Mostrando postagens com marcador imprensa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador imprensa. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Os maiores ladrões de banco do Brasil

Há dois dias, o portal Uol publicou uma reportagem na qual três jornalistas se dispõem a apresentar, ao público leitor, "os maiores ladrões de banco do país", como está designado na manchete. Leia aqui. Naturalmente, sem nenhuma surpresa, eles escrevem sobre bandidos tradicionais, digamos assim. Sobre sujeitos marginais que escolheram uma vida de crimes e se tornaram bandidos perigosos, até porque esse ramo da criminalidade não é para qualquer um, eis que envolve necessidade elevada de planejamento, investimento e recursos.

Em minha humilde opinião, que ninguém pediu, os maiores ladrões de banco do país são aqueles que drenam os recursos das instituições financeiras ao ponto de colocá-las na iminência da bancarrota ou que as quebram, efetivamente. Com isso, em vez de usurpar o patrimônio de uma grande empresa, que tem seguro, usurpam dos correntistas e investidores, que muitas vezes perdem tudo que amealharam ao longo de suas vidas. Alegadamente para impedir prejuízos a essas vítimas inocentes, pode ocorrer de o governo federal aportar recursos, ou seja, usar o dinheiro do contribuinte para salvar o banco.

Eu gostaria que os grandes portais de notícias fizessem reportagens assim: colocando o bandidão fortemente armado exatamente no mesmo patamar do executivo de sobrenome estrangeiro, educação estrangeira e hábitos estrangeiros, que desfila nas colunas sociais, nos eventos mais badalados, nas reportagens que celebram seus grandes feitos como empresários; que é amigo de políticos influentes e abre sua mansão para os burocratas que deveriam fiscalizá-los ou processá-los. Gostaria que essas reportagens também contabilizassem os prejuízos, pois isso certamente demonstraria que os roubos milionários das catervas são menores do que aqueles que ocorrem nas salas das diretorias. Também gostaria que nos informassem quem foi parar na lista de mais procurados e quem não; quem foi preso e quem não; e o que ocorreu com eles passados alguns anos.

A história recente do Brasil ofereceria vários nomes para compor essa desejada e ilusória matéria. Nem daria trabalho procurar. Agora mãos à obra. Que tal dar nome aos bois?

domingo, 30 de julho de 2017

O irresponsável mais do mesmo

Para cumprir a missão incessante de criticar o "governo" tucano do Pará ― que, de fato, merece todas as críticas; a questão é que, no contexto, tais críticas têm óbvias finalidades eleitoreiras ―, a coluna Repórter Diário deste domingo começa assim:

"A presença de tropas federais no Rio de Janeiro há três dias mudou a cara da cidade e é saudada por todos os moradores como esperança para a crescente onda de violência."

Segue a crítica ao cantor e dublê de governador (cassado) do Pará, que não pede ajuda federal para não passar recibo de incompetência em relação à segurança pública. Vou-me concentrar só nesse trecho da nota.

Até um leigo como eu pode afirmar que tudo nela transpira antijornalismo. Vejamos: (1) a linguagem do texto é panfletária, sem a esperada isenção jornalística; (2) a afirmação de que a simples presença de tropas federais mudou tudo em apenas três dias é feita para sugerir que essa medida é a oitava maravilha do mundo e que, se aplicada em Belém, iríamos do inferno ao paraíso quase que instantaneamente, o que é falso; (3) é no mínimo estranho falar em "crescente onda de violência" em uma capital que, há décadas, tem sido apontada como extremamente violenta.

Mas eu gostaria de ressaltar, acima de tudo, isto: a irresponsabilidade da nota está em promover uma política militarizada de segurança pública, em um nível superior ao já existente, a cargo da Polícia Militar estadual. A presença de tropas federais e tanques nas ruas é uma situação extraordinária e nada desejável, que mergulha os munícipes em um cenário bélico bastante desagradável. Além disso, segurança pública de rotina e atividade militar são realidades díspares. A militarização da vida comum tem custado caro aos cidadãos, por todo o país. Mas, na nota seguinte, o filho do dono do jornal e futuro recandidato ao governo, atual ministro do governo golpista, é citado como "cidadão responsável e ciente da situação insustentável" porque formalizou um pedido de intervenção militar no Estado.

Por fim, temos o quarto e, a meu ver, mais grave pecado da nota, que é mentir descaradamente. O jornalista pode apontar que fonte foi consultada para afirmar, de modo tão peremptório, quais são os sentimentos dos cariocas em relação às tropas federais? Já existe alguma consulta nesse sentido? Se não há, como pode o colunista afirmar que tais sentimentos existem?

Piora: quem são esses "todos os moradores" tão cheios de esperança? Os moradores dos bairros nobres, das regiões turísticas, das praias, que são os verdadeiros destinatários da "proteção" do Estado? Alguém se deu ao trabalho de perguntar aos moradores das periferias, e sobretudo das favelas, usualmente acostumados às abordagens policiais agressivas (esculachos), à suspeição e à humilhação, se a esperança chegou também a seus lares?

O blindado do Exército passou toda a manhã de ontem no Largo do Machado.
Há apoio popular? Sim. Mas também há reclamações. Esqueça a unanimidade.
Foto: Domingos Peixoto/ Agência O Globo
Duvido muito, porque essas populações não têm voz. São elas as grandes atingidas pela militarização da vida. São os suspeitos preconcebidos, por força da cor da pele, das roupas, do pouco dinheiro, da nenhuma influência, da região de moradia, etc. A opinião deles não conta para os elaboradores de políticas públicas que, no fundo, são tão turísticas quanto as praias cariocas ― políticas destinadas a assegurar que os cidadãos de bem possam transitar por seus calçadões, estacionar seus carros, frequentar seus points sem risco de encarar a bandidagem que vem do outro lado.

Esta é uma questão grave, mas não interessa para a coluna dominical do Diário do Pará. Aqui basta a crítica, mesmo que ela venda falácias e ilusões para o eleitor desavisado.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Mais coincidência que ironia

A imprensa noticiou (com a sua habitual falta de precisão e inclinação ao escândalo) e as redes sociais começaram a repercutir (com seu permanente menosprezo por contextos), como se fosse notícia do Sensacionalista: Suzane von Richthofen saiu da prisão por causa do dia das mães. Alguns sítios, ainda mais cínicos, falam que ela saiu para "comemorar o dia das mães". Como Suzane está condenada pelo homicídio do pai e da mãe, está feito o mote para a ironia.

Até compreendo a estranheza que a situação provoca, mas se olharmos pelo aspecto estritamente legal, veremos que não há motivo para o barulho.

Suzane está condenada a 39 anos de reclusão e se encontra presa desde 2002. Em outubro do ano passado, obteve progressão para o regime semiaberto e, com isso, passou a uma situação disciplinar mais flexível, até porque sempre foi considerada presa de ótimo comportamento carcerário. Entre os benefícios de que passou a gozar figura a saída temporária da prisão, sem vigilância direta, admissível todavia o uso de monitoramento eletrônico.

Nos termos da Lei de Execução Penal, a saída temporária se destina a favorecer, ao condenado, "visita à família", "frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução" e "participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social" (art. 122). Trata-se de importante medida relacionada à lógica de castigos e recompensas que instrui a execução penal, como forma de induzir o apenado a manter-se dócil ao programa punitivo estatal, vendido como programa ressocializador.

