quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Suicídio de paciente é responsabilidade de hospital

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que o hospital deve responder por omissão de cuidados a paciente com tendência suicida. Essa é a conclusão de julgamento em que o Hospital Luxemburgo (Instituto João Resende Alves) foi condenado a pagar indenização por dano material e moral a uma senhora devido à morte do marido, que estava na enfermaria do terceiro andar do prédio, para realizar tratamento radioterápico contra um tumor maligno no pulmão. Fortemente deprimido, o homem chegara a comentar com a família o desejo suicidar-se, atirando-se da janela do hospital. Alertado, o médico respondeu que o quadro era normal, decorria do tratamento e que o hospital zelaria pela segurança do paciente. O suicídio se consumou em 19 dias, sem nenhuma dificuldade.
O STJ rejeitou a tese de culpa exclusiva da vítima e de responsabilidade do médico e condenou o hospital a pagar as despesas com o funeral e cem salários mínimos por dano moral. Afirma o acórdão: “Pesa sobre os hospitais a obrigação de proteger, onde o estabelecimento assume o dever de preservar o enfermo contra todo e qualquer acidente, como o suicídio, tentado ou consumado.” (...) “A dor e o sofrimento pela perda do cônjuge devem ser ressarcidas a título de dano moral”. Leia na íntegra, pois é muito interessante.

Vergonha! Vergonha! Vergonha!

Quando um indivíduo não se dá ao respeito, as pessoas que lhe são próximas acabam por sofrer as consequências do mau passo. Antigamente, se uma jovem aparecia grávida, toda a família era lançada ao opróbrio da vizinhança. Não raros foram os que se mudaram de cidade, por incapazes de erguer os olhos do chão. Como eles possuíam os mesmos parâmetros morais, interiorizavam a condição de culpados e expiavam essa culpa, muitas vezes através de castigos auto-impostos.
Naturalmente, ninguém há de sentir falta de tempos em que uma mulher era desprezada apenas por ser separada, mas eu sinto saudade dos tempos em que as pessoas consideravam importante ter vergonha na cara. Bons tempos, aqueles de minha infância, em que a mulher de César, além de parecer séria, queria ser séria!
A imprensa hoje noticia a cada vez maior batalha judicial em torno das vagas nos Tribunais de Contas do Estado e dos Municípios. Noticia, também, a resistência dos Tribunais de Justiça em cortar os supersalários de magistrados, para limitá-los ao teto. Em ambas as guerras, o campo de batalha é a Administração Pública e o objeto pretendido pelos contendores é o vil metal. Dinheiro todo mundo quer, especialmente o meu, o seu, o nosso. A coisa pública está cada vez mais relegada ao atendimento dos mais espúrios interesses pessoais. Res publica é um conceito histórico, hoje de valor meramente retórico.
As duas guerras expõem os flancos da imoralidade desbragada, da sujeira pútrida, da sanha irracional de poder, do descompromisso absoluto com o interesse público, da abdicação ostensiva à ética, do destemor à punição, do mau exemplo aos filhos (que aprendem desde cedo que o certo é trapacear e persistir na safadeza), condenando as gerações futuras à ignorância de valores.
Vivemos uma era de imoralidade. A manter-se a tendência, migraremos para uma era de amoralidade, o que pode ser muito pior, na medida em que os indivíduos passem a duvidar que, um dia, a sociedade já exigiu de seus membros educação, honestidade e respeito ao semelhante.
Os aquinhoados do poder não têm mais vergonha da censura alheia. Vergonha - o que esse monturo todo é - é justamente o que falta a essa canalha. E, privilegiados que são também quanto à instrução formal, não lhes faltam grandes argumentos para justificar suas pretensões iníquas. E uma enorme estrutura de apoio.
A célebre e sempre lembrada exortação de Ruy Barbosa — "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto" — não é coisa recente; já caminha para os cem anos.
Especulo que, se ele imaginasse que as coisas chegariam a ser como são hoje, teria descido aos mesmos pântanos morais de Santos Dumont.
Será esse o destino dos bons?

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Entrevista antes de o milagre chegar

Hora do jabá.
Meu irmão, Hudson Andrade, é ator e diretor de teatro, além de dramaturgo, já tendo recebido dois prêmios da Fundação Nacional de Arte — FUNARTE. Um deles foi pelo texto de O glorioso auto do nascimento do Cristo-Rei, que este ano será montado pela terceira vez, motivo do subtítulo — O terceiro milagre. O espetáculo teve, como uma de suas referências, as folias de reis, daí que ele deve ser montado por sete anos, cumprindo a tradição. A cada ano, novos elementos permitem a criação de um espetáculo diferente, melhorado quanto mais o grupo ganha experiência.
Longe de elogiar por ser trabalho do meu irmão, a montagem merece ser vista por uma razão mais singela: é linda, mesmo. Simples, assim.

Atualização em 3.12.2006, às 12h01:
Meu irmão será entrevistado no Sem Censura Pará desta quarta feira, 6 de dezembro, às 13h00.

AGENDA DO ESPETÁCULO
03.12.2006 - 17h30 - Estação das Docas
09.12.2006 - 20h30 - Casarão do Boneco
10.12.2006 - 17h30 - Estação das Docas
14.12.2006 - 20h30 - Escola Cordolina - Pratinha
15.12.2006 - 20h30 - CEI - Icoaraci
16.12.2006 - 20h30 - Igreja do Sagrado Coração - Pratinha
17.12.2006 - 20h30 - São José Liberto
21.12.2006 - 20h30 - Fundação Curro Velho
22.12.2006 - 20h30 - Escola de Teatro e Dança da UFPA
23.12.2006 - 20h30 - Escola de Teatro e Dança da UFPA
28.12.2006 - 20h30 - Praça do Carmo (a confirmar)
29.12.2006 - 20h30 - Casa das Onze Janelas (a confirmar)
30.12.2006 - 20h30 - Igreja de Jesus Ressuscitado - Conj. Médici I
04.01.2007 - 19h00 - IAP
05.01.2007 - 19h00 - IAP
06.01.2007 - 19h00 - IAP

Todas as apresentações têm entrada franca mas, seguindo a tradição do teatro de rua, eles correm o chapéu.
Serão vendidos programas (R$ 2,00), camisetas do espetáculo (malha de algodão fio 30, na cor preta, três modelos à escolha — Maria, Jesus ou Diabo — R$ 18,00) e bonés da Cia. de Teatro Nós Outros (R$ 10,00).

ELENCO
Cleciano Cardoso - Herodes, Gaspar, o mago, e Rachel
David Passinho - Arcanjo Gabriel
Hudson Andrade - Diabo
Lucas Alberto - Anjo-guia; Melchior, o mago
Márcio Alves - José
Rod Ferreira - Jesus; Menestrel
Thiago Modesto - Baltazar, o mago; Soldado romano
Vandiléia Foro - Maria

MÚSICOS
João Paulo - percussão
Júnior Cabrali - violão e violoncelo
Marcus Paulo - violão

TÉCNICA
Aníbal Pacha & elenco - figurino & adereços
Rod Ferreira - cartazes, programas e camisetas

Caros amigos blogueiros, por favor, divulguem este jabá em seus blogs e a todos, meu convite para prestigiar o trabalho de nossos esforçados artistas locais.

Falta muito, Papai Smurf?


Quando criança, todas as manhãs eu assistia aos desenhos dos Smurfs, aquelas criaturinhas azuis que viviam numa comunidade aparentemente autossuficiente, em harmonia com a natureza. Era uma espécie de mundo perfeito, cuja harmonia somente era prejudicada pelo vilão, o malvado bruxo Gargamel, que era tão ruim quanto tonto, de modo que suas maquinações nunca davam certo. Uma diversão inocente, para épocas mais suaves do que estas, em que desenho infantil sempre envolve uma boa dose de porrada, além de os personagens usarem trajes que valorizam seus corpos.
Os Smurfs estão entre as minhas boas lembranças de infância, ainda mais porque, na faculdade, um de nossos professores foi apelidado de Gargamel e um de nossos colegas de sala, de Cruel. O que mostra que aquele desenho povoava o imaginário dos jovens do início dos anos 90. Até hoje, quando alguma coisa demora, eu e amigos próximos ainda usamos a expressão "Falta muito, Papai Smurf?"
Agora a imprensa noticia que os Smurfs virarão uma trilogia cinematográfica, a ser lançada em 2008. Achei maravilhoso. Só consigo pensar que, um dia, sentarei meu filho no colo e veremos juntos as novas aventuras daquelas criaturinhas, que jamais soube o que eram. Duendes? Assim, um doce passado se unirá ao futuro, permitindo que eu e meu rebento tenhamos um vínculo a mais. Quando um dos dois propuser ver os Smurfs, o outro adorará o convite.
Falta muito para 2008, Papai Smurf?

Acréscimo em 9.9.2011
Somente este ano Os Smurfs chegou ao cinema. Se vai ser uma trilogia, não sei. Só sei que vi o trailer uma vez e desisti, de uma vez por todas. Não passei nem na porta do cinema. Uma lástima.

Nada como um dia após o outro

Após o sufoco do assalto sofrido (prometo parar de falar nisto; esta postagem já encaminha para o fim do tema), ontem à noite tive a oportunidade de retomar minhas atividades normais como professor, aplicando prova em duas turmas. Enquanto os meninos trabalhavam, fiquei em silêncio um tempo contemplando-os e, de repente, senti um bem estar chegando. Senti-me bem por voltar à minha vida, por não ter sequelas, por ter a oportunidade de readquirir os objetos que me foram levados, por viver cercado de pessoas queridas. Quando alunos deixavam a sala e se despediam de mim carinhosamente, tive outras demonstrações de que sou um privilegiado.
Mesmo cansado, saí da faculdade satisfeito, agradecido. Aquele monte de provas para corrigir — o pior suplício do professor — nunca me pareceu tão leve.
Lembrei-me, então, que certa vez, muitos anos atrás, em circunstâncias de que já não me recordo com clareza, usei a expressão "não há nada como um dia após o outro". Meu interlocutor me recriminou, dizendo que aquilo era comodismo, que precisávamos fazer e acontecer, que aceitar as coisas como são é um erro, etc.
Muito do que me foi dito é verdade. Não precisamos sucumbir às coisas como elas são, muito menos às que nos são impostas. Mas podemos — e até devemos — encontrar prazer nas pequenas mesmices do cotidiano, naquilo que fazemos sem nenhum propósito grandioso, nos caminhos que percorremos diariamente, nas pessoas que sempre vemos. Estou feliz hoje por me encontrar, simplesmente, no lugar em que devia estar.
Esta não é uma mensagem de auto-ajuda. Nem gosto dessas coisas. É apenas um agradecimento a Deus. Quem tiver ouvidos de ouvir, que ouça.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Conservação das florestas paraenses

A Folha Online publicou o seguinte hoje:

O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), deve anunciar na próxima segunda-feira a criação do maior mosaico de unidades de conservação do mundo.
Serão colocados sob proteção 16,5 milhões de hectares de floresta amazônica nas calhas norte e sul do rio Amazonas, um território quase do tamanho do Uruguai.
Desse total, 13,1 milhões de hectares ficam na calha norte. Somando-se as terras indígenas e outras áreas de proteção existentes, que vão até o Amapá, o mosaico consolidará a proteção de 27,2 milhões de hectares de mata - um "Tocantins".
Serão criadas três florestas estaduais (que admitem alguns usos econômicos, como extração de madeira), duas reservas biológicas, uma estação ecológica e um parque estadual. Estas últimas categorias são de proteção integral.

