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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Glossário

Autoestima tóxica.

Atributo de determinadas pessoas que, mesmo sendo completamente irrelevantes, talvez até em seu entorno imediato, acreditam poder sair das cloacas em que vivem para invadir prédios públicos, intimar autoridades a fazer o que elas querem, ao arrepio de qualquer legalidade, com prazo que elas mesmas estabeleceram, sob pena de paralisar o país inteiro ou de fazer destituições de função. Esta patologia se completa com uma profunda autopercepção de ser legítimo representante da nação inteira.

Não-dito.

Mensagem de extrema importância e gravidade que o comunicante omite propositalmente, para se esquivar das consequências de sua ilegalidade ou violência. Em alguns casos, pelo perfil do comunicante e pela frequência de manifestações no mesmo sentido, é possível saber exatamente o que ele quer dizer e a resposta que pretende obter, mas todo mundo se faz de desentendido e deixa a água bater na pedra até, quem sabe, furar. Exemplos hipotéticos: "Estou esperando um sinal do povo". Em resposta: "Eu autorizo".

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Fim de carnaval (?)

Depois de, no ano passado, ser anunciado que o São João seria em casa, o que implica dizer que comidinhas maravilhosas só se você mesmo as cozinhasse, e que haveria clima festivo somente se você se dispusesse a isso, o recado estava dado: enquanto perdurasse a pandemia de SARS-CoV-2, nada de folguedos populares.

É certo que, em junho passado, já havíamos enfrentado uma vez o terror do colapso do sistema de saúde e alguns imaginavam, com otimismo habitual ou com leviana esperança, que as coisas entrariam nos eixos nos meses subsequentes. Ledo engano, claro. Exceto em lugares específicos, como Nova Zelândia, Cuba e até mesmo na China, que colocaram a pandemia mais ou menos sob controle, o mundo segue aterrorizado, com as pujantes economias europeias vivendo em lockdown, com previsão de continuidade até março.

Um enorme alívio surgiu com o advento das vacinas, mas as coisas não andam fáceis mesmo assim. E por aqui, na República Miliciana do Brasil, tudo vai às avessas. No mundo, leve tendência de queda na curva de contágio; no Brasil, tendência de alta ou, no mínimo, de estabilidade dos números, que têm mantido média superior a mil mortes diárias. No mundo, vacinação intensa; no Brasil, vacinação sendo interrompida, por falta de vacinas, e uma sucessão de notícias sobre irregularidades. No mundo, governos com discursos de união e medidas de proteção, ao menos, dos próprios cidadãos; no Brasil, o permanente discurso de ódio, desprezo e negação da ciência, além de reiteradas medidas para destruir o país.

Não surpreende que a grande festa do povo, o carnaval, tenha sido cancelada. Aliás, adiada para junho. Rendeu até uma piada inteligente: se o ano só começa depois do carnaval, então estaremos em 2020 até junho?! Chiste ainda na pegada de que 2020 foi o pior ano já vivido. Pode até ter sido, mas isso não fornece garantia alguma de que 2021 não será ainda pior.

Em suma, não houve os desfiles, praias e outros pontos turísticos foram fechados e a polícia andou embaçando festinhas domésticas clandestinas. De habitual, por estas bandas, só o clima chuvoso desta época. Ontem, por sinal, um dia inteiro de chuva fraca (que eu espero não haver causado muitos transtornos aos moradores de baixadas) e uma temperatura simplesmente deliciosa, que eu queria para a minha vida inteira. Mas hoje, quarta-feira de cinzas, carnaval acabando, o dia está algo nublado, mas o sol já deu as caras e o ar abafado, também. Se festa houve, parece que está mesmo no fim.

De novo e como sempre, realidade voltando.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Estadistas e vermes

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe que não vale a pena esperar muito dos Estados Unidos, seja quem for seu presidente, pois a noção de "America first" está longe de ser exclusividade da gestão finda nesta data. A começar pela mania deplorável de achar que os Estados Unidos são "a América". Outrossim, Joe Biden tampouco é o cara bacana que muita gente pensa, mas, devido ao fato de ter concorrido com um sujeito tão repulsivo quanto Trump, acabou se saindo bem em uma perspectiva de disputa civilizatória. O oposto do que houve no Brasil, em 2018.

Foto de Olivier Douliery/AFP

A par disso, as propostas de Biden têm um colorido realmente reconfortante, no que tange à promoção da saúde de seu povo, não apenas em relação à pandemia de coronavírus; à geração de empregos; à política ambiental; às relações internacionais. Ao menos, aquele país deixará o império das fake news e do ódio como única expressão comunicacional. Acima de tudo, é um freio importante no avanço da extrema-direita pelo mundo afora e passa uma mensagem importante para os grupos extremistas internos. Mesmo que hoje não seja um dia para empolgar, sem dúvida foi um dia ruim para a terra plana, para o negacionismo científico, para a ditadura do WhatsApp e coisas do gênero. E se esse pessoal está mal, então eu comemoro.

No mais, os símbolos têm poder. A eleição de um presidente com discurso conciliador e propostas que, para os histéricos estadunidenses, são quase socialistas, tais como a expansão do sistema de saúde (e nem de perto se pensando em algo universal, como o nosso SUS), é muito bom. A eleição de uma vice-presidente mulher, negra e descendente de imigrantes é muito bom. A nomeação de uma mulher transexual para cargo de alto nível no campo da saúde é muito bom. A meu ver, passa a sensação de que os últimos quatro anos foram uma aventura autoritária que não deu certo e, por isso, acabou reprovada do melhor modo: pela vontade do eleitorado.

Além disso, o comportamento alucinado do derrotado-fracassado-humilhado Trump, em todas as fases do processo eleitoral, mas sobretudo após a divulgação do resultado, acabou sendo benéfico, pois mostrou ao mundo que não adianta vociferar sobre fraudes, ameaçar autoridades, conclamar atos de violência contra as instituições e outras patuscadas. No final, o pilantra enfiou o rabo entre as pernas e saiu para a famosa lata de lixo da História, de uma maneira verdadeiramente vergonhosa. Se tivesse reconhecido a derrota e feito uma transição republicana, poderia até sofrer em sua imensa vaidade, mas seria elogiado pelo mundo afora, ao menos em relação ao gesto derradeiro. No entanto, preferiu aumentar sua desonra. Bem feito.

Os líderes mundiais, claro, parabenizaram o novo presidente. Como o Brasil não possui nenhum líder no exercício do cargo, não houve qualquer pronunciamento oficial. Houve, sim, uma manifestação do vice-presidente, que em seu ridículo vira-latismo declarou que os Estados Unidos continuarão sendo "um farol para o ocidente". Haja o que houver, essa gente medíocre continua se curvando até o chão, com o traseiro oferecido ao Tio Sam. Farol coisa nenhuma! O que a América Latina precisa fazer é se unir e entender que o povo lá de cima nunca será um parceiro sincero. Aliás, com uma ressalva para a Inglaterra, nem os países europeus demonstram essa subserviência toda.

Exemplo de manifestação foi a do Papa Francisco, que segundo reportagem do Uol, pronunciou-se nestes termos: "Ofereço-lhe meus cordiais votos e a garantia de minhas orações para que Deus Todo-Poderoso lhe conceda sabedoria e força no exercício de seu alto cargo. Sob sua liderança, que o povo americano continue a se nutrir dos altos valores políticos, éticos e religiosos que inspiraram a nação desde sua fundação". Viram? Biden é líder do povo de seu país e não do ocidente, menos ainda do mundo inteiro. Francisco acertou de novo.

Quanto a nós outros, a prudência manda vigiar e torcer pelo melhor. Boa sorte para nós.

domingo, 27 de dezembro de 2020

A fome, que retorna convicta

Vários anos atrás, quando eu era adolescente, a "revista semanal de domingo" da Rede Globo, o Fantástico, exibiu uma reportagem longa e contundente sobre a fome no Brasil. O trabalho jornalístico teve enorme repercussão e, sobre mim, um efeito devastador. À medida que a reportagem avançava, eu me sentia mais e mais sufocado, até não conseguir mais reprimir o choro. Quando terminou, eu me sentia péssimo, sobretudo por não vislumbrar nenhum prognóstico de mudança, embora estivesse claro para mim que acabar com aquela realidade era possível e, talvez, mais simples do que parecia.