O art. 123 da LEP condiciona o deferimento do benefício, pelo juiz da execução, à oitiva da administração penitenciária e do Ministério Público, ao bom comportamento carcerário, ao cumprimento de uma fração da pena (um sexto para primários e um quarto para os reincidentes) e à "compatibilidade do benefício com os objetivos da pena".

Além disso, a autorização "será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano" e, salvo hipótese de frequência a estudos, o gozo de cada saída exige um intervalo mínimo de 45 dias (art. 124, caput e § 3º). O juiz também deve estabelecer as condições a serem observadas pelo beneficiário no período, além de fixar a data para reapresentação espontânea.

É da tradição brasileira conceder a saída temporária em datas comemorativas, pois isso permitiria que o apenado estivesse com a família em momentos especiais, de maior congraçamento familiar ou comunitário. É o caso do dia das mães. Portanto, Suzane não saiu da prisão para comemorar o dia das mães, e sim porque o juízo da execução facultou a ela o gozo do benefício nesse momento. Se eu estivesse preso, agarraria qualquer chance de liberdade, mesmo que o juiz me liberasse para ver a final do campeonato de futebol. Talvez eu até visse a porcaria do jogo, de tão satisfeito.

Desde que progrediu para o regime semiaberto, Suzane já gozou da saída temporária uma vez, na páscoa. Saiu e voltou um dia antes do prazo. A imprensa noticiou o assunto, mas sem piadinhas. Até podia fazê-lo, já que páscoa representa renascimento. Agora, faz estardalhaço. Aguardem a repetição da bobagem no dia dos pais. Mas, no final das contas, a questão é bem menos instigante quando olhada pelas lentes da legalidade estrita. Saiu no dia das mães, mas podia ser em qualquer outro momento. 

O que há na notícia para nos impressionar? Pois é: nada.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Exemplo de idiotice à esquerda

A professora uspiana Janaína Paschoal tornou-se uma das principais porta-vozes do movimento pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff. Passarei ao largo de suas credenciais e intenções. Concentro-me apenas no fato de que, dada essa sua condição proeminente, aqueles que apoiam o governo passaram a publicar, na internet, inclusive redes sociais, que Paschoal é advogada do procurador de justiça que torturava a própria esposa.

Como exemplo, temos esta matéria do Pragmatismo Político, sítio de inclinações à esquerda, destacando que a advogada também patrocinou a defesa daquela acadêmica de direito que, em 2010, publicou em sua conta no Facebook comentários raivosos contra nordestinos, a ponto de sugerir que fossem assassinados (leia aqui).

Janaína Paschoal é advogada. E criminalista. Como tal, sua missão profissional é defender pessoas acusadas de crimes. Simples assim. Exatamente do mesmo jeito que a função de um professor é lecionar e a de um cardiologista, cuidar do coração de seus pacientes. Isto não deveria despertar qualquer alarma, embora saibamos que, no Brasil, é usual demonizar-se o advogado do bandido, porque não se compreende (nem se tenta) a função que o defensor exerce, não apenas para o acusado, mas para o próprio sistema de justiça criminal.

Qual seria, então, a finalidade de relacionar Paschoal a dois de seus clientes, especificamente pessoas cujas acusações ganharam repercussão social? Pessoas que despertaram sentimentos ruins no grande público? Um deles, acusado de crime recentemente divulgado, então em pleno calor dos acontecimentos. Além disso, uma violência fora do comum contra sua própria esposa, em um momento em que se discute no país, como nunca antes, o empoderamento feminino. A outra, uma aprendiz de fascista que disparou seu ódio classista contra uma população sabidamente discriminada, que vem a ser, por sinal, a população que mais tem apoiado, com seus votos, o partido que ora ocupa a presidência da República.

A estratégia de marketing de guerrilha utilizada me incomodou bastante, porque afeta diretamente a nós, advogados, e particularmente os criminalistas, renovando um preconceito antigo. No afã de criticar uma liderança da atual guerra santa brasileira, ninguém se pejou de menosprezar o trabalho do advogado; tampouco a OAB, por qualquer de suas agências, se manifestou. Ruim para a advocacia, pior ainda para um dos setores mais delicados da nossa já combalida democracia, que no campo penal vive, afora hiatos ditatoriais, o seu mais duro período de convergência de forças em prol da flexibilização ou relativização (rectius: destruição) de garantias fundamentais.

Isso é punitivismo de esquerda. Péssima ideia.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

2016 começaria bem, talvez...

...se não tivéssemos essas reportagens imbecis sobre previsões astrológicas, previsões de pais de santo ou outros tipos de "videntes" e, claro, as indefectíveis matérias sobre o primeiro bebê do ano. Quem se importa?

Tudo asneira.

E 2016 talvez se desenvolvesse melhor se os brasileiros parassem de citar esse tal Wesley Safadão toda hora. Esta semana, vi uma referência a "Safadeus". Superou todos os limites. Não é a zoeira que não tem limites: é a estupidez, mesmo.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Aquamans

A crescente incompetência dos jornalistas brasileiros, exteriorizada pela péssima qualidade de seus textos, com erros crassos de português, rende alguns resultados curiosos.

Em matéria sobre o povo Bajau, um dos últimos nômades e único a viver exclusivamente no mar, publicada no site EcoViagem, o redator, já na legenda da primeira imagem (reproduzida aí ao lado), sai com esta: "Encontrados entre a Indonésia e as Filipinas, os Bajaus têm origem no século IX e desde então, alternam entre morar em pequenas canoas que foram transformadas em casas ou bangalôs à beira-mar, mas sempre sob a água". Detalhe: faltou uma vírgula antes da expressão "desde então", que deveria ser intercalada.

"Ah, mas foi só um descuido!", poderiam dizer aqueles que sempre tentam apaziguar o inaceitável. Contudo, o texto começa, até bastante vigoroso, para concluir o primeiro parágrafo assim: "Os Bajaus, de origem malaia, são a última população nômade que vivem sob as águas." Aqui a coisa piora: os Bajaus são (correto) a última população nômade que vivem (errado: agora a concordância é com "população nômade" e, portanto, o verbo "viver" deveria estar no singular. Não me venha falar que o verbo está concordando com o sujeito, pois o pronome relativo inicia um novo segmento da ideia).

E ainda tem mais: "os Bajaus têm origem no século IX e desde então, alternam entre morar em pequenas canoas que foram transformadas em casas ou bangalôs à beira-mar, mas sempre sob a água." De novo, faltou vírgula antes de "desde então" e o jornalista persiste em sua convicção de que aquelas pessoas têm guelras e respiram embaixo d'água.

Acabou? Não, ele insiste: "muitos Bajaus vêm optando por viverem em baías ou construírem seus casebres sob um espelho d'água, nos litorais". Aqui, vê-se que o autor mudou a redação, mas persistiu no erro. Então não foi apenas um deslize, não é?

Felizmente, os culpados já devem estar informados do enorme tropeço, porque os comentaristas da matéria não perdoaram. E não deviam, mesmo. Imagine uma criança se interessando por um assunto instigante como esse e lendo a matéria: vai aprender errado. E vai, de boa fé, supor que o texto está correto. E de erro em erro, vamos terminando de assassinar a Língua Portuguesa, com o amplo beneplácito daqueles que insistem que o importante é comunicar.

