sábado, 14 de abril de 2007

Furacão!

A mais nova operação estrepitosa da Polícia Federal se chama Hurricane, não se justificando o nome em inglês, quando "furacão" é também muito sonoro. Em qualquer idioma, o nome é adequadíssimo. Sem nenhum favor, as prisões realizadas ontem e suas consequências são o assunto mais importante do país hoje.
Foi um grande ataque ao crime organizado, envolvendo exploração de jogo, corrupção, tráfico de influência, receptação e formação de quadrilha. Parece enredo de filme.
Com o jornal na mão, eu senti orgulho da democracia brasileira. Aqui, todos sempre tiveram direito à bandalheira. Agora, todos têm direito à prisão e à execração pública. Uma apoteose! Todo brasileiro devia vestir verde e amarelo hoje e sair às ruas, de peito estufado. Ainda mais porque foi combatida a grande chaga nacional: a corrupção.
Sinta a envergadura das mais novas celebridades nacionais no ramo da criminalidade:

JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM, desembargador federal, vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região até a última quarta-feira e interessado em presidir aquela corte. Recentemente, denunciou uma escuta telefônica em seu gabinete. Delineou-se um escândalo. Agora se sabe que a escuta havia sido autorizada pela Justiça. Carreira Alvim é um dos grandes juristas brasileiros, especializado em processo civil. Seus livros são famosos, tanto que ontem alguns alunos estavam alvoroçados com a notícia, contando para todo mundo que passasse pelo corredor. Em sua atuação acadêmica, Carreira Alvim tem bolsistas e orientandos. Como ficam essas pessoas agora? Daqui a uma semana, haverá um grande evento de Direito Processual em Brasília. Ele seria um dos palestrantes. Estará em Brasília, mas não creio que possa comparecer ao evento. Provavelmente, no plano dos prejuízos morais decorrentes da Hurricane, é o maior de todos os prejudicados.

JOSÉ RICARDO DE SIQUEIRA REGUEIRA, desembargador federal, também do TRF 2ª Região. Em viagem à Espanha, ainda não estava preso, mas supõe-se que seja uma questão de horas.

ERNESTO DA LUZ PINTO DÓRIA, juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

JOÃO SÉRGIO LEAL PEREIRA, procurador regional da República no Rio de Janeiro.

CARLOS PEREIRA, delegado da Polícia Federal em Niteroi — RJ. A Federal é considerada a instituição policial mais séria do país.

SUSIE PINHEIRO DIAS DE MATTOS, também delegada federal e que, por ironia, estava no exercício da Corregedoria-Geral da Associação Nacional do Petróleo — ANP.

LUIZ PAULO DIAS DE MATTOS, delegado federal aposentado.

VIRGÍLIO DE OLIVEIRA MEDINA, advogado e irmão de PAULO MEDINA, nada mais, nada menos que Ministro do Superior Tribunal de Justiça e agora também foco de investigações, por conta de uma possível negociação em torno de uma decisão judicial.
No grupo de 23 presos, há outros advogados, empresários e bicheiros cariocas, aos quais a imprensa tem dado o mesmo destaque. Mas bicheiros são tradicionalmente associados à marginalidade. De onde mesmo vem o seu dinheiro? O que realmente impressiona é a prisão de pessoas tidas por insuspeitas e que são realmente influentes e poderosas.
Quando é que um vento-ventania desses vai passar por outras plagas neste imenso Brasil varonil?

9 comentários:

Anônimo disse...

Yudici, não vejo motivo para vestir verde amarelo. Quantas pessoas importantes já estiveram nesta mesma situação destes 25, e me pergunto, quantos realmente foram punidos pelos seus atos.
Sei que és advogado e procuras sempre defeder os teus colegas, acho ético, porém a população não acredita mais na justiça, dos nossos grandes magistrados.
A justiça de cega não tem nada e aquela balancinha nivelada, a quanto tempo não à vemos assim.

Yúdice Andrade disse...

