CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais secundários não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129 do Código Penal, visto que tem o propósito terapêutico específico de adequar a genitália ao sexo psíquico;
CONSIDERANDO a viabilidade técnica para as cirurgias de neocolpovulvoplastia e ou neofaloplastia;
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 199 da Constituição Federal, parágrafo quarto, que trata da remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa mais importante no tratamento de pacientes com transexualismo;
CONSIDERANDO que o artigo 42 do Código de Ética Médica veda os procedimentos médicos proibidos em lei, e não há lei que defina a transformação terapêutica da genitália in anima nobili como crime;
CONSIDERANDO que o espírito de licitude ética pretendido visa fomentar o aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimular a pesquisa cirúrgica de transformação da genitália e aprimorar os critérios de seleção;
CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução CNS nº 196/96;
CONSIDERANDO o estágio atual dos procedimentos de seleção e tratamento dos casos de transexualismo, com evolução decorrente dos critérios estabelecidos na Resolução CFM nº 1.482/97 e do trabalho das instituições ali previstas;
CONSIDERANDO o bom resultado cirúrgico, tanto do ponto de vista estético como funcional, das neocolpovulvoplastias nos casos com indicação precisa de transformação o fenótipo masculino para feminino;
CONSIDERANDO as dificuldades técnicas ainda presentes para a obtenção de bom resultado tanto no aspecto estético como funcional das neofaloplastias, mesmo nos casos com boa indicação de transformação do fenótipo feminino para masculino;
CONSIDERANDO que o diagnóstico, a indicação, as terapêuticas prévias, as cirurgias e o prolongado acompanhamento pós-operatório são atos médicos em sua essência;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária de 6 de novembro de 2002,

RESOLVE:

Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.
Art. 2º Autorizar, ainda a título experimental, a realização de cirurgia do tipo neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.
Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:
1) Desconforto com o sexo anatômico natural;
2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;
4) Ausência de outros transtornos mentais.
Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios abaixo definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto:
1) Diagnóstico médico de transgenitalismo;
2) Maior de 21 (vinte e um) anos;
3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.
Art. 5º Que as cirurgias para adequação do fenótipo feminino para masculino só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados para a pesquisa.
Art. 6º Que as cirurgias para adequação do fenótipo masculino para feminino poderão ser praticadas em hospitais públicos ou privados, independente da atividade de pesquisa.
Parágrafo 1º - O Corpo Clínico destes hospitais, registrado no Conselho Regional de Medicina, deve ter em sua constituição os profissionais previstos na equipe citada no artigo 4º, aos quais caberá o diagnóstico e a indicação terapêutica.
Parágrafo 2º - As equipes devem ser previstas no regimento interno dos hospitais, inclusive contando com chefe, obedecendo os critérios regimentais para a ocupação do cargo.
Parágrafo 3º - A qualquer ocasião, a falta de um dos membros da equipe ensejará a paralisação de permissão para a execução dos tratamentos.
Parágrafo 4º - Os hospitais deverão ter Comissão Ética constituída e funcionando dentro do previsto na legislação pertinente.
Art. 7º Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido.
Art. 8º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução CFM nº 1.482/97.
Brasília-DF, 6 de novembro de 2002.

Modificação de sexo deve ser averbada no registro civil

Notícia oficial do Superior Tribunal de Justiça:


Deve ficar averbado no registro civil de P. C. de O. C. que a modificação do seu nome e do seu sexo decorreu de decisão judicial. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado que manteve a não-publicidade da condição transexual de P.
No caso, P. ajuizou pedido de alteração de registro afirmando que, desde cedo, “manifesta comportamento predominantemente afeito ao genótipo feminino” para que o seu nome fosse alterado para C. de O. C.Afirmou que foi submetido “à cirurgia de redesignação sexual em agosto de 2002”.
Em primeira instância o pedido foi julgado procedente para que “seja procedida a retificação pretendida no assento de nascimento do requerente, determinando que seu nome seja alterado de P. C. de O. C. para C. de O. C., bem como para que o sexo seja alterado de masculino para feminino”, vedando, “por ocasião do fornecimento de certidões, referência a sua situação anterior. O expediente deverá ser arquivado em segredo de justiça. Informação ou certidão não poderá ser dada a terceiros, salvo ao próprio interessado ou no atendimento de requisição judicial”.
A apelação do Ministério Público foi desprovida no ponto em que a sentença determinou “a não publicidade da condição transexual do apelado, alegando, em suma, o possível prejuízo aos terceiros de boa-fé que venham a se envolver com o recorrido”.
No STJ, o Ministério Público sustentou a “necessidade de averbação, à margem do registro civil, que a alteração de nome e sexo é oriunda de decisão judicial, ocorrida após cirurgia de transgenitalização”.
Para o relator, ministro Carlos Alberto Menezes Direito, não se pode esconder no registro, sob pena de validar agressão à verdade que ele deve preservar, que a mudança decorreu de ato judicial nascida da vontade do autor e que tornou necessário ato cirúrgico complexo. “Trata-se de registro imperativo e com essa qualidade é que se não pode impedir que a modificação da natureza sexual fique assentada para o reconhecimento do direito do autor”, afirmou o ministro.

A decisão acima é polêmica não apenas por causa do tema. Os moralistas e sectários religiosos de plantão devem ter chiliques ao saber que a Justiça brasileira reconhece os direitos de quem mudou de sexo, permitindo-lhe uma vida juridicamente plena na nova condição. Todavia, mesmo para quem encare o julgado como um avanço, há outro ponto controverso: P.C., que agora será C., carregará para o resto da vida um documento dizendo exatamente o que ele(a) menos quer: que é um homem transformado cirurgicamente em mulher.
Naturalmente, podemos ocultar nossa certidão de nascimento em quase todos os atos da vida civil. Quando nos identificamos, fazemo-lo com a cédula de identidade, onde não constará a peculiaridade de P.C. Mesmo assim, considerando que um transexual se sente, de fato, sendo do outro sexo e que ele já teve carregar estigmas e humilhações de longa data, a decisão judicial não deve ser uma vitória completa. Mas é uma vitória pessoal, da qual ele(a) poderá usufruir cotidianamente.

domingo, 22 de abril de 2007

Necrológio para Wady

Acabei de chegar do velório de meu ex-aluno (ou simplesmente aluno, porque essa é uma condição que dura para sempre) Wady Thomé Chamié Neto. Provavelmente, o velório com o maior número de pessoas que já vi, em sua maioria jovens, já que ele tinha apenas 21 anos. Alunos de diferentes gerações estavam lá, mostrando que Wady não podia queixar-se quanto a ser querido. Partiu com muitas flores e aplausos, além de muito choro. Chamou-me a atenção o choro intenso, desbragado, de tantos jovens. Queremos vê-los sempre rindo, não?