Há dois dias, tomei conhecimento do documentário Histórias da fome no Brasil (dir. Camilo Tavares) lançado em dezembro de 2017. Sim, há 3 anos, mas somente agora soube dele. Provavelmente, pouca gente conhece, daí a importância de divulgá-lo. Abaixo, você pode assistir.


Impossível tocar em um assunto tão sensível sem dar margem a que as histerias ideológicas explodam, pois constitui fato objetivo que o Brasil saiu do Mapa da Fome, da Organização das Nações Unidas, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva. E também é fato objetivo que, desde 2017, quando o documentário foi lançado, o país corria o risco de retornar a ele. Agora, com a pandemia e a quase ausência de políticas de auxílio aos necessitados, o cenário é mais do que assustador.

Não farei apologias e muito menos brigarei com os fatos. Deixarei o negacionismo àqueles a quem essa doença aproveita. Só quero dizer que o documentário comprova minhas ideias adolescentes: acabar com a fome era uma questão de iniciativa. A famosa vontade política. Enfrentar a seca do Nordeste poderia ser feita com a construção de cisternas, uma tecnologia simples e barata. Não é a solução única ou definitiva, mas um exemplo de como os governantes poderiam ter agido décadas antes, se quisessem. A bilionária transposição do Rio São Francisco também é apenas um exemplo, necessário, porém não suficiente. Enfim, incontáveis vidas poderiam ter sido poupadas. Uma quantidade atroz de sofrimento poderia ter sido evitado.

Documentário recomendado. Você vê, julga e decide o que lhe parecer mais sensato.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Pato Donald

É meio sem sentido comentar sobre a vida alheia, mas como este é um blog de opinião e é meu, lá vai.

Acabei de ler matéria informando que o ainda presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciou mais uma aventura jurídica, desta feita perante a Suprema Corte do país, por meio da qual pretende cassar, suspender, ignorar, por para escanteio ou sei lá o quê milhões de votos, em quatro Estados nos quais, obviamente, ele perdeu, alegadamente por mudanças de regras eleitorais devido à pandemia do coronavírus (v. https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/12/09/trump-pede-que-suprema-corte-dos-eua-bloqueie-milhoes-de-votos-em-4-estados.htm). O argumento parece novidade, embora o moleque pimbudo costume resumir tudo ao argumento de "fraude", nunca comprovado.

Pessoalmente, acho ridículo o chefe de Executivo que não transmite a faixa ao seu sucessor. Tudo bem que não depende do vazante a transmissão do poder, mas considero a passagem da faixa um ato simbólico bastante educado, civilizado, que deveria transmitir a mensagem de estabilidade das instituições. Portanto, quando um molecote deixa de comparecer ao ato, mais do que evidenciar a sua babaquice, ele demonstra quão mal das pernas vão as instituições, tratadas como valhacoutos pessoais.

O caso de Trump é ainda pior, porque o mundo inteiro, literalmente ― o mundo que conta, portanto excluídas repúblicas bananeiras comandadas por escrotinhos insignificantes ―, já considera notícia velha a eleição de Joe Biden, que está prestes a ser confirmada com a votação dos delegados. Mesmo assim, o sujeito cuja aparência sempre furiosa e alaranjada já é por si só repugnante, insiste no negacionismo, hoje uma característica marcante dos ultradireitistas. A imagem que tenho comigo é a de um fulaninho tentando se agarrar na água enquanto desce por um ralo óbvio e inevitável. Eu realmente não consigo pensar em um precedente de chefe de Estado que, em ambiente democrático, vá deixar um governo tão pela porta dos fundos desse jeito  ― e por culpa exclusivamente própria.

Está feio, mas há de piorar. E aguardemos as cenas dos próximos capítulos, porque há uma certa colônia abaixo da linha do Equador que adora copiar tudo que os Estados Unidos fazem... de ruim. Ouvi dizer que, por lá, os apoiadores do tiranete agora fazem passeatas de meia dúzia de revoltados, exigindo um tal de voto impresso.

Vendo essa coisas, só consigo pensar que o coronavírus está matando as pessoas erradas.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O ano acaba, mas o pesadelo não

Ao tempo em que inicio estas mal traçadas linhas, faltam 28 dias, 1 hora e 7 minutos para o ano de 2020 terminar. Para uma quantidade imensa de brasileiros, ou pelo menos considerando aquilo que vejo, foi um ano horroroso, para muitos o pior já vivido. Claro que a pandemia do coronavírus figura como vilã preferencial dessas manifestações, pois roubou nossas vidas e acabou com a tal vida normal, impondo muitos e singulares desafios.

O problema é que 2020 acabará sem que a pandemia tenha passado. Já se fala bastante na proximidade da vacina, mas ainda não há confirmação de liberação pelas autoridades sanitárias, tampouco notícia sobre plano de vacinação. Notícia que li falava em vacinar toda a população até o final de 2021. Então tá.

Mas para quem é brasileiro, coronavírus pouco é bobagem. Nós temos o pior governo de todos os tempos e todas as dimensões, excluídos os regimes de exceção. Se você acha que Trump é pior, saiba que para ele era, supostamente, "America first". Por aqui, com certeza, é "America first". Só que nós não somos a tal America. Por aqui, o "Brasil acima de tudo" foi só um ridículo slogan de campanha, que jamais pretendeu ser verdadeiro. Aliás, a dobradinha SARS-CoV-2 e governo Bozo são a causa do número alarmante de mortos que tivemos na pandemia e de uma tal segunda onda que se confunde com a primeira.

Mas por aqui se morre a rodo por outras razões, também, Morre-se por causa da fome, de doenças facilmente tratáveis, de uma quantidade colossal de acidentes e de muita, muita violência, dentre outros fatores. E aí entra o governo, aumentando a miséria e o desemprego, não contendo a inflação, demolindo todos os sistemas de proteção de direitos ou do meio ambiente, estimulando a violência e muitas mazelas mais. Não é engano nem acidente: é projeto de morte. Basta ver que, volta e meia, a imprensa publica uma notícia no sentido de que o governo não gastou todo o orçamento disponível para certo setor. Por toda a minha vida, vi a desculpa ser dada em termos de "não temos dinheiro". Nesta era das trevas, há dinheiro, porém ele não é gasto. Fica evidente que são decisões sendo tomadas para ferrar com tudo.

Daí lembramos que 2020 terminará e o governo mais alucinado da história, não. Isso me dá mais angústia e raiva do que qualquer vírus, ainda mais quanto vemos uma tribo insistir em apoiar esse projeto, com toda a irracionalidade possível, como acabamos de rever nas recentes eleições municipais. Um fulano qualquer pode surgir dizendo que vai governar para empresários e tapar todos os canais de Belém e, ainda assim, ganha mais de 48% dos votos válidos, só porque não era de esquerda. A galera resolveu brincar de roleta russa todo dia, uma roleta russa modificada, em que há mais de uma bala no tambor.

Mas é o que temos para hoje. Precisamos de encerramentos, porque acreditamos na força dos ciclos. Pensar que estamos em um novo ano, em uma nova fase, em uma nova condição nos ajuda a disfarçar que estamos no mesmo pesadelo. Pelo menos por ora. O futuro, quem sabe?

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Uma nova legislatura?

Levo muito a sério a política municipal. Afinal, é no Município que vivemos. São as decisões locais que afetam de modo direto o nosso cotidiano, nas coisas mais simples e necessárias, como abastecimento dos mercados, transporte, iluminação, saneamento, etc. Por quase 4 anos, entre 1997 e 2000, fui assessor na Câmara Municipal de Belém. E por 2, entre 2001 e 2003, fui procurador jurídico do Município de Belém. Ou seja, passei cerca de 6 anos de minha vida lidando diariamente com aspectos da gestão municipal, seja no Legislativo, seja no Executivo. Fiquei muito mais interessado na questão. E conheci de perto alguns rostos e nomes.

Passados 17 anos, eu simplesmente não tenho ideia de quem são muitos dos atuais vereadores de Belém. E alguns eu só sei que existem porque foram citados aqui e ali, por alguma razão, inclusive as estúpidas, como fazer um projeto de lei instituindo o "dia do orgulho heterossexual". E olha que eu tento ser minimamente informado. Por outro lado, alguns vereadores que já estavam aboletados na Câmara Municipal nos meus tempos de assessor ainda estão por lá! Mais de duas décadas transformando a vereança em carreira, porém sem compromisso de produtividade, porque simplesmente não se escuta, não se lê, não se vê nada que esses caras tenham feito, a não ser sustentar prefeitos vergonhosos.

