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terça-feira, 16 de março de 2021

Vamos debater racismo que encarcera?

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) foi fundado em 1992 para realizar estudos aprofundados, claro, em ciências criminais, tanto as jurídico-dogmáticas quanto as sociais. Em seus 29 anos de existência, construiu uma reputação respeitadíssima, pela qualidade dos juristas de todo o país envolvidos, dos eventos realizados, das publicações que oferecem à comunidade. Sua preocupação com o Estado democrático de Direito e com a defesa das humanidades é absoluta.

Dentre as suas muitas iniciativas estão os grupos de estudos avançados, organizados em cada Estado. Aqui no Pará o GEA tem por coordenadora a Profa. Dra. Luanna Tomaz de Souza, da Universidade Federal do Pará. São coordenadores adjuntos, além deste que vos escreve, os colegas Alexandre Julião, Antonio Fernandes, Emy Mafra, Laís Maia, Lucas Morgado, Rafael Fecury e Samara Siqueira.

Este ano, o tema do estudo não podia ser mais oportuno: Sistema penal e racismo no Brasil. As inscrições estão abertas, conforme as instruções abaixo.


Estão abertas as inscrições para o grupo de estudos avançados do IBCCrim no Pará. Com o tema “Sistema penal e racismo no Brasil”, o GEA é voltado para graduandos(as) e graduados(as) do Direito e demais áreas das ciências humanas.

Os encontros ocorrerão on-line e terão duração de 9 meses.  As vagas são limitadas!

Informações em: https://www.ibccrim.org.br/cursos-e-eventos/exibir/gea-para-pa-sistema-penal-e-racismo-no-brasil

Se você está cursando ou já possui graduação em Direito ou em áreas afins, venha enriquecer a sua formação pessoal e o seu currículo com essa experiência.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Sensação de racismo

Para quem ainda acredita que o vice-presidente da República é melhor do que o titular do cargo, hoje tivemos uma bela demonstração do erro (se é que se pode tratar como erro). Em pleno dia da consciência negra, e horas após o assassinato de mais um brasileiro preto, em uma rede de supermercados que já registra três outros casos em seu histórico, o tal fulano declarou:


A declaração foi pública e oficial. Não adianta dizer que estou compartilhando fake news. E ela bem demonstra como estão as coisas no Brasil, atualmente. Vocês se lembram do então ministro da Fazenda do Brasil, Rubens Ricúpero, em entrevista concedida no dia 1º.9.1994, dizendo: "Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde"? Sem saber que a conversa estava sendo gravada, o ministro mostrou como pensa um político padrão. A frase ganhou imensa repercussão nacional. Mas sabe o que é pior? É pensar que 1994 ainda era menos sórdido do que agora.

No Brasil de hoje, o que é ruim não é escondido: é eliminado. Todas as mazelas nacionais são resolvidas do mesmo e simplório modo: mediante uma singela negação por parte do governo. Não existe desmatamento, nem corrupção no governo, nem racismo neste país. Porque "para mim" não existe. É uma percepção minha. E as percepções dessa gente do governo prevalecem sobre qualquer realidade, mesmo a mais evidente.

Eu me pergunto como se sentiram os parentes de João Alberto Silveira Freitas, o assassinado de ontem, ao tomarem conhecimento da declaração. Como se sentiram os demais brasileiros pretos, que todos os dias experimentam o peso dessa coisa que não existe, que é apenas uma tentativa de importação ideológica, ao ponto de temerem pela própria vida. Exceto, é claro, aquele vereador de São Paulo (e olha que até ele tuitou em protesto contra o crime!) e aquele sujeito que preside atualmente a Fundação Palmares. Eu, que sou pardo, segundo a minha certidão de nascimento, e que nunca fui prejudicado por minha cor, me senti extremamente mal. Imagine os pretos.

O vice só é melhor do que o titular em capacidade intelectual, nível de instrução e educação no trato com terceiros. Mas naquilo que importa para a gestão de um país diverso e sofrido como o Brasil, eles são como escolher entre morrer de câncer no pulmão ou de câncer no cérebro. Você tem preferência?

Mas esse é o projeto eleito em 2018. Não basta defender tudo aquilo que limita, humilha, degrada e, por fim, mata as pessoas comuns, aquelas que não pertencem às elites. Porque isso muitos outros também fizeram, mas fingindo que se importavam. Negando seus reais sentimentos. Mostrando em público uma solidariedade que na verdade não existe, como o governador de São Paulo, p. ex. Essa turma aí não consegue calar a boca; não se furta de dizer coisas que tornam tudo ainda mais horrendo e inaceitável. São os piores representantes daquilo que há de pior entre os representados.

Meus pêsames às pessoas enlutadas hoje, pelo crime noticiado. Veremos qual será o nosso motivo amanhã.

PS  Sim, como você percebeu, eu não escrevo os nomes dessa canalha. Eu escrevo os nomes de seres humanos, daqueles que merecem ser lembrados. Quem extrapola o limite da indignidade não deve ser nominado em hipótese alguma, exatamente como se deve fazer em relação a terroristas e psicopatas em busca de fama. Se ninguém desse espaço a eles, não seriam eleitos.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O ápice da irracionalidade de Estado

Quando se pensa em filmes com temática de oposição à pena de morte, é possível que o primeiro título que venha à mente seja A vida de David Gale (The life of David Gale, dir. Alan Parker, 2003). Na trama, um professor e ativista contra a pena capital é condenado à dita cuja, pelo estupro e assassinato de uma amiga. Está em questão, como sempre, um possível erro judiciário, mas o roteiro tenta oferecer mais do que isso como solução para o drama.


Mas não podemos esquecer-nos do excelente Os últimos passos de um homem (Dead man walking, dir. Tim Robbins, 1995), baseado no livro da freira Helen Prejean, contando a experiência real que teve como guia espiritual de um condenado à morte. Embora o julgamento se baseasse em provas questionáveis, a verdade por trás da sentença leva a um contundente discurso sobre quão errado é matar, não importam as circunstâncias.


Podemos recordar até o maravilhoso À espera de um milagre (The green mile, dir. Frank Darabont, 1999). Drama com realismo fantástico baseado em romance de Stephen King, a princípio tem mais a ver com poderes sobrenaturais e suas consequências sobre as vidas afetadas. Mas pode ser bem explorado por um criminólogo, já que ali temos um negro considerado ameaçador por seu porte físico e sua condição de forasteiro (estereotipização) e o empenho da comunidade em condená-lo simplesmente porque tudo indica que seja culpado e não há outro suspeito.


A lista acaba de ser honrosamente ampliada com Luta por justiça (Just mercy, dir. Destin Daniel Cretton, 2019). Aqui temos a inusitada história real de Bryan Stevenson, um jovem negro americano que saiu de uma infância de grande pobreza para a oportunidade de cursar Direito em Harvard (ainda gostaria de saber como pagou por seus estudos). Idealista, abdicou da possibilidade de uma carreira como quase todos buscam (de satisfação pessoal e sucesso financeiro) pelo objetivo de prestar assistência legal a condenados à morte no Estado do Alabama, uma região especialmente racista em um país essencialmente racista, como são os Estados Unidos. E como somos nós.