Caro anônimo, você não me conhece. Se conhecesse ao menos de longe, perceberia o erro nas palavras que me dirigiu.
1º) Ao falar em vestir verde e amaralo e ir às ruas, isso não deveria ser levado ao pé da letra. Eu não vesti essas cores ontem ou hoje, nem para manifestação silenciosa. E não é porque, mais à frente, tudo pode acabar em pizza, mas tão somente porque não sou desses arroubos. Não acredito em caras-pintadas e, embora apóie as organizações da sociedade em torno de bons objetivos, rio quando alguém diz que foram os estudantes que derrubaram Collor. Enfim, apenas fiquei feliz de ver os poderes públicos de meu país fazendo o que deveriam fazer sempre. Isso provoca um orgulho cívico. Orgulho, contudo, que se esvairá se sobrevier a pizza. Não sou ingênuo: não estou convencido de que serão punidos.
2º) Como assim "Sei que és advogado e procuras sempre defeder os teus colegas"? Sabes, como? Estás ao meu lado diariamente? Alguém te contou? Se contou, diz ao besta que preste mais atenção aos meus atos. Sou contra protecionismos de classe, em qualquer classe. Outro dia, matei meus alunos de rir ao dizer que fiz Direito para nunca precisar de advogados, pois não se pode confiar neles. Já critiquei a OAB, sua atuação, suas eleições, a horrorosa condução do exame de Ordem e seu atrelamento político, inclusive aqui no blog. E repudio a atuação de certos advogados, que defendem não apenas a causa, mas os ideais de seus clientes, por dinheiro. Acho repulsivo quem mente, distorce os fatos, humilha a parte adversa para vencer a todo custo. Eu nunca chamaria uma vítima de vagabunda para defender um estuprador. Nem deixaria crianças sem pensão alimentícia para agradar a um pai cafajeste. Tenho tais posturas em minha vida, em minhas aulas e em algumas palestras que proferi. Difícil concluir daí que eu seja bairrista com a profissão.
3º) Defender a classe em qualquer situação não é ético, não. Muito pelo contrário.
4º) A população não acredita mais nos magistrados? Saiba que eu acredito menos ainda, porque vivo no meio deles. Descreio e com conhecimento de causa. Isso parece uma defesa para você?
5º? Sim, a justiça não écega. É por isso que me dou o direito de comemorar quando um pouco de justiça ocorre neste país, mesmo que ela dure apenas um dia. Um dia de festa é melhor do que nada.

Anônimo disse...

Caro Yúdice, é com satisfação cívica sim, que eu vejo uma operação policial bonita dessas.Quando no Brasil, um desembargador federal foi algemado? Quando, tantos poderosos caíram de uma só vez? O anônimo da primeira postagem, talvez, como muitos brasileiros, esteja completamente descrente das instituições públicas. E com toda a razão. Mesmo nessa operação Hurricane, se os que foram presos forem soltos, não quer dizer que vai terminar em pizza. O instituto da liberdade provisória deve ser concedido, se o acusado preencher os requisitos legais. E é o que vai acontecer.Depois, da conclusão do IPL, virá o processo penal, própriamente dito.Agora, o que me revolta é ver o tipo de punição administrativa dos membros da magistratura: aponsentoria compulsória, com proventos proporcionais ao tempo de serviço. Isso não é punição. É prêmio. Deveriam ser defenestrados, sem direito a nenhum centavo do dinheiro público. Mas, o linchamento pela mídia já é um bom começo. Queria que um furacão desse passasse pelo Pará, seria tão bom...

Anônimo disse...

Yúdice, não tenho mais a ingenuidade da infância, já vi o suficiente para não acreditar da teoria do bom selvagem e já vivi e li um pouquinho para conhecer algo da natureza humana, mas ainda não superei o estarrecimento da prisão do Carreira Alvim - por ele e por tudo o que sua família representa para o Direito brasileiro. Parece uma obra de sórdida ficção. Não consigo imaginar um sujeito de seu quilate intelectual, importância e autoridade acadêmicas promiscuamente envolvido com gente como Aniz Abrahão David, "capitão" Gonçalves e comparsas.
Talvez você compreenda minha perplexidade, por saber da importância deste sujeito para o processo civil.
Já fui um entusiasta, um aficcionado pela processualística. Já achei que realmente se tratava de ciência e dei, durante um bom tempo da minha vida profissional, importância desmesurada ao que hoje considero simples técnica (meus amigos Henrique Mouta e Gisele Góes vão ter um ataque!), mas mesmo desapaixonado, nunca pude deixar de ter admiração intelectual pela produção dos Carreira Alvim - fosse este que agora foi preso, fosse o velho patriarca, a mãe Tereza, a Tereza A. A. Wambier, o genro.
Agora, que o tal nacional manchou o nome da família, faço minhas as palavras ditas pelo CJK no seu blog: como citá-lo sem constrangimentos?
O fato me lembra, guardadas as devidas proporções, a história contada por Robert Redford no filme "Quiz Show". Espero, somente, que os familiares do Carreira Alvim preso tenham a altivez do velho Van Doren.