Repetiu-se uma das maiores tragédias do brasileiro: acidente de trânsito. Foi uma fatalidade. Não há ninguém para culpar. Pode-se falar um monte de coisas que escutei, como "se ele não tivesse saído", "se ele não corresse", "se ele não tivesse se distraído trocando o CD", "se não tivesse chovido". Mas tudo isso ocorreu e agora não faz diferença. Foi-se o rapagão alto, fortão, com cara de criança, jeito tímido. Deixa-me a lembrança de uma pessoa muito serena, de quem era fácil gostar. Como comprovei hoje.

Ouvi pais falando que não têm sossego enquanto seus flhos não voltam para casa. Deve ser uma preocupação áspera, já que a garotada tem necessidade de viver a mil e, nessa altura da vida, realmente não para para pensar que ela pode acabar assim de repente. Não se pode culpar quem não pensa nesse lado sombrio. Quase ninguém pensa, mesmo.

Só espero que todos aqueles jovens ali pensem, ao menos, em cuidar melhor de si mesmos. Para ajudar seus pais a dormir. Não é moralismo meu; é apenas um sentimento paternal começando a aflorar neste homem que vos escreve, que em menos de dois meses baterá nos 32 anos.

Uma frase, dita por uma aluna, ficará comigo. Quando se perde um marido ou esposa, torna-se viúvo. Quando se perde um pai ou mãe, torna-se órfão. Quando se perde um filho, sequer há um nome para isso, tal a dor envolvida. Deve ser. De minha parte, fico feliz de saber que o último dia do Wady foi passado ao redor de amigos, numa comemoração de aniversário. Todos devem ter rido muito, celebrando a vida e a amizade, como deve ser.

Vai com Deus, Wady. Celebraremos mais um pouco por aqui. Até a vista.

507 anos

Mais de três lustros atrás, quando eu fazia o ensino médio (na época, segundo grau), havia a distinção entre áreas — CE, CB, CA e CH, esta última reservada àqueles que não sabiam Física, Química, Matemática ou não entendiam de nada, segundo piadinha em voga àquela altura. Eu costumava rebater, dizendo que era a área daqueles que tinham aptidão, em tese, para qualquer coisa, por isso mesmo que se afinavam com humanidades, em vez de se limitar a uma ou poucas searas do conhecimento.
Enfim, em uma de minhas aulas de História, um professor contou a seguinte anedota: na Idade Média, devido à ausência de banheiros (as casas eram projetadas sem espaços para as necessidades fisiológicas), em Portugal as pessoas defecavam em recipientes que eram posteriormente esgotados em uma lona, enfiada num enorme buraco. No dia em que a lona ficou cheia, foi fechada e atirada ao mar. Em 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral descobriu a lona.
Não me lembro se a anedota fez sucesso. Lembro-me apenas de não ter achado graça. E continuo não achando. Mas a verdade é que ela denuncia como o brasileiro se sente em relação ao seu país. Injuriado e injuriante, é como se o Brasil fosse um mal necessário. Cantam-se suas belezas naturais, seus recursos ambientais, seus issos e aquilos, mas é só acabar a cerveja ou amanhecer a quinta-feira pós-cinzas e quase todo mundo volta à rotina de malhar o país.
Com efeito, a boa gente brasileira só é boa quando quer, pois se permite, com enorme frequência, todo tipo de perversidade. Com fama de amistosa e solidária, sabe ser individualista aos extremos, no dia a dia. E alguém lhe disse que o brasileiro era malandro por natureza e todo mundo acreditou. Deu no que eu. Quem ainda não se deu bem às custas dos outros, está só esperando a oportunidade.
Segundo a certidão de nascimento oficial, que não espelha a verdade dos fatos, o Brasil completa hoje 507 anos e é filho de pais portugueses, apesar de ser índio. Ao longo do tempo, misturou-se com espanhóis, franceses, holandeses e, depois, com todo tipo de povo, etnia e cultura. Virou a salada geral, que todos conhecemos e somos os primeiros a criticar.
Espoliado pelo colonizador português, surrupiado pelos espanhois, franceses e holandeses, mais tarde pelos ingleses e por fim americanos, hoje o Brasil leva rasteira até dos bolivianos. É uma espécie de otário da comunidade internacional. Recebe de braços abertos quem vier, mas vê seus filhos humilhados nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Comunidade Europeia, no Caribe. E pouco ou nada faz a respeito. Compra caro os executivos e exporta mão de obra barata. Adquire bens das indústrias de ponta e se destaca, lá fora, pela indústria do tráfico de seres humanos.
Não pense que este é o desabafo amargo de um daqueles que defende que a saída para o Brasil é o aeroporto. Pelo contrário. Amo o meu país e me considero privilegiado por ter nascido aqui. Sei que, em outros lugares, pode-se ir mais longe, mas em outros...
Acredito num futuro melhor, apesar dos políticos. Para tanto, só precisamos da conscientização desse povo sofrido, que precisa aprender a dar o troco. Acredito que nossos filhos podem ser ensinados a respeitar as leis, odiar a corrupção e ser solidários ao semelhante. Já avançamos. Podemos ir além.
Feliz aniversário, Brasil. Verás que um filho teu não foge à luta é a mais bela promessa que te fizeram e que eu espero veja cumprida um dia.

sábado, 21 de abril de 2007

Duas estripulias

Não dizem que quando o gato sai os ratos fazem a festa? Pois imagine uma casa sem gato. Os ratos viram ratazanas e salve-se quem puder. Entendam a metáfora com essas duas historietas verídicas, ocorridas de ontem para hoje, que me foram contadas por meu irmão, que as escutou dos respectivos protagonistas:

Primeira: servidora da Prefeitura Municipal de Belém foi a uma Extrafarma comprar medicamentos para sua mãe, que é hipertensa. Existe um convênio entre o Município e aquela rede de farmácias, que garante descontos. Ou existia. Explicaram à jovem que o convênio está suspenso sine die, por falta de repasses financeiros. Se quiser o remédio, vai pelo preço cheio.

Segunda: amolador de alicates situado na Pedro Álvares Cabral, chegando no Entroncamento, decidiu colocar uma placa publicitária em frente ao seu estabelecimento. Tudo bem que ele estava errado, mas a coisa aconteceu assim: uma Kombi sem qualquer identificação parou e dela saltou um sujeito com cara de poucos amigos, jogou a placa dentro do veículo e se afastou sem dizer uma só palavra. Quando o pobre amolador correu em seu encalço, ouviu apenas isto: "Vai buscar na SECON!"

E é assim que as coisas funcionam em Belém, cidade sem prefeito que possa dar exemplo aos agentes públicos. Ou honrar compromissos em favor dos servidores municipais.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Lançamos


Somente agora arrumei um tempinho para postar a foto acima, na qual apareço entre meus muito queridos Sandro Simões, organizador de nossa obra coletiva, e Bárbara Dias, uma das co-autoras, autografando os livros, no Salão do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará, ontem. Acho que as caras falam por si, em termos de satisfação.