Veja quem são os atuais vereadores de Belém (por seus nomes parlamentares e, mesmo assim, é possível que você jamais tenho ouvido falar de vários deles): Adriano Coelho, Altair Brandão, Amaury da APPD, Bieco, Blenda Quaresma, Celsinho Sabino, Dinely, Dr. Chiquinho, Dr. Elenilson, Emerson Sampaio, Enfermeira Nazaré Lima, Fabrício Gama, Fernando Carneiro, Gleisson, Henrique Soares, Igor Andrade, Joaquim Campos, John Wayne, Lulu das Comunidades, Marciel Manão, Mauro Freitas, Moa Moraes, Nehemias Valentim, Neném Albuquerque, Nilda Paula, Paulo Queiroz, Pablo Farah, Professor Elias, Professor Wellington Magalhães, Rildo Pessoa, Sargento Silvano, Simone Kahwage, Toré Lima, Wilson Neto e Zeca Pirão.

A primeira vergonha é que só há quatro mulheres na câmara, de 35 vagas. Em azul, os que se reelegeram: são 16 no total. Eu sempre espero uma renovação maior, mas não adianta. Estar no cargo proporciona inúmeras conveniências, em alguns casos nada republicanas. No entanto, preciso destacar que há, sim, nomes cuja reeleição me deixa muito satisfeito. No geral, é bom que tenhamos uma renovação superior a 50%, com 19 calouros: Allan Pombo, Augusto Santos, Bia Caminha, Dona Neves, Emerson Sampaio, Fábio Souza, Goleiro Vinícius, João Coelho, Josias Higino, Juá Belém, Lívia Duarte, Matheus Cavalcante, Miguel Rodrigues, Renan Normando, Roni Gas, Pastora Salete, Túlio Neves, Vivi e Zeca do Barreiro.

Agora são 6 vereadoras. Uma vergonha, uma lástima. A ausência de representatividade segue a toda, ainda mais se pensarmos que tem muito classe média se metendo em política pensando em projetos pessoais, porque não possui uma verdadeira base eleitoral. Alguns só têm um curral, mesmo. E os nossos vícios permanecem: eleger jogador de futebol aposentado de time ruim, os onipresentes evangélicos, etc. Mas há o que comemorar, sem dúvida. Há candidaturas que se forjaram nas ruas e conquistaram mandato sem dinheiro de papai, de empresário, de político que não podia apoiar mas apoiou, etc. Encaro como um avanço minúsculo, mas um avanço. Só de pensar que os vereadores vintenários vão finalmente pegar o beco e, junto com eles, o sargento (bolsominion arrependido) e o truculento apresentador de programa mundo-cão. São pequenas alegrias da vida adulta, parafraseando Emicida.

Ao conceder entrevista após o anúncio de sua eleição a prefeito, Edmilson Rodrigues disse ter sido procurado por 20 vereadores eleitos, dando a entender que essa será a sua base de sustentação. Do outro lado, seriam 15 edis na oposição. É numericamente maioria, mas vale a pena lembrar que é da natureza de muitos desses partidos negociar apoio. Logo, mesmo que seja esse o cenário, Edmilson não deve governar em céu de brigadeiro. Mas já seria bem melhor do que em seus dois mandatos anteriores, sendo sabotado por todos os lados. Pessoalmente, acredito que essa tensão é positiva, porque obriga o Executivo a vigiar sempre, a escutar, a ponderar, a se justificar, a ser mais humilde. Coisa muito diferente do que fez um prefeito medíocre como Zenaldo Coutinho, sustentado por 30 vereadores. Assim se consegue tudo, mesmo que isso afunde a cidade, como afundou.

Assim como o Congresso Nacional desceu ao nível mais degradante de sua já não honorável história, a Câmara Municipal de Belém também dá vergonha. Mas tudo muda quando se tem um governo de esquerda. Os acomodados se levantam, a imprensa se torna superfiscalizadora, as instituições públicas não dormem, à caça da mínima improbidade. Enfim, as forças se alinham, tudo se conflagra para que o projeto dê errado.

Seja como for, prefiro navegar nesses mares revoltosos do que nas águas plácidas da direita. Quando o povo se cala, a imprensa finge não ver, as instituições cruzam os braços e a politicalha intenta golpes, tudo parece no lugar. Mas nós, povo, estamos perdendo. Com a esquerda no poder, ninguém dorme. E essa é a única oportunidade de algo bom acontecer para quem vive em uma cidade combalida como Belém.

Em tempo: Após esta publicação, tomei conhecimento de que a vereadora eleita Vivi Reis assumirá o mandato de Edmilson Rodrigues na Cãmara dos Deputados, pois é sua suplente. Em seu lugar, a Enfermeira Nazaré Lima assumirá um segundo mandato como vereadora. Portanto, será mantido o número de mulheres e a identidade partidária, pois ambas são do PSOL. Serão, portanto, 17 vereadores reconduzidos e 18 calouros, mas isso não mudará a relação com o futuro prefeito.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Sensação de racismo

Para quem ainda acredita que o vice-presidente da República é melhor do que o titular do cargo, hoje tivemos uma bela demonstração do erro (se é que se pode tratar como erro). Em pleno dia da consciência negra, e horas após o assassinato de mais um brasileiro preto, em uma rede de supermercados que já registra três outros casos em seu histórico, o tal fulano declarou:


A declaração foi pública e oficial. Não adianta dizer que estou compartilhando fake news. E ela bem demonstra como estão as coisas no Brasil, atualmente. Vocês se lembram do então ministro da Fazenda do Brasil, Rubens Ricúpero, em entrevista concedida no dia 1º.9.1994, dizendo: "Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde"? Sem saber que a conversa estava sendo gravada, o ministro mostrou como pensa um político padrão. A frase ganhou imensa repercussão nacional. Mas sabe o que é pior? É pensar que 1994 ainda era menos sórdido do que agora.

No Brasil de hoje, o que é ruim não é escondido: é eliminado. Todas as mazelas nacionais são resolvidas do mesmo e simplório modo: mediante uma singela negação por parte do governo. Não existe desmatamento, nem corrupção no governo, nem racismo neste país. Porque "para mim" não existe. É uma percepção minha. E as percepções dessa gente do governo prevalecem sobre qualquer realidade, mesmo a mais evidente.

Eu me pergunto como se sentiram os parentes de João Alberto Silveira Freitas, o assassinado de ontem, ao tomarem conhecimento da declaração. Como se sentiram os demais brasileiros pretos, que todos os dias experimentam o peso dessa coisa que não existe, que é apenas uma tentativa de importação ideológica, ao ponto de temerem pela própria vida. Exceto, é claro, aquele vereador de São Paulo (e olha que até ele tuitou em protesto contra o crime!) e aquele sujeito que preside atualmente a Fundação Palmares. Eu, que sou pardo, segundo a minha certidão de nascimento, e que nunca fui prejudicado por minha cor, me senti extremamente mal. Imagine os pretos.

O vice só é melhor do que o titular em capacidade intelectual, nível de instrução e educação no trato com terceiros. Mas naquilo que importa para a gestão de um país diverso e sofrido como o Brasil, eles são como escolher entre morrer de câncer no pulmão ou de câncer no cérebro. Você tem preferência?

Mas esse é o projeto eleito em 2018. Não basta defender tudo aquilo que limita, humilha, degrada e, por fim, mata as pessoas comuns, aquelas que não pertencem às elites. Porque isso muitos outros também fizeram, mas fingindo que se importavam. Negando seus reais sentimentos. Mostrando em público uma solidariedade que na verdade não existe, como o governador de São Paulo, p. ex. Essa turma aí não consegue calar a boca; não se furta de dizer coisas que tornam tudo ainda mais horrendo e inaceitável. São os piores representantes daquilo que há de pior entre os representados.

Meus pêsames às pessoas enlutadas hoje, pelo crime noticiado. Veremos qual será o nosso motivo amanhã.