Yúdice Andrade disse...

Sábias palavras, Márcio e Francisco. Para mim, como professor, mesmo não atuando na área do processo civil, a situação é constrangedora. Não me imagino citando o autor em qualquer petição ou artigo. Isso é uma lástima, porque desperdiça um trabalho de valor realizado após muitos anos de estudo.

Anônimo disse...

Por si só a ação é bastante louvável, e demonstra a consolidação dos novos tempos de PF.

Mais louvável ainda o será se decorrer em responsabilizações dentro de uma prática republicana (que segundo o ex-ministro Marcio Bastos, significa, nem perseguir, nem proteger).

Renan Baptista - Rio de Janeiro
renan.baptista@gmail.com

Anônimo disse...

. Prezado Yúdice Rando
Por um mero acaso me deparei hoje com seu blog e pude ler todos os comentários sobre a Operação Furacão. Quase um ano se passou e contra o estrago provocado pela mídia não há mais nada o que fazer. Nem em sonho você pode imaginar o que sofremos e ainda estamos sofrendo. É uma chaga que não vai cicatrizar nunca dentro dos nossos corações. A mídia não atinge somente os ignorantes como afirmou Lula ao declarar que “coitado daquele que acreditar na mídia”. É praticamente impossível esperar que as pessoas confiem que toda uma trajetória de vida pautada na dignidade, valores esses tão escassos na raça humana, e um nome honrado seja o suficiente para colocar em dúvida a veracidade dos fatos e a tal operação deflagrada pela Polícia Federal. Quem conhece o Carreira Alvim ou pelo menos acompanhou a sua carreira não consegue acreditar que ele jogaria por terra tudo o que conquistou com tanta luta para se jogar numa aventura estúpida como a que lhe foi atribuída pela Polícia Federal. Eu sinceramente, como irmã e admiradora do seu caráter, preferia que ele fosse realmente culpado. A decepção seria grande, mas não haveria tanta indignação e nem tanta dor. Sei que você vai dizer que todos os corruptos se dizem inocentes e muitos se julgam acima de qualquer suspeita.
Mas eu te pergunto: Por que tanta credibilidade na Polícia Federal? Por que ela sim estaria acima de qualquer suspeita? Onde estão as toneladas de provas da corrupção que foram recolhidas na casa e no gabinete do Carreira Alvim pela Polícia Federal? Por que o Procurador afirmou em entrevista que a Operação Furacão foi deflagrada antecipadamente porque “eles quiseram que fosse antes da eleição para presidente do TRF/RJ” e que se houvesse provas, estas estariam perdidas com a antecipação da operação? Quem são essas pessoas que estariam interessadas em ver o nome do Carreira Alvim na lama e massacrado pela mídia antes da eleição para Presidente do TRF/RJ? Que fim deram aos dossiês que ele apresentou à imprensa e que foram apreendidos pela Polícia Federal e declarados por ela como possível ferramenta de chantagem para que ele se elegesse presidente? E qual o motivo dos dossiês para chantagens se o cargo de presidente teria que ter sido passado à Carreira Alvim automaticamente, por direito, e não por uma eleição de última hora, armada e fajuta e que nem deveria nem ter acontecido? Mesmo que ele tivesse uma bola de cristal e pudesse prever que as regras para Presidente do TRF/RJ seriam mudadas a poucas semanas da posse, quanto tempo seria preciso para que ele pudesse montar todos aqueles dossiês? Por que a Polícia Federal não esclarece qual o autor da terceira escuta telefônica encontrada no Gabinete do Vice-Presidente e que ela afirma não ser de sua autoria?
São muitas perguntas sem respostas que não interessa a nenhuma mídia desvendar, mas que foi capaz de colocar no ar uma aberração desproporcional e criminosa como a fita divulgada pela Globo, cuja montagem até um amador faria melhor e menos esdrúxula.
É uma pena você não conhecer o Carreira Alvim. Realmente você teria conhecido um grande homem e um grande juiz. O único que teve a coragem de dizer que: “ A justiça não é o direito e o direito não é a lei. E Digo, sempre, que a Lei contém o direito que se transforma em justiça quando passa pela alma do juiz”. JE Carreira Alvim. E é também uma pena que você não conheça a saga dessa grande família como citou gentilmente o Francisco Rocha Júnior. E é uma pena que o espaço seja tão pequeno para dizer tudo o que seria preciso e que nem tudo que parece ser realmente é verdadeiro. No meu blog tem uma entrevista do Carreira Alvim ao Jornal do FND, da qual ele é professor. Nesse artigo você conhecerá um pouquinho da alma de um verdadeiro Juiz que só teme não ser digno da própria consciência. Não deixe de ler também “ Batalha de Togas” do Boletim Jurídico e “Medo no Supremo” da Revista Veja, especificamente o depoimento do perito Ricardo Molina sobre a gravação divulgada pela Globo.
http://alvimartiaga.spaces.live.com/
Maria Tereza Carreira Alvim Artiaga
Em tempo, eu sou tão indignada com a justiça quanto você e esse foi o motivo de ter abandonado o direito, 5 anos antes da Operação Furacão.