Sem colunismo social e sem autoaclamação (aprendi com meu professor de Direito Penal que elogio em boca própria é vitupério), foi uma noite muito agradável e recompensadora, que esperamos traga outros tantos frutos. Meus agradecimentos aos amigos e alunos (em alguns casos, os papeis se confundem) que compareceram — inclusive Cris Moreno, que prometeu e cumpriu, indo me dar um abraço carinhoso. E, claro, à instituição que nos acolhe e nos permitiu esse momento.

Agradecimentos especialmente ternos para Laíse, Cássia e Vitor, que enriqueceram ainda mais a noite.

PS — Vocês já experimentaram o tambaqui do restaurante Tutto? Jesus Cristo, o que é aquilo?! Quem não provou, corra lá. Mas vá de bolso cheio.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Ética dos magistrados sob o julgamento do povo

Desde o último dia 16 de abril o Conselho Nacional de Justiça disponibilizou o texto integral da proposta de Código de Ética da Magistratura, especificamente com a intenção de que a sociedade civil dê sugestões para a redação final do documento. Exemplo de democracia, não? Eu acho. Afinal, nós, os jurisdicionados, cotidianamente maltratados pela estrutura do Poder Judiciário — muito cônscio de que é poder mas frequentemente esquecido de a quem serve —, precisamos externar as nossas necessidades, enquanto cidadãos, no que tange à conduta dos que controlam as nossas vidas, de modo tão direto e individualizado.
Lembremos as sábias palavras bíblicas: a quem muito foi dado, muito será exigido. Tão elevadas funções exigem magistrados serenos, cordatos, diligentes e honestos. E exigem uma rígida fiscalização de cada um desses atributos, mediante instrumentos concretos e eficazes, como o ora em discussão.
Todo cidadão brasileiro pode opinar. Basta acessar o sítio do CNJ, o que pode ser feito clicando aqui.

Galdino, 10 anos depois

Um dos episódios mais grotescos da história criminal brasileira vai completar 10 anos amanhã: o horrendo assassinato do índio pataxó Galdino José dos Santos, ativista da causa indígena que fora a Brasília lutar pelos interesses de seus pares, dormiu em um ponto de ônibus e foi confundido com um mendigo, o que lhe rendeu ser queimado vivo. Leia mais aqui. E isso um dia depois daquele dedicado aos índios.
O caso é emblemático por uma série de motivos: pela violência inconcebível com que praticado; pelo motivo apresentado; pela condição dos criminosos, filhos da classe média alta de Brasília, um deles filho de juiz federal, o que levou a acusações de corporativismo no tratamento que receberam e nas primeiras decisões judiciais. Por fim, pelas enormes liberalidades que os mesmos tiveram no cumprimento de suas penas. Como professor de Direito Penal, asseguro que esse homicídio permite uma valiosíssima discussão em torno do que é dolo eventual e do que é culpa consciente.
Para mim, contudo, a questão mais importante sempre foi a motivação. Os assassinos alegaram que não pretendiam matar, mas apenas brincar, pregar uma peça na vítima. E só o fizeram porque não sabiam tratar-se de um índio; pensaram que era um mendigo.
A emenda sai pior do que o soneto. A explicação escancara o mais infamante desprezo pelo semelhante, que mal se pode conceber. Brincar com a vida alheia? Achar mera diversão atear fogo a uma pessoa que dorme, para vê-la despertar em pânico? E fazer tudo isso porque era um mendigo? Ou seja, um mendigo não se insere na categoria "alguém" — ser humano — de que cuida a legislação penal? Os jovens não se disporiam a queimar um estudante, um político, um comerciário. Mas um indigente pode. A dar uma justificativa dessas, eu preferiria manter-me calado.
Uma década se passou e a turma está em liberdade condicional. Saiba como estão os criminosos hoje lendo aqui. Assim, qualquer coisa que se diga sobre o delito em si já ficou no plano do revisionismo histórico, das teorias antropológicas e das críticas jurídico-judiciárias. Mas há seres humanos com a firme sensação de injustiça. E do outro lado pessoas que, como fazem todos os que deixam o sistema penal, entendem suficiente pôr uma pedra sobre o assunto.
Todavia, não há como sepultar com pedras o caso em questão. Afinal, o trágico acontecimento começou quando Galdino deixou sua tribo para ir à capital federal somar-se à luta pelos direitos dos povos indígenas. 10 anos depois, quase nada se avançou, como mostra a primeira reportagem aqui recomendada. Assim, o germe do infausto continua presente, ameaçando repetir-se. E, de outra forma, a cada dia que passa menos se oferece aos nossos jovens, para que eles cresçam como cidadãos de valor e não se valham de desculpas, quaisquer que sejam, para causar sofrimento, vergonha e horror.

Lembrando o evento

Semana passada, dia 12, avisei que hoje, na sede da OAB/PA, ocorrerá o lançamento do livro Estudos sobre Teoria Geral do Direito, organizado pelo amigo Sandro Simões, publicação do CESUPA, onde lecionamos. Ratifico o convite feito a todos que se interessarem por cultura jurídica. Estaremos lá, a partir das 19 horas.

A alegria do dia do choro

Do RD de hoje:

Para comemorar o dia do choro, considerado a primeira música popular urbana típica do Brasil, com mais de 130 anos, músicos paraenses irão fazer uma festa diferente. Domingo de manhã, um trio elétrico percorrerá as ruas, conduzindo um grupo de chorões que brindará a cidade com o ritmo alegre e agitado do chorinho. O trio sairá do Centur e seguirá até a praça Batista Campos.

Aqui em Belém, podemos ver apresentações de chorinho regularmente, na Sol Informática — mais especificamente no Café da Sol —, que cumpre uma missão cultural valorosa nesta cidade. E outro dia um quinteto deu um belo show na hora do almoço no Boêmio, na Doca. Um excelente acompanhamento para a minha polenta grelhada com molho de shitake e alho-poró.
Infelizmente, estou atolado em provas por corrigir. Fora isso, bem que eu gostaria de cruzar o meu caminho com os chorões.
Já tive a oportunidade de ver uma comitiva dessas, na cidade paulista de Campos do Jordão, em julho de 1999. Como a cidade estava cheia de turistas de inverno, um grupo de cinco músicos percorria logradouros públicos, fazendo apresentações rápidas e depois mudando de ponto. Assisti a uma das apresentações e foi deliciosa. Todos em volta sacudiam ao menos um pezinho, tal a força contagiante desse ritmo delicioso.

Sabe que eu concordo?