PS  Sim, como você percebeu, eu não escrevo os nomes dessa canalha. Eu escrevo os nomes de seres humanos, daqueles que merecem ser lembrados. Quem extrapola o limite da indignidade não deve ser nominado em hipótese alguma, exatamente como se deve fazer em relação a terroristas e psicopatas em busca de fama. Se ninguém desse espaço a eles, não seriam eleitos.

domingo, 15 de novembro de 2020

E as eleições em Belém, hein?

Algum choque e muita indignação: é como me sinto após o resultado das eleições municipais de hoje. Um sujeito que, até um dia desses, eu e milhares de pessoas não sabiam sequer que existia, e que aparecia em quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto, vai ao segundo turno com 23,05% dos votos válidos. Um sujeito cujo nome de campanha privilegia o seu cargo na segurança pública, desvelando uma modinha dos últimos anos, para angariar a simpatia da turma que acredita na violência como estratégia de coexistência social. Um fulano cujo material publicitário copiava o utilizado pelo atual presidente da República, o excrementíssimo. Dize-me com quem andas.

O sentimento é de nojo. Ficou claro que a direita em Belém, além de canalha como sempre, especializou-se na covardia: diz que vai votar nos candidatos da direita limpinha, mas vota mesmo no projeto que se apresenta alinhado à proposta fascista nacional.

Edmilson Rodrigues confirmou as pesquisas. Ficou em primeiro, com 34,26% dos votos válidos, portanto dentro da margem de erro. Com uma diferença de pouco mais de 11%, precisará trabalhar duro para se eleger, já que a máquina bolsonarista e o aparato evangélico vão tocar o terror nas próximas duas semanas. Há muito o que temer.

Priante ficou no lugar de sempre: segundo, terceiro colocado. Nunca passa disso. Não sei até quando esse inexpressivo deputado federal de carreira vai insistir em governar Belém. Ele perdeu o seu melhor momento, com o primo no governo do Estado e dispondo de ótima avaliação quanto ao seu mandato. Mas não transferiu voto. O resultado também confirmou as pesquisas... e o currículo do moço.

Os playba que se tornaram deputados estaduais catapultados pelo capital político e financeiro dos pais também malograram. Mas isso era sabido. A função desse tipo de candidatura não é se eleger, mas promover os nomes das figuras para eleições futuras. Aguarde 2022: vão tentar a Câmara Federal. A prefeitura de Belém e o governo do Estado devem estar nos planos, ou ao menos nos sonhos, mas de verdade apenas depois que derem um balão pelas esquinas de Brasília.

E os demais estavam ali cientes de que o resultado era isso mesmo. Exceto, talvez, Vavá Martins, que sempre pode contar com o rebanho para fazê-lo subir em seus projetos de poder. Se fosse um bom pastor, devia ficar na igreja, né?

Tenho ao menos a alegria de ver eleita a minha vereadora, Bia Caminha. Vai para a tenebrosa Câmara Municipal de Belém levando a voz das periferias. Espero que dê muito trabalho aos homens brancos endinheirados e aos lambaios do capital que andam por lá. 

Estamos longe da tranquilidade. Belém parece gostar de roleta russa.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Pergunta pra mim!

Nunca fui abordado por algum instituto de pesquisa, para me perguntar sobre intenção de voto. E eu realmente gostaria de participar. No final da manhã de hoje, achei que minha oportunidade chegara, mas não deu.

A pesquisadora disse que ainda precisava entrevistar uma pessoa, mas precisava ser um homem na faixa etária entre 33 e 44 anos. Completei 45 há menos de 3 meses, mas por causa disso eu não me encaixava no perfil procurado. A moça se desculpou pelo incômodo (incômodo algum) e seguiu seu caminho. Naquele calor do cão, ia de casa em casa procurando um respondente adequado. Pelo menos eu a ajudei a pular uma casa, pois sei que entre meus vizinhos da direita ninguém corresponde ao tipo procurado.

O episódio ao menos serviu para demonstrar que, ao contrário do que pensa muita gente desinformada, há sim credibilidade nas pesquisas de intenção de voto. Não me refiro, claro, àquelas pesquisas encomendadas, safadas na origem, que já ajudaram a eleger muita gente. Esse tipo de fraude ficou mais difícil, creio, tanto pela criação de maiores mecanismos de controle quanto pelos poderes fiscalizatórios da internet. Ocorre que há pessoas que duvidam da estatística em si mesma, isso antes mesmo da atual era do negacionismo científico. Por ignorância, naturalmente, pois não entendem como funciona.

Hoje, tive uma pequena demonstração de como a estatística, por meio de parâmetros de sexo, idade, condição financeira, nível de instrução, etc., vai desenhando um perfil da população investigada, que torna possível o recorte ser uma expressão mais ou menos fiel do todo. Já haviam me explicado isso, mas foi interessante ver a coisa funcionar, na prática.

Só espero que chegue o dia em que eu finalmente possa responder.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Raciocínio singelo

Em matéria publicada há pouco, o portal Uol ― usando, claro, linguagem diferente  afirma que o Deus Mercado, a única entidade que deve ser ouvida quando se trata de políticas públicas, está irritado com aquele excremento que ocupa a presidência da República, e cujo nome não pronuncio, porque este, visando a reeleição em 2022, está se afastando da agenda neoliberal, que é a obsessão do ministro da Economia, Chicago boy e escroto Paulo Guedes. Eis o link da matéria: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/08/27/bolsonaro-agenda-liberal-guedes-desenvolvimentismo.htm

Vou-me permitir um raciocínio simplório, mas que realmente me parece lógico.

Se um candidato precisa se afastar do discurso neoliberal e adotar um tom de defesa do Estado assistencialista, como condição para se eleger, isso prova por A + B que a maioria da população brasileira, aquela que numericamente (embora não ideologicamente) decide as eleições, deseja que essas políticas assistenciais existam, e não as práticas neoliberais. A maioria da população, empobrecida de muitas maneiras diferentes, quer o programa de geração de renda, quer o microcrédito para o pequeno empreendedor, quer a escola e universidade públicas, que o Sistema Único de Saúde, etc. Ela não quer, embora talvez não saiba explicar isso, que o Estado se ausente e deixe os empresários resolverem tudo a seu bel prazer. Não quer a absoluta desregulamentação. Não quer ser exposta à tal liberdade de mercado, sem garantias.

Está provado, segundo entendo, que a ideologia neoliberal não serve ao Brasil, porque não traz desenvolvimento, nem igualdade, nem justiça. Por força de consequência, também está provado que quem se elege com um discurso e, no governo, pratica outro, comete um evidente estelionato eleitoral e deveria ser brindado, pelo eleitorado, com a derrota, o ostracismo e, quem sabe, medidas de responsabilização.

O Deus Mercado, auxiliado por uma malta hidrófoba que não arrefece sua crueldade, conseguiu usurpar o mandato de Dilma Rousseff em 2016 e colocou no posto, em 2018, aquele que estava, no momento, em melhor posição para afastar o PT. Mas eu desejo, sem querer incorrer em ingenuidade, que ele já tenha entendido que o capitão não sabe, não consegue e não pode governar. Com ele, ninguém conseguirá o que almeja  nem o mercado, pois países desenvolvidos não compram mercadorias de fornecedores sem responsabilidade ambiental, para citar apenas um exemplo.

O projeto alucinado de 2018 precisa acabar, o quanto antes, Há motivos para impeachment, há motivos para responsabilização criminal, mas não conto com nada disso. Ainda acho que a via da eleição, em 2022, segue sendo a opção mais firme, concreta e segura para se tentar resgatar o país. Mas não adianta esperar um ungido: quem quer que se eleja, estará abençoado por forças que não advêm do povo. No xadrez da realidade, há uma turma que não perde nunca.

Fiscais da "coerência"

 O oncologista Dráuzio Varella incomoda. Mesmo com sua postura contida, tornou-se um comunicador bem-sucedido, querido pelo grande público e, particularmente, dotado de credibilidade. Como médico e como escritor, tornou-se (não sei se intencionalmente) uma voz para um dos setores mais vulneráveis da sociedade: os presidiários. Mostrar empatia com a população carcerária não é o caminho mais seguro para conservar uma boa imagem perante o brasileiro médio.

Nos últimos dias, as redes sociais se encheram de postagens de gente reclamando que Varella passou o ano mandando as pessoas ficarem em casa, devido à pandemia do coronavírus, mas agora está incentivando as pessoas a serem mesários voluntários. Buscam minar sua credibilidade por suposta incoerência. 

