Arrefecendo os ânimos exaltados das eleições, quero falar com serenidade sobre um dos pontos que sempre critiquei na administração tucana: a política sobre turismo. Para isso, compartilho uma pequena intimidade.
Anos atrás, já nem lembro quantos, eu passeava com uma amiga que se mudara de Belém e passava alguns dias na cidade. Fomos ao Forte do Castelo, sujo, só não mais abandonado porque submetido à jurisdição militar. Contemplamos a Baía do Guajará debruçados sobre o antigo gradil de ferro azul descascado. Era fevereiro e o tempo fechou, caindo uma chuva por alguns minutos. Nós mal nos abrigamos sob uma castanheira e, de repente, percebemos que queríamos mesmo era nos molhar naquela chuva. Foi o que fizemos, rindo muito. E a amizade de infância deu margem a um clima de enamoramento, daqueles bem inocentes, ainda mais porque sabíamos que nem nos veríamos de novo — como, de fato, nunca mais nos vimos. Ficou uma lembrança doce, apenas.
Anos se passaram. Eu me formei, ganhei uma profissão e vários quilos a mais. Certa tarde, passeava com minha namorada, que hoje é minha esposa, e minha família. Fomos ao rebatizado Forte do Presépio, agora instalado no Complexo Feliz Lusitânia, de padrão tipicamente tucano: obra grandiosa, de deleitar os olhos, mas projetada para um público elitizado. Vai dizer que não? A quem não tem dinheiro para consumir em algum restaurante da Estação das Docas ou no sofisticado Boteco das Onze, só restará olhar a baía e em pé. Claro, um programa agradável, que eu prezo muito — mas não vai além disso.
Nessa tarde, para entrar no forte, precisei pagar dois reais por cada um de meus acompanhantes. Pagar para entrar no Museu do Encontro, correto. Concordo, pois há custos de manutenção. Mas para entrar no forte onde praticamente não há nada para se ver, além da própria baía, que deveria ser sempre vista de graça?
Fiquei indignado, pensando em mim mesmo, anos antes, sem um tostão, e mesmo assim pude viver um momento feliz, porque era de graça. Agora, precisamos pagar até para contemplar a natureza.
Dois reais é o preço de cada atração do Mangal das Garças, inclusive do controvertido borboletário refrigerado e do farol, que não é funcional, mas apenas estético. Isso não está correto. Não pode estar. Em cidades socialmente mais desenvolvidas do que Belém, existem recantos turísticos deslumbrantes, como as aquarelas reais de Florianópolis ou o Dedo de Deus (visto de Teresópolis), dos quais se pode usufruir sem qualquer ônus, exatamente como Deus quer.
Aí me dirão os entusiastas da tucanalha, com seu discurso decorado: Belém não merece o que é bom? Não merece coisas sofisticadas?
Merece. Mas dou o exemplo do Costão do Santinho, em Floripa, um dos endereços mais badalados da ilha. Ali foi construído um museu a céu aberto, onde podemos contemplar pinturas rupestres e, através de placas, aprendemos sobre nossos ancestrais pré-históricos, terminando a trilha no alto de uma rocha, tirando fotos com homenzinhos de metal. Tudo de graça, bem ao lado de um dos resorts mais caros do país.
Desenvolvimento é isso: a capacidade de unir a sofisticação com a integração de cada indivíduo. A beleza não é para quem pode pagar para vê-la: deve estar assegurada a qualquer um que nela chegue, nem que seja com os próprios pés.
Acréscimo em 8.9.2011
No mês passado, revi a personagem desta narrativa, após tantos anos. Apresentamos um ao outro nossas filhas e conversamos brevemente. Ela continua morando no Distrito Federal.
4 comentários:
Bom dia, caríssimo professor.
Com as desculpas pelo comentário que nada tem a ver com o post, tomo a liberdade de pedir-lhe que veja o link abaixo e, se for de seu o interesse, que faça um post para seus fãs e alunos que somos.Um abraço.
http://conjur.estadao.com.br/static/text/49923,1
Olá, Yúdice (interessante seu nome, o que significa?)
