Tudo começou quando recebi vários e-mails de um produtor cultural, que inclusive é responsável pela produção de um dos festivais de dança do Pará. Nos insistentes e-mails ele perguntava, entre outros assuntos, sobre o vice de Ana Júlia. Como ninguém se manifestou ele próprio deu sua resposta - quero esclarecer que sou a favor da liberdade de expressão, mas temo repassar estes e-mails que circulam pela internet porque muitos deles são apócrifos ou mesmo carregam vírus em seus arquivos. Pois bem, respondi para ele utilizando as palavras da então candidata petista ao governo estadual: "(...)O meu adversário, por exemplo, fica questionando quem é o meu vice, mas será que ele quer dizer que é a vice dele com o marido que governarão o Estado se ele se eleger?".
Depois de responder ao produtor e de mandar um texto do Frei Betto em retribuição à crônica do Arnaldo Jabour que ele me mandou, achei produtivo encaminhar para a minha lista a "provocação" (acho o termo pejorativo o termo, mas, em falta de outro, vou deixá-lo), aproveitando o ensejo para discutir sobre políticas culturais, já que muitas pessoas que conheço são da área artística. Enviei, junto com minha resposta, sete perguntas sobre o assunto, transcritas abaixo:
1 - A dança no Pará tem uma história riquíssima e que já revelou inúmeros bailarinos e coreógrafos mundo afora. Mas dentro do próprio estado esta arte muitas vezes ainda é tratada de maneira equivocada, apesar de ótimas iniciativas de grupos privados ou não. Como ex-bailarina, ex-membro da diretoria da Associação Paraense de Dança (APAD) e estudante de Jornalismo, minha dúvida é a seguinte: a Secretaria Executiva de Cultura (Secult) vai continuar a exercer a política centralizadora e elitista que estamos vivendo há 12 anos, seja qual for o candidato eleito?
2 - A dança paraense, ao que me parece, também já foi "privatizada" no Estado. Uma das provas disso é o fato de que, em sete anos de Festival de Ópera do TP, os mesmo grupos de dança e música participarem de quase todas (ou de todas?) as edições do evento, inclusive recebendo cachê - isso sem falar dos preços do preço da maioria destes suntuosos espetáculos, dos custos para a vinda dos artistas convidados, a maioria solistas (ou diretores, técnicos etc)do festival. Os mesmos seletos grupos locais participam ainda de outras programações do governo estadual, como a programação natalina. Não consigo entender o por que desta ação que se repete a cada ano, sem que nem um jornalista ou alguém da classe da dança questione o fato. Na verdade, isso já foi até feito, ano passado, na audiência pública promovida pela vereadora Vanessa Vasconcelos, que tratou sobre políticas culturais de dança com representantes locais da classe; dos governos municipal e estadual; e demais organizações, fato inédito na nossa história. Grupos e professores da capital e do interior do Estado vieram, com muito esforço, participar e mostrar sua insatisfação. A audiência infelizmente não teve cobertura de nem um jornal local. Minha pergunta é: por que a APAD não reúne a classe para questionar essa política pública que se estende a tanto tempo, sugerindo, quem sabe, a idéia de uma audição para selecionar os bailarinos para participarem destes festivais promovidos pela Secult? Por que algum represente da APAD não esteve presente também no Fórum de Debates ocorrido no Festival de Dança do SESI, mês passado?
3 - Quem dança sabe das dificuldades do dia-a-dia: falta de vale-transporte, sapatilhas, apoio da família e muitas outras. Já vi tantos talentos "pendurarem as sapatilhas" por falta de apoio. Talento, por sinal, é o que não falta na cidade, prova disto é a bailarina paraense Pammela Fernandes Neves, do Ballet Arte, que semana passada concorreu com 500 candidatos na etapa final do concurso nacional que seleciona bailarinos para a escola do Teatro Bolshoi, em Joinville. Além de ganhar bolsa de estudos para a escola, a bailarina conquistou o primeiro lugar geral no concurso. Bailarinos das escolas Ana Unger e Ribalta também foram contemplados com bolsas de estudo da referida escola. Gostaria de perguntar aos bailarinos paraenses se o recebimento de cachê público, mesmo que uma vez por ano, não seria um bom incentivo? Também pergunto a estes bailarinos se gostariam de ter a oportunidade de estudar em uma escola estadual ou, através de concurso público, dançar em um corpo de baile mantido pelo Estado?