A matéria pode ser lida aqui: http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/turismo-internacional/ultimo-povo-nomade-que-vive-no-mar-esta-a-beira-da-extincao-veja-fotos-18231.asp

PS - Sei que o plural de "man" é "men", mas o título alude não a um Aquaman e sim a vários deles. Por isso não escrevi "Aquamen". Se meu entendimento estiver errado, tudo bem: encare como uma ironia.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Elegia pela Nigéria

O que vou dizer pode ser algo óbvio e repetitivo, mas também é verdade e também é uma percepção restrita: há uma gigantesca diferença na importância mundialmente dada ao ataque terrorista contra o jornal francês Charlie Hebdo e o massacre perpetrado pelo grupo terrorista Boko Haram, no norte da Nigéria.

Vidas são vidas e toda crueldade deve ser repudiada, mas é impossível escapar dos números para pensar na gravidade de certas situações. No atentado à sede do jornalístico, no último dia 7, houve 12 mortes e o ingrediente especial a entornar o caldo dos debates é a liberdade de expressão. Na Nigéria, ao longo de apenas cinco dias deste mesmo mês de janeiro, mais de 2 mil pessoas foram mortas, na cidade de Baga, além de ataques em cidades vizinhas. Note-se que estamos falando de um recorte temporal, pois o Boko Haram existe desde 2002, segundo consta, e é alarmante o número de vítimas feitas nesse período.

Naturalmente injustificável, o motivo do ataque ao Charlie Hebdo foi uma retaliação às constantes publicações satirizando o islamismo. Um grupo específico de pessoas, certamente ligado a uma organização fundamentalista, levou a cabo a missão isolada em nome da verdade. Mas o Boko Haram, igualmente em nome de sua verdade, age sistematicamente com o objetivo de instalar uma ditadura teocrática que pretende combater toda e qualquer educação e cultura não islâmica, pois o ocidente, e particularmente o catolicismo, são considerados como causas de todos os males do mundo. O entorno do caldo dos debates é o tratamento conferido às mulheres, que devem ser servas castas, ou seja, são totalmente dessubjetivadas. Além disso, os métodos do grupo são tão terríveis que custa crer que alguém chegue a esse ponto.

Não quero falar de religião e muito menos das conotações de direita-esquerda que têm permeado o noticiário e as redes sociais. Quero apenas destacar que nossas sociedades ocidentais não conseguem disfarçar o seu interesse focalizado em quem reconhece como parte da tribo. Franceses de boa condição financeira geram comoção mundial; africanos pobres não. O ataque à liberdade de expressão é tratado como a maior violência possível, mas o que dizer de sequestrar meninas e submetê-las a estupros coletivos até que "aceitem" a fé islâmica, o que implica em abdicar de todo e qualquer direito? O que dizer de mutilações sexuais e homicídios indiscriminados?

Para confirmar o que digo, basta acessar os noticiários da internet: compare a quantidade de notícias sobre os temas. Compare o destaque dado a elas. Pense no que significa todo santo dia haver a renovação de notícias sobre os franceses e já não haver novidades sobre os nigerianos. Para me inteirar melhor do ocorrido, hoje, busquei a página da Organização das Nações Unidas (aqui) e Anistia Internacional (aqui). Sintomático, não?

Angustiam-me sobremaneira a solidariedade seletiva, a indignação seletiva, as cobranças seletivas. Líderes mundiais fizeram juntos uma caminhada, ao lado do povo francês, clamando por liberdade, mas ninguém caminhou em favor dos nigerianos. Mesmo a ONU promete fazer o quê? Nada. Apenas insta as autoridades nigerianas a restaurar a ordem e a proteger as pessoas. Dê seu jeito. Nós mesmos nada faremos. Deve ser por causa da soberania nacional, não é?

Olhando de perto, as grandes tragédias conseguem ficar ainda maiores.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Cachorrada

A insanidade não termina nunca. Como a Alemanha venceu a copa, jornalista desocupado se dá ao trabalho de fazer matéria sobre raças de cães originárias daquele país! Veja: http://mulher.terra.com.br/comportamento/conheca-as-racas-de-caes-originarias-da-alemanha,548984acbf437410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html

Taqueopariu. Está faltando serviço nas redações por aí, como sempre. Pelo menos é bonitinho.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Simples assim

O locutor-e-comentarista-de-todo-e-qualquer-esporte Galvão Bueno é uma das pessoas mais irritantes desse meio. Menos por se comportar como um torcedor alucinado quando, supostamente, pede-se um pouco de compostura para exercer o trabalho e mais porque fala excessivamente, especula, mete-se a filosofar e fala asneiras. Um chato de galocha, para resumir. Quem gosta de programas esportivos normalmente aponta outros nomes como bons profissionais; Bueno é apenas o mala sem alça.

Galvão Bueno foi plenamente Galvão Bueno após o acidente/agressão/tanto faz com Neymar, assumindo um tom funéreo quase como se estivesse fazendo a cobertura do holocausto nazista. E repetiu a dose no inesperado jogo que custou a eliminação da seleção brasileira. Um detalhe curioso: em casa, a TV estava sintonizada na Bandeirantes, em volume moderado e perfeitamente audível. Minha esposa quis sintonizar na Globo, justamente para ver o discurso do cara, e mesmo aumentando o volume, mal dava para escutar o zumbido monocórdico do apresentador enlutado.

Uma das bazófias bostejadas por Galvão Bueno foi um questionamento, claro, pra lá de dramático. Mostrando imagens das crianças que choravam no estádio, quis saber o que seria delas e disse que levariam anos para superar aquele momento.

Obviamente, essa é uma falsa questão, simplesmente porque inexistente. Crianças são mais fortes do que parecem, como aprendi sendo voluntário, durante quatro anos, em uma ala hospitalar que tratava pacientes de câncer. Elas aprendem a conviver com a doença, com o risco de morte, com a perda e com outras mazelas. Claro que doi e pode trazer consequências definitivas, mas a vida nos impõe uma sucessão de pesares e somos forçados a lidar com isso. É uma questão de atitude, o que faz toda a diferença.

A despeito da imensa tolice de Galvão Bueno, que parece ávido por induzir um sentimento de luto nacional ― seja para comungarmos todos de sua angústia pessoal, seja porque tenha interesses econômicos em fomentar essa linha de ação midiática ―, admitamos por um momento, somente para fins de argumentação, que o resultado do jogo de ontem seja mesmo um evento tão grave assim para as crianças brasileiras. Uma situação traumatizante, para recorrer ao modismo argumentativo da atual sociedade dependente de remédios para tudo.

Recorro a um exemplo doméstico. Minha filha adoeceu umas tantas vezes em seus dois primeiros anos de vida. Tivemos que levá-la ao médico diversas vezes, inclusive em serviços de emergência, onde era atendida por quem estivesse de plantão e não por alguém que já conhecesse e em quem confiasse. Nessas ocasiões, exames de sangue, soros e outros medicamentos injetáveis eram rotina. Ela então perguntava se ia doer. Nossa resposta sempre era: Sim, vai doer. Mas precisamos fazer isso para que você fique boa. Você pode chorar, mas não pode puxar o braço, porque isso lhe machucaria mais. Estamos aqui e ficaremos ao seu lado o tempo inteiro.