Yúdice Andrade disse...

Prezada Sra. Maria Tereza
1. Em primeiro lugar, preciso esclarecer que conheço seu irmão como expoente do Direito Processual Civil, tendo recorrido a seus ensinamentos em mais de uma situação. Quando surgiu o escândalo, fiquei estupefato, menos por ele ser um magistrado e mais por ser um estudioso, um homem dedicado à educação, condição que me desperta grandes simpatias. Não sou dado a me aprofundar sobre a vida pessoal dos meus referenciais de estudo (talvez seja uma falha minha), mas até então jamais tivera conhecimento de algo que desabonasse o seu irmão.
2. Diante de sua justa irresignação, sinto que lhe devo um mea culpa. Ele consiste em reconhecer que, ao louvar a atuação da Polícia Federal, deixei de pensar no joio e no trigo, listando os nomes dos acusados sem tecer maiores considerações. Reconheço, agora, ainda que tardiamente, que o texto passa a impressão de pré-julgamento, como se eu desse por culpadas e calhordas todas as pessoas citadas ali. É o que a imprensa faz todo dia, certo? Natural que se conclua ter sido essa a minha posição e, não tendo eu sido mais claro, assumo o ônus de minha omissão. E daí lamento ter-lhe causado mais angústias, além das que já se avolumam.
3. Espero que sirva dizer que não é de minha praxe fazer pré-julgamentos, como profissional do Direito que sou e, especialmente, como professor, para não estimular meus alunos a agir com o açodamento que se vê nas ruas.
4. Asseguro-lhe que muita alegria me daria que a inocência de Carreira Alvim fosse demonstrada de uma vez por todas, como também anseia a sua família. No entanto, a afirmação que fiz de que causa constrangimento citar, em trabalhos oficiais, nomes de pessoas acusadas gravemente, como também é o caso do Ministro Paulo Medina, existe. São aqueles pruridos sociais que não se evita no foro ou mesmo em sala de aula. Lamento, mas é um sentimento espontâneo, que espero perca a razão de ser o quanto antes.
5. Minha postagem não deixou clara a minha reação intenção: comemorar as instituições brasileiras funcionando, pois nossa história tem sido de omissão e proteção aos poderosos culpados. Convenhamos, pensar que os tradicionalmente acima da lei, do bem e do mal possam, enfim, ser alcançados, é um alento para qualquer cidadão. Isso não significa, contudo, que haja excessos e acusações infundadas.
6. De modo algum considero irrepreensível a atuação da PF. Penso que ela exagera com freqüência, p. ex. no uso de algemas sem que o preso tenha oferecido resistência. As explicações que dão não me convencem. Lamento que meu entusiasmo não tenha deixado claro o que, de fato, eu estava comemorando.
7. Se for de sua vontade, de bom grado publicarei em meu blog, que é apenas um exercício livre de opinião com meia dúzia de leitores, qualquer informação que a senhora me envie, dando conta do estado em que as coisas se encontram. Também farei uma postagem convidando os leitores para virem aqui, ler seu manifesto.
Sempre a sua disposição, grato pela elegância no trato, o que de modo algum me surpreende. Desejo-lhe saúde e paz.