4 - Pelo que saiba, o bailarino paraense não consegue viver profissionalmente somente de sua dança no Pará, sem precisar dar aulas ou abrir escolas. Ou será que alguma escola ou grupo assina contrato e paga mensalmente seus profissionais somente para dançarem para eles? Confesso que se isto acontece, é do meu desconhecimento. Em entrevista feita por mim (em 2002) no extinto Jornal A Província do Pará, perguntei para o Secretário Executivo de Cultura, Paulo Chaves, sobre a possibilidade de criação de um corpo de baile estadual. Ele respondeu que "é complicado manter um artista funcionário público" – quem quiser pode ler a entrevista na íntegra, basta me pedir. Se não me engano, a criação do corpo baile para o TP esta na Agenda Mínima da atual gestão do governo estadual.
Obs: Sobre este ponto, depois de escrever este e-mail, conferi no site do governo e me certifiquei que está: "PROMOÇÃO SOCIAL.
ÁREA/AÇÃO: Valorização da Cultura Paraense
VALOR: 57.900.000
Corpo de baile do Teatro da Paz
VALOR: 1.000.000
Museus contextualizados
META: Implantar 4 no interior.
VALOR: 1.400 (...)"
Queria saber se vocês acham que é realmente complicado o artista trabalhar como funcionário público?
"Achar que o artista só cria e não planeja sua carreira ou seu sucesso, é a alienação da informação. Uma das profissões que mais se trabalha é a do artista. Você tem que produzir a sua obra – qualquer que seja – e estar no mercado. Não existe isso: arranjar um emprego de artista vai para lá e no final do mês tem o seu salário. Você tem muitas obrigações. Essa visão romântica de que o artista é aquele pensador, que dá um 'insight' e cria, é pura desinformação. Leonardo Da Vinci trabalhava horrores. Trabalho que até hoje espanta pela força. A carreira de um artista é igual a qualquer outro ofício. Existem mecanismos que fazem parte da profissão, que são diferenciados de outros. Eu não preciso chegar 8 horas, sair meio-dia, mas em compensação, às vezes entro no atelier às oito da noite e saio às quatro da manhã. Então eu não vejo diferença". (Geraldo Teixeira, artista plástico).
5 - O Instituto de Artes do Pará (IAP)nos últimos anos contemplou pouquíssimos projetos de dança, em comparação aos demais. Em alguns anos, inclusive, a dança ficou totalmente de fora, mesmo com mais de sete projetos apresentados. Será que os projetos eram tão ruins assim ou estavam tão mal elaborados? Este é um fator complicado porque muitas vezes o bom artista não é o que tem muitos diplomas ou mesmo verba para contratar alguém para escrever projetos para ele. O IAP, se não estou enganada, há muito tempo não tem alguém da área para avaliar os projetos de dança apresentados. Alguém já se sentiu prejudicado neste processo de seleção?
6 - Fico me perguntando se daqui a algumas décadas o Pará vai homenagear seus bailarinos da mesma forma que o Festival do TP faz com os músicos da terra. Este ano e em 2005 foi festejado o mérito do evento reviver as obras do maestro Gama Malcher, até mesmo resgatando suas obras perdidas, como a ópera "Iara". Isso é fantástico! Fico satisfeita de ver que a memória da nossa história musical está sendo mantida, porém, será que será que nossos "Waldemares", "Augustos", "Guarás'", "Tribos", "Claras", "Verequetes", "Veras", "Rubens", "Auxiliadoras" e tantos outros artistas de longa trajetória vão esperar tanto tempo assim para ser reconhecidos, respeitados, aplaudidos e resgatados pela Secult, em homenagens muitas vezes póstumas?
7- É uma pena ver que a nossa dança tão rica de ritmos, influenciada pela colonização mista e pela criatividade amazônida singular não tenha o reconhecimento e o incentivo merecidos dentro do próprio Estado. Tantas coreografias criadas por nossos artistas vão acabar se perdendo com o tempo... Tenho medo de haver "apadrinhamentos" no próximo governo, especialmente na área cultural. Tenho receio de saber que quem vai assumir as decisões sobre Dança no Pará, nos próximos anos, continue enterrando em vida nossos artistas. Tenho medo ainda, tomando emprestadas as palavras de Lúcio Flavio Pinto, do "silêncio sepulcral" da imprensa paraense sobre estas questões. A dança é para todos, é uma das mais belas formas de expressão. Teve o "elitismo", sim, no decorrer de sua própria história, mas hoje sabemos que isso não deveria mais existir. O mais leigo sabe admirar um belo balé, com boa técnica e expressão, pois uma obra de arte leva às mais profundas emoções... Isto se as pessoas tiverem ao menos a chance de assistir ou experimentar os movimentos artísticos. Apesar de todas estas dificuldades o bailarino paraense continua o seu fazer artístico com talento e muita competência. Aí surge a última pergunta: por que é tão difícil o acesso do bailarino e dos grupos às belas salas de dança do IAP e do Theatro da Paz? E por que a Secult não cede também, além das salas, o TP para grupos de dança ou eventos da área, como o faz para alguns eventos privados de dança?