O filme, baseado no livro de Stevenson, se concentra no caso de Walter "Johnny D" McMillian, condenado à morte pelo assassinato de uma jovem branca de 18 anos. Todavia, a intenção não é narrar mais uma história de um Davi negro contra o Golias-Estado, com sua eterna cantilena sobre "justiça" e "respostas para a sociedade". O objetivo é denunciar, mais uma vez, um sistema concebido para punir os negros simplesmente por essa sua condição. Isso explica o promotor de justiça dizer que tem certeza da culpa do réu só de lhe olhar a cara. Isso também explica o forjar de provas, a coação de testemunhas, a fabricação de falsos depoimentos, a perseguição ao advogado e a quem possa auxiliá-lo, bem como a tranquilidade com que o judiciário insiste em ignorar provas ou a falta delas. Um grande mais do mesmo que precisa ser repetido à exaustão, já que vivemos hoje como há 10, 20, 50 anos atrás e, aparentemente, a maioria de nós prefere assim, nem que seja por omissão.


O maior mérito de Luta por justiça (não gosto do título em português, mas reconheço que tem coerência com as falas dos personagens), contudo, não é mostrar a defesa que falha ou a que dá certo; nem mesmo a previsível reação da população branca, e particularmente da polícia, ao trabalho em prol dos condenados mais odiados. Mas dar o devido destaque a um dentre os diversos movimentos em atuação nos Estados Unidos, para garantir uma defesa tecnicamente competente e o efetivo respeito aos direitos constitucionais, penais e processuais (ou, como preferem os estadunidenses, os "direitos civis") de uma população vulnerável e intensamente perseguida. Pessoas que, nas palavras de Johnny D, já nascem condenadas.

Os verdadeiros McMilian e Stevenson

No caso de Stevenson, a organização se chama Equal Justice Iniciative, fundada em 1989 e ainda em atividade. Aliás, foi um bálsamo, para mim, saber que Stevenson, hoje com 60 anos, segue vivo e atuante, à frente de uma grande equipe de advogados, que já conseguiu reverter mais de 140 condenações à morte. Se o número assusta, as legendas finais também informam que, de cada 9 condenações à morte, 1 acaba revertida, provando de modo cabal que o sistema punitivo impõe sofrimento extremo e irremediável com absolutas tranquilidade e irresponsabilidade. Nada mais natural supor que, com um pouco mais de boa vontade, a estarrecedora estatística de "erros" judiciários seria ainda mais alarmante.

O objetivo desta postagem não era fazer uma crítica sobre o filme, tarefa que deixo aos que realmente entendem do riscado, os quais dividirão espaço com os inúmeros donos da verdade que habitam a internet. Mas, ainda sob o efeito da sessão que compartilhei com minha filha, quis trazer à baila a importância de filmes como este, que não precisam ser originais ou inovadores, porque a repetição de certas fórmulas e temáticas é a prova, que nos soca a cara, do quanto insistimos em não melhorar enquanto humanidade, preferindo os discursos vazios com que pretendemos legitimar o olho por olho como expressão de justiça ainda em nossos dias.

[Post scriptum]

Expliquei a minha filha que essas tantas iniciativas estadunidenses de assistência jurídica a condenados surgiram por causa da pena de morte, uma realidade diferente da brasileira. Ela me questionou se temos pena de morte no Brasil. E aí chegamos ao vespeiro. A Constituição de 1988 dispõe que somente condenados por crimes de guerra, em situação de guerra declarada, poderiam sofrer a tal pena capital (que, segundos muitos, nem pode ser considerada como "pena", já que não possui idoneidade ressocializadora nem preventiva, resumindo-se a mera vingança).

Mas entre as intenções legisladas e a realidade cotidiana do extermínio negro nas ruas de cada cidade brasileira medeia um abismo tão horrendo que, ouso dizer, somos bem piores do que a pior máquina de gastar gente (termo de Darcy Ribeiro) do Ocidente, que é o sistema punitivo daquela que se autoproclama "America". Porque sequer nos damos ao trabalho de fingir uma aparência de legalidade. Vamos pela via da execução sumária, mesmo. Notória, legitimada pelo silêncio obsequioso das agências punitivas e aclamada, com todo o entusiasmo, pelos aplausos da gente de bem.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Dias inócuos

Quando foi promulgada a lei instituindo o Dia Nacional do Macarrão (Lei n. 13.050, de 8.12.2014), as redes sociais se encheram de críticas à presidente reeleita, com as quais os bem informados brasileiros pretendiam responsabilizá-la por uma ação tola e inútil. Escrevi uma postagem tentando alguns esclarecimentos (leia aqui).

Mas, independentemente de mim, os críticos pararam de se preocupar com a produção legislativa brasileira. Neste ano de 2015, já foram publicadas 22 leis. Destas, nada menos que 9 instituem o dia de alguma coisa.

Foram instituídos os dias do humorista, do pedagogo, do fisioterapeuta e do terapeuta ocupacional, de atenção à dislexia, da conquista do voto feminino no Brasil, da vigilância sanitária, do técnico agrícola, da parteira tradicional e do milho. Antes disso, ainda em 2014, mas depois do macarrão, tivemos leis criando datas comemorativas para os direitos fundamentais da pessoa com transtornos mentais, para os agentes de combate às endemias, para a Língua Brasileira de Sinais e para os profissionais da educação.

Em comum, esses diplomas têm o fato de apenas criarem as tais datas e nada mais. Alguns deles, como no caso do técnico agrícola ou dos portadores de transtornos mentais, contêm um artigo determinando que setores públicos promovam algum tipo de atividade alusiva ou, às vezes, que as escolas realizem atividades de esclarecimento ou que o tema seja lembrado para fins de elaboração de políticas públicas, etc.

No fundo, tudo inócuo. Como podemos perceber, essas leis envolvem basicamente três áreas. As duas primeiras dizem respeito a categorias profissionais e à produção agropecuária ou industrial. Basicamente, um deputado federal ou senador, ligado de algum modo a essas áreas ou a seus representantes, faz uma proposta que é uma espécie de afago no ego. Vejo um certo apelo publicitário nisso, para retornar sob a forma de dividendos eleitorais. Mas a ideia chega com um valoroso envoltório, que é honrar uma classe profissional cujos méritos não seria decente minimizar.

A terceira hipótese pertine aos dias que homenageiam alguma espécie de direito humano, denotando uma certa postura ativista. Na lista acima, é o caso da dislexia, do voto feminino, dos transtornos mentais e da LIBRAS. As leis, assim, funcionam como um esforço para dar visibilidade a essas causas, que precisam de maior atenção da sociedade e dos poderes públicos. O problema, aqui, é a improvável capacidade de tais leis produzirem algum efeito prático concreto, o que seria de todo desejável.

As leis sobre dias comemorativos revelam-se, assim, como sintomas de uma sociedade claudicante no que tange à valorização do trabalho e dos direitos humanos, porque ainda precisa de manifestações formais e ostensivas desse tipo. Se determinadas categorias profissionais e certos direitos já tivessem alcançado o patamar de prestígio e assimilação social que merecem, não precisaríamos dar declarações sobre isso. Principalmente declarações que mais não são do que palavras ao vento.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Elegia pela Nigéria

O que vou dizer pode ser algo óbvio e repetitivo, mas também é verdade e também é uma percepção restrita: há uma gigantesca diferença na importância mundialmente dada ao ataque terrorista contra o jornal francês Charlie Hebdo e o massacre perpetrado pelo grupo terrorista Boko Haram, no norte da Nigéria.

Vidas são vidas e toda crueldade deve ser repudiada, mas é impossível escapar dos números para pensar na gravidade de certas situações. No atentado à sede do jornalístico, no último dia 7, houve 12 mortes e o ingrediente especial a entornar o caldo dos debates é a liberdade de expressão. Na Nigéria, ao longo de apenas cinco dias deste mesmo mês de janeiro, mais de 2 mil pessoas foram mortas, na cidade de Baga, além de ataques em cidades vizinhas. Note-se que estamos falando de um recorte temporal, pois o Boko Haram existe desde 2002, segundo consta, e é alarmante o número de vítimas feitas nesse período.