Anônimo disse...

Prezado yúdice,
Sempre que recebemos alguma notícia sobre a "Operação Furacão" me lembro que quando as luzes dos grandes "holofotes das mídias" se apagão ainda assim restam aqueles que anseiam pela verdade.A seguir as últimas notícias:

Matéria publicada no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro de hoje:

“CARREIRA ALVIM FORA DO FURACÃO”.

Em depoimento ao presidente da CPI do Grampo, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), o perito Ricardo Molina, especialista da Unicamp em fonética forense, afirmou que a Polícia Federal, após depois de interceptar, por mais de dois anos, os telefones do desembargador federal José Eduardo Carreira Alvim, que viria a ser preso na Operação Duração, conseguiu “aproveitar” apenas dois telefonemas, que somados não chegam a um minuto de duração.
Depois de grampeada, qualquer pessoa em determinada hora vai falar alguma coisa que sirva à polícia, caso haja o interesse deliberado de comprometê-la, afirmou Molina a Itagiba.
O Perito revelou, ainda ao deputado _ que foi superintendente Regional da PF no Rio _, que o curto material interceptado em menos de um minuto de ligação foi vazado à imprensa com uma aberração: um trecho do diálogo transcrito em um telejornal da TV Globo, e atribuído a Carreira Alvim, simplesmente não existe no material da PF por ele periciado. O desembargador, como se sabe, chegou a ficar nove dias preso numa cela da Polícia Federal em Brasília”

