terça-feira, 10 de abril de 2007

Mitigando a hediondez

Quem me conhece, sabe de minha aversão à Lei de Crimes Hediondos, daí que recebi com satisfação a Lei n. 11.464, de 28.3.2007, que entrou em vigor no dia seguinte, data de sua publicação. Desta vez, a imprensa não fez alarde, para tentar mobilizar a opinião pública contra juristas e parlamentares. Ignoro o motivo. Aliás, ignoro como a lei passou, nesses tempos em que se fala num "efeito João Hélio", como se fosse uma corrente teórica solidamente construída no plano intelectual.
O novo diploma provoca as seguintes alterações na redação da Lei de Crimes Hediondos:
  • No art. 2º, II, foi suprimida a expressão "e liberdade provisória", deixando claro que o acusado de delitos dessa natureza não tem direito a anistia, graça, indulto e fiança, mas pode obter liberdade provisória. Antes, o simples fato de o delito ser hediondo obstava a concessão da liberdade e os juízes se regalavam nisso, mantendo pessoas presas sem a necessidade de fundamentação específica. Essa norma já fora mitigada pelos Tribunais Superiores, que passaram a entender que a vedação só se aplicava a prisões em flagrante (nas quais, supostamente, tem-se maior certeza da culpa do acusado), não se estendendo a preventivas.
  • No § 1º do mesmo artigo, o regime fechado integral voltou a ser apenas inicial, assegurando a progressão de regime. Aqui, apenas se adequou a lei a uma situação já resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, que declarara a inconstitucionalidade da vedação.
  • Para essa progressão, todavia, os prazos foram ampliados para dois quintos da pena, em se tratando de réu primário, e três quintos, se reincidente. Antes, o prazo era igual para qualquer delito e fixo em um sexto da pena (art. 110 da Lei de Execução Penal).
Muita gente reclamará das mudanças, exceto da última, claro, que é a única prejudicial aos acusados. Todavia, são boas mudanças. Que se aumentem os prazos de progressão ou liberdade condicional dos acusados desses crimes, tudo bem, pode-se aceitar. Afinal, nas duas hipóteses ele já estará definitivamente condenado (de regra, já que a progressão pode ocorrer mesmo antes do trânsito em julgado da condenação). O que não se pode tolerar são as medidas de força, irracionais, que violam os princípios da individualização e da isonomia. O acusado de crime hediondo também é presumido inocente antes de ser condenado por sentença definitiva e, mesmo assim, não dispunha de uma série de direitos assegurados aos demais. Naturalmente, uma discriminação inaceitável no que se declara um sistema jurídico.
Agiu bem o legislador brasileiro. Caso raríssimo. Agora deixemos o tempo mostrar as conseqüências dessa inovação legislativa.

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