Parabéns pelo blog, gostei muito, especialmente desta postagem. Peço licença para te plagiar colocando um comentário com título:
À ESPERA DE POLÍTICAS CULTURAIS
Tudo começou quando recebi vários e-mails de um produtor cultural, que inclusive é responsável pela produção de um dos festivais de dança do Pará. Nos insistentes e-mails ele perguntava, entre outros assuntos, sobre o vice de Ana Júlia. Como ninguém se manifestou ele próprio deu sua resposta - quero esclarecer que sou a favor da liberdade de expressão, mas temo repassar estes e-mails que circulam pela internet porque muitos deles são apócrifos ou mesmo carregam vírus em seus arquivos.
Pois bem, respondi para ele utilizando as palavras da então candidata petista ao governo estadual: "(...)O meu adversário, por exemplo, fica questionando quem é o meu vice, mas será que ele quer dizer que é a vice dele com o marido que governarão o Estado se ele se eleger?". Depois de responder ao produtor e de mandar um texto do Frei Betto em retribuião à crônica do Arnaldo Jabour que ele me mandou, achei produtivo encaminhar para a minha lista a "provocação" (acho o termo pejorativo o termo, mas, em falta de outro, vou deixá-lo), aproveitando o ensejo para discutir sobre políticas culturais, já que muitas pessoas que conheço são da área artística.
Enviei, junto com minha resposta, sete perguntas sobre o assunto, transcritas abaixo:
1 - A dança no Pará tem uma história riquíssima e que já revelou inúmeros bailarinos e coreógrafos mundo afora. Mas dentro do próprio estado esta arte muitas vezes ainda é tratada de maneira equivocada, apesar de ótimas iniciativas de grupos privados ou não. Como ex-bailarina, ex-membro da diretoria da Associação Paraense de Dança (APAD) e estudante de Jornalismo, minha dúvida é a seguinte: a Secretaria Executiva de Cultura (Secult) vai continuar a exercer a política centralizadora e elitista que estamos vivendo há 12 anos, seja qual for o candidato eleito?
2 - A dança paraense, ao que me parece, também já foi "privatizada" no Estado. Uma das provas disso é o fato de que, em sete anos de Festival de Ópera do TP, os mesmo grupos de dança e música participarem de quase todas (ou de todas?) as edições do evento, inclusive recebendo cachê - isso sem falar dos preços do preço da maioria destes suntuosos espetáculos, dos custos para a vinda dos artistas convidados, a maioria solistas (ou diretores, técnicos etc)do festival. Os mesmos seletos grupos locais participam ainda de outras programações do governo estadual, como a programação natalina. Não consigo entender o por que desta ação que se repete a cada ano, sem que nem um jornalista ou alguém da classe da dança questione o fato. Na verdade, isso já foi até feito, ano passado, na audiência pública promovida pela vereadora Vanessa Vasconcelos, que tratou sobre políticas culturais de dança com representantes locais da classe; dos governos municipal e estadual; e demais organizações, fato inédito na nossa história. Grupos e professores da capital e do interior do Estado vieram, com muito esforço, participar e mostrar sua insatisfação. A audiência infelizmente não teve cobertura de nem um jornal local. Minha pergunta é: por que a APAD não reúne a classe para questionar essa política pública que se estende a tanto tempo, sugerindo, quem sabe, a idéia de uma audição para selecionar os bailarinos para participarem destes festivais promovidos pela Secult? Por que algum represente da APAD não esteve presente também no Fórum de Debates ocorrido no Festival de Dança do SESI, mês passado?
3 - Quem dança sabe das dificuldades do dia-a-dia: falta de vale-transporte, sapatilhas, apoio da família e muitas outras. Já vi tantos talentos "pendurarem as sapatilhas" por falta de apoio. Talento, por sinal, é o que não falta na cidade, prova disto é a bailarina paraense Pammela Fernandes Neves, do Ballet Arte, que semana passada concorreu com 500 candidatos na etapa final do concurso nacional que seleciona bailarinos para a escola do Teatro Bolshoi, em Joinville. Além de ganhar bolsa de estudos para a escola, a bailarina conquistou o primeiro lugar geral no concurso. Bailarinos das escolas Ana Unger e Ribalta também foram contemplados com bolsas de estudo da referida escola. Gostaria de perguntar aos bailarinos paraenses se o recebimento de cachê público, mesmo que uma vez por ano, não seria um bom incentivo? Também pergunto a estes bailarinos se gostariam de ter a oportunidade de estudar em uma escola estadual ou, através de concurso público, dançar em um corpo de baile mantido pelo
Estado?