Conhecemos o discurso desenvolvimentista. Conhecemos a mentalidade dos exploradores dos recursos ambientais. O discurso é de desenvolver para o bem de todos, mas a verdade é uma só, que em Direito Ambiental chamados de internalização dos benefícios e externalização dos custos. Em bom português: nós ferramos o meio ambiente, ferramos as populações autóctones, ferramos o futuro, mas ganhamos dinheiro; eu e meus sócios. Por isso, a mata vira pasto, a pesca predatória dizima a capacidade de regeneração das espécies, etc. Mas isso não é coisa só de paraense ou só de brasileiro. Vejam os matogrossenses, que acabaram com suas florestas, trocadas por plantações de soja, e agora querem territórios paraenses para... plantar soja! E os americanos, que querem "preservar a Amazônia" após acabarem com suas próprias florestas?
De minha parte, parabenizo o governador pela iniciativa de preservar o patrimônio vegetal de nosso Estado. Mas gostaria de saber, realmente, qual foi a motivação. Desculpe, não acredito em Papai Noel.
O Diário do Pará também noticia o fato, naturalmente fazendo as suas críticas, mas devo dizer que tais críticas me parecem pertinentes. O PSDB faz um governo de e para empresários, por isso sempre foram recebidas com grande insatisfação as notícias acerca da criação de áreas de conservação pelo governo federal. O argumento, tendenciosíssimo, era de que isso engessaria o desenvolvimento do Estado.

Orkut finalmente monitorado

Considero uma ótima notícia essa de que a Google Inc. finalmente criou uma ferramenta que permite à Polícia Federal navegar pelas comunidades virtuais como "usuários especiais", ter acesso a dados dos internautas (inclusive IP, que é a identificação do computador utilizado) e até retirar páginas do ar.
Primeira grande colaboração da empresa com as autoridades brasileiras, a medida marca um novo capítulo dessa novela, que pode finalmente permitir a punição desses marginais cretinos, vagabundos que usam as facilidades da internet para ofender as pessoas, incorrendo em variados tipos penais, desde os crimes contra a honra, até a disseminação de ideais neonazistas, passando pela apologia de crime ou criminoso. Já não era se em tempo. Não vejo a hora de ver pilantra surpreso com um mandado judicial chegando em casa.
Com a eliminação desses sociopatas, o Orkut poderá sobreviver, retornando às suas origens, que declaradamente servem para congregar amigos. E amigos disseminam o bem.

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Pepermintus in alterum anus refrigerium est

Interessadíssimo nas informações a respeito, acabei de saber, pelo site http://www.defesanet.com.br/, o seguinte:

No Brasil, apesar dos alarmantes índices de violências que mobilizam a sociedade, a legislação parece caminhar em sentido oposto à do resto do mundo. Pelas leis brasileiras, um spray de pimenta, por exemplo, é classificado como uma arma-química, com venda restrita às Forças armadas e auxiliares. Nos Estados Unidos e na maioria dos países europeus, o mesmo spray pode ser comprado até em supermercados e lojas de conveniência e já demonstrou eficácia para a defesa pessoal, como alternativa ao uso de armas de fogo, quando aplicado durante tentativas de estupro, brigas, ações de menores infratores, agressões e ataque de animais.

Confirma-se, assim, que não posso comprar um elemento de defesa pessoal. Quer dizer, não posso comprar com nota fiscal. Se nem o spray pode, imagina o teaser, no qual também tenho interesse. Segundo a Anistia Internacional, tais elementos constituem tortura. Como diria aquele idiota do Simão, é mole, mas levanta.

Imperatriz

Para não ficar remoendo as infelicidades da vida, falemos de coisas bacanas.
Quinta-feira passada viajei para Imperatriz, onde ministrei uma palestra sob o tema "A quem serve o Direito Penal?", cujo mote era demonstrar como essa área do Direito é pensada, desde a elaboração da lei até, principalmente, em sua aplicação prática, para selecionar pessoas que devem ser estereotipadas, estigmatizadas e criminalizadas. Outra hora posso escrever sobre isso, mas agora não estou a fim de falar de questões criminais.
A viagem foi bacana, num Cessna Grand Caravan (foto ao lado), aviãozinho de 9 lugares da Sete Linhas Aéreas, que potencializa todas as sacudidas, os altos e os baixos. Para os amedrontados, um terror. Eu mesmo fiquei assustado a princípio, mas depois me acostumei e comecei a gostar. O chato é que o motor menos potente torna a viagem mais longa, porém a menor altitude torna a viagem mais bonita.
Imperatriz é uma cidade acolhedora e agradável. Fui tratado muito atenciosamente e comi peixes saborosos. A palestra na faculdade também foi muito boa, com um público atento e receptivo. Os responsáveis pela instituição, que é privada, mostraram interesse em trabalhar direitinho e, pelo que vi, estão no caminho certo.
Imperatriz tem uma história curiosa. A cidade foi fundada em 16 de julho de 1852, pelo Frei Manoel Procópio do Coração de Maria, que três anos saíra em expedição daqui de Belém. Embora não seja mencionado em todos os lugares, o amigo Edmilson Franco, figura conhecida na cidade, contou-me que a intenção do religioso era fundar uma povoação em território paraense mas, por erro, acabou avançando para onde hoje se situa o Maranhão. É esquisita a informação, já que a Província do Grão-Pará envolvia o que hoje são os dois Estados, mas meu anfitrião afirmou que se trata de um dado histórico.
Fora isso, eles se consideram um local meio cosmopolita, porque a região sofre grande influência do Pará e de Goiás, além do próprio Maranhão.
Enfim, um lugar bacana. Atravessando o Rio Tocantins, já estamos no Estado que leva esse nome. A cem quilômetros, fica o Município de Carolina, conhecido por suas cachoeiras. Na primeira oportunidade farei esse passeio.

domingo, 26 de novembro de 2006

E agora, adequar-nos ao mal

Após passar por uma experiência assim — e mesmo considerando que tivemos muita sorte, o que já me parece ridículo dizer —, mudanças comportamentais são imediatas e inevitáveis. Ou seja, nós começamos a mudar nossas vidas para nos adequarmos ao mal que os criminosos representam. Eu concluí, qual se fosse uma revelação divina, que não devo mais andar com a chave do carro pendurada no cós das calças e que aquele papo de e-mails terroristas sobre nunca por, na agenda do celular, identificações de parentesco é verdadeira. Nosso maior medo após o crime era que ligassem para nossos familiares com aquele papo de estou-com-fulano-e-o-mataremos-se-não-nos-pagarem-x-dentro-de-duas-horas.
Também não frequentarei mais esses ambientes descolados. Aliás, passarei uma temporada recolhido em casa, como convém a um bom brasileiro, e quando me sentir bem para sair, só irei a locais com infraestrutura de segurança mais ilusória, situados em locais mais movimentados.
É isso.
Como professor de Penal, tenho responsabilidades com os seres humanos que ajudo a formar. Ensino-os a não perder a racionalidade por conta desse discurso de prender e arrebentar. Falo a eles dos direitos humanos como realmente são, não como essas ONG malucas fazem o povo pensar que são. Falo a eles de respeito pelo ser humano. Por isso, o que mais me revolta nisso tudo é o que roubaram do meu patrimônio espiritual: minha tolerância, minha sensibilidade.
Não mudei tanto, mas tenho impulsos vingativos, que afloram principalmente ao me lembrar do momento do tiroteio, segurando a mão de meu irmão, abraçado a minha esposa e com uma moça desconhecida apertada contra nós, buscando apoio.
De tudo há de se tirar uma lição. Eu, agora, mais do que nunca, só quero paz.

Virei estatística

Foi bom enquanto durou, mas desde ontem, por volta de 22 horas, perdi a primariedade: debutei no mundo dos assaltos. Agora sou igual à maioria da população.

Estava com minha esposa, irmão e um amigo no Twist Burger quando seis ou sete homens chegaram ao local para cometer um assalto. Nem todos entraram: houve quem ficasse fora dando cobertura, inclusive um que me viu escondendo a chave do carro. O resto foi aquilo mesmo: sentados nas cadeiras ou no chão, olhando para baixo, entregando o dinheiro e objetos de valor que obtivemos através de trabalho honesto, em meio a ameaças de qualquer-coisa-eu-atiro. Vocês lerão no jornal amanhã. Saberão que houve troca de tiros, que um flanelinha deficiente foi baleado, que duas moças foram feitas reféns e uma foi levada pelos assaltantes. Dois deles foram presos, um deles baleado na perna.

(Atualização em 26.11.2006, às 12h52: Retiro o que disse. Os dois maiores jornais da cidade noticiaram o crime com erros crassos. Não adianta: através da imprensa, nunca sabemos o que de fato ocorreu. Os assaltantes não se passaram por clientes. É possível que um deles tenha feito isso, mas o grupo de homens que invadiu a lanchonete já entrou com um primeiro disparo.)

Quando a coisa "acabou" (na verdade, talvez nunca acabe), meu irmão — que é hipertenso — teve um pico de pressão, que foi a 16x12. Precisei levá-lo a um hospital. Somente depois começou a segunda via crucis.

Existe em direito penal, ou mais propriamente na criminologia, o conceito de vitimização secundária. Significa, em síntese, que uma pessoa vítima de crime ainda é obrigada a amargar outras consequências do delito que sofreu, tais como perícias vexatórias em si mesmas (ainda que realizadas com respeito), mau atendimento nos serviços públicos, traumas, etc. Agora eu conheço tal conceito na prática.

Como levei meu irmão ao hospital primeiro, chegamos à delegacia por volta de meia-noite, mas os procedimentos para lavratura do auto de apreensão e entrega dos bens roubados e auto de prisão em flagrante demoraram aproximadamente 10 horas. Agora imaginem: um monte de vítimas de um roubo, estressadas, são submetidas ao vexame, à indignidade e ao desprezo de passar uma madrugada inteira insones, numa delegacia suja, exposta aos criminosos algemados em qualquer canto e devorados por uma população de carapanãs de meter medo. Ao raiar do dia, extenuados, ainda sequer havíamos prestado depoimento.

O delegado até que foi atencioso, embora agisse quase como se fôssemos obrigados a permanecer ali, submetidos àquela crueldade, mas não há qualquer justificativa, não há qualquer justificativa para tratar um cidadão, pagador ou não de impostos, a uma humilhação dessas. Estou revoltado e gostaria que os amigos divulgassem o meu queixume o mais amplamente possível, na expectativa (que é só o que nos resta) de que a próxima política de segurança pública invista no que realmente interessa: investimento humano, novas tecnologias e respeito pelo cidadão.