Cresce minha simpatia pelo deputado Edigar Mão Branca (foto), do PV-BA, que também exerce as altas funções de forrozeiro. Segundo o G1, ele assomou à tribuna da Câmara para discursar contra o ato da Mesa Diretora que padroniza a indumentária dos deputados, proibindo o uso de chapéus e outros acessórios. Protestou o parlamentar: "Por que esse chapéu incomoda tanto? Se para muitos é ridículo o meu chapéu, para tantos também é a peruca, o brinco, o piercing, a tatuagem, o cabelo comprido. E nem por isso há perseguição aos que usam isso. E nem deveria."
O deputado teria mencionado a China, cujos parlamentares podem usar trajes típicos. Esclareceu que, "com o seu chapéu, queria representar o nordestino, o vaqueiro e o trabalhador rural." Ao final, leu uma sugestão, atribuída a um eleitor, para que a Câmara inicie suas sessões com músicas regionais brasileiras. "Ao invés de baixo astral, depressão, imagem na lama, a Câmara deveria começar as suas sessões com um som regional. Todo mês um Estado da federação deveria ser mostrado e celebrado."
A discussão, decerto, é de somenos importância, mas os argumentos de Mão Branca são pertinentes. Sabemos que outros países fazem questão de celebrar suas tradições. Para eles, é essencial conservar seus trajes e seus hábitos onde quer que estejam. A globalização do terno e gravata fica em segundo lugar. Na minha opinião, esse é o certo.
Então que tal o parlamento brasileiro liberar os trajes típicos, quando condizentes com o decoro? Pelo menos, acaba logo essa confusão e eles voltam a debater sobre assuntos mais relevantes.
E eu quero ouvir Bom dia Belém abrindo uma sessão dessa bodega!

quarta-feira, 18 de abril de 2007

E segue o furacão

A Operação Hurricane continua tempestuando a vida de muitos, especialmente dos 25 presos, cuja custódia temporária foi prorrogada por mais cinco dias, face à decisão do Ministro Cézar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, que preside o inquérito, já que um dos investigados é Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Outras quatro dezenas de prisões podem ser deflagradas a qualquer momento.
Aliás, a situação do Ministro Paulo Medina é a maior novidade do dia, que pessoalmente me entristece, porque é uma lástima que um membro do STJ possa estar envolvido com o crime organizado. Uma lástima superlativa.
As investigações apontaram conversas telefônicas entre o irmão do magistrado, Virgílio Medina, e advogados dos bicheiros, que estariam na origem de toda a empreitada criminosa. O pior é que a declaração de rendimentos de Virgílio, do ano de 2005, consigna um suposto empréstimo para Paulo Medina, no valor de 440 mil reais, muito superior às suas posses. Concluir-se que ocorria ali o rateio da corrupção é o mais óbvio, infelizmente.
Continuamos acompanhando as notícias. Mantenho a minha satisfação cívica de pensar que os ricos e poderosos estão purgando um pouco, um quase nada de seus pecados. Porém, fico triste com a generalização da podridão no país. Não é novidade, mas vê-la assim, tão nítida e audaciosa, abate o espírito.

Salas de aula em presídios

A Comissão de Educação do Senado, ontem, deu parecer favorável a um projeto de lei do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), cujo objetivo é a criação de salas de ensino básico e profissionalizante em presídios. Na continuidade da tramitação, o próximo passo é o exame pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
Relator do projeto, o senador Paulo Paim (PT-RS) declarou, em seu voto, o óbvio: "que o Estado tem o dever de cuidar da reintegração dos encarcerados à vida social". "O projeto contribuirá para a humanização dos presídios, diminuindo o risco de reincidência dos apenados que, após obter a liberdade, não conseguem reinserir-se na sociedade".
Com muitos anos de atraso, o Senado tenta implementar medidas que existem na legislação, como deveres do Estado, há décadas. Só a atual Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210) é de 1984 e já previa que ao preso seria assegurada assistência educacional, "objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade" (arts. 10 e 11, IV). A LEP também estabelece:

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa.

Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.

Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

A maioria dos presos brasileiros tem incipiente ou nenhuma formação escolar. Não à toa, a redução de espaço social os impulsiona à criminalidade — embora esse seja apenas um dos fatores criminógenos, porque eu não teria a ingenuidade de dizer que é só isso que explica o crime. Assegurar que o preso possa crescer, durante sua passagem pelo sistema penal, é sabidamente uma das mais poderosas e eficientes oportunidades de ressocialização. Com isso, pode ser que não dê certo. Sem isso, com certeza absoluta, não dará.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u19456.shtml

E ela foi

Promessa cumprida. Ana Júlia compareceu ao ato ecumênico localizado no local onde, na "curva do S", em 17 de abril de 1996, escreveu-se o massacre de Eldorado dos Carajás. A sua presença já podia ser considerada um marco na postura do governo frente a essa categoria de movimentos populares, mas ela foi além: pediu perdão ao povo paraense e reconheceu a culpa do governo.
Segundo o Diário do Pará, a governadora teria declarado: “A repressão ordenada por aqueles que governavam o Pará deixou 19 mortos, centenas de mutilados, envergonha a história do Pará”, disse, lembrando que os policiais cumpriam ordens dos comandantes e do ex-governador Almir Gabriel. “Soldados que apenas cumpriram ordens de quem não tem o mínimo de respeito pela vida humana”. Como era de se esperar, a cobertura de O Liberal foi omissa. Mencionou os fatos, a decisão de pagar as indenizações, mas não aludiu em momento algum, sequer superficialmente, aos nomes dos tucanos envolvidos ou à acusação direta feita contra eles pela governadora.
Naturalmente, o gesto da governadora desencadeará diversas e fortes reações. Quem estiver ligado à luta pela terra, enaltecerá sua atitude e terá, talvez, um alento contra o sentimento de impunidade. Os policiais militares — a raia miúda — se sentirão aliviados, pois se declaram publicamente bodes expiatórios de seus superiores hierárquicos, dos comandantes ao governador. Os defensores do tucanato a criticarão com furiosas acusações, mormente de populismo, já que o partido sempre esteve, no Estado, visceralmente atrelado à imagem do ex-governador, responsável óbvio pela tragédia, mas o primeiro a ser protegido. Aguardem manifestações raivosas nos plenários parlamentares.
E mesmo entre a população as opiniões serão muito controversas. Quem odeia os sem terra, quem está preocupado com a posse imobiliária (mesmo que dos outros), quem tem uma visão militaresca de ordem pública, quem nega aos cidadãos os direitos de organização, manifestação e até de resistência, certamente vesgastará a governadora. Demagogia deverá ser um dos argumentos. Afinal, fica fácil admitir a culpa do governo quando o governante já passou. Quero ver o sujeito admitir a culpa própria. Isso ela não fez. Muito menos o tucano.
No momento em que escrevo, pessoas ao meu redor a acusam de ter dado apoio aos sem terra e, por conta disso, vão explodir as invasões no Estado e muita gente morrerá. É a mentalidade pequeno-burguesa que faz o cidadão comum raramente se solidarizar com as minorias, mas ter uma adoração espontânea da classe média para cima, com cujo ideário se identifica. O problema disso é o maniqueísmo: todos os sem terra são vagabundos, baderneiros, desonestos. E todas as suas "vítimas" são empreendedores inocentes.
Enfim, também sou um pequeno burguês preocupado com carro, viagens de vez em quando, propriedade imobiliária, coisas assim. Mas levei a sério aquela história de função social da propriedade e realmente acredito que a riqueza individual precisa, de algum modo, repercutir na riqueza da sociedade, que distribua um pouco das benesses entre todos.
Agora é aguardar as consequências do dia de ontem. Boa sorte, governadora.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Cerveja, suor e sangue