Recordo que me partia o coração ver aquela menina tão pequena, magrinha, olhando-nos perplexa enquanto uma agulha entrava em sua veia, mas ela mantinha o braço parado e deixava o procedimento ser feito. Um de nós segurava sua mão, o outro lhe fazia um carinho e lhe dizíamos coisas para que tentasse se acalmar. Júlia nunca tentou impedir um procedimento médico. Chorando, sofrendo, ela confiava em nós e isso não tem preço. Se tivéssemos ido pela via do "não vai doer", isto é, a via da mentira, o que ela teria entendido sobre nosso comportamento?

Em todas as copas, o povo brasileiro entra em surto e se permite o clima de já ganhou. Age como se a vitória brasileira fosse direito líquido e certo, um fenômeno natural e inquestionável. Faz isso até quando a seleção está meio desacreditada. Que dirá desta vez, com o campeonato ocorrendo em solo nacional e a seleção em boa fase? E em grande medida esse clima irreal é fomentado por gente como Galvão Bueno. Deveria esse senhor, portanto, em vez de alimentar demônios imaginários, assumir a sua parcela de responsabilidade pelo choro das crianças.

Pais e imprensa, já que se importam tanto com os pequenos, não deveriam ter inculcado em suas mentes a certeza insana de um hexacampeonato, que era apenas uma possibilidade ou até uma probabilidade, se quiserem. Mas não um fato, muito menos um compromisso de Deus com a humanidade. Deveriam ter dito: Vamos torcer para a nossa seleção vencer, mas todas as seleções estão aqui para vencer e só pode haver um campeão. Pode ser o Brasil, mas pode ser outro país. Se os nossos perderem, você pode ficar triste, claro. Mas entenda que é só um jogo. Tudo vai continuar como sempre foi e poderemos torcer de novo na próxima.

Com esse tipo de atitude, poderíamos construir torcedores mais conscientes, emocionalmente equilibrados, do tipo que não queima a bandeira nacional, não promove confusão na rua nem bate em torcedor alemão que comemora gol de sua seleção, ainda dentro do estádio. Cidadãos educados, capazes de compreender que o melhor do esporte, de todo e qualquer esporte, é ensinar a ganhar e a perder, a ter disciplina, a defender uma bandeira e, sobretudo, a se confraternizar com todos, que são nossos iguais.

Onde estarão amanhã as crianças que choraram pelo resultado de Alemanha 7 x 1 Brasil? Segundo Galvão Bueno, em consultórios psiquiátricos, renovando receitas de ansiolíticos, vagando sem rumo pelas ruas ou tornado-se psicopatas. De acordo com a minha proposta, elas estariam um pouco mais velhas, um pouco mais maduras e um pouco mais prontas e construir um país que dê alegrias aos seus filhos. De preferência, em todas as áreas.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Exercícios mentais trágicos

Imagine a seguinte situação: em um dia qualquer, você sai de casa e sofre um acidente de trânsito ou então um assalto no qual é baleado. Como consequência, fica tetraplégico. Horrível de pensar, não? Mas existe solução? Pelo visto, existe sim: basta a seleção brasileira de futebol jogar e o Neymar fazer um gol. Aliás, segundo a imprensa, um golaço!

Ato contínuo, você se erguerá da cadeira de rodas e andará.

O brasileiro aí da foto se chama Miguel Ângelo Laporta Nicolelis, um médico e neurocientista paulista de 53 anos. Na década passada, foi apontado pela revista Scientific American como um dos 20 maiores cientistas do mundo. Premiado e reconhecido internacionalmente, lidera uma pesquisa da Universidade Duke (Durham, Estados Unidos), na área de fisiologia de órgãos e sistemas, que pretende permitir ao cérebro comandar próteses e, assim, permitir o movimento controlado e consciente a pessoas dotadas de deficiências físicas.

Segundo o seu currículo Lattes: "Atualmente é professor titular do Departamento de Neurobiologia e Co-Diretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University (EUA), professor do Instituto Cérebro e Mente da Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça) e Presidente do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS). Tem experiência na área de Fisiologia, com ênfase em Neurofisiologia, atuando principalmente nos seguintes temas: informática médica, eletrofisiologia, sistemas sensoriais, sistema somestésico e próteses neurológicas."

Nicolelis deveria ser a melhor coisa da copa da FIFA no Brasil. Em minha opinião, a única coisa boa. Foi anunciado com anos de antecedência que, se tudo desse certo, na abertura do evento um paciente com deficiência usaria um exoesqueleto para chutar uma bola. Seria o primeiro chute da copa, uma demonstração dos méritos da ciência brasileira.

O chute aconteceu, no último dia 12. O voluntário Juliano Pinto, de 29 anos, usou o exoesqueleto. Mas a Globo, emissora oficial dos jogos, exibiu a cena por apenas 7 segundos, porque preferiu mostrar o ônibus da seleção brasileira chegando ao estádio. Sintomático. Pressionada nas redes sociais, a Globo culpou a FIFA pela escolha, omitindo o fato de possuir cinco câmeras exclusivas, fato de que se ufanou publicamente por muito tempo.

Assim, o cientista Nicolelis foi parar na fogueira da insanidade brasileira. A atual copa é menos um evento esportivo do que mais um capítulo na interminável, grosseira e burra guerra de pseudoideologias políticas e sociais em que estamos chafurdados. Você odeia o PT, então não pode elogiar a copa e, com isso, até uma pesquisa científica da maior relevância se tornou alvo de chacotas.

"Ideólogos" oficiais e mais conhecidos dos setores mais deprimentes da sociedade brasileira, Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo tripudiaram do cientista que, felizmente, não deixou por menos e respondeu à altura (veja aqui). Mas ele não merecia ter seu nome sequer pronunciado por esses dois beócios. Para minorar um pouco os nossos pecados, este foi um caso em que mesmo a imprensa, deslumbrada e mal intencionada, sentiu que não podia ficar do lado dos maus: foi obrigada a valorizar Nicolelis e seu trabalho. Isso é um alento, sem dúvida, mesmo que amanhã somente os especialmente interessados no tema se recordem de seu nome. O restante do povo estará injetando a tabela da copa na veia.

Entusiasta da ciência, sou fã de Nicolelis, ainda que lamentando que a brasilidade de sua pesquisa dependa de políticas públicas e recursos estrangeiros, como sempre. Mas ela existe e traz o nome do Brasil na frente. Para iluminar os caminhos de quem pode vir a ser o futuro da ciência brasileira, se chegar o dia em que ela, enfim, seja levada a sério.

Até lá, os gritos de gol serão dados das cadeiras de rodas e leitos de hospital, como hoje em dia.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Linchado, porém vivo

A qualidade do jornalismo brasileiro não para de naufragar vergonhosamente. Não há um só dia, um só dia em que não encontremos erros nas notícias publicadas na internet (vou-me concentrar na internet, mas é certo que o problema não é localizado). Pode ser claramente um mero erro de digitação, algo menor, porém facilmente evitável com uma simples revisão, que parece não existir mais. Mas os atentados ao vernáculo se sucedem impiedosamente, como várias postagens deste blog já destacaram.

Outras vezes, o problema não está na Língua Portuguesa, mas no conhecimento do "jornalista". Cultura geral é um artigo cada vez mais raro. Veja-se, por exemplo, esta asneira publicada em plena home page do Portal G1, um dos maiores do país:


O erro não é inédito. Para os desavisados, o verbo linchar significa assassinar uma pessoa. Trata-se de um assassinato coletivo, perpetrado em geral como retaliação por alguma suposta falha de conduta, um crime, ou às vezes simplesmente porque o modo de ser ou de viver da vítima desagrada a maioria. Isso explica o linchamento de homossexuais ou de negros, mesmo em países supostamente desenvolvidos. A conhecida Ku Klux Klan, por exemplo, reunia gente capaz de caçar um ser humano para seviciá-lo até a morte, simplesmente por causa de sua cor.