Minha aliança de casamento não está mais no meu dedo. Isso me queima como se eu estivesse nu ou sem pele.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Eu, em pontos polêmicos

1. Abortamento de fetos anencéfalos: sim
2. Pesquisas com células-tronco embrionárias e clonagem humana para fins terapêuticos: sim
3. Pena de morte, redução da maioridade penal e endurecimento da legislação penal: não
4. Efetiva laicização do Estado, com a supressão de quaisquer práticas ou símbolos religiosos em órgãos públicos: sim
5. Posse ou porte de arma de fogo pelo cidadão comum: não
6. Fim do "voto obrigatório": dependendo de convencimento
7. Controle externo do Judiciário: sim
8. Divisão do Pará: não
9. Comercialização de transgênicos: dependendo de convencimento
10. Quotas raciais em universidades e concursos públicos: não
11. Reconhecimento pleno das uniões homoafetivas: sim
12. Financiamento público de campanhas eleitorais: sim

Após dois dias fora da cidade e do mundo virtual, retorno a ambos falando um pouco de mim. Quem quiser compartilhar sua visão de mundo, edite a lista com suas próprias respostas. Abraços de quem chega.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Turismo é isso

A imprensa noticia hoje a chegada do transatlântico inglês Prinsedam a Icoaraci, onde atracou. Trouxe nada menos que 700 turistas para conhecer Belém. Pensemos: em países mais justos do que o nosso, o indivíduo trabalha anos a fio, com direitos sociais mínimos. Aqui temos uma vasta legislação trabalhista, descumprida a rodo e é muito fácil, na perseguição judicial a esses direitos, ganhar e nunca levar. Já nesses outros países vigora a liberdade contratual e o empregado não tem muitas garantias, mas os abusos são menores. E quando o cara se aposenta, tem renda suficiente para charlar mundo afora. É assim que entram em cena os transatlânticos cheios de turistas, desejosos de conhecer lugares que consideram exóticos.
Voltemos ao tema. Belém está pronta para receber esse fluxo de indivíduos endinheirados, curiosos e facilmente seduzíveis pelos encantos amazônicos, seus sabores e ritmos? Europeus dão gritinhos e pagam caro por essas pulseirinhas de semente de tento que até o meu afilhado de 10 anos sabe fazer.
Icoaraci está a 18 quilômetros do centro de Belém. O trajeto pode ser feito via Augusto Montenegro, muito longo e sem atrativos, ou via Arthur Bernardes, um pouco mais curto, porém, com um leito carroçável em mau estado de conservação. Que verão os turistas? Favelas, lombadas, profusão de bicicletas...
Chegando ao centro, terão segurança para caminhar em pontos turísticos óbvios, como o Ver-o-Peso ou nossas belíssimas praças? Naturalmente, sua aparência física e a quantidade de pessoas assanharão a bandidagem. E em vez de belos canteiros floridos, verão calçadas tomadas por camelôs, com as pedras portuguesas sumindo, lixo pelo chão e gramados pisoteados. E dá-lhe calor!
Será que o agente turístico, pensando na segurança dos visitantes, vai confiná-los na Estação das Docas, no Feliz Lusitânia, no Mangal das Garças e no São José Liberto, instituindo uma espécie de turismo de gabinete? Belém agora será vista através de vidros? Que contato terão com a nossa cultura, já que a única manifestação folclórica habitual é a apresentação das dezoito horas, sextas-feiras, na Estação? Onde poderiam ver cordões de pássaros ou bois?
Se eu prosseguir, ficarei mais triste. Enfim, quero dizer a quem possa dizer ao futuro secretário encarregado do assunto que turismo é isso: é a realidade das pessoas que chegam para ver e precisam ter condições de ver, precisam ser bem tratadas e sentir que valeu a pena ter vindo.
Se isso não existe, de pouco ou nada adiantam os palácios de vidro e ferro.

Logradouros públicos privatizados

Que confusão essa, no centro comercial de Belém, para retirada dos ambulantes! Nada mais inevitável, já que está arraigada no imaginário geral a certeza de que Belém é uma terra de ninguém, onde tudo pode ser feito. Não estou bem certo quando começou a explosão do comércio informal na cidade, mas me recordo de caminhar com minha mãe pela Presidente Vargas, quando criança, e as calçadas serem livres.
Mas o tempo passou e Belém hoje não é mais do que uma grande feira livre e restaurante a céu aberto, com mictórios por toda parte. O discurso reinante é que "nós precisamos trabalhar" e "é melhor estar aqui ganhando dinheiro honestamente". Verdade. O argumento merece respeito, mas em nome dele o que mais teremos que suportar?
O ideal, se vivêssemos num mundo ao menos razoável, seria que os ambulantes (não sei por que são chamados assim, já que não deambulam) fossem retirados das ruas, pura e simplesmente. Permaneceriam uns poucos, bem poucos, vendendo pequenas comodidades urbanas (como sucos, já que nosso clima é opressivo) ou elementos relacionados à idéia de turismo, como artesenato. Poderíamos implantar quiosques para informações turísticas e, em anexo, ter uma lanchonete, o que ajudaria a absorver um pouco desses trabalhadores.
Compreendo que, no nível em que as coisas chegaram, qualquer sugestão sempre será alvo de muitas críticas, por isso mesmo elas precisam ser feitas e debatidas, para que se chegue a conclusões razoáveis e exeqüíveis, que minimizem quanto possível o impacto sócio-econômico da quase eliminação dessa forma de economia.
Aceito que me joguem pedras, acusando-me de insensibilidade quanto ao drama social brasileiro. Mas não sou empresário, não tenho loja e muito menos interesse lucrativo nisso. Tenho apenas o interesse de cidadão de ver minha cidade limpa, organizada e transitável. Que tal pensarmos que, hoje, o bloqueio das ruas é perigosíssimo em caso de assalto, incêndio e anormalidades do gênero?

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Ser e não ser — uma questão de conveniência

Lúcio Flávio Pinto, no Jornal Pessoal da primeira quinzena deste mês (ano XX, n. 379), publica — em interesse próprio, claro, mas faz muito bem — matéria sobre o desligamento do advogado Oswaldo Coelho dos quadros do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, neste Estado. Em seu discurso de despedida, o colega lamentou a postura da OAB ante a agressão sofrida pelo jornalista, em local acessível ao público, assacada por Ronaldo Maiorana que, guarnecido de seguranças, usou a técnica do segura-que-eu-dou-na-barriga.
Ocorre que Maiorana é o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos de Liberdade de Imprensa. No contexto, chega a ser um deboche, mas o fato é que a Ordem, em vez de punir o agressor, por meio de seu presidente, tratou de botar panos quentes no caso e dizer que não interferiria no caso, por se tratar de antiga briga de famílias e porque Maiorana não estava no exercício da advocacia. Posteriormente, a impunidade do pugilista foi confirmada, inclusive com o voto de dois advogados das Organizações Rômulo Maiorana, que não se pejaram de votar, mesmo sendo suspeitos.
Os fatos são velhos, eu sei, mas reavivados pelo acontecimento recente. Além disso, entendo que há coisas que devem ser sempre lembradas, para advertência dos vivos e para que não se repitam.
Repugnou-me a atitude da OAB naquele momento e repugna agora, por razões morais que considero óbvias, já que a violência não pode ser considerada uma alternativa normal, mormente diante de uma vítima inferior física e numericamente. Mas, analisando juridicamente, há uma imoralidade que permanece sem resposta: se Maiorana estava fora do exercício da advocacia, como podia presidir uma comissão da OAB? Através dessa justificativa cretina, criou-se o seguinte impasse: há pessoas que são advogados para os privilégios e bônus, mas não para os ônus; têm direitos, mas não obrigações.
Não à toa há pessoas que se sentem acima do bem e do mal: não falta quem lhes reforce essa distorção de caráter. Mas o fazem em nome de quê?

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

A fruta da estação

Tenho escutado muito e agora vi no jornal que a fruta da estação é o mamão: amarelo por fora e vermelho por dentro.
Embora isso seja dito com mais frequência sobre os deputados estaduais, a verdade é que os mamões também devem proliferar entre os encostados, categoria genérica que vai do técnico ao inútil. Afinal de contas, após 12 anos na cupincha dos tucanos, muita gente, para permanecer na vaga ou conseguir uma, pretenderá provar que é petista desde jitinho. Quem viver, verá.

Em complemento, o fim da participação popular

Inicialmente, peço desculpas pela pouca atenção ao blog desde sexta-feira, mas é que meu computador entrou em pane pela enésima vez.
Complementando o tema do meu artigo anterior, lembro que omiti o que, sem dúvida, é um dos maiores pecados da atual administração municipal: o golpe de morte na participação popular.
Como um de seus primeiros atos ao assumir a prefeitura, Edmilson instituiu em Belém um sistema de inclusão popular no processo decisório, já adotado pelo PT nos lugares em que detinha o Executivo. Originalmente chamado de Orçamento Participativo e destinado a definir em que atividades os recursos deveriam ser investidos, mais tarde virou Congresso da Cidade, ampliando-se para ser, também, um conjunto de debates por meio dos quais se pretendia definir as políticas públicas a desenvolver no Município.
Claro que havia muitas mazelas nesse processo. Na época, eu era procurador do Município, em cargo DAS. Todos os DAS eram convocados para comparecer à Aldeia Cabana no dia do lançamento do Congresso, para fazer número e, assim, mostrar o sucesso do emprendimento. Além disso, seria ingênuo supor que todas as deliberações populares eram seguidas à risca. Mesmo assim, era evidente que o povo tinha voz, em alguma medida, no governo.
Ao assumir, Dudurudú não disse nem tchau: sem dar a menor explicação, acabou com o programa. E eu, que esperava que alguém lutasse por manter o direito, tive a frustração de ver todas as entidades participantes engolir em seco, caladas. Retomou-se, assim, a gestão municipal de gabinete. O chefe decide o que bem entender. E nós, que obedecemos, temos algum juízo?
As consequências do desprezo aos munícipes — que por acaso são os destinatários do governo — foram vistas no caso das obras na Duque de Caxias, seja quanto à derrubada das árvores, seja quanto à pista de skate da Duque: um desgaste desnecessário, facilmente evitável. E ainda tem a firula com o Conjunto do BASA, em que a prefeitura está judicialmente respaldada para agir mas não o faz, para fingir democratismo.
Aguente-se essa!

PS — Acabo de ler no Seventy que o tal prefeito vai contratar uma empresa especializada em marketing político, em São Paulo, para melhorar sua imagem, que não é boa. Se o jornal oficial publica isso a respeito do apadrinhado dos seus apadrinhados, sou tentado a acreditar. Só acho incrível que um prefeito precise usar as tramoias do marketing para ser bem quisto, quando um pouco de visibilidade, na cidade que o elegeu, talvez bastasse. Mas ele não consegue sequer sorrir nas fotos. Já notaram?
Também me instiga que marketeiros paulistas, alheios ao que se passa aqui na terrinha, possam conseguir o que in loco não se consegue. Não duvido que consigam. Mas que é ridículo, lá isso é.

sábado, 18 de novembro de 2006

Tenho lá as minhas razões

Todos que me conhecem sabem que, se eu pudesse, colocaria o sedizente Prefeito de Belém num saco bem amarrado e o despacharia para o Oriente Médio, na esperança de que os soldados, locais ou americanos, concluíssem o serviço. Não jogaria no mar, porque seria poluição ambiental. E Tracuateua é muito perto. Mas essa animosidade toda pode ser explicada, juro. Aí vão algumas razões, que já me foram cobradas:

1. Tudo bem que Dudurudú se elegeu deputado estadual quando ainda era um João Ninguém. Todavia, senador e prefeito ele só conseguiu devido ao poderio antes imbatível da tucanalha. Pela árvore se conhece os frutos. O débito que possui com essa gente é um péssimo cartão de visitas.

2. Seu primeiro ato no Executivo foi uma pirotecnia: a compra irregular do Hospital Sírio-Libanês. Gastou-se uma fortuna nisso e Belém não ganhou um novo pronto-socorro. O PSM continua a desgraça de sempre e a Justiça Federal é que decidirá o tamanho do prejuízo. Como ato jurídico, a aquisição do hospital foi um desastre. E a população perdeu uma opção de atendimento. Além disso, empregos foram perdidos.