Gilberto Dimenstein acerta novamente. Em interessante artigo, o grande jornalista apresenta dados estatísticos que relacionam o consumo de bebida alcoólica a episódios de violência e a acidentes de trânsito. E não perde a oportunidade de criticar a própria imprensa, que o mais das vezes age sem responsabilidade e estimula comportamentos socialmente danosos. Eis um aperitivo:

Uma série de estudos demonstra que, no Brasil, os jovens bebem cada vez mais e, ainda por cima, começam mais cedo. É simplesmente risível imaginar que eles teriam mais cautela apenas ouvindo aquela rápida frase de alerta depois do sensualíssimo anúncio com mulheres estupendas.
É uma covardia: de um lado, os milhões gastos para relacionar sensualidade, beleza e juventude à bebida e, de outro, os chatos, apresentados como moralistas, com suas estatísticas. Não é uma questão de moralismo. É bélica.

Leia também a pensata do mesmo autor, que acrescenta à discussão o papel das celebridades, quando agem como divulgadores de produtos nocivos à saúde.
Minha irrestrita aprovação.

17 de abril


Impossível deixar de fazer referência à data. Há 11 anos, a História do Pará ganhava um capítulo sangrento que jamais será esquecido. Esteja você em que lado estiver, pense em que pensar, julgue o que quiser, indiferente você não está. E o lado das vítimas não o permitirá. Estão na cidade, novamente, acampados em São Brás, tradicional palco das manifestações populares em Belém.
São 11 anos de impunidade e nenhum indício existe de que o contador será interrompido. Os mandantes, claro, foram protegidos e acalentados no colinho da Justiça. Os sub-mandantes — a quem não considero meros bodes expiatórios porque o estrito cumprimento do dever legal e a obediência hierárquica têm limites, segundo a própria lei, e um dos mais evidentes é o respeito à vida humana — foram punidos, mas estão soltos. E a raia miúda dos executores foi absolvida, por uma tecnicalidade jurídica a meu ver insuperável. Como identificar quem era quem no meio da confusão? Quem atirou? Sem respostas mais precisas, eu também os teria absolvido, se compusesse o tribunal do júri.
O que se lamenta não é apenas a absolvição, mas sobretudo a fragilidade de uma instrução processual que não produz provas capazes de legitimar uma condenação.
Este ano, só uma novidade: a governadora Ana Júlia prometeu participar das manifestações. Se cumprir o prometido, será uma grandiosa mudança de postura dos governantes em relação aos movimentos sociais. Digam o que quiserem, é um avanço. Só espero que isso nos leve a algum lugar, em vez de ser apenas mais um exercício de retórica.

Eficiência da Receita Federal

Uma amiga acabou de comentar comigo que, na condição de administradora do espólio de seu falecido pai, recebeu uma notificação da Receita Federal. Motivo do encalacramento: ela declarara a menor a renda auferida no exercício. Sabe em quanto? R$ 340,00. Vou escrever por extenso: trezentos e quarenta reais. Evidentemente, uma pessoa na condição dela não vai correr riscos com a Receita pelo imposto incidente sobre um valor desses; foi apenas um erro. Mas ela foi flagrada em falso!
Enquanto isso, os bancos...
E tem também a concessão de TV do grande Jader Barbalho, transferida em apenas três meses graças a uma ajudinha providencial dos amigos, deixando sem garantias uma dívida superior a oitenta milhões de reais.
Como era mesmo aquele jingle? Este é um país que vai pra frente...
Sim, esta postagem tem a ver com meu mau humor desta época do ano.

A história se repete

Divulgados os resultados da primeira fase do Exame de Ordem, apenas 35,8% de aprovação — um índice pífio, considerando que o candidato só concorre consigo mesmo, já que se trata de um teste de proficiência e não de uma disputa de vagas. Naturalmente, esse número cairá ainda mais após a segunda fase, que é dissertativa e exige do candidato a capacidade de responder a questões práticas e elaborar uma peça processual. Se marcar questões objetivas pode ser um confronto entre talento e sorte, numa prova dissertativa a única sorte que resta é perguntarem aquilo que o candidato mais sabe. Depois, vale a regra: inspiração e transpiração.
Tive a alegria de ver vários nomes de ex-alunos na lista. Fica a minha torcida para que, na próxima e definitiva, estejam todos lá. Boa sorte e bom estudo.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Fauna local

Na última edição do Jornal Pessoal (n. 389, 1ª quinzena de abril/2007), Lúcio Flávio Pinto publicou a seguinte notinha:

PREFEITOS
Depois do prefeito criança, Belém tem agora o prefeito voador, aquele que está sempre voando, sobretudo para Brasília.

Vale lembrar que, antes da criança, Belém teve o prefeito papudinho, que lá pelas tantas assumiu o predicado quando se candidatou pela última vez. Como se constata, há muitos anos a cidade vem sendo gerida por figuras folclóricas. Dependendo das eleições de 2008, que bicho assumirá os nossos destinos?

Quer mesmo saber?


Precisei acessar o sítio da Receita Federal e, procurando uma informação, encontrei o ícone acima, com essa perguntinha inocente. Não tentarei responder. Todos sabemos. Fiz esta postagem apenas para dar vazão à minha raiva. A passagem de abril para maio é o pior momento do ano para mim, pois num espaço de 15 dias tenho que pagar imposto de renda — depois de ser garfado na fonte o ano inteiro — e o IPVA. Também, quem mandou comprar carro?
Essa parece ser a solução do brasileiro: não tenha renda, nem carro, nem imóveis, nem saúde, nem educação, nem vergonha na cara...
Desculpem o mau humor. Todo ano, nesta época, acontece a mesma coisa. Mas depois passa.

domingo, 15 de abril de 2007

Por onde andará Cris Moreno?

Cristina Moreno, uma de minhas mais frequentes leitoras, sumiu. Sei que teve aborrecimentos na blogosfera e prometeu retirar-se dela. Mas acredito que em momentos de adversidade não se deve tomar decisões. Também acho que não se pode visitar o blog de alguém, cativá-lo com sua gentileza e simpatia, para depois sumir sem dizer nem adeus, ainda mais porque o problema havido não teve nada a ver comigo ou com o meu blog. Além disso, encontrei um comentário dela no 5ª Emenda e, embora saiba que antiguidade é posto, fiquei enciumado.
Assim sendo, caso algum dos leitores desta postagem mantenha contato com ela — ou se a própria passar por aqui, na surdina —, gostaria que minha mensagem chegasse a seu destino. Volte, Cristina. Para você, uma paráfrase dos versos de um dos meus cantores-compositores favoritos, Zeca Baleiro:

Cristina, never do this again
Come back home!
Se correr o bicho pega, Cristina
Se ficar o bicho... come!