Mas a quem interessa isso? Simples. Diante da calamidade trazida pelo coronavírus, Varella se colocou ao lado da ciência, obviamente. E ao fazê-lo, contrariou o discurso do governo genocida, que tem no negacionismo científico e no ódio aos pobres duas de suas características mais marcantes. Ridicularizar Varella é, portanto, uma estratégia da direita, que é composta basicamente por gente má, burra (ou sem receio de passar recibo) e que se comporta como bullies de ensino fundamental. É exatamente isso que estão fazendo: bullying com o médico que se opôs à cloroquina. Para piorar, gostam de frisar que Varella, lá por fevereiro, chamou a covid-19 de "gripezinha". Varella já explicou publicamente que cometeu um erro de avaliação, pediu desculpas pela manifestação e passou a recomendar todas as cautelas possíveis, inclusive o isolamento social.

Diante disso, por que a recomendação de ser mesário voluntário não é uma incoerência? A resposta, na verdade, é bem simples.

Todas as pessoas que defendem o isolamento social sempre ressalvaram a necessidade de preservar as atividades essenciais. Não podemos deixar de comprar comida e remédios, de manter em funcionamento certas atividades profissionais, etc. Alguém duvida que viabilizar as eleições seja uma tarefa essencial? Duvidar disso exigiria uma enorme capacidade de má-fé ou de ignorância, em níveis só alcançados por... apoiadores do atual governo.

Um mandato político tem data para acabar. Não podemos apenas prorrogá-lo, como se não fosse nada. Há muita coisa em jogo, especialmente para aqueles que, como nós, moradores de Belém, estão sob o jugo de um governo municipal pífio, frequentemente apontado como o pior da História. A manutenção do sistema democrático exige que as eleições aconteçam. E, para isso, precisamos de mesários. Daí que medidas foram tomadas, a maior delas sendo o adiamento das eleições. E a convocação dos mesários destaca que os voluntários não podem estar em grupos de risco para o coronavírus e que o treinamento será virtual. Já é bem difícil convencer pessoas a participar de uma tarefa tão inglória (muito trabalho, responsabilidade e riscos, com compensações menosprezadas). No contexto atual, a Justiça Eleitoral precisou apelar para um recurso mais forte: o carisma de Dráuzio Varella. Sobrou para o garoto propaganda.

Presto minha solidariedade a Varella. Se não está fácil existir neste país, pior ainda quando nos posicionamos em oposição à perversidade dessa gente ruim, que ora coloniza o governo federal, e seus apoiadores. Sem alternativa, resta persistir na lucidez, porque somente com comportamentos lúcidos poderemos resgatar este país algum dia.

sábado, 11 de julho de 2020

Pensamentos em um sábado qualquer

Eu me recordo muito bem de 2018, com tantas pessoas dizendo "não temos opções para votar" e, no segundo turno, afirmando que os dois candidatos eram iguais, de modo que tanto fazia vencer um ou outro. Para alguns, minha perplexidade ainda perguntou se realmente acreditavam que Haddad era equivalente ao outro. Responderam-me que sim.

Cínicos. Mentirosos. E covardes, porque nunca tiveram a hombridade de reconhecer a verdade, mesmo agora.

A maioria das opções nos levaria, sim, a um governo de homens brancos e ricos, com discurso "liberal" para a economia, o que implica a implosão das normas de proteção social do trabalhador e do meio ambiente, à carência de políticas contra a desigualdade em suas diversas faces e, mesmo, à manutenção de uma agenda moral conservadora. Mas qual dentre os outros nos colocaria em um cenário em que:

  • a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos viu Jesus Cristo, o próprio, subir em uma goiabeira, mas não viu nenhuma política pública para promover minimamente os temas em sua pasta, no país com o maior número de assassinatos de mulheres, LGBTQI+, etc., no mundo?
  • o ministro da Justiça e Segurança Pública era um juiz federal contumaz em cometer violações expressas à Constituição e à legislação penal e processual penal, cujo maior feito foi ajudar a eleger o chefe e que admitiu publicamente atos ilícitos (como o pedido de pensão, pois abriu mão da carreira na magistratura)?
  • o Ministério da Cultura foi rebaixado e, para a secretaria em apreço, foi designado um entusiasta do nazismo que fez questão de demonstrar isso?
  • o Ministério da Saúde não segurou titulares porque estes contrariavam o chefe ao tentar seguir, minimamente, a ciência, além de ficar vago por dois meses, em meio a uma pandemia global?
  • a aludida pandemia é gerida com o fomento, pelo chefe do Executvo, de condutas que colocarão em risco a segurança e a vida das pessoas de um modo geral, além de que nem 30% do orçamento disponível para o combate à doença foi executado?
  • os ministros da Educação são figuras grotescas, de comportamento infantil e violento, com políticas voltadas à substituição da educação pública por um modelo religioso, com direito a disciplina física de crianças?
  • o presidente da Fundação Palmares é um dos mais aguerridos negacionistas das agendas do movimento negro?
  • o ministro das Relações Exteriores é um terraplanista, cujas declarações absurdas levam o Brasil ao ridículo internacional?
  • o governo tem um guru intelectual, que é um sujeito de trajetória pessoal irregular, a começar pelo modo como criou os filhos, sem formação alguma que se sustente, e que se limita a proclamar conspirações, negar a ciência e ofender a tudo e a todos, com uma obsessão incontrolável pelo ânus, e que mora nos Estados Unidos, segundo consta, por problemas legais no Brasil?
  • o governo foi transformado em um parquinho de diversões pelos filhinhos do presidente?
  • o presidente e seus familiares são umbilicalmente vinculados a milícias do Rio de Janeiro?
  • o presidente ofende, ameaça e intimida a imprensa, instigando apoiadores contra os profissionais do setor, além de promover ostensiva campanha de descrédito a todas as instituições democráticas nacionais, mas ao mesmo tempo governa por tuítes?
A lista é interminável. Nem dá para pensar em tudo, na verdade. Estou aqui pensando em notícias mais recentes, em meio a esse cansaço absurdo provocado por tanta violência e obscurantismo.

Gostaria que alguém me dissesse em qual outro cenário estaríamos vivendo horror semelhante. Convença-me.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Desventuras em série

Hardy Har Har, a hiena ultrapessimista criada pela dupla
Hanna-Barbera. Adivinha quem, quando criança, se
identificava plenamente com ela?
O escritor estadunidense Daniel Handler, sob o heterônimo Lemony Snicket, escreveu uma sequência de treze livros intitulada Desventuras em série. Você deve conhecer. Ela ensejou um filme fracassado em 2004 e uma série bem bacana produzida pela Netflix, lançada em 2017 e concluída em três temporadas. A saga dos órfãos Baudelaire é contada com um senso de humor depressivo e mórbido, com o narrador sempre ressaltando que não se deve ter esperanças, que tudo sempre vai piorar. É uma narrativa tão trágica que faz a hiena Hardy parecer um coach quântico.

Há pouco, ao acessar um portal de notícias e ler as manchetes, só consegui pensar que viver no Brasil se tornou algo como estar dentro das desventuras em série. Ou tragédias em série. Ou apocalipses em série. Faltam termos para qualificar o horror que temos enfrentado. Vamos a uma rápida demonstração:

Manchete 1: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/02/05/bolsonaro-pessoa-com-hiv-e-despesa-para-o-pais.htm

Uma gota de sabedoria: "O Alexandre Garcia [jornalista e apresentador da Globo] comentou que a esposa dele, que é obstetra, atendeu uma mulher que teve primeiro filho aos 12 anos, o segundo aos 15 e no terceiro já estava com HIV. Uma pessoa com HIV, além de ter um problema sério para ela, é uma despesa para todos aqui no Brasil", disse #@&*%$A declaração aconteceu quando o presidente foi questionado sobre cortes de verba em políticas públicas para mulheres e respondeu elogiando a campanha de abstinência sexual anunciada pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.

Manchete 2: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/02/05/se-puder-confino-ambientalistas-na-amazonia-diz-bolsonaro.htm

Um momento edificante: Ao defender hoje a regulamentação da mineração e exploração de recursos em terras indígenas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que, se pudesse, "confinaria" os ambientalistas na Amazônia, já que "eles gostam tanto de meio ambiente". (...) Na prática, Bolsonaro propõe alterar regras para permitir que áreas indígenas, hoje protegidas, passem a ser exploradas comercialmente em atividades como mineração, exploração de petróleo e gás natural e geração de energia hidrelétrica.