3. Para não atender a uma manifestação por melhoria salarial de professores (logo professores!), o alcaide alegou que já tinha uma agenda prévia: uma solenidade na Marinha. E desde quando ficar de pé num palanque bajulando militares é mais importante do que administrar o Município? A manifestação dos professores também foi avisada previamente. Lembrem-se que, nesse dia, houve confronto, com danos ao Antônio Lemos e professores feridos. Isso poderia ter sido evitado.

4. Desde quando padre tem aptidão técnica para ser secretário de economia?

5. Empolgado pelo governo da propaganda, que deve ter aprendido com seus padrinhos, comemorou o aniversário de Belém entregando 250 veículos para as secretarias e Guarda Municipal. Só não disse que não havia 250 veículos e que os Sienas haviam sido comprados com recursos do Ministério da Saúde, para utilização apenas nas atividades-fim da SESMA. Pressionado pelas autoridades, fraudou os automóveis, mas foi pego. Agora responde a uma ação por improbidade administrativa. Na Justiça Federal, graças a Deus.

6. Alguém vê esse cara andando por Belém? Ele só aparece por aí para gravar seus filminhos publicitários. Segundo dizem, ele gosta mesmo é de Brasília. Não duvido.

7. Ah, claro, a cidade foi pintada de laranja. Gasta-se um dinheiro enorme, público, só para o visual de uma cidade inteira atender aos caprichos do gestor da ocasião.

8. Teve a pachorra de afirmar, até em outdoor, que o Complexo Viário do Entroncamento só ficou pronto porque ele exigiu. Deve ter sido aquela ridícula ameaça de fechar tudo com terra. Senhor, olhai para isso!!

9. Não teve coerência em seus apoios durante a última eleição porque não tem vontade própria, apenas débitos a quitar.

10. Passou a cobrar uma taxa de uso dos logradouros públicos, para fins artísticos, mas sem oferecer iluminação ou segurança. Ou seja, é só a cobrança, mas sem nenhuma contrapartida. Antes do cancelamento do Auto do Círio, não liberou a Aldeia Cabana para os ensaios. Aliás, negou patrocínio para o Auto. E quase inviabilizou o Arrastão do Pavulagem. A Seresta do Carmo não existe mais. Não ofereceu recursos para as Escolas de Samba alegando que elas não exercem nenhum trabalho social (o que só prova que ele não sabe do que está falando).

Para o protesto não ficar grande demais, encerro aqui, contando com a colaboração de quem souber de mais disparates. Mas, acima de tudo, gostaria que ele parasse de negar o seu passado. Homem honrado não é o que jamais pecou, e sim aquele que reconhece seus pecados, pede perdão e muda. Quem simplesmente nega o que fez mostra tibieza de caráter e inconfiabilidade.
Não vejo a hora de ver esse homem longe! Aliás, de não o ver nem saber dele nunca mais.

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Homenagens ao poeta mocorongo

Wilson Dias da Fonseca, o Maestro Isoca, músico autodidata, compositor prolífico e historiador por conta própria, receberá hoje duas homenagens em sua cidade natal, Santarém. Nesta data, ele completaria 94 anos se vivo estivesse.
Às 9 da manhã, o aeroporto de Santarém será renomeado, passando a ostentar o nome do músico que cantou a pérola do Tapajós por toda a vida, fomentando uma cultura musical arraigada naquela região. Às 19 horas, ocorrerá o lançamento do livro Meu baú mocorongo, que Isoca escreveu ao reunir memórias, fatos históricos, "causos" e, claro, a cultura popular, num esforço empírico de historiador, que só se explica por um amor intenso ao universo de que fazia parte e seus personagens.
Tive Meu baú mocorongo nas mãos, anos atrás. Não a edição que virá a lume hoje, mas uma encadernação feita a pedido do artista, um trabalho quase artesanal. E quem o pôs nas minhas mãos foi o próprio Isoca, em sua residência, enquanto me mostrava os seus livros, as suas partituras feitas à mão e o seu piano, em frente ao qual se sentou e tocou para mim.
Esse privilégio todo tem uma explicação: eu o visitava naquela manhã de janeiro de 2001 na condição de namorado de sua neta Polyana, que foi a neta que ele criou e com quem me casei quatro anos depois. Graças a isso, pude estar, ainda que brevemente, na intimidade de um poeta, uma pessoa maravilhosa, todo bondade, todo gentileza, todo arte. Quão carinhoso foi o meu quase avô!
Não compareceremos às suas homenagens, vô Isoca, senão em pensamento e orações. Mas eu acabei recebendo a sua melhor herança e, por isso, junto com o senhor, fico cantarolando aquela valsinha:

Vai, passarinho
Vai buscar
Das rosas lindas o frescor
O encantamento do luar
Dos namorados, o amor
Vai, porque eu quero compor
Com ternura e emoção
Uma doce canção
Polyana, Polyana
Beija-flor tão mimoso a brincar
Polyana, Polyana
Mais feliz tu fizeste o meu lar
Ó pequena, soberana
Teu sorriso traz prazer
Polyana, Polyana
Quanto és linda, meu bem
Nem sei dizer!

Para as aparelhagens ambulantes

O Código de Trânsito, em seu art. 228, define como infração grave "usar no veículo equipamento com som em volume ou frequência que não sejam autorizados pelo CONTRAN". O infrator se sujeita a multa de R$ 127,69 e retenção do veículo para regularização, além de ganhar cinco pontos em seu prontuário. Passados nove anos da promulgação da lei, o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) finalmente editou a Resolução n. 204, que regulamenta a matéria, fixando em 104 decibeis a pressão sonora máxima que os veículos podem produzir, medida a meio metro de distância.
Apesar de o volume superar consideravemente o máximo recomendado pelos médicos, que é de 85 dB, aquela turma que insiste em transformar seus automóveis em aparelhagens móveis vai reclamar. Já sei as idiotices que escutaremos: "deviam se preocupar com outras coisas mais sérias", "não tem nada demais" e congêneres.
Eu havia prometido ser mais comedido em meus comentários, mas há temas em que me permito arregaçar. Então vamos sem meias palavras e sem medo de incomodar.
Belém, que tanto amo, é uma terra de mal educados, desafortunadamente. Quanto mais estúpida é a coisa, mais querem fazer. Exemplo disso são esses carros modificados, que não apenas ficam feios e ridículos como perdem a funcionalidade, especialmente do portamalas, para que os anormais que os conduzem possam entupi-los de caixas de som, equalizadores e sei lá mais o quê.
E tudo isso para quê? Para sair pela cidade tonitruando, o veículo tremendo com a pressão, incomodando todas as pessoas de bom senso. Alarmes disparam quando uma josta dessas passa perto. Aí o babaca para em algum point, abre a tampa do bagageiro e fica exibindo a sua boçalidade, sua incapacidade de viver em sociedade e suas faculdades intelectivas rasteiras. Vale lembrar, isso também é crime ambiental.
A briga está só começando. O instrumento legal existe, mas dificilmente será eficaz. Temos mais uma lei para não pegar, coisa de país sub-desenvolvido. Só quem vai ficar feliz são os policiais e agentes de trânsito, que farão dessa proibição mais uma fonte inesgotável de cervejinhas.

Também é uma questão de saúde

Notícia publicada hoje no Repórter Diário:

Alegria do idoso
Idosos do Pará ficaram animados com a possibilidade de prefeituras daqui copiarem o programa de distribuição grátis de remédios contra a disfunção erétil, instituído pelo prefeito de Novo Santo Antonio (MT). Denominado de Pinto Alegre, o programa atende idosos com mais de 60 anos. Quatro comprimidos são entregues mensalmente para cada participante. Como a procura tem sido alta demais, a Prefeitura pensa em entregar os medicamentos diretamente às mulheres dos beneficiados, pois muitos, segundo elas, estão usando o remédio para “pular a cerca”.

As pessoas farão comentários maldosos, eu sei. A notícia correrá de boca em boca na cidade, hoje, fazendo-se acompanhar dos mais jocosos comentários. Mas é possível enfrentá-la com seriedade, a despeito do nome absurdo dado ao programa.
Comecemos pelo crucial: a sexualidade também é fator de saúde. Estão comprovados os benefícios trazidos pelo sexo à saúde física e mental, o que é suficiente para justificar gastos públicos com a distribuição desses medicamentos. Os néscios não perceberão, mas isso constitui, de fato, uma política de saúde pública. Afinal, é justo permitir às pessoas que busquem o seu bem estar pessoal e familiar. Garantir a autoestima individual é objetivo de qualquer programa de "melhor idade".
O que me angustia é a infinita capacidade do ser humano de, por egoísmo, atropelar os outros. Explico: quando lançaram o Viagra, homens sexualmente inativos voltaram a praticar sexo e, com a mentalidade de macho arraigada, entenderam que tinham tempo perdido a recuperar e, por isso, inúmeros casamentos destinados a só acabar por motivo de óbito foram interrompidos, para que os maridos pudessem cair na vida. A decantada tranquilidade da velhice foi substituída por abandono e solidão, para as mulheres, e por uma nova rodada de vícios, para os "homens".
O lado mais triste disso é pensar nos sujeitos que morreram por excesso de medicação e, pior dos piores, dos que se contaminaram até com AIDS e transmitiram a suas esposas. Se no casamento a defesa contra a AIDS já é mais difícil, imaginem numa fase da vida em que isso já soa a ficção científica.
A história se repete. Os matogrossenses ganharam uma chance e seu primeiro impulso é voltar à sacanagem. E às mulheres, o que resta? Mirar-se no exemplo das mulheres de Atenas?

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Coisas que só Belém tem

Entrar numa Cairú e pedir um milk shake de açaí. Além do sabor extasiante, ainda serve de exercício de respiração, já que é preciso esforço para sugar aquela delícia grossa pelo canudinho. Nos dias de (ainda) maior calor, os milk shakes de bacuri e de graviola são simplesmente arrebatadores.
Se você também ama Belém e conhece coisas que tornam viver aqui um privilégio, compartilhe conosco a sua dica.

Prestação de contas

Sinceramente, eu não boto minha mão no fogo pelos Tribunais de Contas — sabidamente, locais onde se concentra a maior quantidade de políticos fracassados por metro quadrado. Para quem não sabe, apesar da nomenclatura tribunal, as Cortes de Contas na verdade pertencem ao Poder Legislativo. Não exercem uma verdadeira função judicante, mas julgam — supostamente de forma técnica — as contas do Executivo, em todos os níveis. O julgamento técnico-político dessas contas é feito pelo Parlamento: as Câmaras Municipais apreciam as contas dos prefeitos, as Assembleias Legislativas apreciam as dos governadores e o Congresso Nacional, as do presidente da República.
Não falarei do Tribunal de Contas da União exclusivamente porque nada sei e não se deve falar do que não se sabe. Isso não significa, contudo, que lá não impere a mesma bandalheira. Aqui no Pará, contudo, os Tribunais de Contas do Estado e o dos Municípios acolhem cofos de caranguejos, aqueles políticos que perderam as eleições e não se vislumbram possibilidades de prosseguirem com as próprias pernas. Então entram em cena as indicações políticas, na base do você-meu-amigo-de-fé-meu-irmão-camarada, já que competência é o critério que menos importa e, quanto ao requisito de conduta ilibada, já conhecemos a cantilena: todos são inocentes até que sejam condenados por sentença transitada em julgado. Além disso, o cargo de Conselheiro de Contas tem status e remuneração equivalente a de um desembargador (anote aí: mais de 20 mil reais por mês). Isso que é um prêmio de consolação!
O que falo agora é público e notório. Se tiver dúvida, procure saber como ocorreram as últimas indicações.
No Pará, desde 2000 existe uma briga, em nível judicial, em torno de quem deve ocupar uma vaga em aberto de conselheiro. Pela redação original da Constituição do Estado, o governador deveria indicar um nome dentre os auditores. Corretíssimo, pois só assim haveria ao menos alguns conselheiros que entendem do riscado. Isso valorizaria os servidores de carreira e permitiria julgamentos mais técnicos.
Ocorre que os nossos briosos deputados alteraram a Constituição para garantir para si essa vaga, que vale como uma rentável moeda de troca para negociatas. E esta semana o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa à Assembleia, infelizmente. Aí veio a reação: os deputados ligados ao PT, PSOL, PCdoB e PMDB, que hoje constituem a oposição, resolveram indicar à vaga o auditor Antônio Erlindo Braga, justamente ele que, há anos, dedica sua vida a garantir essa vaga para os auditores e que, pessoalmente, foi o maior atingido pela decisão do STF.
Parabéns aos deputados proponentes! Vocês fizeram o melhor que podiam fazer. Acho que os servidores efetivos do TCE devem ficar reconhecidos por essa demonstração de apreço e respeito a um de seus melhores nomes: Braga é um homem sério e competente, que daria àquela corte uma face muito menos bisonha.

