Acabei de ler a matéria de capa da revista Época desta quinzena (n. 443, de 13.11.2006), apresentada, como sempre, de modo espetaculoso: "A ciência vai matar Deus? A nova cruzada dos cientistas ateus para reduzir a influência da religião no mundo moderno".
Recomendo a leitura, que é interessante e somente com ela se poderá ter uma compreensão mais clara do tema. Em síntese, vem-se desenvolvendo um movimento de "novos ateus", que "condenam não apenas a crença em Deus, mas também o respeito pela crença em Deus". Embora se expresse dessa forma, a revista afirma que os líderes desse movimento — que não é organizado, mas um conjunto de manifestações espontâneas e independentes — não pretender desrespeitar ninguém, mas tão somente conquistar os agnósticos (pessoas que têm dúvidas sobre a existência de Deus) e que, supostamente, têm aumentado em quantidade. Assevera-se que o ateísmo militante está em declínio, porém crescem a cada dia "a indiferença religiosa e a ausência de Deus na vida privada".
O movimento constitui uma reação ao fundamentalismo religioso, que se tem disseminado nas últimas duas décadas, graças a que a religião voltou a atrapalhar o progresso científico. O processo foi desencadeado em 1978 com o sucesso da fertilização in vitro. Nos anos 1980, o foco foi a epidemia de AIDS. Mais recentemente, a polêmica versava sobre clonagem e células-tronco.
O queixume dos cientistas tem lá sua lógica, pois nos EUA, um dos países que mais investe em pesquisa científica, George W. Bush foi re-eleito graças a uma "coalizão cristã" que, agora, "influencia a política federal para assuntos que vão da Justiça à alocação de verbas para a pesquisa". A par disso, temos a ridícula (permitam-me o adjetivo) insistência em ensinar, nas escolas, o "criacionismo científico" (expressão que me parece uma contradição em termos). No Rio de Janeiro, desde 2000, graças a Anthony Garotinho, já começou a lecionar o criacionismo.
Enfim, a interminável batalha entre ciência e religião faz jus ao qualificativo e ganha novos ares, mais raivosos e, por isso mesmo, mais fadados a propiciar a infelicidade geral. O interessante, contudo, é observar a dinâmica desse fenômeno, que funciona como um cabo de guerra: um grupo que ganha poder puxa com mais força e o adversário, perdendo terreno, se reorganiza, redistribui suas forças e volta a puxar, ganhando território.
Vide que há muitos séculos a religião se estruturou para dominar o mundo. Quando segmentos sociais fugiram de seu jugo, o cientificismo cego se exacerbou e a religião foi tratada como uma desgraça. Porém, quando a religião não deu às pessoas o que elas queriam, solitárias e desejosas de esperança, tornaram às religiões, cada vez mais sectárias, menos ligadas a Deus e mais proselitistas; o bom senso cedeu espaço a crenças vãs e a ciência voltou a ser fustigada. E agora cientistas equivocados reagem. É isso...
A reportagem em questão permite que se conclua algo que eu sempre soube e que continuo a defender: o caminho correto é o do meio. Considero importantíssimo ter uma religião, pois acho que um materialista sofre horrivelmente ao pensar na morte — a sua e a das pessoas amadas. Eu tenho uma, sou espírita e, por isso mesmo, respeito a ciência. Até porque Kardec disse que quando o Espiritismo se chocasse com a ciência, devíamos escolher a ciência. Ele sabia que as conquistas científicas são consentidas por Deus, para o progresso da humanidade.
(Pausa reflexiva.)
Comecei a elucubrar sobre religião. Mas a minha intenção era apenas comentar a polêmica crescente. Então, informem-se e... Deus, as forças cósmicas, a consciência, Gaia, os extraterrestres, Elvis Presley ou o acaso hão de indicar o que devem fazer.
4 comentários:
Cara. Que post maravilhoso. Sugiro que vc dê uma lida no livro conjunto de Humberto Eco e Cardeal Carlo Maria Montini (da Congregação para a doutrina da Fé - antiga inquisição). Chama-se "Em que crêem os que não crêem". Um debate inesquecível que toca precisamente nesta questão, com grande profundidade.
Lá vc vai ver, que os ateus estarão fazendo o bem se forem éticos, no sentido filosófico da palavra. Ser ético, tido como a plena consciência do outro.
Por aí vai.
Só lendo mesmo.
Abs
Barretto, obrigado pela indicação bibliográfica. Hoje em dia, com a internet, fica relativamente fácil achar e comprar essas coisas com que nos defrontamos de repente. Achei a idéia do livro fantástica e, devido a alguns fanatismos religiosos que tenho ao meu redor, tal obra ainda pode me ser útil num sentido pragmático. Valeu.
E o livrinho é magrinho. Nem causa tanto peso ao ler. Mas o conteúdo, vai te preparando.
Hehehe...
Gostei mais da última frase... estilosa...
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