quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Fiscais da "coerência"

 O oncologista Dráuzio Varella incomoda. Mesmo com sua postura contida, tornou-se um comunicador bem-sucedido, querido pelo grande público e, particularmente, dotado de credibilidade. Como médico e como escritor, tornou-se (não sei se intencionalmente) uma voz para um dos setores mais vulneráveis da sociedade: os presidiários. Mostrar empatia com a população carcerária não é o caminho mais seguro para conservar uma boa imagem perante o brasileiro médio.

Nos últimos dias, as redes sociais se encheram de postagens de gente reclamando que Varella passou o ano mandando as pessoas ficarem em casa, devido à pandemia do coronavírus, mas agora está incentivando as pessoas a serem mesários voluntários. Buscam minar sua credibilidade por suposta incoerência. 

Mas a quem interessa isso? Simples. Diante da calamidade trazida pelo coronavírus, Varella se colocou ao lado da ciência, obviamente. E ao fazê-lo, contrariou o discurso do governo genocida, que tem no negacionismo científico e no ódio aos pobres duas de suas características mais marcantes. Ridicularizar Varella é, portanto, uma estratégia da direita, que é composta basicamente por gente má, burra (ou sem receio de passar recibo) e que se comporta como bullies de ensino fundamental. É exatamente isso que estão fazendo: bullying com o médico que se opôs à cloroquina. Para piorar, gostam de frisar que Varella, lá por fevereiro, chamou a covid-19 de "gripezinha". Varella já explicou publicamente que cometeu um erro de avaliação, pediu desculpas pela manifestação e passou a recomendar todas as cautelas possíveis, inclusive o isolamento social.

Diante disso, por que a recomendação de ser mesário voluntário não é uma incoerência? A resposta, na verdade, é bem simples.

Todas as pessoas que defendem o isolamento social sempre ressalvaram a necessidade de preservar as atividades essenciais. Não podemos deixar de comprar comida e remédios, de manter em funcionamento certas atividades profissionais, etc. Alguém duvida que viabilizar as eleições seja uma tarefa essencial? Duvidar disso exigiria uma enorme capacidade de má-fé ou de ignorância, em níveis só alcançados por... apoiadores do atual governo.

Um mandato político tem data para acabar. Não podemos apenas prorrogá-lo, como se não fosse nada. Há muita coisa em jogo, especialmente para aqueles que, como nós, moradores de Belém, estão sob o jugo de um governo municipal pífio, frequentemente apontado como o pior da História. A manutenção do sistema democrático exige que as eleições aconteçam. E, para isso, precisamos de mesários. Daí que medidas foram tomadas, a maior delas sendo o adiamento das eleições. E a convocação dos mesários destaca que os voluntários não podem estar em grupos de risco para o coronavírus e que o treinamento será virtual. Já é bem difícil convencer pessoas a participar de uma tarefa tão inglória (muito trabalho, responsabilidade e riscos, com compensações menosprezadas). No contexto atual, a Justiça Eleitoral precisou apelar para um recurso mais forte: o carisma de Dráuzio Varella. Sobrou para o garoto propaganda.

Presto minha solidariedade a Varella. Se não está fácil existir neste país, pior ainda quando nos posicionamos em oposição à perversidade dessa gente ruim, que ora coloniza o governo federal, e seus apoiadores. Sem alternativa, resta persistir na lucidez, porque somente com comportamentos lúcidos poderemos resgatar este país algum dia.

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