Manchete 3: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/02/governo-bolsonaro-nomeia-evangelizador-de-indigenas-para-chefiar-setor-de-indios-isolados.shtml

Uma dádiva do coração: O Ministério da Justiça nomeou nesta quarta-feira (5) o pastor evangélico Ricardo Lopes Dias para o cargo de chefe da coordenação de índios isolados da Funai, considerada um dos setores sensíveis do órgão por lidar com a população indígena mais vulnerável.

Manchete 4: https://www.uol.com.br/universa/noticias/agencia-estado/2020/02/05/violencia-contra-mulher-area-precisa-de-postura-nao-de-dinheiro-diz-bolsonaro.htm

Uma celebração da humanidade: O presidente Jair #@&*%$ (sem partido) sinalizou hoje que não pretende reforçar o orçamento para políticas de combate à violência contra a mulher. Para ele, a área não depende de dinheiro, e sim de "postura", "mudança de comportamento" e "conscientização". Levantamento feito pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, revelou que houve redução drástica nos recursos do governo para a área entre 2015 e 2019 e que o programa Casa da Mulher Brasileira ficou sem receber um centavo em 2019. A Casa da Mulher foi criada para oferecer atendimento integrado às vítimas de violência.

Como diriam Snicket ou Hardy, vai piorar. Todos os dias, sem exceção, são várias as notícias que nos sugam o resto das energias. Isso, claro, se você ainda se sente humano e consegue enxergar humanidade em algo além do seu umbigo. Para os demais, esse extermínio planejado, sistemático e convicto é a melhor coisa que poderia estar acontecendo ao país. Para o resto de nós, é um exercício brutal de resistência, que fazemos porque a alternativa não é lá muito auspiciosa. 

Se vivos estamos, resistamos. 

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

EU ACUSO...!

Alfred Dreyfus era um oficial de artilharia do exército francês que, em 1894, foi condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, pelo crime de alta traição (revelar informações aos inimigos alemães) em um processo secreto e baseado em provas forjadas. O "caso Dreyfus" se tornou célebre, sendo tratado por muitos como um terrível erro judiciário, quando na verdade foi uma conspiração com pesados ingredientes de nacionalismo e xenofobia (o acusado era judeu). Com a descoberta de provas de que outro oficial francês, Charles Esterhazy, era o verdadeiro traidor, Dreyfus conseguiu um novo julgamento, mas novamente restou condenado, contrariamente às evidências. O sistema estava se protegendo.

Já famoso, o escritor Émile Zola publicou no jornal L'Aurore, em 13 de janeiro de 1898, sob o título "J'accuse...!", uma carta arrebatadora ao presidente da República francesa, Félix Faure, citando nominalmente as autoridades responsáveis pela condenação falsa de Dreyfus, que posteriormente chegou a ser inocentado e parcialmente reintegrado ao exército, tendo todavia perdido a sua honra militar. Jamais pediu ou recebeu qualquer compensação por terem desgraçado sua vida.

120 anos se passaram, mas o nacionalismo irracional e o mais bárbaro preconceito seguem mais vivos do que nunca, mesmo após a inominável experiência da II Guerra Mundial. O extremismo avança por todo o mundo e, no Brasil, claro, cresce sem parar, insuflado pelas elites econômicas e, inclusive, intelectuais. As eleições deste ano são a expressão mais sensível desse fenômeno entre nós. Como todos sabemos, o extremismo custa vidas. Elas são perdidas todos os dias, sob inúmeras formas de violência, e também são destruídas na luta contra o fascismo.

Inspirado pelo exemplo de Zola, quero lhe mostrar a foto abaixo.

Moa do Katende, mestre de capoeira, expoente da cultura negra em Salvador, BA. Foi assassinado com 12 facadas nas costas (impossibilidade de defesa) há algumas horas, na madrugada de hoje. Segundo notícias publicadas pela imprensa comum (https://extra.globo.com/casos-de-policia/mestre-de-capoeira-morto-com-12-facadas-apos-dizer-que-votou-no-pt-em-salvador-23139302.html?utm_source=WhatsApp&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar), foi assassinado por um eleitor de Jair Bolsonaro, durante discussão iniciada por este, simplesmente por ter afirmado seu voto em Fernando Haddad e informado que, por ali, as pessoas preferiam o PT. Outro mestre de capoeira tentou defendê-lo e também foi ferido.

De tudo que se pode dizer contra Jair Bolsonaro, e não é pouco, o que mais me repugna é ele funcionar como um catalisador do ódio, do preconceito, da violência desmesurada de uma população que sempre odiou e violentou o negro, a mulher, o pobre, o homossexual e todo tipo de vulnerável. Uma população que tem certeza de sua superioridade e merecimento de privilégios e que deseja, acima de tudo, manter as pessoas nos lugares que acredita lhes serem destinados.

Por isso, EU ACUSO os (por enquanto) 49.275.360 brasileiros que votaram em Bolsonaro, ontem, pela morte de Moa do Katende. Esta morte, decerto, não lhes pesará na consciência que não possuem. Mas esse sangue está em suas mãos.

Moa do Katende. Primeiro nome da lista. E contando.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Você sabia? ― Classes sociais

A direita dá chilique quando alguém fala em "classes sociais", porque isso faz lembrar aquele monstro terrível que congela o sangue nas veias das pessoas de bem (Marx). Mas sabe quem reconhece a existência de classes sociais? A Lei de Segurança Nacional. Sim, aquela mesma, que o Estado de exceção legou ao país quando já se estava na fase de transição para o que se acreditava que seria uma democracia.

O art. 23, III, da LSN tipifica como crime a conduta de "incitar à luta com violência entre as classes sociais", cominando pena de 1 a 4 anos de reclusão.


Vamos fazer um pouco de análise típica? Que diabo significa "classes sociais" na controversa LSN?

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Notas sobre disciplina do Exército

Postei no Facebook o seguinte:

Se eu fosse presidente da República, general do Exército estaria preso neste momento, por ameaçar a ordem democrática. Só por cogitar do assunto ele já estaria na cela, assim como qualquer um que lhe sorrisse.
Mas existem umas categorias, neste país, que podem falar e fazer qualquer sandice e ninguém se move. Somos um caso perdido. Tenho pena de nossas crianças e dos incapazes mentais. Para os demais, já estou achando que merecem tudo de ruim que venha por aí. Eu, inclusive.
NOLITE TE BASTARDES CARBORUNDORUM(*)

Provocado por uma acusação de defender "garantismo seletivo", respondi que minha proposta dizia respeito a prisão disciplinar, não a processo penal. Ninguém sensato defende a utilização do direito penal como forma de solucionar conflitos, sejam eles individuais ou sociais. Ainda no século XIX o grande jurista brasileiro Tobias Barreto (1839-1889) já desvelava a incapacidade do direito penal de enfrentar os verdadeiros problemas do país, limitando-se a funcionar como expressão da força que o Estado possui, a tal violência legítima, como aprendi na disciplina Introdução ao estudo do Direito I, nos idos de 1992, expressão essa a que, hoje, me oponho com convicção.

Sou reticente, por incredulidade, em relação ao abolicionismo penal (que considero um belo objetivo, pelo qual deveríamos trabalhar, mas que só poderíamos alcançar se fôssemos criaturas melhores do que somos, e eu me refiro à espécie humana), de modo que nunca propus a eliminação do crime e da pena como reação a certas práticas, cuja seleção não convém investigar neste momento, para evitar perda de foco. Por conseguinte, somente aí eu já teria motivos para não enxergar incoerência em minha postura.

Acima de tudo, porém, se o limite para tolerarmos a punição é a gravidade da conduta e a sua intencionalidade, então a minha justificativa existe. Afirmei que, se em tempos de paz a sugestão de um golpe militar já é gravíssima, em tempos de grave instabilidade institucional, como a que vivemos, o nível de irresponsabilidade desse tipo de manifestação é inadmissível, notadamente porque feita por um general do Exército, cuja imagem do perfil, no Twitter, obviamente o mostra todo engalanado, passando às pessoas a ideia de que está no exercício da função militar (embora, na verdade, seja um oficial da reserva). Por conseguinte, o cidadão comum verá, naquela postagem, o próprio Exército falando, percepção que se confirmará à medida que outros malfeitores de farda se pronunciaram, chegando ao ponto de se declararem prontos para a ação.