Naturalmente injustificável, o motivo do ataque ao Charlie Hebdo foi uma retaliação às constantes publicações satirizando o islamismo. Um grupo específico de pessoas, certamente ligado a uma organização fundamentalista, levou a cabo a missão isolada em nome da verdade. Mas o Boko Haram, igualmente em nome de sua verdade, age sistematicamente com o objetivo de instalar uma ditadura teocrática que pretende combater toda e qualquer educação e cultura não islâmica, pois o ocidente, e particularmente o catolicismo, são considerados como causas de todos os males do mundo. O entorno do caldo dos debates é o tratamento conferido às mulheres, que devem ser servas castas, ou seja, são totalmente dessubjetivadas. Além disso, os métodos do grupo são tão terríveis que custa crer que alguém chegue a esse ponto.

Não quero falar de religião e muito menos das conotações de direita-esquerda que têm permeado o noticiário e as redes sociais. Quero apenas destacar que nossas sociedades ocidentais não conseguem disfarçar o seu interesse focalizado em quem reconhece como parte da tribo. Franceses de boa condição financeira geram comoção mundial; africanos pobres não. O ataque à liberdade de expressão é tratado como a maior violência possível, mas o que dizer de sequestrar meninas e submetê-las a estupros coletivos até que "aceitem" a fé islâmica, o que implica em abdicar de todo e qualquer direito? O que dizer de mutilações sexuais e homicídios indiscriminados?

Para confirmar o que digo, basta acessar os noticiários da internet: compare a quantidade de notícias sobre os temas. Compare o destaque dado a elas. Pense no que significa todo santo dia haver a renovação de notícias sobre os franceses e já não haver novidades sobre os nigerianos. Para me inteirar melhor do ocorrido, hoje, busquei a página da Organização das Nações Unidas (aqui) e Anistia Internacional (aqui). Sintomático, não?

Angustiam-me sobremaneira a solidariedade seletiva, a indignação seletiva, as cobranças seletivas. Líderes mundiais fizeram juntos uma caminhada, ao lado do povo francês, clamando por liberdade, mas ninguém caminhou em favor dos nigerianos. Mesmo a ONU promete fazer o quê? Nada. Apenas insta as autoridades nigerianas a restaurar a ordem e a proteger as pessoas. Dê seu jeito. Nós mesmos nada faremos. Deve ser por causa da soberania nacional, não é?

Olhando de perto, as grandes tragédias conseguem ficar ainda maiores.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Um Globo de Ouro para as mulheres

[Não me responsabilizo por spoilers.]

Dois dos personagens mais queridos do maravilhoso seriado Downton Abbey (exibido no Brasil pela GNT, ora na 5ª temporada) são John Bates (Brendan Coyle) e sua esposa Anna (Joanne Froggatt). Eles conquistaram o público logo de início, vivendo uma delicada paixão que evoluiu para um casamento, marcado entretanto por graves sofrimentos. Tudo isso serviu para mostrar a força da relação entre eles, que aparentemente não poderia ser abalada. Exceto por um estupro.

No terceiro episódio da 4ª temporada, durante uma festa no fabuloso castelo da família Crawley, Anna é estuprada pelo lacaio de um dos hóspedes. A cena, embora sem excessos de violência visual, choca a começar pelo fato de que não se esperava algo do gênero. E em uma sociedade marcada por imensos pudores, em que fatos constrangedores não são comentados nem sequer no círculo mais íntimo, doi ver a desesperada Anna, varrida por uma culpa devastadora, pedir socorro à governanta, Sra. Hughes (Phyllis Logan), com o adendo de que seu marido não poderia saber do ocorrido. Bates é um bom homem, mas tem um passado sombrio e escapou de uma condenação por homicídio, contra a primeira esposa. Se soubesse do caso, certamente mataria o estuprador e acabaria condenado à forca.

Para poupar o amado, Anna mergulha em silêncio, mas se sente suja e por isso se afasta do marido, que sofre por não saber o que fez para ser tratado daquela forma. Enfim, o objetivo aqui não é comentar o episódio ou a série. Digo apenas que, após graves acontecimentos, a reconciliação do casal Bates é daqueles momentos em que a TV pode ser inspiradora e provocar sorrisos suspirosos.

Sucesso de crítica e detentora de um público fiel, Downton Abbey já recebeu alguns prêmios, inclusive o Screen Actors Guild de melhor elenco em série dramática, o que é facílimo de entender. No entanto, comenta-se que as premiações são menos frequentes do que o seriado merece, pela qualidade de sua trama, pelas interpretações e pela primorosa reconstituição de época. Há dois dias, as láureas aumentaram quando a adorável Joanne Froggatt recebeu o Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante em série/minissérie/telefilme.

Em seu discurso de agradecimento, a atriz comentou ter recebido algumas cartas de mulheres agradecendo a ela pela dignidade com que interpretou a personagem, dando credibilidade ao tumulto sentimental vivido por quem sofreu violência sexual. Classificando essas mulheres como sobreviventes, a atriz desejou que, de algum modo, aquela publicidade pudesse dar a elas a sensação de, finalmente, terem sido ouvidas.

Considerado um dos momentos mais impactantes da cerimônia, o discurso de Froggatt rapidamente ganhou muitos elogios nas redes sociais e foi assunto em diversas reportagens. Recomendo esta aqui, do Daily Mail (em inglês), por ser muito detalhada e conter inclusive o vídeo do belo discurso, mostrando as reações do público presente.

No mais, se você não vê Downton Abbey, não sabe o que está perdendo. Conhecendo a trama e os personagens, fica mais fácil entender porque Joanne Froggatt é uma excelente porta-voz para a luta contra a violência sexual contra a mulher.

A noite teve mais para as mulheres, contudo.

Ao ser premiada como melhor atriz em minissérie ou telefilme, por The honorable woman, a também adorável Maggie Gyllenhaal desmistificou a ideia de personagens classificáveis como "mulheres poderosas". Para ela, as mulheres atuais, podem ou não ser fortes, sensuais ou tantas outras coisas. O importante é que se está abrindo espaço a uma visão menos idealizada da mulher na sociedade (ver matéria aqui).

Ela tem razão. Muitas mulheres sofrem pela imposição de serem heroicas, dotadas de superpoderes e capazes dos maiores sacrifícios e abnegação, quando na verdade são apenas seres humanos, com seus medos, desejos e mesmo mesquinharias. A pressão social é tão forte para adequação a esse ideal inalcançável que as próprias mulheres o assumem e muitas vezes adoecem, de culpa ou até fisicamente, por não conseguirem (ou acharem que não conseguem) fazer o bastante.

E para terminar, a dupla de apresentadoras, Tina Fey e Amy Poehler, foi extremamente feliz ao inverter a lógica previsível e não falar na mulher de George Clooney: elas sintetizaram o impressionante currículo de Amal Clooney como advogada internacional de direitos humanos e disseram que ela fora ao evento acompanhada "de seu marido, George". Conhecido pelo tipo bonitão e cafajeste, solteirão convicto até um dia desses, Clooney vale muito mais por suas preocupações humanitárias, que se revelam não apenas em seus trabalhos no cinema, mas também em ativismo pessoal (chegou a ser preso e algemado em seu próprio país, em 2012, durante protesto contra o genocídio no Sudão).

