Pedro Vieira Abramovay e Vera Malaguti Batista são coordenadores do livro Depois do grande encarceramento, título do respeitado Instituto Carioca de Criminologia, publicado pela Revan. O mestrado ainda não me deu a oportunidade de ler a obra, que está na longa fila de espera para ser degustada, por isso não posso opinar sobre o advérbio "depois" que consta do título. Na verdade, estamos em plena era do grande encarceramento, que é uma tônica em todo o continente americano.
Já sabemos que a população carcerária brasileira aumentou em níveis impressionantes em um curso espaço de tempo, já tendo alcançado o importe de 500 mil almas (penadas: sim, isto é um trocadilho). Agora, pesquisa inédita (quem faz pesquisas desse tipo no Brasil?) do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, coordenado pela Profa. Julita Lemgruber, aponta que, no Estado do Rio de Janeiro, há 39% de presos provisórios e, destes, em um universo de 3,6 mil presos em flagrante a partir de 2011, cujos processos terminaram até janeiro de 2013, apenas 37,5% foram condenados a penas em regime fechado ou semiaberto.
A reportagem do ConJur destaca que a maioria dessas pessoas acaba absolvida, mas impende considerar que uma fração delas também é condenada a penas em regime aberto ou restritivas de direitos. Em ambos os casos, não há necessidade da custódia. Melhor dizendo: essa custódia se revelou abusiva e ilegal. Tudo reunido, temos um contexto de 62,5% de pessoas que jamais deveriam ter sido presas, mas que o foram, sabe-se lá por quanto tempo. Algo em torno de 2.250 pessoas, se usarmos apenas números absolutos.
Vale repetir: ao menos 2.250 pessoas presas, sem necessidade e sem legalidade, somente no Estado do Rio de Janeiro e somente em um intervalo de pesquisa delimitado em dois anos!
Para se ter uma ideia, segundo a Superintendência do Sistema Penal do Estado do Pará, o Presídio Estadual Metropolitano I dispõe de 404 vagas. Os presos provisórios inocentados no Rio de Janeiro lotariam quatro presídios de Americano e ainda haveria saldo para fazer uma superlotação de rotina. Bem se pode deduzir o tamanho do problema que isso representa em termos de gestão do sistema penal, já que o discurso do poder público é tão ocupado com a eficiência. Nem vou falar sobre violação de direitos fundamentais, porque essa é uma obviedade que grita.
O estudo carioca mostra a urgência de se fazerem investigações semelhantes em todo o país. Não é nada implausível que o resultado seria de arrepiar até mesmo a turma da lei e ordem. Afinal, gente inocente presa ocupa o espaço que deveria estar preenchido pelos verdadeiros criminosos, sendo de se lembrar a demanda reprimida de mandados de prisão no país.
Em suma, tanto faz se você é garantista ou punitivista: no final, todo mundo sai perdendo. E muita gente perde o que jamais poderá ser reparado.
2 comentários:
Sugiro aos garantistas que escrevam um livro, similar à ideia de Saramago em as Intermitências da Morte. Ninguém morria e várias foram as consequências disso.
A ideia não seria nada nova, já que juízes já deixaram de mandar prender diversos meliantes presos em flagrante, que foram soltos supostamente por não terem onde ser presos. Então, que se pense em um mundo onde ninguém mais é preso, soltem-se aqueles que estão dentro do sistema carcerário. As consequências fica a cargo dos mesmos garantistas imaginar. A realidade bem longe da ficção, já que a situação da criminalidade só piora mesmo com presídios lotados, certamente é bem pior.
Da 1h31, vou te dar uma dica: eu fico totalmente de pé atrás em relação a qualquer pessoa que use expressões como "aos garantistas", porque - do mesmo modo que "os defensores de direitos humanos" e, principalmente "a turma dos direitos humanos" - porque denota menosprezo. E essa não é uma boa forma de começar um diálogo.
Para piorar, assim como os críticos dos direitos humanos raramente sabem do que estão falando, também aqueles que se dedicam a esculhambar o garantismo rarissimamente têm alguma noção do que ele realmente significa. Aliás, o próprio termo foi deturpado a tal ponto que, hoje, não sabemos exatamente o que se pretende dizer por meio dele.
Não vale citar o Ferrajoli, porque isso qualquer intelectual de orelha de livro pode fazer.
Os autores da obra citada são estudiosos do tema há décadas e não se pode diminuir-lhes o esforço simplesmente por não se concordar com suas conclusões.
Além do mais - e essa é outra marca típica da turma da lei e ordem, cujo discurso você parece reproduzir: não saber do que está falando e deturpar as premissas de fato -, o livro em questão, a pesquisa referida e a minha postagem não afirmam que criminosos não devem ser presos. O objetivo é criticar o excesso de encarceramento, interpretado como instrumento de controle social. Explicar isto demandaria um tempo enorme e imagino que você não tenha interesse.
Portanto, em vez de sugerir que vivemos fora da realidade, seria melhor que você mesmo procurasse conhecer melhor a realidade, que não é tão óbvia quanto lhe parece.
Saudações.
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