Meninas, eu li

Notícia de última hora:

Internada no dia 25 de outubro com insuficiência renal, a modelo Ana Carolina Reston Macan estava tão debilitada por causa de uma anorexia nervosa que sua pressão arterial despencou, ela passou a ter dificuldade de respirar e seu quadro geral evoluiu para uma infecção generalizada. Carol morreu ontem aos 21 anos, com cerca de 40 quilos, em 1,74 m de altura. Quando fez o book, seu quadril media 85 cm, mas isso foi na época em que ainda era "gordinha".

A insanidade da magreza, sobre a qual já escrevi antes, começou a chamar a atenção também pela sua capacidade de fazer vítimas fatais. O caso dessa modelo (para variar) é típico de uma doença social — a par das patologias propriamente ditas, com CID. As maluquinhas sempre acham que têm razões verdadeiramente relevantes para se anular como seres humanos; para, literalmente, sumir. Estão convencidas de que emagrecer cada vez mais é indispensável.
Pelo visto, ainda teremos muitas vítimas. E por mais cruel que seja dizer isso, talvez seja bom que morram mais umas tantas, pois argumentos médicos, apelos familiares e bom senso têm fracassado sistematicamente para curar as doentes. Então será preciso alguma coisa mais impactante para alertá-las.
Agora imaginem: se vivas já são esquálidas, cadavéricas, que dirá mortas. Uma lástima.

Atualizado em 15.11.2006, às 21h05
Se você clicar aqui, saberá que uma outra vida no mundo da moda é possível.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Abaixo da crítica

O Repórter Diário de hoje noticia uma daquelas ideias estúpidas que as pessoas têm com frequência, capazes de fazer com que os paraenses sejam chamados de índios, no sentido pejorativo. Alguns vereadores de Anajás querem mudar o nome do Município para Ana Júlia, em homenagem à governadora eleita, a fim de que ela se sinta estimulada a investir por aquelas bandas, especialmente na área da saúde, já que a população vive assolada pela malária e chafurda por baixo no índice de desenvolvimento humano (IDH).
Entendo que o histórico abandono da região pelo governo do Estado conduza a medidas tresloucadas, mas é difícil não supor que a medida se funda no velho hábito de bajular, ao nível da inflamação dos testículos (que Ana Júlia, obviamente, sequer possui), os mandatários do momento, para conseguir benesses, justas ou não.
Lamento informar que um governante não pode investir mais recursos num Município porque foi homenageado lá, sob pena de ser acusado de improbidade administrativa. Nem que seja uma honraria gigante como essa, que produziria até um novo adjetivo gentílico: quem nascesse em Ana Júlia seria o quê? Anajuliano? Carepeano?

Acréscimo em 9.9.2011
Eu me pergunto que destino teve esse projeto ridículo. Se Deus quiser, o esquecimento sumário e total. E somente agora percebi a relação fonética entre o nome do Município (Anajás) e o que se pretendia dar (Ana Júlia). Horrível.

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Causas equivocadas

Acabei de ler a matéria de capa da revista Época desta quinzena (n. 443, de 13.11.2006), apresentada, como sempre, de modo espetaculoso: "A ciência vai matar Deus? A nova cruzada dos cientistas ateus para reduzir a influência da religião no mundo moderno".
Recomendo a leitura, que é interessante e somente com ela se poderá ter uma compreensão mais clara do tema. Em síntese, vem-se desenvolvendo um movimento de "novos ateus", que "condenam não apenas a crença em Deus, mas também o respeito pela crença em Deus". Embora se expresse dessa forma, a revista afirma que os líderes desse movimento — que não é organizado, mas um conjunto de manifestações espontâneas e independentes — não pretender desrespeitar ninguém, mas tão somente conquistar os agnósticos (pessoas que têm dúvidas sobre a existência de Deus) e que, supostamente, têm aumentado em quantidade. Assevera-se que o ateísmo militante está em declínio, porém crescem a cada dia "a indiferença religiosa e a ausência de Deus na vida privada".
O movimento constitui uma reação ao fundamentalismo religioso, que se tem disseminado nas últimas duas décadas, graças a que a religião voltou a atrapalhar o progresso científico. O processo foi desencadeado em 1978 com o sucesso da fertilização in vitro. Nos anos 1980, o foco foi a epidemia de AIDS. Mais recentemente, a polêmica versava sobre clonagem e células-tronco.
O queixume dos cientistas tem lá sua lógica, pois nos EUA, um dos países que mais investe em pesquisa científica, George W. Bush foi re-eleito graças a uma "coalizão cristã" que, agora, "influencia a política federal para assuntos que vão da Justiça à alocação de verbas para a pesquisa". A par disso, temos a ridícula (permitam-me o adjetivo) insistência em ensinar, nas escolas, o "criacionismo científico" (expressão que me parece uma contradição em termos). No Rio de Janeiro, desde 2000, graças a Anthony Garotinho, já começou a lecionar o criacionismo.
Enfim, a interminável batalha entre ciência e religião faz jus ao qualificativo e ganha novos ares, mais raivosos e, por isso mesmo, mais fadados a propiciar a infelicidade geral. O interessante, contudo, é observar a dinâmica desse fenômeno, que funciona como um cabo de guerra: um grupo que ganha poder puxa com mais força e o adversário, perdendo terreno, se reorganiza, redistribui suas forças e volta a puxar, ganhando território.
Vide que há muitos séculos a religião se estruturou para dominar o mundo. Quando segmentos sociais fugiram de seu jugo, o cientificismo cego se exacerbou e a religião foi tratada como uma desgraça. Porém, quando a religião não deu às pessoas o que elas queriam, solitárias e desejosas de esperança, tornaram às religiões, cada vez mais sectárias, menos ligadas a Deus e mais proselitistas; o bom senso cedeu espaço a crenças vãs e a ciência voltou a ser fustigada. E agora cientistas equivocados reagem. É isso...
A reportagem em questão permite que se conclua algo que eu sempre soube e que continuo a defender: o caminho correto é o do meio. Considero importantíssimo ter uma religião, pois acho que um materialista sofre horrivelmente ao pensar na morte — a sua e a das pessoas amadas. Eu tenho uma, sou espírita e, por isso mesmo, respeito a ciência. Até porque Kardec disse que quando o Espiritismo se chocasse com a ciência, devíamos escolher a ciência. Ele sabia que as conquistas científicas são consentidas por Deus, para o progresso da humanidade.

(Pausa reflexiva.)

Comecei a elucubrar sobre religião. Mas a minha intenção era apenas comentar a polêmica crescente. Então, informem-se e... Deus, as forças cósmicas, a consciência, Gaia, os extraterrestres, Elvis Presley ou o acaso hão de indicar o que devem fazer.

sábado, 11 de novembro de 2006

Até no apagar das luzes

Paulo Chaves, ainda secretário de cultura do Estado, quase uma unanimidade de tanto que é odiado por gregos, troianos e adjacentes, como é óbvio, está inconformado com a perda da atividade que desempenhou por 12 anos. Segundo noticia o Seventy de hoje, em evento no Teatro da Paz quinta-feira última, recorreu ao poema "Certeza", de Fernando Pessoa:

De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...

O ponto nevrálgico, para ele, é não poder prosseguir. Não lhe interessa que uma mudança de mentalidade sobre políticas culturais (?) seja sempre saudável. Não lhe é concebível que uma outra visão de mundo ou da cidade, que não a sua, seja possível. Sua arrogância notória lhe impede. Mas tudo bem: rei morto, rei posto. É o que conta.
Torço para que seja verdade que venha Márcio Meira. Ao invés de políticas para prédios suntuosos, talvez tenhamos, enfim, políticas para seres humanos-artistas. E é disso que precisamos.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

À espera de políticas culturais — Dança

Ganhei uma leitora-comentarista de alto nível. Tão alto que não me atrevo a reproduzir o que ela escreveu. Publico na íntegra as suas sábias ponderações:

Tudo começou quando recebi vários e-mails de um produtor cultural, que inclusive é responsável pela produção de um dos festivais de dança do Pará. Nos insistentes e-mails ele perguntava, entre outros assuntos, sobre o vice de Ana Júlia. Como ninguém se manifestou ele próprio deu sua resposta - quero esclarecer que sou a favor da liberdade de expressão, mas temo repassar estes e-mails que circulam pela internet porque muitos deles são apócrifos ou mesmo carregam vírus em seus arquivos. Pois bem, respondi para ele utilizando as palavras da então candidata petista ao governo estadual: "(...)O meu adversário, por exemplo, fica questionando quem é o meu vice, mas será que ele quer dizer que é a vice dele com o marido que governarão o Estado se ele se eleger?".
Depois de responder ao produtor e de mandar um texto do Frei Betto em retribuição à crônica do Arnaldo Jabour que ele me mandou, achei produtivo encaminhar para a minha lista a "provocação" (acho o termo pejorativo o termo, mas, em falta de outro, vou deixá-lo), aproveitando o ensejo para discutir sobre políticas culturais, já que muitas pessoas que conheço são da área artística. Enviei, junto com minha resposta, sete perguntas sobre o assunto, transcritas abaixo:
1 - A dança no Pará tem uma história riquíssima e que já revelou inúmeros bailarinos e coreógrafos mundo afora. Mas dentro do próprio estado esta arte muitas vezes ainda é tratada de maneira equivocada, apesar de ótimas iniciativas de grupos privados ou não. Como ex-bailarina, ex-membro da diretoria da Associação Paraense de Dança (APAD) e estudante de Jornalismo, minha dúvida é a seguinte: a Secretaria Executiva de Cultura (Secult) vai continuar a exercer a política centralizadora e elitista que estamos vivendo há 12 anos, seja qual for o candidato eleito?
2 - A dança paraense, ao que me parece, também já foi "privatizada" no Estado. Uma das provas disso é o fato de que, em sete anos de Festival de Ópera do TP, os mesmo grupos de dança e música participarem de quase todas (ou de todas?) as edições do evento, inclusive recebendo cachê - isso sem falar dos preços do preço da maioria destes suntuosos espetáculos, dos custos para a vinda dos artistas convidados, a maioria solistas (ou diretores, técnicos etc)do festival. Os mesmos seletos grupos locais participam ainda de outras programações do governo estadual, como a programação natalina. Não consigo entender o por que desta ação que se repete a cada ano, sem que nem um jornalista ou alguém da classe da dança questione o fato. Na verdade, isso já foi até feito, ano passado, na audiência pública promovida pela vereadora Vanessa Vasconcelos, que tratou sobre políticas culturais de dança com representantes locais da classe; dos governos municipal e estadual; e demais organizações, fato inédito na nossa história. Grupos e professores da capital e do interior do Estado vieram, com muito esforço, participar e mostrar sua insatisfação. A audiência infelizmente não teve cobertura de nem um jornal local. Minha pergunta é: por que a APAD não reúne a classe para questionar essa política pública que se estende a tanto tempo, sugerindo, quem sabe, a idéia de uma audição para selecionar os bailarinos para participarem destes festivais promovidos pela Secult? Por que algum represente da APAD não esteve presente também no Fórum de Debates ocorrido no Festival de Dança do SESI, mês passado?
3 - Quem dança sabe das dificuldades do dia-a-dia: falta de vale-transporte, sapatilhas, apoio da família e muitas outras. Já vi tantos talentos "pendurarem as sapatilhas" por falta de apoio. Talento, por sinal, é o que não falta na cidade, prova disto é a bailarina paraense Pammela Fernandes Neves, do Ballet Arte, que semana passada concorreu com 500 candidatos na etapa final do concurso nacional que seleciona bailarinos para a escola do Teatro Bolshoi, em Joinville. Além de ganhar bolsa de estudos para a escola, a bailarina conquistou o primeiro lugar geral no concurso. Bailarinos das escolas Ana Unger e Ribalta também foram contemplados com bolsas de estudo da referida escola. Gostaria de perguntar aos bailarinos paraenses se o recebimento de cachê público, mesmo que uma vez por ano, não seria um bom incentivo? Também pergunto a estes bailarinos se gostariam de ter a oportunidade de estudar em uma escola estadual ou, através de concurso público, dançar em um corpo de baile mantido pelo Estado?
4 - Pelo que saiba, o bailarino paraense não consegue viver profissionalmente somente de sua dança no Pará, sem precisar dar aulas ou abrir escolas. Ou será que alguma escola ou grupo assina contrato e paga mensalmente seus profissionais somente para dançarem para eles? Confesso que se isto acontece, é do meu desconhecimento. Em entrevista feita por mim (em 2002) no extinto Jornal A Província do Pará, perguntei para o Secretário Executivo de Cultura, Paulo Chaves, sobre a possibilidade de criação de um corpo de baile estadual. Ele respondeu que "é complicado manter um artista funcionário público" – quem quiser pode ler a entrevista na íntegra, basta me pedir. Se não me engano, a criação do corpo baile para o TP esta na Agenda Mínima da atual gestão do governo estadual.
Obs: Sobre este ponto, depois de escrever este e-mail, conferi no site do governo e me certifiquei que está: "PROMOÇÃO SOCIAL.
ÁREA/AÇÃO: Valorização da Cultura Paraense
VALOR: 57.900.000
Corpo de baile do Teatro da Paz
VALOR: 1.000.000
Museus contextualizados
META: Implantar 4 no interior.
VALOR: 1.400 (...)"
Queria saber se vocês acham que é realmente complicado o artista trabalhar como funcionário público?
"Achar que o artista só cria e não planeja sua carreira ou seu sucesso, é a alienação da informação. Uma das profissões que mais se trabalha é a do artista. Você tem que produzir a sua obra – qualquer que seja – e estar no mercado. Não existe isso: arranjar um emprego de artista vai para lá e no final do mês tem o seu salário. Você tem muitas obrigações. Essa visão romântica de que o artista é aquele pensador, que dá um 'insight' e cria, é pura desinformação. Leonardo Da Vinci trabalhava horrores. Trabalho que até hoje espanta pela força. A carreira de um artista é igual a qualquer outro ofício. Existem mecanismos que fazem parte da profissão, que são diferenciados de outros. Eu não preciso chegar 8 horas, sair meio-dia, mas em compensação, às vezes entro no atelier às oito da noite e saio às quatro da manhã. Então eu não vejo diferença". (Geraldo Teixeira, artista plástico).
5 - O Instituto de Artes do Pará (IAP)nos últimos anos contemplou pouquíssimos projetos de dança, em comparação aos demais. Em alguns anos, inclusive, a dança ficou totalmente de fora, mesmo com mais de sete projetos apresentados. Será que os projetos eram tão ruins assim ou estavam tão mal elaborados? Este é um fator complicado porque muitas vezes o bom artista não é o que tem muitos diplomas ou mesmo verba para contratar alguém para escrever projetos para ele. O IAP, se não estou enganada, há muito tempo não tem alguém da área para avaliar os projetos de dança apresentados. Alguém já se sentiu prejudicado neste processo de seleção?
6 - Fico me perguntando se daqui a algumas décadas o Pará vai homenagear seus bailarinos da mesma forma que o Festival do TP faz com os músicos da terra. Este ano e em 2005 foi festejado o mérito do evento reviver as obras do maestro Gama Malcher, até mesmo resgatando suas obras perdidas, como a ópera "Iara". Isso é fantástico! Fico satisfeita de ver que a memória da nossa história musical está sendo mantida, porém, será que será que nossos "Waldemares", "Augustos", "Guarás'", "Tribos", "Claras", "Verequetes", "Veras", "Rubens", "Auxiliadoras" e tantos outros artistas de longa trajetória vão esperar tanto tempo assim para ser reconhecidos, respeitados, aplaudidos e resgatados pela Secult, em homenagens muitas vezes póstumas?
7- É uma pena ver que a nossa dança tão rica de ritmos, influenciada pela colonização mista e pela criatividade amazônida singular não tenha o reconhecimento e o incentivo merecidos dentro do próprio Estado. Tantas coreografias criadas por nossos artistas vão acabar se perdendo com o tempo... Tenho medo de haver "apadrinhamentos" no próximo governo, especialmente na área cultural. Tenho receio de saber que quem vai assumir as decisões sobre Dança no Pará, nos próximos anos, continue enterrando em vida nossos artistas. Tenho medo ainda, tomando emprestadas as palavras de Lúcio Flavio Pinto, do "silêncio sepulcral" da imprensa paraense sobre estas questões. A dança é para todos, é uma das mais belas formas de expressão. Teve o "elitismo", sim, no decorrer de sua própria história, mas hoje sabemos que isso não deveria mais existir. O mais leigo sabe admirar um belo balé, com boa técnica e expressão, pois uma obra de arte leva às mais profundas emoções... Isto se as pessoas tiverem ao menos a chance de assistir ou experimentar os movimentos artísticos. Apesar de todas estas dificuldades o bailarino paraense continua o seu fazer artístico com talento e muita competência. Aí surge a última pergunta: por que é tão difícil o acesso do bailarino e dos grupos às belas salas de dança do IAP e do Theatro da Paz? E por que a Secult não cede também, além das salas, o TP para grupos de dança ou eventos da área, como o faz para alguns eventos privados de dança?
Obs: Aqui gostaria de acrescentar uma informação que acho relevante. Idealizazei, há dez anos, juntamente com as irmãs de caridade do Abrigo João de Deus, o Cantando e Dançando a Amazônia, em prol de homens e mulheres de rua doentes atendidos pela Casa - entidade filantrópica sem fins lucrativos. Como eu fazia parte da diretoria do abrigo, pedi para a direção que o teatro fosse cedido para o evento ou mesmo que pudéssemos contar com um significativo desconto no valor do aluguel, já que o evento anual é de suma importância por ser a maior promoção do abrigo - que sobrevive de doações e do trabalho voluntário de pessoas e empresas. O então diretor do TP, o saudoso Edwaldo Martins disse que não poderia nos conceder este privilégio, pois não tinha autorização para tal, mas esforçou-se ao máximo para que nossa iniciativa fosse à frente. O resultado deste esforço é que, até o momento, a empresa que ele indicou custeia o valor do aluguel do TP, com a graça de Deus. Patrocínio este que poderia aumentar a renda do evento, que praticamente arrecada, descontando as despesas de produção, somente o valor dos ingressos.
RESUMO DA ÓPERA: A troca inicial de e-mails transformou-se numa verdadeira lista de discussão que foi crescendo, crescendo... Um fato me intriga até o momento: o colega produtor não participou do processo, mas continuou enviando (repassando) e-mails, aqueles sem fonte, sem comentário adicional e tudo o mais.
Bom, acho que democracia é isto também. Da mesma forma que, mesmo sem entender, aceitei o "silêncio" do produtor, tomei a liberdade de ocupar todo este espaço do seu blog para contar esta história, Yúdice. assim que conseguir lembrar a senha do meu próprio blog, vou voltar a tocar no assunto. Passou a época das promessas (bem contabilizadas ou não), agora é hora de cobrar dos nossos governantes.
Um abraço para alguém muito significante no contexto cósmico!
Luciane B. Fiuza de Mello.
Estudante de Jornalismo.

Muitíssimo obrigado, Luciane. Eis aí suas inquietações. Como meu irmão é ator e dramaturgo, imagino que haverá um próximo texto chamado "À espera de políticas culturais — Teatro". É isso aí: temos que dar ideias aos governantes e cobrar a sua realização. Abraços.

Oposição irresponsável

Outro dia publiquei o texto "É assim que começa", falando sobre como os deputados estaduais paraenses já se movimentavam para atrapalhar o governo de Ana Júlia, por meio do orçamento. Respondeu-me o deputado federal re-eleito Vic Pires Franco dizendo que, de sua parte, faria o possível, não apenas por si mesmo, mas atuando junto aos membros de seu partido (PFL), para ajudar a nova governadora em seu mandato. Colocava, assim, o interesse público acima das conveniências partidárias. Respondi-lhe que ficava feliz que pensasse dessa forma e que desejava que a mesma postura fosse adotada pelos demais parlamentares.
Agora nos deparamos com deputados do mesmo PFL propondo a criação de um "13º salário" para quem recebe Bolsa Família, contra que, obviamente, se insurge o governo e sua bancada de apoio.
Todos sabemos que Lula sobreviveu à sucessão de escândalos e foi re-eleito graças aos seus programas de transferência de renda, em especial o Bolsa Família. Ao propor o "13º", os pefelistas têm uma única e evidente intenção: atingir o governo naquilo que lhe foi fundamental. Na hora em que os beneficiários da bolsa souberem que há deputados propondo que eles ganhem mais dinheiro e que o governo está contra, que Lula está contra, a barriga vazia falará mais alto e essas pessoas ficarão contra Lula e o governo. Os autores da ideia sairão de santos.
Sem meias palavras, isso é que se pode chamar de oposição não apenas irresponsável, mas criminosa. Afinal, o 13º salário é um direito trabalhista (assegurado, portanto, a quem tem um emprego formal), garantido também aos servidores públicos. E só. Na absoluta ausência de previsão, comprometer o erário para pagar uma "13ª bolsa" é inconstitucional, ilegal e imoral. Bolsistas de faculdades, por exemplo, não recebem treze vezes ao ano. Os próprios parlamentares são alijados desse direito e por isso, todos os anos, religiosamente, no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais de todo o país são costuradas as convocações extraordinárias, para que a turma ganhe mais um dinheirinho, que seria desnecessário se tivessem trabalhado com um pouco mais de dedicação ao longo do ano.
Para arrematar, os pefelistas lançam mão do discurso, poderosa ferramenta para iludir os frágeis. Dizem "não acreditar" que o governo está se opondo ao incremento do Bolsa Família. Jogo de palavras, que apenas prova a malícia da proposta. Devem estar furiosos por ninguém ter pensado nisso antes da eleição, quando ainda se podia arranhar a imagem do presidente.
Deputado Vic, o senhor estará no cenário desses acontecimentos e, por lealdade partidária, deverá encampar a proposta e até o discurso de seus confrades. Como ficamos? O apoio era só para a Ana Júlia? Essa medida, afinal, não tem como único propósito desestabilizar o governo? E desestabilizar um governo eleito democraticamente por conveniências próprias não é criminoso?