Clooney escolheu uma mulher não exatamente à altura: ela está acima dele. Conheça um pouco dessa advogada libanesa lendo este perfil.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O auxílio-reclusão no Senado

Maioria de internautas, que opinou na enquete, afirma ser a favor do auxílio-reclusão
O DataSenado, em parceria com a Agência Senado, realizou, de 3 a 16 de novembro, enquete sobre o auxílio-reclusão. No Senado, tramita proposta de emenda à constituição (PEC 33/2013) que dispõe sobre a extinção do benefício. A proposta é de autoria do senador Alfredo Nascimento (PR-AM). O internauta foi convidado a se posicionar sobre a seguinte pergunta: “Você é a favor ou contra o auxílio-reclusão, benefício previdenciário pago à família do trabalhador de baixa renda preso (PEC 33/2013)”. No total, 1.962 internautas opinaram, sendo que 82% votaram a favor, enquanto 18% foram contra.
A referida emenda propõe acabar com o auxílio-reclusão, suprimindo a previsão contida nas garantias previdenciárias, artigo 201, da Constituição Federal. O benefício é pago aos dependentes do preso que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto. De acordo com a justificativa, há muito se protesta, especialmente por meio de correntes de e-mails e redes sociais, contra o auxílio-reclusão. Ainda, afirma-se que os protestos pontuam que os trabalhadores que contribuem para o Regime Geral de Previdência Social pagam a conta para que os dependentes do detento usufruam o benefício. Por fim, é lembrada a difícil aceitação por parte da sociedade diante da concessão de um benefício àqueles que cometeram crimes.
No espaço Comente o Projeto, inúmeras mensagens foram registradas. O cidadão, Gilson Miguel Peixoto, de São Paulo/SP, registrou manifestação contrária ao benefício: “Eu acho um absurdo e um incentivo ao crime este benefício. O estranho é que para os bandidos e familiares, toda a assistência, desde o governo até os direitos humanos, mas para as vítimas e familiares desses mesmos bandidos, nenhuma ação, nenhum benefício, nenhuma ajuda”. Por outro lado, a cidadã Marcela Sousa da Silva, de Fortaleza/CE, defende a manutenção do auxílio-reclusão: "O trabalhador, por mais que tenha cometido algum crime, continua tendo família e responsabilidades para com esta. Além disso, contribuiu com a previdência e deve ter o seu direito assegurado”.
As enquetes são uma forma de levantar o debate a respeito de temas em tramitação no Senado Federal, contudo não representam a opinião de todos os brasileiros, sendo apenas a posição de internautas que entraram na página do Senado Federal e votaram. Em contrapartida, as pesquisas de opinião têm validade cientifica, sendo aplicadas por meio de amostra aleatória em todo território nacional, o que abrange capital e interior. O DataSenado realiza semestralmente sondagem da opinião do brasileiro sobre sua condição de vida, interesse por política, democracia, impressões sobre o Senado Federal, entre outros pontos. Essa sondagem terá inicio no começo de dezembro e, em um dos blocos, o DataSenado irá averiguar a opinião dos brasileiros sobre a PEC 33/2013, que dispõe sobre o fim do auxílio-reclusão. Em breve, os resultados serão divulgados.
Os resultados da enquete representam a opinião das pessoas que votaram, não sendo possível extrapolá-los para toda a população brasileira.
Fonte: http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/noticia.asp?not=128

O blog já tentou explicar um pouco sobre o auxílio-reclusão aqui.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O que a América Latina pode ensinar ao mundo

O querido Pepe Mujica (79) está nos últimos momentos de seu mandato como presidente do Uruguai mas, mesmo de saída, deixa a sua marca de humanismo e solidariedade. Admiro profundamente esse homem e lamento que, no Brasil, não exista nenhum político que seja digno de comparar-se a ele.

Ex-detentos de Guantánamo agradecem aos uruguaios por acolhida

Refugiados afirmam que desejam refazer suas vidas e agradecem aos uruguaios e ao presidente Mujica por "ato de solidariedade". Eles viverão em liberdade no Uruguai.
Por meio de uma carta publicada nesta segunda-feira (08/12) no jornal uruguaio El País, os ex-detentos de Guantánamo que foram enviados a Montevidéu agradeceram ao Uruguai pela oportunidade de refazer suas vidas. A carta foi ditada pelo sírio Abdelhadi Omar Faraj, prisioneiro de número 329 em Guantánamo, ao seu advogado. "Se não fosse pelo Uruguai, hoje ainda estaria naquele buraco negro em Cuba", afirmou.
Ele, ao lado de três compatriotas, de um tunisiano e de um palestino, chegou no domingo à capital uruguaia, a bordo de um avião militar dos EUA, como parte de um acordo entre os presidentes José Mujica e Barack Obama. O acerto determina que os presos serão refugiados livres. Por enquanto, eles estão internados em dois hospitais uruguaios, enquanto são submetidos a exames médicos que descartaram, por ora, anemia, desnutrição e problemas respiratórios.
"Não tenho palavras para expressar o quão agradecido estou pela imensa confiança que vocês, o povo uruguaio, têm depositado em mim e nos outros prisioneiros ao abrir para nós as portas de seu país", acrescentou o ex-detento, que esteve 12 anos detido em Guantánamo sem ser submetido a julgamento.
O subsecretário de Saúde, Lionel Briozzo, disse à rádio Montecarlo, de Montevidéu, que "a situação médica [dos refugiados] é estável", mas "se está monitorando sua situação, [já que] viveram um calvário durante mais de dez anos".
A maioria dos uruguaios é contrária à presença dos ex-detentos por temer que eles representem uma ameaça, apesar de o governo dos Estados Unidos assegurar que eles não são um problema para a segurança do país sul-americano. O ministro da Defesa do Uruguai, Eleuterio Fernández Huidobro, destacou que os cuidados médicos são o único motivo pelo qual os seis homens não estão andando livremente pelas ruas.
Em sua carta, Faraj afirmou que ele e os demais ex-detentos desejam apenas refazer as suas vidas. Ele ainda elogiou Mujica "por seu ato nobre de solidariedade conosco e por seu compromisso de tratar-nos como seres humanos plenos, em vez de atuar como mais um carcereiro".
A advogada do ex-detento Jihad Ahmed Mujstafa Diyab, que foi alimentado à força durante uma greve de fome, disse que o refugiado planeja levar sua família para o Uruguai e trabalhar num restaurante, como fazia quando vivia no Paquistão.
AS/efe/rtr/dpa
Fonte: http://www.dw.de/ex-detentos-de-guant%C3%A1namo-agradecem-aos-uruguaios-por-acolhida/a-18117450

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Em imagens, um horror tradicional

Repare no semblante dessas meninas. São pré-adolescentes da tribo Pokot, no Quênia, e acabaram de sofrer a mutilação clitoriana, uma tradição considerada de extrema necessidade para controle da libido da mulher, que assim fica apta ao casamento, único futuro que a vida lhes reserva.

O fotógrafo Siegdfried Modola, da agência Reuters, foi autorizado a registrar o ritual, produzindo imagens que maltratam qualquer mínima sensibilidade, além de desvelar o confronto entre uma lei que proíbe expressamente tal prática e os costumes locais. Uma prática que opõe valores internos de povos e a concepção internacional de direitos humanos. Uma luta que ainda vai durar muitos anos.

Veja a sequência de fotos, com legendas, clicando aqui.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Bacharelado em Relações Internacionais

Vejam só que notícia auspiciosa:

Uepa anuncia a criação do Curso de Relações Internacionais

Nova graduação irá formar bacharéis para atuação em diversos setores e instituições e se apresenta como uma das propostas para o atendimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Milênio. Projeto Político-Pedagógico foi apresentado durante Assembleia do Comitê da Organização das Nações Unidas.

Relações Internacionais em Comércio Exterior será o mais novo curso de graduação da Universidade do Estado do Pará (Uepa). O anúncio foi feito pelo reitor, Juarez Quaresma, nesta segunda-feira (3), durante a Assembleia Geral do Comitê Permanente da América Latina para a Prevenção do Crime (Coplad), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Serão ofertadas 40 vagas e a previsão é que o início das aulas seja em 2016.