E continua no CONSULTOR JURÍDICO:
por Claudio Julio Tognolli e Daniel Roncaglia

ESPERA NA LINHA

Grampo de dois anos rende um minuto de conversa suspeita

O desembargador José Eduardo Carreira Alvim foi grampeado pela Polícia Federal por dois anos e meio. Nesse período foram encontradas apenas duas ligações suspeitas, que não somam um minuto de conversa. A informação do perito especialista em fonética forense Ricardo Molina, da Unicamp, consta de depoimento à CPI dos Grampos na quinta-feira passada (8/5). Em seu depoimento, o perito revelou as aberrações cometidas sob o manto da legalidade pela polícia ao usar interceptações telefônicas em suas investigações.
Carreira Alvim, que é desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), foi preso na Operação Hurricane no dia 13 de abril do ano passado. Ele passou nove dias na cadeia sob a acusação de negociar decisões judiciais a favor da máfia dos bingos. A operação causou grande abalo no Judiciário ao envolver um ministro do STJ, outro desembargador do TRF-2, um juiz do trabalho e um procurador da República.
A lei das interceptações telefônicas estabelece um prazo máximo de 15 dias para o monitoramento com autorização judicial. O prazo pode ser prorrogado por igual período se houver justificativa.
“Joga-se a rede para ver se tem peixe, antes de saber se o peixe existe”, afirmou o especialista aos deputados. O caso do desembargador mostra outra irregularidade muito freqüente que é o vazamento para a imprensa de informações sigilosas obtidas nas interceptações. Com um agravante: a TV Globo divulgou uma frase incriminando o desembargador que não constava nas interceptações.
“A verdade começa a emergir, porque submersa ela esteve até agora”, afirmou Carreira Alvim ao Conjur. Ele lembrou que os processos que correm contra ele estão parados no CNJ e STF. “Nada andou em um ano, a não ser as defesas prévias que produzi. As perícias nos meus processos, eu não sei quando serão feitas, só Deus sabe. Eu estou sendo inocentado pela perícia feita no processo de outro”, diz
“É uma inversão. A interceptação telefônica é prevista na Constituição, em lei, para investigar o fato criminoso. Quando se passam dois anos e meio, passa-se a investigar o indivíduo. É um estado policial”, comentou o deputado Nelson Pelegrino (PT-BA) ao ouvir a informação do perito.
Um caso parecido ao de Carreira Alvim é do policial federal César Herman Rodriguez, preso durante a Operação Anaconda. Ele também foi grampeado durante mais de um ano e meio. “Após 18 meses e de umas 16 mil ligações minhas, apenas apareceram umas 3 mil e destas aproveitadas umas 20, de cunho pessoal”, afirma o policial.
Molina foi contratado pelo genro do desembargador, Silvério Cabral Nery Júnior, para periciar as gravações. Ele está envolvido nas investigações. No mercado, especula-se que esse serviço custe mais de R$ 30 mil.
Fala cifrada
Segundo Molina, todas as gravações feitas pela Polícia Federal desde a instalação do Guardião, equipamento eletrônico de interceptações, não podem ser consideradas originais porque são enviadas pelas operadoras. “Há um problema nisso: por economia de engenharia de comunicações, as empresas de telefonia provocam efeitos complicadores, porque a duração dos telefonemas registrados nas interceptações nunca é compatível com o tempo que vem nos registros fornecidos pelas operadoras. As operadoras cortam os espaços nas falas, por economia, e as comparações não batem, não conferem”, afirmou Molina em entrevista ao Conjur.
O medo do grampo está fazendo as pessoas a falarem no telefone de modo cifrado, segundo o perito. “Essa fala cifrada que complica a vida das pessoas. Temos assim uma inversão total de valores. Todos os escutados em interceptações são mal interpretados justamente porque falam cifrados. Isso é fruto de um estado policial, que é o estado em que vivemos”, diz.
A PF rebateu a acusação de que manipula os grampos. Segundo a assessoria de imprensa da PF, todas as conversas gravadas são enviadas na íntegra para a Justiça. A PF, no entanto, não fala mais sobre o assunto e não quis comentar as declarações do perito Ricardo Molina.
Diploma de grampo
O perito diz que encontrou irregularidades em centenas de escutas telefônicas feitas pela PF que passaram pela sua análise. Ele costuma fazer 120 pericias de escutas telefônicas por ano. Segundo o perito, em muitos casos, há gravações interrompidas, palavras cortadas e seleção de trechos de conversas a critério dos investigadores.
Molina afirma que, em outros países do mundo, essas irregularidades seriam suficientes para desqualificar as gravações como provas judiciais.
“Deveria haver lei que normatizasse isso e que obrigasse que qualquer gravação anexada a processos seja transcrita integralmente, inclusive citando eventuais interrupções que acontecem ao longo dela. Isso não tem sido feito pela Polícia Federal”, alertou. O especialista entende que esse trabalho de transcrição seja feito por peritos qualificados, ao contrário do modo que acontece.
Molina citou recomendações da Associação Internacional de Fonética Forense e Acústica que dariam maior segurança jurídica para o uso de interceptações nas investigações.
As gravações das conversa interceptadas, ensina ele, só terão fidedignidade se forem apresentadas com sua integridade preservada. Em alguns sistemas de telefonia, como o explorado pela Nextel, isso é impossível, o que invalidaria as interceptações da operadora.
Outra questão levantada é que as gravações são feitas pelas operadoras e ninguém sabe a que tipo de tratamento elas são submetidas antes de serem entregues as autoridades. “As operadoras são empresas privadas, que não têm fé pública”, diz o perito para dizer que não há impedimento jurídico para ela manipular a gravação.
Há ainda a questão da interpretação das gravações. A Associação Internacional recomenda ainda que os peritos se atenha a transcrever o que está na fita, sem tirar nem acrescentar nada. Além disso, ela recomenda também que o perito se abstenha de traçar “perfis psicológicos ou de faze assertivas quanto à sinceridade dos falantes”.
Molina falou também da falta de qualificação dos agentes que atuam nas operações de interceptação. Ele citou o testemunho de um agente da PF que disse não entender nada do assunto e que mesmo assim costumava trabalhar até 15 horas por dia fazendo transcrição de interceptações telefônicas.
Coincidência ou não, a PF encerra, nesta quinta-feira (15/5) o seu curso de Capacitação Nacional de Peritos Criminais na área de Fonética Forense. Receberão o diploma de técnico em grampos 22 peritos. Eles passaram por um treinamento de 570 horas aulas. O curso faz parte do projeto entre PF, Secretaria Nacional e estaduais de Segurança. A intenção é formar 120 peritos.
A CPI deve votar requerimento para que o perito Ricardo Molina faça a perícia dos equipamentos atualmente utilizados pela polícia nas escutas telefônicas. Há pelo menos três equipamentos de escuta em uso pelas autoridades brasileiras: o Guardião, o Sombra ou Bedin e o Vigia.