Bem a propósito da KKK, eu acreditava ser fato histórico razoavelmente conhecido que o vocábulo linchamento se originou na chamada "lei de Lynch", de 1837, a partir do nome do capitão William Lynch, que legitimava o ódio racial nos Estados Unidos pós guerra da Independência. Ingenuidade minha, parece que pouca gente sabe disso.

O fato é que, se o rapaz está vivo — acredito que esteja, porque concedeu uma entrevista e a matéria não informou sobre interferência mediúnica —, significa que ele não foi linchado. Simples assim. Houve uma tentativa de linchamento. Tentativa, não consumação.

Aqui, a matéria em apreço, segundo a qual o rapaz atacado "ainda tenta entender os motivos de ter sido linchado por moradores". Como visto, ele não foi linchado. Mas, enfim, com essa moda de dizer que o importante é comunicar, de modo que, se o outro entendeu, não importa que esteja errado, então está tudo bem.

Eu é que sou um tremendo mala sem alça.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Prisão juvenil: é o exemplo dos Estados Unidos que você quer?

Muita gente afirma, por ignorância absoluta (nos dois sentidos da palavra) ou por descarada má fé, que a legislação criminal brasileira é branda. A crítica se estende ao tratamento dado aos adolescentes, de modo que um assunto permanentemente em pauta é a redução da maioridade penal. Quando os comentários raivosos eclodem, um dos argumentos toscos mais comuns é a comparação com outros países, cujos modelos seriam melhores simplesmente por serem mais rígidos, como se rigidez fosse sinônimo de qualidade e eficiência, afora a impossibilidade de um país copiar outro, pura e simplesmente.

Por óbvio, os Estados Unidos são sempre lembrados e aplaudidos. Afinal, lá tem pena de morte, prisão perpétua, custódia cautelar de longa duração, restrições processuais e, de resto, lá é o berço da "política de tolerância zero" e em geral dos movimentos de lei e ordem, frequentemente citados por gente que não sabe do que se trata, mas a nomenclatura soa bem.

À frente dessa campanha diuturna de emburrecimento, amplos setores da imprensa, comprometidos até a alma em fomentar o ódio contra os delinquentes, sempre demonizados. Hoje, contudo, fui surpreendido por reportagem fotográfica publicada no Portal R7 (veja aqui), cuja empatia já se revelava na manchete: "Infância roubada". E o sub-título ressaltava o absurdo das acusações que levam os menores à cadeia: "fugir da aula e arrotar na escola".

Reproduzo abaixo o texto da matéria  (inclusive com seus erros de redação), que contém informações altamente esclarecedoras, negritando aspectos especialmente graves:

Enquanto no Brasil se discute a possibilidade de menores de idade serem considerados adultos criminalmente, nos Estados Unidos esse tratamento já existe — e o resultado é desastroso, em razão de leis rigorosíssimas e falta de critério no julgamento dos casos

Como consequência, crianças e adolescentes sofrem em prisões superlotadas, sofrem abusos de guardas mal treinados e são iniciados na vida do crime para sobreviverem nos centros de detenção.

Por ano, o governo americano envia cerca de 2 milhões de menores de idade para a cadeia. Segundo a revista National Journal, 95% desse número é composto de adolescentes envolvidos em crimes não violentos.

O número coloca os EUA como o país que mais realiza prisões de menores de idade no mundo. Somente meio milhão dessas crianças e adolescentes são julgados como menores de idade, e apenas eles entram nas estatísticas oficiais de menores encarcerados — os outros são julgados por cortes criminais de adultos.


(Na imagem, seis jovens em solitárias "descansam" um pouco antes do banho de sol, em uma prisão para jovens em El Paso, no estado do Texas). Nota: No Brasil não existem mais solitárias, oficialmente. E elas não se pareciam em nada com estas, da fotografia. Eram cubículos totalmente sem luz e ventilação. Estas, mesmo que não ponham a vida humana em risco, não impedem os efeitos deletérios gravíssimos de uma contenção tão extrema. Além disso, um país civilizado oferece, aos menores infratores, tratamento mais brando do que aos adultos, por razões óbvias. A equiparação é inadmissível.

Agressões verbais, guerra de comida e até arrotos são considerados crimes passíveis de prisão. Alguns estados, como a Pensilvânia, possuem leis que preveem que crianças a partir de 10 anos já sejam julgadas como adultos, podendo ser condenadas à prisão perpétua.

Tais tipos de crime se enquadram nos chamados "status offenses" (infrações de status), popularmente conhecida como "conduta imprópria". Exemplos disso são: consumo de álcool, evasão escolar e fugir de casa. O problema, é que a lei de muitos estados — especialmente estados tradicionalmente republicanos, como o Texas — pouco diferenciam essas práticas de crimes graves, como furto e agressão violenta.

Apesar da ação de diversos grupos que lutam pelos direitos dos jovens detidos, a tendência é piorar: no início da década, quarenta e sete dos cinquenta estados americanos facilitaram o julgamento de adolescentes como adultos, segundo uma reportagem do jornal britânico The Guardian.

Uma pesquisa feita pelo jornal concluiu que em 85% dos casos, promotores e legisladores utilizaram brechas na lei para levar jovens a julgamento como adultos, ao invés de submeterem a decisão aos juízes. Muitos dos condenados em tempos mínimos não têm direito nem a um advogado.

A mesma pesquisa também revelou que jovens negros têm cerca de 70% mais chance de serem condenados do que um jovem branco. De acordo com pesquisas recentes da Universidade da Carolina do Sul, até os 23 anos, metade dos jovens afro-americanos terão sido presos.

Outro problema relacionado às prisões é que não existe punições exclusivas para doentes mentais ou deficientes físicos: todos vão para o mesmo lugar, e geralmente sofrem abusos e traumas que nunca mais são reparados.


(Na imagem, jovens sofrem abuso nos chamados "Boot Camps", onde os detidos são humilhados por sargentos que impõem à eles uma pesada disciplina militar). Nota: Senhores brasileiros, é este o exemplo a ser seguido? Quatro adultos protegidos por um imenso sistema contra um garoto sozinho? O que se aprende com isso? O que se ganha com isso?

Um dos fatos mais criticados na prática de prender jovens por infrações leves, é a superlotação gerada pelo alto número de prisões. Um dos piores é o Centro de Detenção de Cheltenham, no estado de Maryland, com capacidade para 24 detidos, e conta com mais de 100 internos e apenas 3 ou 4 guardas. O resultado é um número absurdo de práticas violentas, como estupros, facadas e assassinatos.

Os ativistas afirmam que prender esses jovens é muito mais caro e tem muito menos reabilitações do que o aconselhamento de especialistas e assistentes sociais. E existe algo ainda pior: eles saem da cadeia muito mais violentos do que entraram.

Alguns deputados republicanos utilizam esse argumento econômico para tentar mudar as leis de prisões de menores, e reiteram que essas prisões são caras e geralmente geram uma quantidade imensa de reincidentes, o que torna tudo mais caro. 