O Curso se apresenta como uma das estratégias do Comitê para combater a criminalidade mundial que movimenta, por ano, 32 milhões de dólares com o tráfico de drogas, armas, pessoas e pedras preciosas. Desse montante, 5% perpassam pela Amazônia. Daí, a necessidade de estudar e prevenir a criminalidade. “Esta integração da Amazônia, Estado do Pará e ONU é fantástica e vai se suceder por meio de dois polos importantes: um Núcleo da ONU e o curso de Relações Internacionais, que vai possibilitar que os estudantes desenvolvam pesquisas no sentido de ajudar a ONU a combater a criminalidade. A melhor estratégia é formar e preparar jovens com estudo e ciência”, avalia o coordenador geral do comitê, professor Edmundo Oliveira.

Este será o primeiro curso a ser implantado em uma universidade pública do norte do Brasil e o primeiro do país na área. A graduação será presencial e ofertada, inicialmente, em Belém, vinculada ao Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da Uepa. Contudo, a expansão será possível por meio da Política de Interiorização da Universidade aliada à demanda social. Ainda será avaliado se o ingresso se dará por meio do Programa de Ingresso Seriado (Prise) ou Processo Seletivo (Prosel) ou ainda uma seleção especial.

“O Estado do Pará, devido a sua dimensão territorial, tem grandes desafios, sobretudo na inserção na comunidade internacional. O profissional que pretendemos formar, por meio de um convênio com o Comitê, que também será um espaço de prática, será capaz de atender às demandas da região e contribuir com as necessidades de um mundo cada vez mais globalizado, além de inserir a Uepa e o estado nas discussões sobre a criminalidade no contexto mundial. O Curso vai tramitar nas instâncias da Universidade, com previsão de aprovação no final do ano na reunião do Conselho Universitário”, explicou o reitor, Juarez Quaresma, durante apresentação do Projeto Político-Pedagógico ao Comitê.

Constituído, inicialmente, para formar diplomatas, o Curso de Relações Internacionais, atualmente, se volta para a qualificação de empresários, técnicos e líderes políticos para atuação em diversos setores. Na Uepa, a graduação assinala um marco na cadeia de inovação ao aliar a percepção pedagógica e diferenciada do universitário para empreender, negociar e tomar decisões em instituições públicas e privadas.

Texto: Ize Sena
Foto: Renata Carneiro
Fonte: http://www.uepa.br/portal/ascom/ler_detalhe.php?id_noticia=1863274

Um passo importante para o nosso Estado, não apenas para a educação, mas para uma sociedade que tem convivido com o drama que é o tráfico de pessoas e de órgãos.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Licença para matar, segundo Luiz Flávio Gomes

Em artigo (leia aqui), o grande criminalista explica como o extermínio de jovens é uma prática consciente em países que não lograram alcançar a consciência da cidadania. Vale a pena ler.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A cor do ódio

E não é assim também no Brasil?

Últimas palavras de homens negros que foram executados sumariamente pela polícia

No começo deste mês, um garoto desarmado foi morto por policiais em Ferguson, Missouri (EUA). Enquanto a polícia alega que a vítima tenha reagido, testemunhas afirmam o contrário e tópicos como a desmilitarização da polícia e o preconceito racial voltam à tona nas pautas dos jornais do mundo.

Nem é preciso ir tão longe, até Ferguson, para presenciar situações que instiguem esse tipo de debate. No Brasil, linchamentos públicos e assassinatos de garotos negros são muito mais comuns do que gostaríamos – e relevados.

Abaixo, temos 10 frases ditas por homens negros que foram mortos por policiais. Todos eles estavam desarmados e não ofereciam nenhum risco à vida do policial. São frases e situações que nos fazem pensar sobre o preconceito que ainda vive em nossas sociedades ditas modernas. Nas imagens, aparecem também as idades dos atingidos.

Dê uma olhada nessas histórias e lembre-se: Ferguson é na sua esquina, é no Rio, em São Paulo, é aqui.

1. John Crawford
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Ele estava segurando uma arma de brinquedo na seção infantil de um supermercado quando a polícia atirou nele. Antes de cair, John disse: ”não é [uma arma] de verdade”.

2. Jonathan Ferrel
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Ele sofreu um acidente de carro e bateu na porta de uma casa da vizinhança para pedir ajuda. Desarmado, ele foi abordado por policiais, que atiraram 12 vezes, acertando 10 balas em Jonathan que, enquanto agonizava, ainda foi algemado.

3. Amadou Diallo
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Ele morreu na frente de seu apartamento, no Bronx, após receber 19 tiros. A polícia o confundiu com um estuprador. Momentos antes do incidente, ele havia ligado para sua mãe e dito suas últimas palavras: “mãe, eu estou indo para o colégio”.

4. Oscar Grant
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Ele foi retirado à força de um vagão do metrô de Oakland por um policial. Enquanto estava no chão, imobilizado, um segundo policial atirou em suas costas. Enquanto ele morria, gritou: “você atirou em mim. Você atirou em mim!“. Segundo o autor do disparo, o objetivo era usar o taser, arma de choque, e não o revólver. Oscar estava desarmado e não havia feito nada que justificasse sua retirada do vagão.

5. Kendrec McDade
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Após uma falsa denúncia para o telefone da polícia, Kendrec foi avistado em um beco por policias. Apesar de estar desarmado, foi alvejado e morreu. Suas últimas palavras: “Por que você atirou em mim?”

6. Eric Garner
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Autuado pela venda ilegal de cigarros, Eric foi abordado por policiais, que o prenderam literalmente pelo pescoço. O homem, que sofria de asma, tentou avisar, dizendo “eu não consigo respirar”, mas o alerta foi em vão e ele morreu. Segundo o laudo, o sufocamento foi o fator determinante para sua morte.

7. Kimani Gray
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Ao ser abordado por policiais em uma rua do Brooklyn, Kimani não portava nenhuma arma, segundo testemunhas. Mesmo assim, recebeu sete tiros. “Por favor, não me deixe morrer” foram as últimas palavras deste garoto de 16 anos.

8. Michael Brown
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Sem portar arma alguma, Michael foi alvejado pela polícia, levando dois tiros na cabeça. “Eu não tenho arma nenhuma. Parem de atirar”, foi sua última tentativa de sobrevivência – em vão.

9. Sean Bell
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Ele iria se casar e voltava de sua despedida de solteiro com os amigos Joseph e Trent. O grupo acabou batendo em uma minivan, de onde saíram quatro policiais à paisana. Sem se identificar, os policiais atiraram 50 vezes contra o carro dos amigos, atingindo-os. Joseph olhou para Sean e disse “Sean, eu te amo”. Sean respondeu “eu te amo também” e faleceu. Trent e Joseph sobreviveram.

10. Trayvon Martin
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Ele estava falando no telefone quando foi atingido por uma bala de revólver. Rachel Jeantel, que estava do outro lado da linha, pode apenas ouvir: “Por que você está me seguindo?” antes do disparo.
Todas as fotos © Upworthy

Fonte: http://www.hypeness.com.br/2014/08/serie-emocionante-mostra-as-ultimas-palavras-de-pessoas-comuns-antes-de-morrerem/

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Direitos humanos no país da obscenidade

O jornalista Ricardo Noblat noticia que a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados está sob o desejo de ninguém menos que Jair Bolsonaro, aquele que dispensa apresentações e, em um país sério, só poria os pés em uma instituição pública se ela fosse uma casa de saúde, inclusive mental. A articulação envolveria, claro, a tal bancada evangélica, que só existe porque o Brasil não é um país sério, e que costuma falar a mesma língua do boquirroto parlamentar pelo Rio de Janeiro.