Fetos anencéfalos e a crise do habeas corpus

O abortamento de fetos anencefálicos é uma tema de máxima conflituosidade, que nos últimos anos ganhou status de batalha judicial. Creio que a nova conotação foi reforçada quando, pela primeira vez no Brasil, foi impetrado um habeas corpus em favor de um nascituro.
Relembremos o caso en passant: em novembro de 2003, Gabriela Oliveira Cordeiro, de Teresópolis (RJ), então com 18 anos, teve sua privacidade devassada pela imprensa ao pedir autorização judicial para abortar, em face do diagnóstico de anencefalia. O padre Luiz Carlos Lodi da Silva, presidente do Comitê Pró-Vida de Anápolis (GO), impetrou o habeas corpus e conseguiu sustar a realização do abortamento. Nesse meio tempo, Gabriela e seu marido, pressionados por todos os lados, desistiram do abortamento. A menina nasceu, foi batizada de Maria Vida e morreu sete minutos depois.
O troco veio na forma de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 54) que a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde propôs em 17.6.2004. O processo está parado no Supremo Tribunal Federal, sem previsão de julgamento. Especula-se, contudo, em face de manifestações de voto feitas de forma oficial ou extra-oficial, que a Corte Suprema, por pequena maioria, vai autorizar o abortamento nos casos em que o feto possua doença que inviabilize a sua vida, comprovadamente.
Não entrarei neste mérito. Quero noticiar outro fato, que li agora na Folha:

O Hospital São Joaquim, gerenciado pela Unimed de Franca (440 km a norte de São Paulo), realizou nesta quarta-feira cirurgia para antecipar em dois meses o parto de um bebê anencéfalo (sem cérebro).
A cesárea foi permitida pela Justiça local há cerca de uma semana e meia. Segundo o hospital, o bebê, uma menina, morreu minutos após o nascimento. A mãe deve receber alta amanhã.
O pai da criança disse à Folha apenas que a família tem sido alvo de discriminação por parte da sociedade. Na semana passada, o contador Clóvis Alberto de Castro, 40, que não tem ligação alguma com a família, entrou com um pedido de habeas corpus na Justiça para impedir a interrupção da gravidez sob a alegação de que a medida se constitui um crime contra a vida - a ação não foi julgada.

Luiz Carlos Lodi da Silva, morando em Anápolis, não sabia que na distante Teresópolis morava uma certa Gabriela. Quando soube, sem legitimidade alguma, atribuiu-se o direito de decidir por ela e por seu marido sobre a continuidade da gestação. E o poder que ele mesmo se atribuiu surtiu efeito, pois efetivamente interferiu na decisão do casal.
Agora, um tal de Clóvis Alberto de Castro, sem qualquer vínculo com a família atingida por tão grande sofrimento, inspirando-se no precedente, também impetrou habeas corpus para decidir pelos outros. Claro, é cômodo: eu imponho a minha moralidade sobre gente que sequer conheço, protegido pela certeza de que não sofrerei as consequências de meus atos. Os desconhecidos é que sofrerão.
Li muito do que Lodi da Silva escreveu e, sinceramente, não respeito a sua cruzada. Considero-o um padre à extrema direita, movido pelo pior de todos os sectarismos: aquele que usa o nome de Deus para impor verdades a quem não é obrigado a comungar de sua miopia. Para mim, é um homem perigoso, especialmente por sua capacidade de transformar contadores em operadores do Direito (com todo o demérito que esta expressão merece).
Amanhã, qualquer dona de casa que saiba de uma vizinha querendo abortar ou antecipar o parto de um feto anencéfalo irá às barras de um tribunal, para resolver um assunto que não lhe diz respeito. E o habeas corpus terá que tramitar.
Enfurecido, eu me pergunto: haverá alguma razão legítima para que pessoas totalmente estranhas aos interessados possam impetrar habeas corpus?
Estamos diante de uma crise, sim, porque o ordenamento jurídico precisará redefinir, com a máxima urgência, o jus postulandi nas hipóteses de habeas corpus. Senão, amanhã, uma pessoa do outro lado do mundo poderá impedir-me de agir conforme a minha própria vontade, em consonância com as leis do meu país. Isto subverte completamente, aniquila mesmo, a legitimidade processual, que é um dos mais importantes cânones do Direito.
Ao meu desprezo por extremistas religiosos soma-se, agora, a minha convicção de que habeas corpus somente poderiam ser admitidos, pelo Judiciário, quando estivesse provado que os impetrantes agem no interesse dos pacientes.
Do contrário, vai cuidar da tua vida, marginal!
Chegamos ao ponto em que eu queria, que batizo de crise do habeas corpus. Este remédio constitucional tem, como uma de suas principais características, poder ser impetrado por qualquer pessoa do povo, sem a necessidade de advogado. Trata-se de uma medida democrática, para facilitar o acesso à justiça, vinda de épocas em que o cidadão tinha muito maiores dificuldades de reagir aos abusos de poder do Estado. Ocorre que, com base nisso, os moralistas de plantão agora se acham no direito de intervir nas vidas alheias.

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Os inimigos da advocacia

A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo, teve uma daquelas ideias geniais que volta e meia assomam nas mentes de pessoas quando deixam de tomar seus medicamentos de tarja preta. Trata-se de uma lista contendo nomes de pessoas classificadas pela própria Ordem como "inimigos da advocacia". Leia a respeito aqui.
Além de ser uma violenta sanção moral, a tal lista tem, como efeito prático, justificar o indeferimento das inscrições, como advogados, de quaisquer pessoas que figurarem na mesma. E, nesse momento, ela passa a ser instrumento para aplicação de penalidade — não poder inscrever-se na Ordem, para quem preenche os requisitos, é uma séria penalidade —, sem que tenha havido um processo e, portanto, sem que o prejudicado tenha podido exercer os sagrados direitos do contraditório e da ampla defesa. Além disso, a vedação gera, na coletividade, um sentimento de que o proscrito não possui idoneidade, pois que outro motivo justificaria uma exclusão sumária, baseada em juízos prévios? Quanto mais leigo for o observador, mais ele achará que o proscrito cometeu atos horrorosos para merecer tal castigo.
Estarrece-me ver que advogados, justamente advogados, cujo munus precípuo envolve, exatamente, lutar para a efetivação dos direitos de cidadania, são capazes de engendrar algo que viola os mais fundamentais direitos, sem qualquer justificativa plausível. Corporativismo? Revanchismo? Justiça pelas próprias mãos (expressão que odeio)? Seja o que for, é sórdido e merecedor do mais irrestrito opróbrio (notem que estou falando juridiquês).
A lista de setores se erguendo contra a lista da OAB está crescendo rapidamente. Tomara. Afinal, os maiores inimigos da advocacia, sem dúvida, são as pessoas que, alegando agir em favor da mesma, estão jogando no lixo uma tradição centenária de defesa do indivíduo, como ser humano e como cidadão. Estão fazendo a sociedade ter motivos para menoscabar um sodalício que esteve ativamente presente em todos os grandes acontecimentos da vida nacional, desde a sua instituição. É um crime.
Então façamos assim: criemos a lista e coloquemos nela os nomes de seus inventores. Depois que forem banidos, queimemos a lista. E voltemos à sanidade.

Meus calorosos agradecimentos a Juvêncio de Arruda pela indicação do tema.
Atualização em 9.11.2006, às 9h32 (aqui não tem HBV):
A Folha publicou matérias interessantes, que reforçam a compreensão do caso. Leia que a OAB justificou a legalidade da lista; o conteúdo de notas oficiais a favor e contra; e saiba quem são os inimigos.

La garantía soy yo

O Liberal de hoje noticia, mais uma vez, a inépcia da Câmara Municipal de Belém em votar a reforma da Lei Orgânica do Município. A coisa já está tão feia que os próprios edis começam a admitir a falha. Dentre eles há quem defenda, tanto na situação quanto na oposição, a necessidade de maiores discussões, inclusive por meio de audiências públicas. Como se vê, até os adversários andam concordando sobre não saber o que fazer. Aí me vem o vereador Carlos Augusto Barbosa, relator do projeto, fazer a seguinte afirmação: "Abrimos por quatro vezes a prorrogação do prazo para receber emenda e agora tem o discurso de que tem que parar para ouvir a população. Nós representamos a população, fomos eleitos para isso."
Parabéns, vereador. Vossa Excelência mostrou a que veio. Permita que eu lhe dê algumas informações que o senhor, na condição de parlamentar, deveria conhecer.
Em primeiro lugar, a efetiva participação popular no processo decisório é uma conquista da civilização, que não pode ser suprida pelo sistema representativo — adotado pelo mundo afora porque é inevitável, mas não por ser o melhor. Como foi dito, houve quatro prazos para apresentação de emendas, portanto para atuação dos parlamentares, sem qualquer consulta aos destinatários da lei.
A Constituição Federal de 1988, que costuma ser reproduzida nas Cartas estaduais e leis orgânicas, prevê, no capítulo dos direitos políticos, que a soberania popular será exercida "pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto (...) e, "nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular" (art. 14). O destaque dado à conjunção "e" foi para que o senhor entenda que as duas formas são legítimas: tanto a representativa, quanto a direta.
Mais adiante, tratando dos Municípios, a Lex Mater determina que seja assegurada a "iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado" (art. 29, XIII). Quem pode o mais, pode o menos: se o munícipe pode elaborar o projeto de lei, com muito mais razão pode opinar sobre o que foi engendrado dentro dos gabinetes parlamentares.
Eu poderia citar muitas outras normas constitucionais, a começar pelo princípio da moralidade e da publicidade, obrigatórios na Administração Pública, da qual o Poder Legislativo faz parte. Todavia, a questão central é que o parlamentar representa o cidadão, mas não esgota o cidadão. Se o ínclito edil acha que, só por deter um mandato legítimo, não precisa mais ouvir o eleitorado, cometeu um erro primário. Até porque não possui a ciência de todas as coisas. Um parlamentar não ganha poderes místicos para entender de tudo e saber com perfeição o que exatamente o povo quer. Eu, por exemplo, sou advogado. Como tal, represento o meu constituinte. Eu também exerço um mandato legítimo. Mas nem por isso a parte deixa de ser ouvida. Algumas atuações, como petições de divórcio, devem ser assinadas pelo advogado e pelo constituinte, que sempre poderá manifestar-se e, em última análise, destituir o seu patrono.
Se o jornal foi fiel às palavras do vereador, a expressão "e agora tem o discurso de que tem que parar para ouvir a população" soa não apenas antidemocrática, mas desrespeitosa ao cidadão, sugerindo um certo desprezo àquele a quem se serve.
Não me deterei na doutrina constitucionalista, que deixo para os estudiosos dessa temática. Mas ficaria feliz se alguém dissesse ao vereador em questão que repense a sua função legislativa. E aprenda o elementar: hoje em dia, cada vez mais temas são objeto de consultas populares e alguns simplesmente não podem ser decididos sem audiências públicas.
A idéia de que os vereadores, só porque representam o povo, podem decidir tudo entre si não é apenas uma afronta ao bom senso. Ela é uma ameaça aos cidadãos.