4 - Pelo que saiba, o bailarino paraense não consegue viver profissionalmente somente de sua dança no Pará, sem precisar dar aulas ou abrir escolas. Ou será que alguma escola ou grupo assina contrato e paga mensalmente seus profissionais somente para dançarem para eles? Confesso que se isto acontece, é do meu desconhecimento. Em entrevista feita por mim (em 2002) no extinto Jornal A Província do Pará, perguntei para o Secretário Executivo de Cultura, Paulo Chaves, sobre a possibilidade de criação de um corpo de baile estadual. Ele respondeu que "é complicado manter um artista funcionário público" – quem quiser pode ler a entrevista na íntegra, basta me pedir. Se não me engano, a criação do corpo baile para o TP esta na Agenda Mínima da atual gestão do
governo estadual.
Obs: Sobre este ponto, depois de escrever este e-mail, conferi no site do governo e me certifiquei que está:
"PROMOÇÃO SOCIAL. ÁREA/AÇÃO: Valorização da Cultura Paraense
VALOR: 57.900.000
Corpo de baile do Teatro da Paz VALOR: 1.000.000
Museus contextualizados
META: Implantar 4 no interior. VALOR: 1.400 (...)"
Queria saber se vocês acham que é realmente complicado o artista trabalhar como funcionário público?
"Achar que o artista só cria e não planeja sua carreira ou seu sucesso, é a alienação da informação. Uma das profissões que mais se trabalha é a do artista. Você tem que produzir a sua obra – qualquer que seja – e estar no mercado. Não existe isso: arranjar um emprego de artista vai para lá e no final do mês tem o seu salário. Você tem muitas obrigações. Essa visão romântica de que o artista é aquele pensador, que dá um 'insight' e cria, é pura desinformação. Leonardo Da Vinci trabalhava horrores. Trabalho que até hoje espanta pela força. A carreira de um artista é igual a qualquer outro ofício. Existem mecanismos que fazem parte da profissão, que são diferenciados de outros. Eu não preciso chegar 8 horas, sair meio-dia, mas em compensação, às vezes entro no atelier às oito da noite e saio às quatro da manhã. Então eu não vejo diferença". (Geraldo Teixeira, artista plástico).
5 - O Instituto de Artes do Pará (IAP)nos últimos anos contemplou pouquíssimos projetos de dança, em comparação aos demais. Em alguns anos, inclusive, a dança ficou totalmente de fora, mesmo com mais de sete projetos apresentados. Será que os projetos eram tão ruins assim ou estavam tão mal elaborados? Este é um fator complicado porque muitas vezes o bom artista não é o que tem muitos diplomas ou mesmo verba para contratar alguém para escrever projetos para ele. O IAP, se não estou enganada, há muito tempo não tem alguém da área para avaliar os projetos de dança apresentados. Alguém já se sentiu prejudicado neste processo de seleção?
6 - Fico me perguntando se daqui a algumas décadas o Pará vai homenagear seus bailarinos da mesma forma que o Festival do TP faz com os músicos da terra. Este ano e em 2005 foi festejado o mérito do evento reviver as obras do maestro Gama Malcher, até mesmo resgatando suas obras perdidas, como a ópera "Iara". Isso é fantástico! Fico satisfeita de ver que a memória da nossa história musical está sendo mantida, porém, será que será que nossos "Waldemares", "Augustos", "Guarás'", "Tribos", "Claras", "Verequetes", "Veras", "Rubens", "Auxiliadoras" e tantos outros artistas de longa trajetória vão esperar tanto tempo assim para ser reconhecidos, respeitados, aplaudidos e resgatados pela Secult, em homenagens muitas
vezes póstumas?