Obs: Aqui gostaria de acrescentar uma informação que acho relevante. Idealizazei, há dez anos, juntamente com as irmãs de caridade do Abrigo João de Deus, o Cantando e Dançando a Amazônia, em prol de homens e mulheres de rua doentes atendidos pela Casa - entidade filantrópica sem fins lucrativos. Como eu fazia parte da diretoria do abrigo, pedi para a direção que o teatro fosse cedido para o evento ou mesmo que pudéssemos contar com um significativo desconto no valor do aluguel, já que o evento anual é de suma importância por ser a maior promoção do abrigo - que sobrevive de doações e do trabalho voluntário de pessoas e empresas. O então diretor do TP, o saudoso Edwaldo Martins disse que não poderia nos conceder este privilégio, pois não tinha autorização para tal, mas esforçou-se ao máximo para que nossa iniciativa fosse à frente. O resultado deste esforço é que, até o momento, a empresa que ele indicou custeia o valor do aluguel do TP, com a graça de Deus. Patrocínio este que poderia aumentar a renda do evento, que praticamente arrecada, descontando as despesas de produção, somente o valor dos ingressos.
RESUMO DA ÓPERA: A troca inicial de e-mails transformou-se numa verdadeira lista de discussão que foi crescendo, crescendo... Um fato me intriga até o momento: o colega produtor não participou do processo, mas continuou enviando (repassando) e-mails, aqueles sem fonte, sem comentário adicional e tudo o mais.
Bom, acho que democracia é isto também. Da mesma forma que, mesmo sem entender, aceitei o "silêncio" do produtor, tomei a liberdade de ocupar todo este espaço do seu blog para contar esta história, Yúdice. assim que conseguir lembrar a senha do meu próprio blog, vou voltar a tocar no assunto. Passou a época das promessas (bem contabilizadas ou não), agora é hora de cobrar dos nossos governantes.
Um abraço para alguém muito significante no contexto cósmico!
Luciane B. Fiuza de Mello.
Estudante de Jornalismo.
Muitíssimo obrigado, Luciane. Eis aí suas inquietações. Como meu irmão é ator e dramaturgo, imagino que haverá um próximo texto chamado "À espera de políticas culturais — Teatro". É isso aí: temos que dar ideias aos governantes e cobrar a sua realização. Abraços.
7 comentários:
Luciane, aqui e seu amigo de Marcelo de Sá de Macapá-Amapá, gostei muito do texto essas situações tem que acabar em nosso país, não devemos ficar acomodados devemos reclamar e chamar a atenção das autoridades e da sociedade para a valorização de nossa cultura, aqui no Amapá não e muito diferente do Pará no dia da Cultura não aconteceu nenhum evento em comemoração ao dia Cultura.Por ai você deve imaginar o resto...
Bom eu lembrei de você quando assistir o espetáculo de Dança Grito Verde da Companhia de Dança do Amazonas.
beijos e abraços e vamos a luta!!
Não sei se estou comentando correto. Vai mais uma tentativa:
Yúdice, acabo de ganhar o dia, a semana, o mês... Quanta honra ver meu (longo) comentário, além de publicado, virar post. Eu é que agradeço muitíssimo pelos elogios e pelo imenso prazer de poder me expressar neste espaço. Prezado professor, essas "inquietações" já me deram muita dor de cabeça na vida, mas nada supera a consciência limpa de não se omitir diante do que, muitas vezes, de tão óbvio talvez talvez fique obscuro. Rezo para que as inquietações nunca me abandonem, nunca nos abandone.
Vou ficar cobrando o próximo capítulo, sobre Teatro. Seu irmão pode ficar com esta responsabilidade.
Sobre o que você falou sobre políticas turíticas,concordo também. pagar para entrar nos espaços do Mangal é um absurdo. E almoçar por lá é para poucos. acho que na Estação muitos só conseguem tomar um sorvete e comer uma pipoquinha porque a maioria também é muito cara. Bom, é minha opinião, acho que o povo não foi o maior beneficiado com todas essas obras, anão ser que sejam repensados ao menos os crtérios de utilização destes espaços públicos. Desta forma, esses lugares, privilegiados pela beleza natural da nossa terra, servirão não só aos turistas e aos poucos privilegiados paraenses.
Um abraço,
Luciane.
Desde que conheci a Luciane vi de cara que ela possuia todos as boas qualidades de uma boa jornalista. É crítica, questionadora e principalmente antenada com tudo o que acontece ao seu redor. Parabéns pelo texto e pelo conteúdo.
Jô Oliveira - Jornalista (Ponta Grossa - PR)
Oi Lù!
Mulher de coragem, mulher da verdade! essa é a tua personalidade.