PS — Se alguém conhecer o vereador, indique-lhe a leitura deste texto. Humildemente, é uma crítica construtiva.

À espera de políticas turísticas

Arrefecendo os ânimos exaltados das eleições, quero falar com serenidade sobre um dos pontos que sempre critiquei na administração tucana: a política sobre turismo. Para isso, compartilho uma pequena intimidade.
Anos atrás, já nem lembro quantos, eu passeava com uma amiga que se mudara de Belém e passava alguns dias na cidade. Fomos ao Forte do Castelo, sujo, só não mais abandonado porque submetido à jurisdição militar. Contemplamos a Baía do Guajará debruçados sobre o antigo gradil de ferro azul descascado. Era fevereiro e o tempo fechou, caindo uma chuva por alguns minutos. Nós mal nos abrigamos sob uma castanheira e, de repente, percebemos que queríamos mesmo era nos molhar naquela chuva. Foi o que fizemos, rindo muito. E a amizade de infância deu margem a um clima de enamoramento, daqueles bem inocentes, ainda mais porque sabíamos que nem nos veríamos de novo — como, de fato, nunca mais nos vimos. Ficou uma lembrança doce, apenas.
Anos se passaram. Eu me formei, ganhei uma profissão e vários quilos a mais. Certa tarde, passeava com minha namorada, que hoje é minha esposa, e minha família. Fomos ao rebatizado Forte do Presépio, agora instalado no Complexo Feliz Lusitânia, de padrão tipicamente tucano: obra grandiosa, de deleitar os olhos, mas projetada para um público elitizado. Vai dizer que não? A quem não tem dinheiro para consumir em algum restaurante da Estação das Docas ou no sofisticado Boteco das Onze, só restará olhar a baía e em pé. Claro, um programa agradável, que eu prezo muito — mas não vai além disso.
Nessa tarde, para entrar no forte, precisei pagar dois reais por cada um de meus acompanhantes. Pagar para entrar no Museu do Encontro, correto. Concordo, pois há custos de manutenção. Mas para entrar no forte onde praticamente não há nada para se ver, além da própria baía, que deveria ser sempre vista de graça?
Fiquei indignado, pensando em mim mesmo, anos antes, sem um tostão, e mesmo assim pude viver um momento feliz, porque era de graça. Agora, precisamos pagar até para contemplar a natureza.
Dois reais é o preço de cada atração do Mangal das Garças, inclusive do controvertido borboletário refrigerado e do farol, que não é funcional, mas apenas estético. Isso não está correto. Não pode estar. Em cidades socialmente mais desenvolvidas do que Belém, existem recantos turísticos deslumbrantes, como as aquarelas reais de Florianópolis ou o Dedo de Deus (visto de Teresópolis), dos quais se pode usufruir sem qualquer ônus, exatamente como Deus quer.
Aí me dirão os entusiastas da tucanalha, com seu discurso decorado: Belém não merece o que é bom? Não merece coisas sofisticadas?
Merece. Mas dou o exemplo do Costão do Santinho, em Floripa, um dos endereços mais badalados da ilha. Ali foi construído um museu a céu aberto, onde podemos contemplar pinturas rupestres e, através de placas, aprendemos sobre nossos ancestrais pré-históricos, terminando a trilha no alto de uma rocha, tirando fotos com homenzinhos de metal. Tudo de graça, bem ao lado de um dos resorts mais caros do país.
Desenvolvimento é isso: a capacidade de unir a sofisticação com a integração de cada indivíduo. A beleza não é para quem pode pagar para vê-la: deve estar assegurada a qualquer um que nela chegue, nem que seja com os próprios pés.

Acréscimo em 8.9.2011
No mês passado, revi a personagem desta narrativa, após tantos anos. Apresentamos um ao outro nossas filhas e conversamos brevemente. Ela continua morando no Distrito Federal.

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Não era para ser educativo?

Uma coisa que jamais foi implementada, pelo menos nestas paragens, foi a educação para o trânsito feita pelos agentes da CTBel. Estes, como nos acostumamos a escutar, têm como única finalidade multar. Durante o governo de Edmilson Rodrigues, que coincidiu com a consolidação do processo de municipalização da gestão de trânsito em Belém, cunhou-se o mito da "fábrica de multas", usada pelos terroristas de oposição para prejudicar seu governo.
Pessoalmente, nunca acreditei nessa indústria, por uma razão elementar: eu dirigia todo santo dia e, nesse período, jamais fui multado. Minha estreia se deu já na gestão dudúdica e eu juro a vocês que fui vítima de um agente sem vergonha. Ele me multou por estacionar em fila dupla, quando na verdade eu estava retido na entrada do estacionamento de um banco, fechado por um automóvel atrás e outro na frente; só podia andar quando um deles me permitisse.
Essas distorções não ocorreriam se os agentes de trânsito fizessem o seu papel, ou seja, abordassem o condutor para orientá-lo e, em caso de insucesso, aplicassem a multa. Muitos motoristas, que não são sociopatas e sim apenas malandros, bem ao gosto brasileiro, atenderiam. Todavia, a lógica, em Belém, é inversa, desprovida de qualquer finalidade educativa. A prova disso é que os agentes se escondem e, quando veem uma infração, multam. O certo seria ficar em local bem visível, para desestimular a consumação da infração. Afinal, o que queremos é que não ocorram acidentes — isso vale mais do que punir as condutas ilícitas já ocorridas.
O que também não entendo é porque se pune tanto uso de celular e avanço de sinal, mas se faz uma vista grossa absoluta quanto ao emporcalhamento da cidade. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503, de 23.9.1997) determina que "Os usuários das vias terrestres devem (...) abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando, depositando ou abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela criando qualquer outro obstáculo" (art. 26, II). Dispõe também que "A educação para o trânsito é direito de todos e constitui dever prioritário para os componentes do Sistema Nacional de Trânsito" (art. 74). A conduta de "Atirar do veículo ou abandonar na via objetos ou substâncias" constitui infração média, punível com multa (art. 172). O valor da multa é de R$ 85,13 e o motorista recebe quatro pontos em sua carteira.
Por que os agentes não punem quem joga lixo na rua? Eu, que já fui quase atingido por um côco atirado de uma Grand Cherokee, adoraria ver um tipo desses sendo educado. Nem que fosse na marra.

Em tempo: leiam a postagem "A indústria de multas, as araras e os patos", no blog do Fred Guerreiro. Está primoroso. Clique aqui.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Mais uma grande contribuição ao engrandecimento do mundo

Sob a rubrica "Perigo", a coluna Seventy, do maior jornal do mundo (créditos reservados a Juvêncio de Arruda), publicou hoje a seguinte nota:

Atenção, pais, para um recém-lançado jogo para PlayStation, chamado 'Bully'. Ao entrar nas brigas propostas pelo jogo, que se passa numa escola, a criança pode acertar os colegas e os professores com tacos de beisebol. Mas isso não é tudo. Um comando permite ao protagonista Jimmi Hopkins oferecer flores a um colega alto e loiro, que responde com as seguintes frases: 'Adoro presentes. Eu sou gostoso. Você é gostoso. Vamos ficar?' Em seguida, os dois se beijam. Nos Estados Unidos, o jogo foi proibido para menores de 13 anos.

Mas agora pergunto: qual a classificação de um ser humano que engendra um jogo como esse? A que se destina a promoção de violência desmesurada e gratuita, da falta de solidariedade e respeito pelos semelhantes ou pela autoridade? E por mais que sejamos modernos e politicamente corretos quanto à homossexualidade, a que se destina promovê-la? Eu não promoveria um jogo que estimulasse a vida sexual ativa entre adolescentes, por mais heterossexual que fosse.
Para quem não sabe, o jogo em questão faz apologia de crime — o que também é crime. E mesmo que não haja condições de responsabilizar penalmente ninguém, a ausência absoluta de moralidade no jogo justifica que ele seja proscrito do mundo e seus autores severamente repreendidos.
Censura? Pode até ser. Mas o uso irracional e desmedido de um direito vira abuso e, como tal, é punível. Precisa ser.
Sempre detestei jogos eletrônicos e não estou convencido de que eles sejam tão úteis ao desenvolvimento de certas habilidades na criança, tais como atenção e raciocínio — como insistem em verberar os defensores dessas porcarias —, a menos que tenham sido desenvolvidos especificamente com essa finalidade. Mas aí estaríamos falando de jogos educativos e não dos 99,9% dos jogos restantes, aí incluídos todos os famosos, que se destinam apenas a render horas intermináveis de ócio e alienação para seus consumidores — e muito dinheiro no bolso dos fabricantes e vendedores, inclusive das versões de contrafação.

Da casa da mãe Joana

A casa da mãe Joana — Curiosidades nas origens das palavras, frases e marcas é um livro escrito por Reinaldo Pimenta e publicado pela Editora Campus. Contém uma das coisas de que mais gosto, sobre o que já escrevi em textos anteriores: a origem de vocábulos e expressões populares. Considerando o amplo debate que se estabeleceu devido à minha postagem anterior, resolvi desanuviar o clima e escrever um pouco sobre bobagens inúteis, porém divertidíssimas. Hesitei um pouco, afinal até deputado lê meu blog e preciso mostrar respeitabilidade, mas julguei que um momentinho de descontração não faria mal. Eis alguns excertos do livro, transcritos ipsis litteris:

CUECA
-ECO(A) É UM ELEMENTO que veio do grego e significa domicílio, habitat, como em ecologia. Assim, cueca é o domicílio, a casa... de quê? Acertou, isso mesmo. Sim, outras coisas também lá habitam, mas cueca veio mesmo de cu + -eca.
Do mesmo — digamos assim — lugar, temos cueiro (o pano que envolve a criança da cintura para baixo), com a terminação -eiro, que significa lugar para guardar algo (como em açucareiro e tinteiro).
Também daí vieram (a) recuar, de re- (para trás) + cu + -ar; (b) acuar, de a- (direção) + cu + -ar; (c) culatra, do italiano culatta, a parte de trás da arma de fogo.


O DIABO A QUATRO
A EXPRESSÃO É DE ORIGEM FRANCESA (faire le diable à quatre) e provém de representações teatrais medievais, em que o diabo freqüentemente aparecia. Para diabrurinhas, lá vinha um ou dois diabos; para diabruras de porte, o autor da representação usava quatro diabos, que faziam um grande barulho e confusão. Daí o diabo a quatro significar coisas espantosas, grande confusão. Popularmente, a expressão ganhou uma variação grosseira: o caralho a quatro.


A EMENDA SAIU PIOR DO QUE O SONETO
UM JOVEM ASPIRANTE A POETA entregou um soneto de sua autoria ao grande poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), pedindo-lhe que marcasse com uma cruz cada erro encontrado. Bocage leu o poema e devolveu sem nada assinalar, dizendo que as cruzes seriam tantas que a emenda sairia pior que o soneto.


ENTRE A CRUZ E A CALDEIRINHA
FICAR ENTRE A CRUZ E A CALDEIRINHA é estar num dilema, numa situação muito difícil (...). A expressão é originária da Inquisição. O réu tinha duas opções: (a) converter-se ao catolicismo ou (b) morrer. A cruz representa a conversão. Já a caldeirinha tem duas explicações:
1ª) era a caldeira de água fervendo em que a vítima era enfiada quando escolhia a opção "b" (...).
2ª) Representava a encomendação de um cadáver no caixão: junto aos pés, o assistente do padre com a cruz erguida; junto à cabeça, o padre com a caldeirinha, que é o nome do pequeno recipiente para água benta.