7- É uma pena ver que a nossa dança tão rica de ritmos,
influenciada pela colonização mista e pela criatividade amazônida singular não tenha o reconhecimento e o incentivo merecidos dentro do próprio Estado. Tantas coreografias criadas por nossos artistas vão acabar se perdendo com o tempo... Tenho medo de haver "apadrinhamentos" no próximo governo, especialmente na área cultural. Tenho receio de saber que quem vai assumir as decisões sobre Dança no Pará, nos próximos anos, continue enterrando em vida nossos artistas. Tenho medo ainda, tomando emprestadas as palavras de Lúcio Flavio Pinto, do "silêncio sepulcral" da imprensa paraense sobre estas questões. A dança é para todos, é uma das mais belas formas de expressão. Teve o "elitismo", sim, no decorrer de sua própria história, mas hoje sabemos que isso não deveria mais existir. O mais leigo sabe admirar um belo balé, com boa técnica e expressão, pois uma obra de arte leva às mais profundas emoções... Isto se as pessoas tiverem ao menos a chance de assistir ou experimentar os movimentos artísticos.
Apesar de todas estas dificuldades o bailarino paraense continua o seu fazer artístico com talento e muita competência. Aí surge a última pergunta: por que é tão difícil o acesso do bailarino e dos grupos às belas salas de dança do IAP e do Theatro da Paz? E por que a Secult não cede também, além das salas, o TP para grupos de dança ou eventos da área, como o faz para alguns eventos privados de dança?
Obs: Aqui gostaria de acrescentar uma informação que acho relevante. Idealizazei, há dez anos, juntamente com as irmãs de caridade do Abrigo João de Deus, o Cantando e Dançando a Amazônia, em prol de homens e mulheres de rua doentes atendidos pela Casa - entidade filantrópica sem fins lucrativos. Como eu fazia parte da diretoria do abrigo, pedi para a direção que o teatro fosse cedido para o evento ou mesmo que pudéssemos contar com um significativo desconto no valor do aluguel, já que o evento anual é de suma importância por ser a maior promoção do abrigo - que sobrevive de doações e do trabalho voluntário de pessoas e empresas. O então diretor do TP, o saudoso Edwaldo Martins disse que não poderia nos conceder este privilégio, pois não tinha autorização para tal, mas esforçou-se ao máximo para que nossa iniciativa fosse à frente. O resultado deste esforço é que, até o momento, a empresa que ele indicou custeia o valor do aluguel do TP, com a graça de Deus. Patrocínio este que poderia aumentar a renda do evento, que praticamente arrecada, descontando as despesas de produção, somente o valor dos ingressos.
RESUMO DA ÓPERA:
A troca inicial de e-mails transformou-se numa verdadeira lista de discussão que foi crescendo, crescendo... Um fato me intriga até o momento: o colega produtor não participou do processo, mas continuou enviando (repassando) e-mails, aqueles sem fonte, sem comentário adicional e tudo o mais. Bom, acho que democracia é isto também. Da mesma forma que, mesmo sem entender, aceitei o "silêncio" do produtor, tomei a liberdade de ocupar todo este espaço do seu blog para contar esta história, Yúdice. assim que conseguir lembrar a senha do meu próprio blog, vou voltar a tocar no assunto. Passou a época das promessas (bem contabilizadas ou não), agora é hora de cobrar dos nossos governantes.
Um abraço para alguém muito significante no contexto cósmico!
Luciane B. Fiuza de Mello.
Estudante de Jornalismo.
Cara Luciane, efusivos agradecimentos pela contribuição tão rica que ofereceu ao meu blog, a par dos elogios que fez a ele e a mim. Suas razões são tão detalhadas e justas que as transformarei em um post.
Fora isso, meu nome tem alguma coisa a ver com "juiz", em latim, mas não sei ao certo, porque foi maluquice de pai e mãe. Minha mãe é de Òbidos e lá existe uma família Iúdice. Acho que essa foi a referência mais imediata dela. Um abraço.
Eu é te agradeço por ter me cedido este espaço, ou melhor, estes espaços, já que tive meu comentário publicado duas vezes, o que me deixou muito feliz. Minhas razões são todas comprovadas e é por isto que espero sinceramente mais boa vontade de nossos governantes em relação aos nossos artistas.
essa história do seu nome é ótima. Caso "Lúdice" tenha sido a provável origem, achei interessante o seu nome ter ligação com a área jurídica, por isso que achei aldo de cósmico no seu nome.
Um abraço!!!
Luciane.
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