Um único jovem preso custa cerca de R$ 195 mil (US$ 88 mil), enquanto programas de prevenção não exigem mais de R$ 4,45 mil (US$ 2 mil).

Existem também diversos casos de corrupção gritantes envolvendo juízes, promotores e diretores de penitenciárias — quase todas elas privadas, que ganham dinheiro público por cada jovem preso. Quanto mais presos, mais dinheiro para eles, o que cria uma indústria de prisões cada vez maior — somente na última década, o número de presos em penitenciárias privadas aumentou 88%.

O caso mais famoso envolveu dois juízes da Pensilvânia, Mark Ciavarella e o juiz sênior Michael Conahan, que receberam R$ 5,77 milhões (US$ 2,6 milhões) de diretores de centros de detenção infantil para condenar duas mil crianças no período de dois anos.

O caso ficou conhecido como "Escândalo das crianças em troca de dinheiro" (Kids for cash scandal, no original) e foi exposto em 2008. Como resultado, uma comissão especial do estado foi destacada para investigar o envolvimento de autoridades judiciárias com diretores de prisão.

Descobriu-se que crimes como "comentários sarcásticos no MySpace", "invasão de prédios abandonados" e "roubo de DVDs" receberam penas de dois ou três anos de reclusão, consideradas abusivas por todas as instâncias da Justiça americana.

O caso gerou ainda mais revolta quando foi descoberto que mais de 20 dos condenados injustamente pela dupla se suicidaram.

Outro caso que chocou o país foi o de Kathy Franklin, mãe de uma garotinha de seis anos que foi algemada e mandada para uma instituição de saúde mental, após "fazer birra com uma professora do primário". Kathy afirmou posteriormente que nunca recebeu contato da escola com relação ao comportamento da filha, Haley, embora reconheça que ela possui um temperamento "forte".

O tom empático da reportagem não compromete o seu conteúdo, que é basicamente uma reunião de informações objetivas. Realmente, muito esclarecedor.

domingo, 4 de maio de 2014

Todos queremos ser ouvidos

Imagino que muitos não acreditem quando digo que não é pessoal, mas aquele colunista de negócios, que volta e meia cito por aqui, aprontou de novo. Juro que não é pessoal, mesmo. Nem conheço o cara, exceto pela coluna em apreço. Mas é que não consigo admitir tamanha desfaçatez, disfarçada de interesse público. Mas é preciso ser muito tapado para não perceber o evidente chamego com o empresariado, que no entendimento do jornalista deveriam ter todos os direitos e poderes, sem ter suas ações limitadas por nada.

É por isso que as notas do aludido jornalista, permeados pela vetusta, superada e monstruosa perspectiva de desenvolvimento como mero desenvolvimento econômico, desvelam inequívoco desprezo pela proteção do meio ambiente, por cautelas administrativas (p. ex. licenciamento) e pelos interesses de quem não seja dono do capital.

No capítulo de hoje, o camarada me sai com mais esta demonstração de desrespeito a quem está fora do time que paga publicidade:

Protestos contra derrocagem do pedral
Estava demorando. No dia 1º, representantes de colônias de pescadores realizaram protestos, em Itupiranga, contra "o governo federal e empresas privadas, como a Vale e outras que serão beneficiadas pela Hidrovia Araguaia-Tocantins, a partir da abertura do canal do Pedral do Lourenço". Querem ser ouvidos.

Conclusão óbvia acerca da nota: o colunista menospreza a intenção dos pescadores de ser ouvidos acerca das obras. Não lhe interessa que os protestantes sejam pessoas que vivem na região e dependem do rio para promover o seu sustento. Não são empresários, não dispõem de recursos para investir em outro negócio caso o primeiro malogre. São gente simples, que vive do próprio trabalho. Caso as obras de destruição do pedral ou o início de navegação mais intensa no rio modifiquem o ritmo de vida dos peixes, p. ex. levando-os para outros locais, de que viverão essas pessoas? Como sustentarão suas famílias?

É mesmo possível que, em 2014, uma pessoa de boa fé ignore a necessidade de se escutar, para todo grande empreendimento, as populações diretamente atingidas? Para que revelem suas necessidades e receios, a fim de se evitar ou, ao menos, minimizar danos? Minha resposta é não. Como também é negativa para se admitir a ignorância acerca do fato de que ouvir as populações atingidas é uma exigência jurídica, não um favor. O jornalista poderia ao menos se informar um pouco.

Desde a mais tenra infância, todo ser humano deseja se exprimir e ser ouvido. Trata-se de manifestação inerente à condição humana, cuja aceitação indica respeito e cumpre o ideal de dignidade, que é um princípio constitucional. Negar isso é vergonhoso.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Autopista praiana

Foto de Rodolfo Oliveira (Ag. Pará)
Não é de hoje que se discute sobre a situação das praias de Salinas, dominadas pela burguesia aristocrática e egocêntrica de Belém, que lhes impõe a condição de maior beach parking do mundo (como diria o Frederico Guerreiro), além de terreiro onde se confrontam incontáveis aparelhagens automotivas, disputando quem toca a música mais escrota no maior volume.

As desculpas estão na ponta da língua: a praia é distante; não há lugar para todos estacionarem; carros que ficam na estrada são arrombados, etc. Mas a verdade é uma só: o malandro quer chegar com seu carrão, parar na areia, instalar sua infraestrutura bem ao lado (para poder curtir o sonzão) e não ter trabalho caso queira desfilar ao longo da praia com o seu possante.

Foto de Carlos Sodré (Ag. Pará)
Naturalmente, o espaço precisa ser compartilhado com as motocicletas e com os quadriciclos, brinquedos caros que são particularmente interessantes, pois os feladiputas colocam pessoas não habilitadas, inclusive crianças, para pilotá-los.

Foi essa mistura de egocentrismo, arrogância e desrespeito que me fez passar vários anos sem pisar em Salinas, por livre escolha. Apliquei a regra segundo a qual os incomodados que se retirem. E o incomodado era eu. Só voltei lá em janeiro do ano passado, mas fiquei em um hotel um pouco afastado e só visitei a praia uma única vez. Devido ao período em que estávamos, reinava a tranquilidade no local.

Mas eis que um gravíssimo acidente ocorrido durante o feriado prolongado de Páscoa, no qual uma jovem de 24 anos teve uma das pernas parcialmente amputada, trouxe à tona a velha discussão. Para minha grande surpresa, enquete realizada pelo site do jornal Diário do Pará trouxe um resultado inesperado: nada menos do que 72,2% dos internautas votantes se manifestaram contrários à circulação de veículos na praia. 19,80% propuseram circulação em áreas restritas e somente 8% querem manter a esculhambação como sempre foi.

Partindo-se do pressuposto de que quem vota pela internet costuma ter maior nível de renda, causou-me surpresa real esse inusitado senso cívico dos leitores do portal. Eu só me pergunto se eles, quando vão a Salinas, estacionam os carros na areia. E se vão esperar uma proibição para mudar atitude ou se, independentemente de qualquer coisa, vão evitar o abuso, por convicção. Quanto a isso, duvido. Por aqui, ninguém gosta de ser pioneiro em boas ações.

Qualquer desculpa que seja dada para permitir o acesso de veículos à praia é sem-vergonhice. A prova disso pode ser vista no modo como se gere o espaço em outras praias, seja no encantador Município de Bragança, seja na sofisticadíssima Jurerê Internacional, um dos metros quadrados mais caros do país.