Não me surpreende. Se já debocharam colocando Marcos Feliciano lá, colocar Bolsonaro é só a manutenção de uma mesma política de loucos, comandados por psicopatas.

Mas uma coisa preciso dizer: se Bolsonaro assumir a presidência da CDH, passarei a ser entusiasta de uma tese que sempre repudiei, que é dizimar a turma dos direitos humanos! É só colocar toda a bancada evangélica, todos os Bolsonaros e todos os seus apoiadores na sala de reunião da comissão, trancá-la bem trancada e jogar uma bomba lá dentro, grande o suficiente para não sobrar nem as almas podres.

E pronto! Teremos prestado um grande serviço à nação. Para ficar perfeito, colocaríamos também cada um dos integrantes da bancada ruralista. Ô sonho bom!

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O grande encarceramento

Pedro Vieira Abramovay e Vera Malaguti Batista são coordenadores do livro Depois do grande encarceramento, título do respeitado Instituto Carioca de Criminologia, publicado pela Revan. O mestrado ainda não me deu a oportunidade de ler a obra, que está na longa fila de espera para ser degustada, por isso não posso opinar sobre o advérbio "depois" que consta do título. Na verdade, estamos em plena era do grande encarceramento, que é uma tônica em todo o continente americano.

Já sabemos que a população carcerária brasileira aumentou em níveis impressionantes em um curso espaço de tempo, já tendo alcançado o importe de 500 mil almas (penadas: sim, isto é um trocadilho). Agora, pesquisa inédita (quem faz pesquisas desse tipo no Brasil?) do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, coordenado pela Profa. Julita Lemgruber, aponta que, no Estado do Rio de Janeiro, há 39% de presos provisórios e, destes, em um universo de 3,6 mil presos em flagrante a partir de 2011, cujos processos terminaram até janeiro de 2013, apenas 37,5% foram condenados a penas em regime fechado ou semiaberto.

A reportagem do ConJur destaca que a maioria dessas pessoas acaba absolvida, mas impende considerar que uma fração delas também é condenada a penas em regime aberto ou restritivas de direitos. Em ambos os casos, não há necessidade da custódia. Melhor dizendo: essa custódia se revelou abusiva e ilegal. Tudo reunido, temos um contexto de 62,5% de pessoas que jamais deveriam ter sido presas, mas que o foram, sabe-se lá por quanto tempo. Algo em torno de 2.250 pessoas, se usarmos apenas números absolutos.

Vale repetir: ao menos 2.250 pessoas presas, sem necessidade e sem legalidade, somente no Estado do Rio de Janeiro e somente em um intervalo de pesquisa delimitado em dois anos!

Para se ter uma ideia, segundo a Superintendência do Sistema Penal do Estado do Pará, o Presídio Estadual Metropolitano I dispõe de 404 vagas. Os presos provisórios inocentados no Rio de Janeiro lotariam quatro presídios de Americano e ainda haveria saldo para fazer uma superlotação de rotina. Bem se pode deduzir o tamanho do problema que isso representa em termos de gestão do sistema penal, já que o discurso do poder público é tão ocupado com a eficiência. Nem vou falar sobre violação de direitos fundamentais, porque essa é uma obviedade que grita.

O estudo carioca mostra a urgência de se fazerem investigações semelhantes em todo o país. Não é nada implausível que o resultado seria de arrepiar até mesmo a turma da lei e ordem. Afinal, gente inocente presa ocupa o espaço que deveria estar preenchido pelos verdadeiros criminosos, sendo de se lembrar a demanda reprimida de mandados de prisão no país.

Em suma, tanto faz se você é garantista ou punitivista: no final, todo mundo sai perdendo. E muita gente perde o que jamais poderá ser reparado.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O judiciário deve colocar-se no lugar do paciente

Enquanto a Suprema Corte do Reino Unido não define a legalidade da eutanásia e do suicídio assistido, outra questão que envolve o direito de morrer e viver continua a ocupar a pauta de julgamento dos tribunais. Recentemente, a Corte Superior de Justiça da Inglaterra decidiu que os médicos deviam suspender a respiração artificial de um bebê de pouco mais de um ano, que jamais respirou sozinho e nunca deixou o hospital. A decisão foi tomada contra a vontade da família.
A ortotanásia, como é chamado o ato de suspender tratamento médico para um paciente terminal, é aceita no Reino Unido e foi validada pela Suprema Corte em outubro. Em alguns casos, ela é inclusive recomendada e ordenada pela Justiça, já que o princípio que rege a saúde inglesa é fazer sempre o que for melhor para o doente. Uma pessoa pode, por exemplo, se recusar a receber qualquer tratamento e mesmo alimentação, até morrer. A Justiça entra em cena quando o doente não é capaz de decidir por si só.
Foi o que aconteceu na curta vida do pequeno Reyhan, que nasceu em junho de 2012 com Síndrome de Down e outros problemas de saúde que jamais o deixaram sair da UTI do hospital. Reyhan era o mais novo dos seis filhos de um casal de muçulmanos. Desde que nasceu, nunca conseguiu fazer nada sozinho, nem respirar, nem se alimentar. Tudo era feito a partir de equipamentos médicos ligados 24 horas.
No início de 2013, a família de Reyhan e a equipe médica iniciaram uma disputa judicial sobre o destino do bebê. A família pedia para que ele fosse tratado em casa, mesmo sabendo que sua vida seria curta. O plano era montar uma UTI na casa dos pais e contar com o atendimento médico frequente. Já a equipe médica defendia que o melhor para o bebê era desligar os aparelhos e deixar que ele morresse, já que o sofrimento causado com todas as intervenções era grande demais e o pequeno não tinha nenhuma qualidade de vida.
A discussão foi parar na Corte Superior de Justiça da Inglaterra no segundo semestre do ano passado. Lá, foram ouvidos depoimentos de especialistas e da equipe médica que cuidava de Reyhan. Todos foram unânimes: a vida do menino seria curta, com muito sofrimento e praticamente nenhum prazer. Ele não tinha consciência sobre o que acontecia ao se redor, praticamente não interagia, mas sentia dor e desconforto.
A família, do seu lado, defendeu que o bebê matinha um mínimo de interação com eles e experimentava um pouco de prazer e conforto quando estava perto dos pais. Por isso, insistiam para que ele fosse mantido vivo em casa. O único consenso entre médicos e família é que nenhum tratamento novo invasivo deveria ser feito. Se o estado de saúde do menino deteriorasse, era para deixá-lo morrer.
Ao pesar os dois lados, a Corte Superior de Justiça considerou que o melhor para Reyhan era que os aparelhos que o mantinham vivo fossem desligados. O juiz responsável pelo julgamento, Peter Jackson, reconheceu o sofrimento da família, mas explicou que cabia à Justiça se colocar no lugar do paciente e decidir a alternativa que lhe causasse menos sofrimento. “Manter a respiração artificial seria fútil e causaria a ele cada vez mais sofrimento, sem oferecer nada em termos de experiência positiva de vida, vida esta só mantida com intervenções médicas invasivas”, explicou.
A decisão da Corte Superior foi na anunciada para a família em setembro e foi marcada para o final de outubro uma nova audiência para que decidissem como executar a ordem de desligar os aparelhos. Dias antes dessa audiência, no entanto, Reyhan morreu. O julgamento da corte só foi publicado em dezembro.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-jan-11/corte-inglesa-manda-desligar-aparelhos-mantem-bebe-vivo