sábado, 14 de abril de 2007

Me engana que eu gosto

Vergastado por quase todos os lados — primeiro pelos setores mais conscientes da sociedade, depois pela população ingênua que votou na tal mudança e quebrou a cara e, por fim, pela própria Câmara Municipal — e poupado apenas pela imprensa canalha, o sedizente prefeito de Belém reage às investidas que sofre, do seu jeito: devagar, quase parando. Alguém em sua equipe deve acompanhar os blogs e pede soluções aos marqueteiros, que ganham muito dinheiro para ajudar nos estelionatos políticos que sofremos diariamente.
Primeiramente, acusado com toda a justiça de inércia, já que sequer passa muito tempo na cidade, lançou o slogan idiota "Tá fazendo sim".
Os blogs não perdoaram: perceberam de imediato que a publicidade institucional reconhecia a inércia, porque esse "sim", ao final, existe para servir de reforço, de convencimento. É como se alguém dissesse: "Fulano não está fazendo nada" (era o que todos dizíamos) e o acusado precisasse responder: "Estou fazendo, sim". Um ato falho, sem dúvida.
Corrigindo a asneira, o marqueteiro, com a intenção de não dar muito na vista a admissão do erro, fez uma mudança minúscula, tão pequena que eu mesmo quase não percebi. O slogan agora é "Tá fazendo bem". Mudaram apenas duas letras, para ser bem sutil. Todavia, acho que a emenda não foi tão útil assim. Se eles precisam convencer de que o intelectual escritor está prefeitando bem, é porque a ideia que passa é justamente a oposta.
Como advogado, já precisei defender causas nas quais não acreditava. Asseguro: é um horror. O trabalho não flui, as ideias não surgem, o Direito parece escorrer por entre os dedos. E eu sentia um misto de incapacidade e vergonha por estar do lado errado. Mas isso porque minha mãe me ensinou a ter vergonha na cara. Para os advogados safardanas, tanto faz como tanto fez. A única emoção é sentir o dindim entrando.
E os marqueteiros do sedizente, de que lado estão? Será que essa publicidade é tosca desse jeito por motivos semelhantes aos meus?
Alguém percebeu como, de umas semanas para cá, a prefeitura está gastando muito mais dinheiro com publicidade?
Recebam esta como Campanha de resgate de Belém (parte 9).

Furacão!

A mais nova operação estrepitosa da Polícia Federal se chama Hurricane, não se justificando o nome em inglês, quando "furacão" é também muito sonoro. Em qualquer idioma, o nome é adequadíssimo. Sem nenhum favor, as prisões realizadas ontem e suas consequências são o assunto mais importante do país hoje.
Foi um grande ataque ao crime organizado, envolvendo exploração de jogo, corrupção, tráfico de influência, receptação e formação de quadrilha. Parece enredo de filme.
Com o jornal na mão, eu senti orgulho da democracia brasileira. Aqui, todos sempre tiveram direito à bandalheira. Agora, todos têm direito à prisão e à execração pública. Uma apoteose! Todo brasileiro devia vestir verde e amarelo hoje e sair às ruas, de peito estufado. Ainda mais porque foi combatida a grande chaga nacional: a corrupção.
Sinta a envergadura das mais novas celebridades nacionais no ramo da criminalidade:

JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM, desembargador federal, vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região até a última quarta-feira e interessado em presidir aquela corte. Recentemente, denunciou uma escuta telefônica em seu gabinete. Delineou-se um escândalo. Agora se sabe que a escuta havia sido autorizada pela Justiça. Carreira Alvim é um dos grandes juristas brasileiros, especializado em processo civil. Seus livros são famosos, tanto que ontem alguns alunos estavam alvoroçados com a notícia, contando para todo mundo que passasse pelo corredor. Em sua atuação acadêmica, Carreira Alvim tem bolsistas e orientandos. Como ficam essas pessoas agora? Daqui a uma semana, haverá um grande evento de Direito Processual em Brasília. Ele seria um dos palestrantes. Estará em Brasília, mas não creio que possa comparecer ao evento. Provavelmente, no plano dos prejuízos morais decorrentes da Hurricane, é o maior de todos os prejudicados.

JOSÉ RICARDO DE SIQUEIRA REGUEIRA, desembargador federal, também do TRF 2ª Região. Em viagem à Espanha, ainda não estava preso, mas supõe-se que seja uma questão de horas.

ERNESTO DA LUZ PINTO DÓRIA, juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

JOÃO SÉRGIO LEAL PEREIRA, procurador regional da República no Rio de Janeiro.

CARLOS PEREIRA, delegado da Polícia Federal em Niteroi — RJ. A Federal é considerada a instituição policial mais séria do país.

SUSIE PINHEIRO DIAS DE MATTOS, também delegada federal e que, por ironia, estava no exercício da Corregedoria-Geral da Associação Nacional do Petróleo — ANP.

LUIZ PAULO DIAS DE MATTOS, delegado federal aposentado.

VIRGÍLIO DE OLIVEIRA MEDINA, advogado e irmão de PAULO MEDINA, nada mais, nada menos que Ministro do Superior Tribunal de Justiça e agora também foco de investigações, por conta de uma possível negociação em torno de uma decisão judicial.
No grupo de 23 presos, há outros advogados, empresários e bicheiros cariocas, aos quais a imprensa tem dado o mesmo destaque. Mas bicheiros são tradicionalmente associados à marginalidade. De onde mesmo vem o seu dinheiro? O que realmente impressiona é a prisão de pessoas tidas por insuspeitas e que são realmente influentes e poderosas.
Quando é que um vento-ventania desses vai passar por outras plagas neste imenso Brasil varonil?

Programa do Dia dos Namorados

Que tal passar a noite de 12 de junho fazendo uma prova lascada na faculdade? Pois foi o que aconteceu no ano passado com uma de minhas turmas favoritas — e, por sinal, a prova era minha.
Esta semana eu aplicava a primeira avaliação para a mesma turma, com a qual estou há quatro semestres consecutivos. Nossa relação já durou mais do que muitos casamentos. Como são pessoas adoráveis, o nível de companheirismo é bastante alto e, durante a prova, alguns deles se distraíam conversando. Comigo. Foi por isso que veio à tona a lembrança daquela noite — exemplo típico das experiências que eles, daqui a muitos anos, se lembrarão rindo, satisfeitos por terem participado disso.
Teve a aluna com expressão arrasada no rosto, pensando no marido que a aguardava para um jantar a dois.
Teve outra cujo namorado apareceu mais cedo para ir buscá-la e, tendo que fazer uma horinha para esperar, acabou fazendo hora num bar. Quando ela chegou ao restaurante, às 23h30, ele já estava alegrinho.
E teve o rapaz cuja namorada telefonava a cada dez minutos e não acreditava que ele estava fazendo prova todo aquele tempo. O pobrezinho atendia, despachava a moça e me olhava pedindo desculpas, com um ar sofrido...
Mas eu também perdi meu jantar de namorados com minha esposa, então empatamos. Seja como for, a lembrança agora já é divertida. Infelizmente, não poderei repetir com eles este ano. Mas posso com outra turma. Portanto...