O que se espera de uma praia é que ela seja um cenário como esse da última imagem: um espaço frequentado tão somente por pessoas e os animais que habitam esse ecossistema (não os seus animais domésticos, débil mental!). Um lugar limpo, onde famílias podem se sentar despreocupadamente, crianças podem brincar e todos podem se divertir, comer, tomar banho e esquecer os problemas da vida por algumas horas. E não se aborrecer, viver dramas pessoais ou, até mesmo, sair morto de lá.

Eu me pergunto por que bom senso é uma condição tão difícil de assumir.

domingo, 27 de abril de 2014

Produtos da educação

Aquele colunista de negócios, conhecido aqui do blog, está a merecer mais uma crítica. Desta vez, por seus escritos hoje publicados, na área de educação.

Tratando sobre uma nova instituição de ensino superior de Belém, que será inaugurada na próximo dia 6 de maio, afirma que "seis cursos já foram reconhecidos pelo MEC", mesmo destacando que o primeiro vestibular ocorrerá em junho. Ao desinformado, lembro que o MEC primeiro autoriza os cursos para, posteriormente, quando a primeira turma de cada um se encontra na metade do caminho para a colação de grau, fazer a avaliação que se converte em reconhecimento (ou não). Por conseguinte, por ali não há curso algum reconhecido.

Mais grave ainda é o ato falho cometido ao noticiar que o Grupo Ser Educacional manterá "duas bandeiras" separadas no Pará, uma ostentando o nome Maurício de Nassau, outra mantendo o nome Universidade da Amazônia (UNAMA). O colunista diz que as duas "bandeiras" atuarão "com públicos distintos na maioria dos produtos". Ocorre que universidade não é posto de gasolina nem operadora de cartão de crédito, assim como educação não é produto. Embora sob o ponto de vista estritamente dos negócios, que é só o que o colunista enxerga, vender serviços de educação seja o objeto social da empresa e, por isso, possa ser chamado de produto, a carga valorativa oculta por trás dessas classificações me causa profundo mal estar.

Quando a educação não é mais do que um produto à venda, as consequências são bastante conhecidas. É mais ou menos como aquela antiga piada ostentada em camisetas: "Educação enriquece. Pergunte ao dono da escola."

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ah, esclareça

A notícia é muito triste e me comoveu. Mas os jornalistas brasileiros deram um jeito de piorar as coisas:
Olga Tilinina, 20 anos, foi decapitada na frente do seu filho Maxim, de 2 anos, em um acidente de elevador, nesta quarta-feira (12), em Moscou.
Mãe e filho voltavam de um passeio, quando a mulher entrou no elevador na frente da criança, sem explicação, a porta do aparelho teria se fechado. Em seguida, o elevador se moveu bruscamente e o corpo de Olga ficou preso na porta. Ela não sobreviveu ao acidente.
Ah, tá. Agradeço pela informação, pois eu estava muito inclinado a acreditar que a moça sobrevivera à decapitação...

Fonte: http://noticias.r7.com/internacional/russa-e-decapitada-pelo-elevador-em-frente-ao-filho-13022014

domingo, 17 de novembro de 2013

Brasil, um país que não se explica

Não costumo escrever sobre o caso "mensalão", porque é da minha natureza rejeitar o que é massificado: se todo mundo fala do assunto, não gosto de falar dele. E se antes todo mundo era um pouco médico, como diziam nossos avoengos, esse caso transformou cada brasileiro em jurista-penalista com pós-doutorado, já que todo mundo arrota profunda sapiência jurídica pela internet. No final, só constataremos que de louco todo mundo tem um pouco e nada mais.

Quebrando minha resistência, gostaria de externar algumas opiniões, destacando, contudo, que o pouco que sei sobre o caso foi visto através da imprensa comum, que todos sabemos ser a maior fonte de desinformação do país. Ainda mais em um caso como este, em que o ódio e a irracionalidade presidem.

Vamos aos pontos. Antes, porém, quero deixar todos muito à vontade para corrigir qualquer erro que eu cometa nestas mal traçadas linhas e, claro, para responder a minhas dúvidas.

I
Vi que o Ministro Joaquim Barbosa ia assinar os documentos necessários ao início do cumprimento das penas dos réus condenados, inclusive daqueles que se encontram em situação de "pena fatiada", conceito criado pela Igreja da Verdade Real (só o conceito, porque o "instituto" é original do nosso STF).

Expedidos os mandados de prisão (eu achava que seriam guias de execução*), nove apenados foram enfiados em um avião da Força Nacional e levados a Brasília. Eu me pergunto: por quê? A Lei de Execução Penal prevê expressamente que o apenado tem direito a cumprir sua pena o mais próximo possível de sua família e, que me conste, em São Paulo e em Belo Horizonte há casas penais. Mas todos foram enviados a Brasília, mesmo havendo, hoje, mecanismos bastante seguros para assegurar o início do cumprimento das penas em outros Estados. Obviamente, esse voo custou bem caro ao contribuinte e simplesmente não se justificava.

Mais tarde, quando os presos forem autorizados a cumprir suas penas em suas cidades de domicílio ou o mais próximo possível delas (imagino que é isso que acontecerá, se a lei for respeitada), o contribuinte pagará a viagem de volta. Uma estupidez.

* Sobre as guias de execução: http://oglobo.globo.com/pais/juiz-de-execucao-penal-diz-que-definicao-sobre-destino-de-presos-pode-atrasar-10806816

II
"...devendo a Autoridade Policial agir com absoluta
urbanidade e assegurar ao preso o respeito às
garantias inscritas na Constituição da República e
na lei processual penal."
Fiquei estarrecido com a cautela do Ministro Barbosa, que apôs, nos tais mandados de prisão, advertência expressa sobre cumprir a medida com respeito aos direitos dos presos! Entenderam? Cumpram estes mandados com todo o respeito aos direitos dos caras!

Um país que precisa lembrar às autoridades sobre o respeito aos direitos dos presos está praticamente na Idade Média. No caso, imagino que a cautela do ministro se explica particularmente pelo objetivo de mitigar, quanto possível, a espetacularização do episódio. Mesmo que seja isso, a coisa já está de ponta-cabeça.

No mais, é inevitável me lembrar que, em relação a todas as demais pessoas presas neste país, que não foram condenadas na célebre Ação Penal 470, não existe recomendação semelhante. É por que não precisa ou é licença implícita para baixar o sarrafo?

III
Vi agora no Fantástico que, para entrar no avião, os presos foram algemados. Isso me enervou. Começa pela desculpa sempre na ponta da língua dos policiais federais: "procedimento de segurança". Toda vez que escuto isso, tenho vontade de sugerir um lugar para as ínclitas autoridades introduzirem seus procedimentos de segurança.

O mais engraçado é que a Súmula Vinculante n. 11, do STF, afirma: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

Parece que alguém não leu direito o mandado, com aquela ressalva comentada no item anterior. Ou, o que é mais provável, os riscos à segurança são óbvios e inerentes; estão sempre presentes e, por isso, sempre há necessidade de algemar o preso. É o que diz a PF.

IV
Olha aí a PF se promovendo no Twitter! Qualquer semelhança com os
bombados de academia que divulgam seus músculos não é mera
coincidência. A diferença é quem está pagando a fatura.
Os presos foram sentados à janela e cada um possuía um agente ao seu lado. Parece que todos eram presos de extrema periculosidade ou, talvez, que houvesse risco de fuga. Fez-me pensar no sequestro aéreo que se vê na sequência inicial do filme Batman - The Dark Knight rises. Além de aumentar a opressão sobre os apenados, aumentou a quantidade de agentes envolvidos e, portanto, os custos para o contribuinte.