Já me manifestei antes favorável ao direito de morrer, então o mínimo que posso fazer é destacar este aspecto antes de qualquer opinião, a fim de deixar claro que não tenho a veleidade de professar suposta isenção. Eu já sei qual a decisão que prefiro e busco apenas os argumentos para sustentá-la.
Dito isto, acho que agiu acertadamente a Suprema Corte inglesa, considerando sobretudo o argumento utilizado. Qual seria o provável desejo do paciente, se pudesse emitir sua opinião? Além disso, não sendo possível colher essa manifestação, resta aos terceiros, a quem cabe decidir, deliberar a partir da premissa de causar menos sofrimento ao paciente. É o que me parece mais consentâneo a um direito baseado no objetivo primordial de proteger direitos fundamentais.
Autêntico hard case, esta é daquelas situações em que qualquer solução é uma grande aposta, na medida em que o verdadeiro interessado nunca poderá dizer o que realmente preferia. Por isso, compete à família e às instituições públicas agirem com o máximo de bom senso e humanidade, com olhos no outro, e não nas próprias preferências.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Se o Estado não faz nada, então é pena de morte

Folha de S. Paulo
Prisões do país têm 1 morte a cada 2 dias
Conhecidas como “escolas do crime”, as prisões do Brasil foram cenário de ao menos 218 homicídios em 2013. Isso representa média de uma morte a cada dois dias. Só o complexo de Pedrinhas, em São Luís, respondeu por 28% do total nacional e por todas as mortes em prisões do Estado, aponta levantamento da Folha.
Alagoas, Bahia e Rondônia não forneceram informações. No Maranhão, que enfrenta grave crise de segurança, a chance de ser morto num presídio é quase 60 vezes maior do que do lado de fora.
Os números incluem apenas as mortes violentas no sistema prisional dos Estados. Não consideram casos registrados em carceragens de delegacias, para os quais não há dados consolidados.

Fonte: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/nos-jornais-prisoes-do-pais-tem-uma-morte-a-cada-dois-dias/

Um homicídio a cada dois dias, apenas nas penitenciárias e descontando três Estados. Razoável concluir que a situação real é ainda mais grave, só que faltam elementos para conhecê-la, o que por si só já é um sintoma muito preocupante.

Quando assume a custódia de um indivíduo — sobretudo se contra a sua vontade, por sofrer medida punitiva —, o Estado se torna responsável por sua vida e segurança. Se há um problema crônico de homicídios dentro das casas penais, conhecido de longa data, e nenhuma providência é tomada a respeito, isto passa a configurar omissão dolosa ou, em bom português, a institucionalização oficiosa da pena de morte.

Embora os agentes públicos omissos possam ser responsabilizados inclusive criminalmente, não se ouve falar desse tipo de ação. Também ações cíveis destinadas a obter reparação de danos, que com certeza existem por aí, não contam com maior repercussão e isso desestimula que outras vítimas tentem obter alguma compensação do mesmo Estado que já as prejudicou antes. Além do que o Brasil se expõe ao constrangimento de ser condenado pelos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, o que já aconteceu mais de uma vez, mas ao que parece não sensibilizou muita gente.

Estou certo de que muitos não se importarão com o problema porque, afinal de contas, quem está morrendo é a escória. Nossa sociedade, cada vez mais cruel, se rejubila com isso. Mas vale a pena lembrar aquela venha lição de Física, adaptada às relações sociais: para toda ação, há uma reação, em sentido contrário mas não necessariamente de igual intensidade. Pode ser bem pior.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Violência contra a mulher: vulnerabilidade vs. direitos humanos

Vocês se lembram do ruído causado pela decisão da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, proferida em julho deste ano, negando a aplicabilidade da "Lei Maria da Penha" ao caso da agressão de Dado Dolabella contra Luana Piovani? Além da repercussão por causa da notoriedade dos envolvidos, o caso provocou indignação porque aquela corte firmou o entendimento de que a tutela diferenciada somente se justifica se a mulher for materialmente vulnerável frente a seu agressor. A ementa da decisão dispôs:

Sem adentrarmos ao mérito da ação penal, temos que, pelo menos em tese, a imputação de agressão realizada por um indivíduo contra sua namorada, poderia, dentro do conceito lógico-legal, ser tutelada pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06). Entretanto, a ratio legis requer sua aplicação contra violência intra-familiar, levando em conta relação de gênero, diante da desigualdade socialmente constituída. O campo de atuação e aplicação da respectiva lei está traçado pelo binômio hipossuficiência e vulnerabilidade em que se apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito familiar, que inclui relações diversas, movidas por afetividade ou afinidade. No entanto, uma simples análise dos personagens do processo, ou mesmo da notoriedade de suas figuras públicas, já que ambos são atores renomados, nos leva a concluir que a indicada vítima, além de não conviver em relação de afetividade estável como o réu ora embargante, não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade. 

Há algumas outras decisões de tribunais estaduais, na mesma linha.

Em sentido oposto, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará julgou, na manhã de hoje, conflito negativo de jurisdição no qual se discutia se determinado processo, instaurado a partir de acusação de estupro de vulnerável, deveria ou não ser processado perante a vara privativa dos feitos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. No caso, a 4ª Vara Penal de Marabá considerou aplicável a "Lei Maria da Penha" diante da informação de que acusado e vítima eram namorados. Contudo, a Vara de Violência Doméstica e Familiar de Marabá declinou da competência alegando que a aludida lei "não se aplica simplesmente pelo fato de a vítima ser mulher, 'mas sim a circunstância de a ofendida ser incapaz de resistir (por questão de imaturidade ou deficiência física ou psicológica) à ação delituosa', citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça e de tribunais estaduais".

O Procurador-Geral de Justiça também sustentou que a norma tutelar se aplica ao crime "motivado pela vulnerabilidade da vítima em relação ao ofensor, em decorrência de seu gênero", caracterizada ainda a relação íntima de afeto prevista pela lei de regência, não havendo provas do envolvimento entre acusado e ofendida, que se teriam resumido a “relações sexuais ocasionais”.

Relator do feito, o Des. João José da Silva Maroja não concordou com a tese, destacando que a proteção da mulher é uma questão de direitos humanos. Foi acompanhado por todos os integrantes do Tribunal Pleno presentes à sessão. Eis o voto:

O presente caso se encontra instruído apenas com as informações coligidas durante o inquérito policial, do qual consta o depoimento da suposta ofendida, R. G. S., assistida pela mãe, ocasião em que declarou que, “no mês de julho de 2011, começou a ‘curtir’” com o acusado, engravidou e este parou de procurá-la, para não assumir a paternidade.

A mãe da adolescente disse que esta “começou a se relacionar” com o acusado, passando “dias sem dormir em casa”. Aduziu que a menor se envolvera sexualmente com outro homem, antes, e fugia da escola para se encontrar com ele.

A irmã da ofendida foi quem se referiu à relação entre os envolvidos como um namoro que teria durado cerca de um ano.

O acusado disse ter “ficado” com a adolescente algumas vezes, por ser apaixonada por ele, tanto que o procurava em sua casa, onde mantinham relações sexuais. Alegou não saber se é o pai do filho da mesma, porque ela teria ficado com outros cinco homens.

Estes são os únicos elementos que temos à disposição, lembrando que a presente análise deve ser perfunctória, porque se cuida apenas de decidir o órgão jurisdicional competente, sendo vedada incursão pelo mérito. Em consequência, esta corte não pode firmar um juízo conclusivo acerca de o caso em apreço implicar em violência de gênero, mas tão somente decidir se o caso apresenta requisitos suficientes para ser interpretado dessa forma, com base em que se decidirá o juízo competente.