Tais ações inflamam ainda mais as ações dos inúmeros políticos oportunistas; de expoentes dos setores mais reacionários da sociedade, interessados em consolidar a extrema direita no poder custe o que custar; e da gigantesca malta de imbecis que, não tendo quaisquer recursos para resistir à violência de Estado, acreditam-se inteligentes e moralmente superiores por conclamá-la. Por conseguinte, retomando mais uma vez a máxima do filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994), não devemos ser tolerantes com os intolerantes. Enquanto deturpamos a liberdade de expressão em favor daqueles que jamais teriam a mesma atitude conosco, eles ganham força para suas atrocidades.

Para minimizar o impacto de minhas preferências políticas sobre a análise (outra crítica que recebi), gostaria de acrescentar à manifestação um aspecto objetivo, normativo e que independe da minha vontade. Refiro-me ao Decreto n. 4.346, de 26.8.2002, que "aprova o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) e dá outras providências". Nem vou comentar; apenas transcrever algumas passagens:

Art. 1º O Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) tem por finalidade especificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a punições disciplinares, comportamento militar das praças, recursos e recompensas.

Art. 2º Estão sujeitos a este Regulamento os militares do Exército na ativa, na reserva remunerada e os reformados.

Art. 8º A disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar.
§ 1º São manifestações essenciais de disciplina:
IV - a colaboração espontânea para a disciplina coletiva e a eficiência das Forças Armadas.

§ 2º A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos permanentemente pelos militares na ativa e na inatividade.

Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.

ANEXO I - RELAÇÃO DAS TRANSGRESSÕES

5. Deixar de punir o subordinado que cometer transgressão, salvo na ocorrência das circunstâncias de justificação previstas neste Regulamento;

32. Assumir compromissos, prestar declarações ou divulgar informações, em nome da corporação ou da unidade que comanda ou em que serve, sem autorização;

59. Discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado;


Com base nos dispositivos acima, ratifico minha manifestação, inclusive ressaltando que a ausência de punição dos generais que se pronunciaram configura, no mínimo, a transgressão do item 5, acima. Contudo, o § 1º do art. 14 do R-4 dispõe que "Quando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar". E enxergo indícios de crime, possível prevaricação ou condescendência criminosa (arts. 319 e 322 do Código Penal Militar), a depender de maiores informações, de que não disponho.

Não me apraz ficar em cima do muro. Mas não é pelo fato de eu assumir minhas convicções  evitando a simulação de isenção, que não existe , que eu necessariamente esteja de má-fé. Às vezes, as coisas realmente são o que parecem. Como neste caso, em que as manifestações dos generais são ilícitas e reclamam resposta oficial à altura.
_________________
(*) Expressão celebrizada na literatura pelo romance O conto da aia, de Margaret Atwood, vai-se popularizando graças ao enorme sucesso da série de TV. Parece latim, mas não é. No romance, é esclarecido que se trata de uma brincadeira de estudantes, mas aplicadas as regras do latim seria possível chegar a uma tradução como "não deixes que os bastardos te esmaguem" ou "te derrubem". Além de ser um excelente conselho, considerando que aquela obra nos compele a lutar contra o totalitarismo, nada mais oportuno para este momento da vida brasileira.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Decida quem você é

A facilidade de externar opiniões a qualquer público, graças à internet, trouxe à tona uma população de psicopatas convictos. Já estamos tão acostumados a isso que, possivelmente, nem nos damos mais conta do quão errado e doentio isso é. De minha parte, não sei se por autocrítica ou se por ter voltado à terapia, tenho tentado manter alguma coerência e não disseminar discursos de ódio, haja vista que os condeno nos outros.

Ontem, foi divulgado que o presidente usurpador e para sempre golpista Michel Temer sofreu uma obstrução urinária, cuja causa mais comum é o aumento da próstata. Rapidamente, começaram a surgir boatos e, inclusive, especulações sobre câncer. Muitos comemoraram.

Mesmo tendo ódio ao PT ou às esquerdas, uma pessoa que conservasse um mínimo de lucidez, ao olhar o que Temer fez em apenas um ano e meio, teria todos os motivos do mundo para odiá-lo e para querer vê-lo apeado de todo e qualquer cargo e de toda e qualquer convivência comunitária. Mas desejar-lhe o mal, a doença, a morte, é mesmo uma atitude adequada? Nem falo por ele. A pergunta seria descer a esse padrão é bom para você?

Já convivi com câncer na família e, honestamente, não acho que isso seja motivo de brincadeira. Não desejo isso para ninguém. Nem mesmo para Temer. Ou para Gilmar Mendes. Ou para qualquer um desses aí. Não quero deixar de ser quem sou para mergulhar nessa espiral de violência. Se tudo desabar, quero ao menos ter a possibilidade de dizer que continuei sendo a pessoa que era, sem me deixar arrastar para esse lodaçal. Descer ao nível dos fascitoides de todos os matizes da internet.

Quero Temer e toda a sua camarilha alijados dos poderes públicos para sempre. Quero-os responsabilizados por tudo que fizeram. De acordo com o ordenamento jurídico vigente. E o resto não me cabe. Xô, caô.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Especulando sobre um novo ministro

Imagine o Supremo Tribunal Federal, aquele que há tempos vem arrebentando a Constituição, com um ministro indicado por Michel Temer, o minúsculo. Já que o país está maluco, mesmo, vou-me permitir um instante de delírio (ou não) sobre possíveis candidatos em campanha.

Janaína Paschoal

"Acabaremos com os direitos fundamentais dos brasileiros, mas faremos isso respaldados na mais lídima e aparente legalidade (cara de boazinha), por meio de pareceres jurídicos isentos e de discursos motivacionais (agitando uma bandeira brasileira). Sempre que eu não estiver fiscalizando banheiros públicos em São Paulo (choro), estarei trabalhando para libertar as almas e as mentes dos nossos brasileirinhos (mais choro), para enterrar de vez a República da Cobra (grito). Nós não somos a República da Cooooooooooooooooobra!!! (gargalhadas)"

Alexandre de Moraes

"Acabaremos com os direitos fundamentais dos brasileiros, mas tudo em nome da ordem, nem que tenhamos que passar por cima dos insurgentes com blindados israelenses, porque manifestante é tudo vagabundo e tem mais é que botar pressão! Vamos acabar com o crime organizado! Vamos acabar com o PCC, agora! Mas, principalmente, vamos acabar com a maconha, nem que eu precise fazê-lo com as próprias mãos! O mundo não pode ser feliz enquanto existir maconha! Bora tacar fogo em tudo, tudo, tudo!" (fumaça se ergue espalhando um odor suspeito pelo ar)

Sérgio Moro

(Voz empostada) "Acabaremos com os direitos fundamentais dos brasileiros, mas entenda: só faremos isso porque e na medida em que absolutamente indispensável para combater a situação gravíssima e excepcional em que se encontra o país. Como disse aos colegas premiados pelas revistas IstoÉ e Times, teorias jurídicas fantasiosas, garantias processuais e outras banalidades do gênero não podem postergar a finalidade máxima da justiça, que é a sentença condenatória daqueles que não excluí do processo. Ninguém melhor do que eu para valorizar o STF, porque quem não me adora está contra todo o judiciário!"

Ives Gandra Filho

"Acabaremos com os direitos fundamentais dos brasileiros, podem ter certeza, porque já estou fazendo isso há tempos no Tribunal Superior do Trabalho, então já me acostumei. Precisamos enterrar essa tolice de Estado paternalista. É no mercado, trabalhando duro e com reconhecimento da autonomia de todos, que conduziremos este país ao seu glorioso destino, tudo sob as bênçãos de Deus. De minha parte, direito fundamental é que cada brasileiro tenha acesso garantido a missas rezadas em latim."

domingo, 11 de setembro de 2016

Memórias com vista para o mar

Do The New York Times, edição de 31.8.1964:

Durante a abertura do Festival de Cannes, Julie Andrews, Dick Van Dyke e outros atores do filme Mary Poppins (Saving Mr. Banks) fizeram um protesto contra congressistas, a quem acusam de dar um golpe no presidente eleito, Lyndon Johnson. O diretor Robert Stevenson também participou da manifestação. Como resultado, o filme está sendo boicotado e amarga prejuízo considerável na bilheteria.