V
A cereja do bolo foi a proibição de falar. Mesmo ainda não estando dentro da casa penal, os apenados já estavam em pleno século XIX, entregues ao histórico silent system. Vai ver que a proibição de emitir sons fosse para prevenir os planos da dita fuga aérea... A regra, também expressa, segundo a qual o preso conserva todos os direitos não atingidos pela pena foi sumariamente ignorada.

Na hora que vi essa palhaçada, comentei: fosse eu, passaria a viagem cantando. Quando me mandassem calar, eu diria: "Não calo. Vai fazer o quê? Me prender?" A pena cominada ao crime de desacato é de 6 meses a 2 anos de detenção, então eu correria o risco. Valeria a pena alegar situação de extremo estresse, potencializada pela redução dos níveis de oxigênio no interior da aeronave.

Mais: eu cantaria a canção do quati. Você não conhece? Trata-se de uma versão de I want to break free, do Queen, com a qual certa vez irritei um amigo durante uma viagem de ônibus. A proposta é basicamente o seguinte (cante com o ritmo da famosa canção):

Comprei um quati
Comprei dois quatis
Comprei três quatis, quatro quatis, cinco quatis, seis quatis, sete quatis
Comprei uma porção de quatis!

Aí você repete mudando o verbo "comprei" por "alimentei" e segue do jeito que quiser: "banhei", "tosei", "passeei", etc. O melhor é quando você mata o quati e o cara ao lado pensa que o negócio acabou. Aí você ataca de "ressuscitei o quati" e é um desbunde!

Epílogo
Meu amigo, este país ridículo exige o máximo de nossa capacidade de humor e reinvenção. O que precisa ser sério nunca é, mesmo podendo.

Deixe que eu explique, por fim, que a razão da minha indignação é que, se a polícia dita mais preparada do país age dessa forma, e em relação a idosos e mulheres, que tratamento estará destinado ao cara do dia-a-dia do sistema de justiça criminal? No fundo nós sabemos, mas é assustador quando a coisa é escancarada dessa forma.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Toca de piscina

Li a manchete e me pus imediatamente a meditar...


...tentando entender que diabo de toca seria essa. Pensei até em um buraco embaixo d'água! Passados alguns segundos, percebi que a explicação era menos sofisticada e mais triste: novamente, a falta de zelo da imprensa atual produziu mais uma pérola.

Enfim, conheça a piscina para naturistas em Paris, onde você pode nadar peladão, mas é obrigado a usar touca de cabeça!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O direito de ser deixado em paz

Uma das maiores belezas do direito é sua transformação por força das mudanças por que passa o próprio mundo. Afinal, estamos na seara de uma ciência social aplicada. Mesmo com a habitual resistência a mudanças e, até mesmo, uma absurda resistência a abraçar o novo, chega uma hora em que as teias de aranha precisam ser espanadas. Com isso, surgem novas demandas e teses. Uma bastante interessante é o direito ao esquecimento. Enquanto cresce a exigência de se assegurar a verdade histórica, debate-se também a questão do direito de ser, literalmente, deixado em paz — o right to be let alone dos anglossaxões.

Na página do Superior Tribunal de Justiça foi publicada, hoje, instigante matéria sobre o tema, que vale a pena ler. Partindo de julgamentos verídicos, ela aborda o direito ao esquecimento:

  • na perspectiva dos acusados de crimes (caso de um dos réus da Chacina da Candelária, que foi absolvido, porém teve sua imagem explorada, anos mais tarde, pelo programa Linha Direta, da TV Globo);
  • dos familiares de vítimas de crimes (caso de pedido de indenização negado, pela exploração naquele mesmo programa de TV, de um caso de estupro e homicídio ocorrido em 1958);
  • da ampla difusão de informações favorecida pela internet, que coloca em confronto a privacidade individual e as liberdades de expressão e imprensa;
Fiquei conhecendo o termo "superinformacionismo", exposição excessiva de fato que não deveria ser divulgado e, por isso, autoriza medidas judiciais, p. ex. determinando a retirada de certos conteúdos da internet (medida sabidamente inócua, que acaba se prestando apenas a justificar provimentos por reparação de danos).

Novas questões com que os estudiosos do direito devem se acostumar. E questões demasiadamente humanas.

Contra o direito ao esquecimento: http://www.conjur.com.br/2013-out-21/direito-fundamental-esquecimento-afirmacao-insustentavel

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Black-bloc-reacionário-ou-não

Foi assim que Caetano Veloso (71) quis ser fotografado no último dia 5 de setembro: com uma camiseta preta ocultando o rosto, para demonstrar seu apoio ao movimento Black Bloc, que tem tirado o sono das autoridades em diferentes países, o Brasil inclusive. E a foto foi feita na sede do grupo Mídia Ninja, um movimento de jornalistas que se consideram ativistas sociopolíticos e uma via alternativa à imprensa tradicional. Junto com sociólogos e antropólogos, Caetano mandou uma carta ao secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, João Mariano Beltrame, cobrando o fim da violência policial contra populares, nas incessantes manifestações que tem ocorrido na capital daquele Estado.

Moderno, audacioso e libertário esse Caetano, não? Contra a ordem estabelecida! Difícil crer que se trata do mesmo Caetano Veloso que, há duas semanas, entrou no olho do furacão na polêmica sobre as biografias não autorizadas.

Para quem não sabe, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade que tenta expurgar do ordenamento jurídico dispositivos do Código Civil com base nos quais uma pessoa, ou seus descendentes, pode proibir a publicação de biografias, a fim de preservar a privacidade. O confronto se dá com a liberdade de expressão e o direito à verdade histórica, este um tema de crescente interesse não apenas para juristas, mas para a sociedade como um todo. O caso ganhou maior repercussão porque a Min. Cármen Lúcia, relatora do processo, marcou uma audiência pública para debater a matéria.

Como ninguém pode ousar se meter com a imprensa, a confusão está armada. Tenho lido alguns artigos muito interessantes e elegantes sobre o tema e qualquer hora dessas farei uma postagem a respeito. O fato é que Caetano Veloso é um dos expoentes do movimento "Procure Saber", que, sob diferentes argumentos humanitários, quer influenciar o STF a manter o Código Civil como está.

Caetano não é o único bipolar. Sua ex-esposa, a produtora Paula Lavigne, que tornou público o seu "orgulho" frente à atitude "sensacional" do "painho", é quem está à frente do "Procure Saber".

Veloso e Lavigne, assim, revelam-se maus líderes da campanha, cuja baixa credibilidade fica ainda mais comprometida diante de uma postura tão contraditória, ensejando a conclusão de que, no final das contas, a suposta ideologia é presidida mesmo interesse pessoal. Caetano acaba sendo o mais achincalhado de todos os defensores da lei atual, porque foi justamente ele que, no embate contra a ditadura militar, entrou para a história com a frase "é proibido proibir".

Estou achando bem divertido o bate-boca, que acompanho com interesse porque adoro biografias.

Fonte: http://extra.globo.com/noticias/brasil/caetano-veloso-cobre-rosto-com-pano-preto-em-apoio-ao-black-bloc-9848055.html