Esclarecido isto, temos que o próprio acusado admite um relacionamento com a adolescente, ao longo de alguns meses. Mesmo que para ele não houvesse nenhum interesse de compromisso, é ele quem diz que a jovem estava apaixonada e o procurava em sua casa. Daí se depreende que se locupletou do sentimento da jovem para conseguir relações sexuais o máximo de vezes que pudesse.

A meu ver, esta particularidade preenche o sentido da “Lei Maria da Penha”, no que tange à ação criminosa ser decorrência de alguma forma de abuso no contexto de relações íntimas de afeto, tendo o acusado convivido com a ofendida independentemente de coabitação (art. 5º, III). No caso, a intimidade não deve ser entendida no contexto do sentimento, mas do fato de ter havido relações sexuais consensuais, íntimas por natureza.

Aduza-se que o presente caso traz consigo a singularidade do próprio tipo penal denunciado — estupro de vulnerável —, no qual a violência decorre de uma valoração da ordem jurídica: não precisa haver violência real, senão um juízo normativo que reconhece certos indivíduos como incapazes de deliberar sobre a própria vida sexual, em consequência de uma vulnerabilidade que não é material, mas jurídica, associada por lei a certas características pessoais, no caso a idade inferior a 14 anos.

Posso ainda acrescentar que o acusado, por ser heterossexual, decidiu manter relações sexuais com a ofendida justamente por se tratar de uma mulher, argumento que me parece reforçar a conclusão aqui sustentada.

O argumento defendido pelo juízo suscitante, e corroborado pela Procuradoria-Geral de Justiça, de que a “Lei Maria da Penha” somente pode ser aplicada em situações que evidenciem a fragilidade real da mulher em relação ao homem, não parece minimamente sustentada no texto expresso da norma, seja porque todas as alusões feitas a “mulher” ou “mulheres” nunca apresentam qualquer qualificativo, exceto a óbvia e genérica “mulheres em situação de violência doméstica e familiar”, seja porque o art. 2º dispõe, ostensivamente, que “toda mulher”, sem exceção, independentemente de circunstâncias que as qualifiquem, são abrangidas pelas normas em questão.

A restrição, estabelecida nos precedentes de tribunais estaduais citados, esvazia o sentido tutelar da “Lei Maria da Penha”, ainda mais quando lembramos o seu art. 6º, segundo o qual “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”. E constitui informação elementar que os direitos humanos se caracterizam por sua universalidade.

Sob estes argumentos, firmo minha convicção quanto à caracterização, em tese, de um caso de violência de gênero na hipótese dos presentes autos, motivo pelo qual declaro a competência em favor da Vara de Violência Doméstica e Familiar de Marabá.

É como voto.
Belém, 23 de outubro de 2013.


Des. João José da Silva Maroja
Relator

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Direito de morrer

Tendo vivido cerca de 47 anos mais do que o previsto pelos médicos, quando diagnosticaram nele esclerose lateral amiotrófica, o célebre físico e cosmólogo inglês Stephen Hawking (71) declarou recentemente que deve ser reconhecido o direito de morrer, em favor de pessoas que estejam sob situações de grande sofrimento por doenças terminais, desde que possam manifestar livremente a sua vontade, comprovando-se a ausência de pressões.

Mesmo com suas gravíssimas limitações físicas, Hawking nunca quis desistir da própria vida. É um dos cientistas mais prolíficos do mundo, tendo incursionado também pela literatura. Sua obra Uma breve história do tempo é muito famosa.

O cientista afirma que prosseguir vivendo é possível quando se mantém a mente ativa e o senso de humor. Pode ser meio inesperado ouvir isso de alguém que leva uma vida que ninguém deseja, mas certamente ele acredita nisso. Vale lembrar, suponho, que Hawking é ateu.

No link abaixo, você encontra matéria sobre países que admitem a ortotanásia ou o suicídio assistido, além de fotos sobre casos mundialmente conhecidos de pessoas que lutaram pelo direito de morrer, para si mesmas ou para terceiros. Vale a leitura. Só não espere discussões pacatas sobre o tema.

Fonte: http://noticias.terra.com.br/ciencia/fisico-britanico-stephen-hawking-defende-direito-ao-suicidio-assistido,b366c8249a321410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Irmã

A mulher da foto é uma freira congolesa chamada Angélique Namaika, tem 46 anos e percorre de bicicleta a região de Dungo para atender as famílias vitimadas por uma longa e cruel guerrilha interna. Sua principal preocupação são as vítimas de uma horrenda estratégia de guerra: o estupro.

Arriscando a própria vida, Irmã Angélique tem trabalhado incansavelmente. Em razão disso, acabou de ser agraciada com o Prêmio Nansen, considerado a maior láurea concedida a defensores de direitos humanos.

Seu esforço e sua fé são inspirações para o mundo.

A República Democrática do Congo (antigo Zaire; não confundir com a República do Congo) é um país da África Central com cerca de 70 milhões de habitantes. Considerado um dos países mais ricos do mundo em recursos naturais, possui uma população muito pobre. Foi colonizado pela Bélgica, de que se tornou independente em 1960. A partir daí, a instabilidade política tomou conta da região. Cercado por outras nações em situação de conflito, padece de graves problemas humanitários a enfrentar.

Fonte: http://noticias.orm.com.br/noticia.asp?id=673075&|ONU+premia+freira+do+Congolesa+que+atende+v%EDtimas+de+estupro

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A longa e interminável marcha das mulheres pelo mundo (IV)

Menina de oito anos morre no Iêmen em lua de mel com marido de 40
Jovem foi vendida pelo padrasto por cerca de R$ 6 mil a um saudita; órgãos pedem punição também para a família dela

Uma criança de oito anos morreu no último sábado (07/09) no Iêmen após a lua de mel com o marido de 40 anos, informaram nesta segunda-feira (09/09) as agências dpa e AFP. Segundo os médicos, a menina morreu com ferimentos internos no útero.

A jovem, chamada Rawan, foi vendida pelo padrasto para um saudita por cerca de R$ 6 mil, segundo o jornal alemão Der Tagesspiegel. A morte aconteceu na área tribal de Hardh, na fronteira com a Arábia Saudita.

Ativistas de direitos humanos pressionam para que o saudita e a família da menina sejam responsabilizados pela morte. “Após este caso horrível, repetimos nossa exigência para uma lei que restrinja o casamento para maiores de 18 anos”, afirmou um membro do Centro Iemenita de Direitos Humanos para a dpa.

Em 2010, outra garota de 13 anos já havia morrido com sangramentos internos cinco dias após o casamento (forçado), de acordo com outra organização de direitos humanos que atua na região.

Há quatro anos, uma lei tentou colocar a idade mínima de 17 anos para o casamento. No entanto, ela foi rejeitada por parlamentares conservadores, que a classificaram de “não islâmica”.


O número IV, aposto ao título desta postagem, indica que acabei por transformá-lo em uma série do blog. Refere-se a notícias particularmente trágicas sobre absurdos impostos às mulheres em algum lugar do mundo, como consequência de uma mentalidade tão anacrônica quanto viva e ativa de que as mulheres pertencem aos homens.

Aproveitando o ensejo, consumo uma iniciativa da madrugada passada, que tomei ao perceber que, volta e meia, tratava sobre abusos contra as mulheres: criei um novo marcador, "mulheres", para reunir um conjunto de textos tristes, nada edificantes, mas úteis a uma reflexão sobre o quanto os seres humanos ainda precisam melhorar e, em especial, nós, homens.

O novo marcador já surge com 18 postagens. E isso porque não tive tempo de fazer uma garimpagem melhor. Usem-no para ver as postagens antigas e saber como as coisas ainda estão muito erradas por aí. E por aqui. Você não ficará feliz, mas o conhecimento é necessário.