Muito difìcil hoje, ver uma jornalista como vc, que tem como ìnicio de carreira,temas tão pouco comentado como a "Dança" que n deixa de ser um trabalho alem da arte. Admiro muito sua coragem na hora de criticar, n so pela crìtica e sim pela verdade.
Parabéns e muito sucesso na sua profissão.
Ora, Luciane, eu é que saí lucrando ao publicá-lo: ganhei visitantes entre os teus fãs, que vão se avolumando. Um abraço.
PS - Que respostas te devo?
Que ótimo e entusiasmante texto.Que sirva pra nos tirar do comodismo(bailarinos,coreógrafos,enfim, nós artistas performaticos do Estado do Pará)
Hoje me questiono bastante a respeito disso.Estudando mais a área,vejo a fata de respeito de variadas formas com os artistas Paraenses,ha que se salva ainda de certa forma(digo,que é um pouco mais valorizada)mas tambem ainda muito deficiente em suas politicas pulblicas é a música.Éclaro que não por falta de projetista para o melhoramento,mas de realizadores,execultores(poder público).
Mas será que as outras áreas da arte,também não mereciam o minimo de respeito como a música,aliás quero mesmo um respeito a altura,a todas as clases artisticas do meu Estado.
Nós temos excelente pessoas que com suas limitações vem fazendo de forma suada,fadigosa,mas brilhante um bom trabalho para treinar seus seguidores,os novos artistas do Pará.Indo mais para o lado da dança,os poucos que ousam dançar de carater mais sério no Estado.Acho que o Pará ainda tem sorte de poder contar com esses poucos discipulos da dança,das artes pláticas,musicistas e etc...
Talvez fosse melhor,que por um momento,todos nós das artes desaparecessi-mos,para quem sabe quando precisassem de nós,por mínima ajuda que seja,esse "senhores(as)poderosos(as)" não tivessem a quem correr atraz quando estivessem que precisando.
Para aprender da valor ao que é seu.Mas o Pará não merece isso! Querer abraçar uma carreira artistica np Estado,não é nada fácil,não é simples nas grandes metropole,que dirá nas metropoles de menores.
Os artistas paraenses,merecem respeito!
São variadas as flechas que tentam nos paralizar:São preconceitos de todas as formas,falta de oportunidade,falta de dinheiro,falta de politicas publicas,e acima de tudofalta de amor e de respeito que ama tantto o Estado, e que adoraria usar as cores,os movimentos os texto para cantar o Para de forma bela dentro e fora das nossas fronteiras.Mas estamos abandonados praticamente.é muito pouco o que fazem...
A classe que hoje tenta amar seu Estado está cansada,lidar com artes,é trabalhar com inspiração é falar,dançar,cantar,escrever atraves das mais variadas obras de arte nossa história e nossa identidade,mas fica dificiu pesquisar,trabalhar,fazer tudo isso quando aquele que queremos homenagiar(nosso estado)falar que tudo tá lindo no Pará,quando não existe isso,quando nós somos traidos.É contar um mentira sem tamanho,é enganar nós mesmo,o povo e quem tá lá fora.É dificio falar d1aquilo que não experimentamos na pele,adaquilo que não é verdade em para nós artistas.
Estamos sendo traidos pelos governates,esquecidos,desprestigiados,deixados no banco de resrva,e olha que não é por pouco tempo.
A história do corpo de Baile do teatro da paz,é uma vergonha para nós paarenses.A mídia nem toca no assunto,que terrivel,procurei horrores artigos é nada,até que achei esse blog,falando a respeito e uma ou outro por aí.Converso com professores,os poucos bons entendedores da área,e eles lamentma,mas poder publico já viu argumentam...
Que triste e lamentavel situação,num otro artigo da na internete,vi um projeto para a discurssão da criação do corpo de baile mas até agora nada,é mais um na sala de espera...
Torço para que o governo atual,valorize e crie esssa Cia.pois acredito profundamente,que os nossos artistas,os anteriores e os mais recentes,merecem essa homenagem,essa injeção de ânimo...
Quem ganha é o povo do pará,nós todos,temos grandes pessoas,talentisissimas pra falar a verdade,esperando sue voto de confiança para mostra o Pará de forma bela aqui e lá fora.
Nossa, anônimo, você "desencavou" uma postagem antiga, de novembro de 2006, quando eu esperava alguma posição do governo Ana Júlia, então eleito, acerca da cultura do Estado.
Pois bem, mais de um ano se passou e imagino que sua frustração prossegue, apesar de uma ou outra boa realização do governo na área.
Fico satisfeito de ter servido de alento a suas angústias, muito embora o real mérito neste caso seja da Luciane.
Espero sinceramente que artistas, como você e meu irmão, tenham o que comemorar, ainda neste ano de 2008. Boa sorte.
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