O longa é pura doutrinação comunista, feito para ridicularizar os valores supremos da tradicional família americana, representados pelo pai (que abdica do próprio bem-estar para trabalhar sem descanso, garantindo assim um padrão de vida elevado para seus familiares). Contra ele, estão a esposa que, em vez de criar os filhos, papel de toda mulher, se envolve com o movimento sufragista; e dois filhos que, embora perfeitamente brancos, odeiam a disciplina e querem que o pai abandone suas responsabilidades para viver entre folguedos inúteis. É quando chega Poppins, uma nova babá, estrangeira, vinda não se sabe de onde (alegoria para as doutrinas do bloco soviético), que usando música e mágica (recursos destinados a causar deslumbramento com as ideias marxistas), e auxiliada pelo vagabundo Bert (apologia do anarquismo), usa o amor do pai por seus filhos para corrompê-lo.

O filme achincalha o sistema bancário americano, responsável pelo desenvolvimento do país, ao mostrá-lo como uma confraria de velhos caquéticos e impiedosos que, obcecados por dinheiro, não hesitam em tomar até as moedinhas das crianças. O povo de bem deste país saberá dar o troco a essas odiosas empreitadas disfarçadas de cultura.

Ontem vi Aquarius, o filme brasileiro mais polêmico dos últimos anos. E polêmico por quê? Porque em 17 de maio passado, o elenco e o diretor do longa, ao passarem pelo tapete vermelho do 69º Festival de Cannes, ergueram cartazes, denunciando à opinião pública estrangeira, o golpe de Estado travestido de legalidade em curso no Brasil. O resto foi feito pela intellingentsia da classe média e da mídia brasileiras, que passaram a demonizar o longa e a torcer pelo seu insucesso, já que se teria tornado uma espécie de símbolo do contragolpe.

Mas Aquarius, enquanto filme, é tão apologético do pensamento de esquerda quanto o musical infantil Mary Poppins. Aliás, muito menos, porque o  produto da Disney é caricato, ao passo que a obra de Kleber Mendonça Filho prima pela delicadeza e possui, no máximo, um único diálogo que poderia contrapor ideologias de classe, mas isso em uma cena em que Clara (Sônia Braga) confronta Diego (Humberto Carrão) por todos os prejuízos que está lhe causando e ouve dele ironias, ameaças e uma alusão ao fato de ser uma "pessoa de pele um pouco mais escura". Tudo o que ela diz é que ele estudou no exterior mas não aprendeu a ter caráter; que o único caráter que ele conhece é o dinheiro.

Se separarmos o filme em si da conduta dos envolvidos em sua produção, o que resta é um filme adorável, que alia um diretor elogiado desde o seu longa de estreia (O som ao redor, 2013) e a maior diva do cinema brasileiro, Sônia Braga, que merece cada elogio que lhe foi feito por sua atuação neste projeto. Absolutamente espontânea e segura em cena, comprovou que talento se vê nas minúcias. Em duas cenas, particularmente, em vez de exageros gestuais e do apelo ao descritivismo, ela desvela sua emoção em mudanças no semblante e em olhos que ficam levemente úmidos, sendo que nós, espectadores, sequer sabemos o motivo, só podendo intuir que a personagem está recordando eventos de seu passado. Lindo.

Clara rasga, sem ler, a proposta milionária da construtora.
Aquarius é o nome do edifício antigo e de poucas unidades onde vive Clara, uma jornalista e escritora aposentada, viúva há 17 anos, que só quer viver a própria vida, em paz, em seu apartamento amplo e de frente para a praia de Boa Viagem, em Recife (cidade natal do cineasta). O problema é que uma grande construtora quer construir no local um novo empreendimento de alto padrão, obviamente com um ridículo nome em inglês, posteriormente modificado  para "Novo Aquarius" para "preservar a memória do local", como se fosse uma grande coisa. A construtora já adquiriu todos os demais apartamentos, nos últimos seis anos, pelo menos, e Clara é o único empecilho à viabilização do projeto. Por isso é pressionada (e até ameaçada) pela empresa, mas também por antigos moradores, que dependem dela para receber o que lhes foi prometido (o filme informa que o padrão de mercado é oferecer metros quadrados para os compradores, não dinheiro, o que explica Clara ser vista como uma louca egoísta).

Disfarçado de bom moço, o poder ataca diretamente e, se não funcionar,
há um plano criminoso em andamento no andar mais alto.
O que Aquarius mostra, portanto, é a luta de uma mulher de 65 anos, solitária, contra o poder econômico. O contraponto entre a ânsia de lucro, sempre apresentada com o mentiroso e odioso discurso do desenvolvimento, e o desejo de conservar as memórias, o sentimento de pertencimento a um lugar onde se esteve por gerações, além de outros valores puramente espirituais. Clara só quer conservar o cantinho onde plantou seus amigos, seus discos e livros e nada mais. Revolucionário? Qual o quê! Por todo o planeta esse tema é volta e meia explorado, inclusive entre os estadunidenses, que em 2001 deram vários prêmios de melhor atriz à mediana Julia Roberts, por sua atuação em Erin Brockovich, baseado em fatos reais, obra também indicada ao Oscar de melhor filme e melhor direção. A linha Davi contra Golias, em que o Davi é uma pessoa idealista e Golias, uma corporação ou um grupo muito mais forte, pode ser considerada um ramo do cinema mais comercial.

A questão é que Aquarius se insere nesse nicho com muita propriedade. Em que pese o cineasta ser um apoiador pessoal de Dilma Rousseff, precisamos por em contexto que a especulação imobiliária na orla de Recife é um dos principais problemas de infraestrutura daquela cidade, sendo perfeitamente compreensível que Mendonça quisesse tratar disso, qualquer que fosse a conjuntura política no país. O filme não precisaria sofrer nenhuma mudança. O que conta, portanto, é o roteiro bem construído; são os diálogos brilhantes, até mesmo nas cenas de amenidades (com destaque para a estória da mulher que foi a uma livraria comprar "três metros de livro" por recomendação de seu arquiteto!); a inserção da música como um elemento essencial da narrativa, recurso usado com sucesso em outros filmes bem recebidos pela crítica; e, inclusive, a defesa de valores importantes à sociedade, como a família. Aquarius é um filme de casamentos felizes que só terminam pela viuvez, gerando filhos e sobrinhos amados e cuidados com carinho. Veja como termina a cena de discussão entre Clara e sua filha.

A estúpida pretensão de boicote não deu muito certo.
Por tudo isso, boicotar essa joia do cinema nacional pelo ativismo da equipe deve ser tributado ao esfumaçamento da inteligência e do bom senso de uma súcia que se "instrui" nas páginas da direita hidrófoba na internet, tendo à frente canalhas notórios como o tal de Reinaldo Azevedo, que conclamou as "pessoas de bem" (sempre elas) ao boicote, apelo repercutido pela interminável legião de zumbis das redes sociais.

Não fossem os pronunciamentos do diretor e dos atores, Aquarius estaria sendo visto de acordo com os méritos que realmente possui, o que abrange ser um forte candidato a representar o Brasil no Oscar de melhor filme estrangeiro, inclusive pela presença de Sônia Braga, muito benquista por aquelas bandas. Essa indicação é a nova batalha politicaloide do longa (cf. http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2016/09/aquarius-concorrera-com-15-filmes-para-representar-o-brasil-no-oscar.html). O filme indicado será conhecido amanhã.

Pessoalmente, não tenho preferência, primeiro porque considero deslumbramento com o Oscar coisa de gente colonizada; mas também porque, dos filmes indicados, Aquarius foi o único que vi, por mais que respeite e valorize o cinema nacional. Infelizmente, contudo, nem todos os títulos chegam às salas de cinema e os que chegam vêm com horários reduzidos, porque os exibidores querem mesmo lucrar com os títulos comercialoides que, no caso brasileiro, normalmente são as comédias, a que não assisto.

Em suma, se você gosta de uma bela estória, muito bem contada, veja Aquarius. E escute Maria Bethania, para mostrar que é intenso.