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Sexta-feira 13

Bem vindos à primeira sexta-feira 13 do ano. Só haverá outra, em julho. Metáfora do azar, para uns, e da sorte, para outros, não passa mesmo de um dia comum — exceto para quem se deixe influenciar pelos próprios mitos e viva um dia de azar ou sorte, porque assim entendeu que fosse. Mas hoje à noite passarei prova para uma de minhas turmas e isso, talvez para alguns, seja motivo mais do que suficiente para ter medo, muito medo (slogan do filme A mosca, versão de David Cronenberg, 1986).
Por falar em filme e em medo, aqui vai uma listinha de filmes de terror ou suspense que valem a pena. Por favor, não me critiquem. Não entendo nada de cinema; eu apenas gosto ou não gosto. Vai aí o que gosto, na ordem em que me lembrei:
1. O exorcista (versão do diretor) — um ícone; não dá para não citar.
2. Carrie, a estranha — fantástica concepção de Brian de Palma para o livro que tornou Stephen King um homem respeitado e rico. Destaque para a cena da morte da mãe megera.
3. O exorcismo de Emily Rose — na verdade, um filme de tribunal versando sobre fé. Por que coloquei nesta lista?
4. O silêncio dos inocentes — outra figurinha carimbada. O que é Hannibal Lecter, meu Deus?! Aquele sibilar de serpente entrou para a História.
5. Alien, o oitavo passageiro — o tête a tête da protagonista com o monstro é inesquecível.
6. A bruxa de Blair — somente o original, por favor. Terror psicológico muito bem criado, mas só para quem entendeu a proposta.
7. Hellraiser — magnífica criação da mente doentia de Clive Barker, infelizmente com continuações fracas ou ruins. Maravilhosos cenobitas (sou fã do Pinehead) e configurações de lamentos. A proposta da simbiose entre prazer e sofrimento que caracteriza o inferno é genial. E você tem que querer.
8. Entrevista com o vampiro — 200 anos suavemente contados em duas horas de projeção. Neil Jordan não nos deixa sentir o tempo passar. I want more!
9. Cabo do medo (versão de Martin Scorsese, 1991) — Robert de Niro marombado, tatuado e assustador. E eu sou advogado...
10. Seven — final surpreendente, a revelar um roteiro inteligente. Só me revolta a insistência das pessoas em compará-lo aos gratuitamente sanguinolentos Jogos mortais.

Na Wikipedia, pode-se encontrar uma lista de filmes por gênero — exígua, mas bacana. É só complementar com seus próprios prediletos.

É proibido proibir

Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab proibiu os feirantes de atrair clientela no grito.
O Conselho Nacional de Justiça proibiu todos os tribunais brasileiros de identificar suas sedes ou setores (auditórios, salas, prenários, etc.) com nomes de pessoas vivas.
O presidente da Câmara dos Deputados proibiu o uso, em plenário, de indumentária que não seja terno e gravata ou o equivalente feminino.
Olhando assim, ficamos com a impressão de que não há coisa mais importante a fazer na prefeitura de São Paulo, no CNJ e na Câmara. Um olhar mais atento, contudo, mostrará que tais medidas têm lá a sua razão de ser, ainda que nem todas sejam corretas.
Considero correta a proibição de berros nas feiras. Trata-se de conforto ambiental.
Também aprovo a vedação de nomes de pessoas vivas para qualquer coisa. Evitam-se, assim, abusos próprios de gente medíocre e mau caráter, prática corriqueira aqui na terrinha. Basta ver que o odioso "Almir Gabriel" designa estádio de esportes em Ananindeua, paço municipal em Marituba e até uma favela, que tinha mais dignidade quando se chamava "Che Guevara". Nos últimos minutos do governo de Simão Jatene, algum beócio botou uma placa com seu nome na Escola de Governo. Isso sem falar na Jaderlândia...
Já quanto aos trajes no Congresso Nacional, penso que há um pouco de exagero. Eu prefiro um político honesto em trajes assim-assim a um Clodovil, por exemplo. Desde que a roupa não seja ofensiva, despudorada e anti-higiênica, qual o problema do chapéu de couro ou da bombacha (exemplos mostrados pela imprensa)? Pode até ser feio (a bombacha era bem elegante), mas feio é um juízo de valor, que varia de pessoa a pessoa. E não influencia em nada a qualidade do parlamentar. Além disso, são características regionais que podem ajudar a conferir uma identidade ao congressista. Se ele acha importante identificar-se com um chapéu de sertanejo, sinaliza que tipo de interesses pretende defender ali. Por mim, o chapéu fica. E as bombachas. E os cocares. Deputados cariocas, nada de trajes de banho.
Além do mais, essas frescuras fashion tendem a mudar com o tempo. Anos atrás, o ex-deputado, ex-petista e ex-paraense Babá incomodou com sua vasta cabeleira. Lembro-me de ver reportagem em que se suscitava quebra de decoro parlamentar. Quebra de decoro por causa do comprimento dos cabelos!! Mas nada aconteceu e, com os anos, ninguém se incomodava mais. E a Heloísa Helena fez sucesso com seus jeans e blusa branca! Mal vestida, era sem dúvida uma das melhores integrantes de todo o Senado.
Deixem os estilosos em paz. Lembrem que falta de personalidade pode explicar muitos dos desatinos que essa turma comete.

Novidades na legislação penal

O "pacote de segurança" anda. Quem pensou que o assunto estava esquecido, equivocou-se. O Congresso Nacional está produzindo novas leis e o presidente da República, sancionando. As medidas mais recentes não são ruins, graças a Deus.
Acabou de entrar em vigor a Lei n. 11.466, de 28.3.2007 (vigência na data da publicação — Diário Oficial da União de 29.3.2007 — edição extraordinária da qual também constou a Lei n. 11.464, sobre a qual fiz a postagem).
Segundo essa nova lei, o condenado a pena privativa de liberdade que "tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo" comete falta grave (acréscimo de inciso VI ao art. 50 da Lei n. 7.210, de 1984 — Lei de Execução Penal) e se sujeita às punições disciplinares, inclusive a transferência para o regime disciplinar diferenciado, o famigerado RDD. É uma medida anunciada há tempos, para atingir os muito bem organizados presos brasileiros, que utilizam celulares para se comunicar entre si (o que lhes permite deliberar ações criminosas dentro e fora dos presídios) e com o mundo exterior (o que lhes assegurar permanecer no comando do crime organizado). Se a iniciativa der certo, o crime da última estação — extorsão por meio de falso sequestro — tende a desaparecer ou, ao menos, reduzir drasticamente.
A lei também cria uma nova modalidade para o delito de prevaricação: "Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.”
Com isso, tenta-se conter a corrupção do pessoal penitenciário, que é uma das grandes explicações para que os presos tenham acesso tão fácil a celulares e outros artigos proibidos.
Boas ideias. Tomara que deem certo.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Lançamento de livro


Na próxima quinta-feira, 19 de abril, a Editora do CESUPA promoverá o lançamento da obra Estudos sobre Teoria Geral do Direito, organizado pelo Prof. Msc. Sandro Alex de Souza Simões, nosso colega na instituição. Trata-se de uma obra coletiva e eu estou entre os articulistas, com um ensaio sobre a importância de estudar as ciências forenses, tomando como referência atrativa os assassinos seriais. Mas os outros articulistas são excelentes, inclusive colaboradores estrangeiros, da Alemanha e da Itália.
Acima você vê o convite, que fica então carinhosamente feito aos amigos.

Portugal descriminaliza o abortamento voluntário

Há dois dias, o presidente português sancionou a lei que descriminaliza o abortamento voluntário nas 10 primeiras semanas de gestação.
Tema polêmico, a descriminalização ocorrida em terras patrícias derivou de uma boa engenharia social. Para começar, no dia 11 de fevereiro foi realizado um plebiscito sobre o tema, quando 59,25% dos votantes se mostraram favoráveis à medida. Foi em atenção a esse número que o presidente Aníbal Cavaco Silva, que é conservador, preferiu sancionar a lei, mesmo não sendo obrigado a acatar a decisão popular, na medida em que a abstenção à consulta superou a metade do eleitorado. Não perdeu a oportunidade, entretanto, de fazer algumas recomendações que, a meu ver, são muito justas e mesmo necessárias. Saiba mais.
Desaparecem, assim, as sanções de até 3 anos de prisão para a gestante que aborte ilegalmente, e de 2 a 8 anos para o médico que realizar a operação. A lei agora revogada, que é de 1984, permite o abortamento nas primeiras 12 semanas, em caso de estupro ou de risco de morte ou à saúde da gestante — portanto, bastante parecida com o Código Penal brasileiro.
Atualmente, há propostas de descriminalização do abortamento em nosso Congresso Nacional, mas por aqui a aprovação de algo assim não seria em nada facilitado pelas diferentes nomenclaturas religiosas. Nessa empreitada, católicos, evangélicos e até espíritas — estes últimos normalmente de fora de movimentações políticas — têm-se dado as mãos em torno de uma causa comum.
Uma proposta nesse sentido provavelmente provocaria conflitos públicos, com direito a derramamento de sangue. E há quem afirme que seria inconstitucional, já que afetaria o direito à vida, tão sagrado que constitui cláusula pétrea da Constituição de 1988, não podendo sequer ser objeto de emenda.
A Constituição da República Portuguesa é de 1976 e sofreu sua última revisão em 2005. Ao dispor sobre direitos, liberdades e garantias pessoais, prevê, em seu art. 24º, que "a vida humana é inviolável" e que "em caso algum haverá pena de morte". Como se vê, adota uma fórmula genérica, como a Carta Magna brasileira, permitindo uma miríade de interpretações conflitantes. Lá, contudo, isso não impediu que o abortamento voluntário se tornasse lícito, dentro de certas condições.
Aqui, o debate jurídico promete. E o debate não-jurídico assusta.

Instinto de Robin Hood

Pesquisadores dos Estados Unidos e da Alemanha realizaram um criterioso experimento social e, ao fim dele, afirmaram que as pessoas, aparentemente, possuem uma tendência a tirar dos ricos e dar aos pobres, ainda que tal conduta possa lhes representar um custo considerável. Ou seja, dentro de cada um de nós vive um Robin Hood, movido por um senso de igualdade.
Considero a pesquisa séria e relevante, com base na reportagem que, por sinal, está bem detalhada. No entanto, aqui dentro do meu coração, não consigo assimilar com facilidade a conclusão a que chegaram os estudiosos. Se é verdadeira ou não, tenho resistência para aceitá-la. E não porque deseje reforçar os famosos clichês de que os políticos roubam, de que as pessoas são más ou maliciosas, que querem se dar bem a todo custo, etc. É que vemos cotidianamente tanta maldade no mundo, tantas barbaridades gratuitas ou causadas por motivos tão incompreensivelmente egoísticos, que me parece suspeito que as pessoas tenham mesmo essa propensão ao bem.
Nem o bom selvagem de Rousseau, nem o homo homini lupus de Hobbes. Acredito que o nosso mundo é composto por pessoas essencialmente boas (a minoria), pessoas essencialmente más e pessoas que, maniqueísmos à parte, são mais levadas por conjunturas, por imediatismos, por sentimentos impulsivos, do que verdadeiramente por valores sedimentados em sua personalidade (a grande maioria). A maioria dos habitantes da Terra se assemelha às ondas do mar, que vêm e vão, sendo capazes de ações extremamente boas e altruístas quando de ações perversas e injustificáveis — a depender de suas conveniências e motivações. Por isso é tão importante cultivar bons valores e sentimentos, a fim de que essa maior parcela da humanidade, flexível em sua conduta, seja inspirada a uma postura mais generosa com o semelhante.

Melhorar a execução criminal

Juízes, Procuradores da República e representantes da OAB e da Pastoral Carcerária pediram ao Conselho Nacional de Justiça que intermediasse e este, acatando o pleito, enviou recomendação ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, a fim de que inicie estudos técnicos para melhorar a infraestrutura da execução penal no Estado, com atenção especial ao oeste — as condições precárias do Centro de Recuperação Agrícola Silvio Hall de Moura, que afeta a própria noção de dignidade humana, foi o motivo determinante do pedido.
Atualmente, o Pará possui apenas uma vara especializada em execução penal, que é a 8ª Vara Penal de Belém. Ela gerencia a execução das penas superiores a 6 anos de privação de liberdade em todo o território paraense. Para penas até 6 anos, são os juízes das próprias comarcas que desempenham as funções executivas. E ainda há o caso dos presos que ainda não têm sentença condenatória transitada em julgado, mas que já têm direito a certas prerrogativas típicas da execução. Nesse caso, competente é o juiz presidente da ação penal a que responde o réu.
Evidentemente, a situação está longe do satisfatório. Já tive a oportunidade de entrevistar a Desa. Maria de Nazaré Gouveia, na época em que era titular da 8ª Vara Penal, assim como uma assistente social ali lotada, e elas me deram alguma ideia da conjuntura no Estado.
Os índices de criminalidade aumentaram, a violência aumentou e a bomba relógio das prisões nunca dá trégua. Se não há vagas, é porque não há vagas. Se elas surgem, é mais um estabelecimento para administrar. Ou seja, num campo em que o que funciona funcional mal, toda ajuda é benfazeja.
Já é hora de se pensar, quem sabe, numa regionalização da execução penal, que tivesse uma vara específica em Santarém e outra em Marabá, no mínimo. Isso contribuiria e muito não apenas para uma melhor fiscalização do cotidiano do cárcere, mas principalmente para maior agilidade dos processos, de modo que quem pode progredir, progrida logo; quem merece liberdade condicional, saia logo; e, acima de tudo, que ninguém fique preso um minuto além de sua pena.